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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.102 Lisboa out. 2016

 

COMENTÁRIO


 

O Professor Galopim de Carvalho e o laboratório de geomorfologia do Centro de Estudos Geográficos de Lisboa

 

 

Suzanne Daveau1

1Professora catedrática aposentada. E-mail: sdaveau@sapo.pt

 

 

Um Centro de Estudos Geográficos foi criado pelo instituto de alta Cultura, a pedido de Orlando ribeiro, quando obteve, em 1943, um lugar de Professor Catedrático de Geografia na faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Até ao fim dos anos 50, este Centro minúsculo, quase simbólico, ocupava um acanhado local próximo do antigo Convento de Jesus, onde se acotovelam a academia das Ciências, os serviços Geológicos e a faculdade de Letras. O número de alunos de Geografia era muito reduzido, apenas começando a aumentar com a reforma de 1957 que permitiu que esta disciplina aparecesse desde o primeiro ano de ensino, mas sem ter ainda o peso da História e das Ciências naturais.

Na mesma altura (1958), inaugurava-se o novo edifício da faculdade de Letras, na Cidade Universitária planeada pelo estado novo ao norte da cidade, no Campo Grande. Com nobre fachada e espaços de circulação amplos, o edifício ia revelar-se em breve funcionalmente acanhado, pelo número de alunos duplicar de 1960 a 1970. Mas, ao princípio, parecia tão amplamente concebido que Orlando ribeiro obteve com facilidade confortáveis instalações para o Centro de estudos Geográficos, inclusive um Laboratório de Geomorfologia.

A criação deste Laboratório, estranhada por alguns colegas mais “literários”, impunha-se, tanto pela orientação multidisciplinar que Orlando ribeiro entendia dar à Geografia como pelas dificuldades de circulação intraurbana. Com efeito, se a partilha do novo edifício facilitou bastante os contactos com colegas linguistas, historiadores ou filósofos, a sua implantação na periferia lisboeta dificultava as relações com a faculdade de Ciências, mantida no vetusto edifício da escola Politécnica, a 6 km da Cidade Universitária e ainda sem ligação pelo Metropolitano.

A geração dos Professores que, no fim dos anos 50, fizeram face à esta drástica mudança locativa, tinha beneficiado, antes da segunda Guerra Mundial, de uma feliz prefiguração do atual programa “erasmus”, ao usufruir lugares de “leitores” ou bolsas do instituto de alta Cultura, então eficazmente dirigido pelo Prof. Celestino da Costa. Restabelecida a paz, estes jovens Professores entenderam mandar os próprios assistentes formar-se por seu turno no estrangeiro. Orlando ribeiro orientou assim sucessivamente francisco tenreiro para Londres, raquel soeiro de Brito para Clermont-ferrand, ilídio do amaral para Munique, Jorge Gaspar para Lund, antónio de Brum ferreira para toulouse, Carlos Medeiros para Bordéus, isabel Marques e Carminda Cavaco para estrasburgo… Do lado dos geólogos, Carlos teixeira mandou, entre outros, antónio ribeiro completar a sua formação de geólogo estrutural em Paris e Montpellier, filomena Dinis aprender a Palinologia e Galopim de Carvalho formar-se em sedimentologia em Paris.

De 1965 a 1981, este jovem geólogo ia ensinar aos geógrafos a prática da sua ciência, posta ao serviço das investigações que, desde o fim dos anos 30, Pierre Birot, Orlando ribeiro, Mariano feio e, a seguir, eu própria, antónio de Brum ferreira e outros, praticaram sobre a evolução geomorfológica de Portugal. No funcionamento do Laboratório, Galopim foi sucessivamente ajudado por duas alunas de Geografia, Celeste alves até 1968 – que seguiu então para as Universidades de aberdeen e de aveiro –, e Maria fernanda alegria – que tomará a direção do Laboratório de 1981 a 1987, sendo então, doutorada, nomeada na Universidade nova.

Ana Ramos Pereira e Carlos Sirgado assumiram a seguir a responsabilidade deste espaço muito cobiçado, num Centro cada vez mais acanhado para o número crescente dos investigadores, numa fase de transição em que a investigação geomorfológica tomou novas orientações, mais viradas para a evolução quaternária das formas e, até, para a sua dinâmica atual e os riscos daqui decorrentes. Pode considerar-se que a síntese coletiva sobre as Grandes Unidades Regionais do Relevo de Portugal, planeada em 1998 e publicada em 2004, fechou o ciclo da brilhante fase de investigação em que as técnicas sedimentológicas ensinadas aos geógrafos por Galopim de Carvalho, permitiram grandes progressos na compreensão da génese do relevo de Portugal, graças à análise dos chamados “depósitos correlativos”. Novas técnicas foram, entretanto, aparecendo, abrindo inéditas e prometedoras perspetivas para a compreensão do relevo terrestre.

Na faculdade de Ciências, Galopim de Carvalho continuou a ensinar sedimentologia até se reformar em 1981, resumindo então em três volumes, publicados em 2003-2006, o seu saber em Geologia Sedimentar. Mas os seus interesses foram sempre bem mais vastos e a sua capacidade pedagógica de qualidade verdadeiramente excecional. Foi ao dirigir Museus, organizar exposições, escrever artigos e proferir conferências, que acordou num muito vasto público o interesse pela compreensão do Mundo em que vive o Homem, usando sempre, para isso, uma linguagem que, perfeitamente exata cientificamente, fica no entanto acessível a qualquer leitor ou auditor. E basta ler, para se convencer disso, o lindo texto que apresenta e explica a origem da sua natal e amada planície alentejana.

 

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