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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia
Print version ISSN 0430-5027
Finisterra no.110 Lisboa Apr. 2019
https://doi.org/10.18055/Finis15093
ATUALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
Space invaders: radical geographies of protest
André Ribeiro1
1 Mestrando em “Geografia Humana: Globalização, Sociedade e Território” do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, Rua Branca Edmée Marques, 1600-276, Lisboa, Portugal. E-mail: andre.ribeiro@campus.ul.pt
Paul Routledgei é professor na Escola de Geografia da Universidade de Leeds desde 2013. As suas áreas de pesquisa incluem a geopolítica crítica, os movimentos sociais e questões ambientais. Segundo o próprio, o interesse pela investigação surge ao perceber que poderia juntar as suas preocupações políticas e culturais às suas pesquisas práticas, obtendo, como afirma, mais do que um resultado académico. Assim, as suas pesquisas focam-se nos movimentos sociais e na relação que estes estabelecem com o espaço a diferentes escalas, bem como na influência que o espaço tem nestes movimentos. Este trabalho leva-o a praticar um ativismo escolar, inserindo-se nos grupos de protesto e integrando as suas práticas. Autor do livro Terrains of Resistance: Nonviolent Social Movements and the Contestation of Place in India (1993) e co-autor (com Andrew Cumbers) de Global Justice Networks: Geographies of Transnational Solidarity (2016), Paul Routledge participou em diversos movimentos como o Movimento Anti-Estradas no Reino Unido ou a Rede People’s Global Action, na Ásia, dois dos exemplos que são referidos neste seu livro. Estas participações ativas geraram também vários artigos, como Backstreets, Barricades, and Blackouts: Urban Terrains of Resistance in Nepal (1994), Voices of the dammed: Discursive resistance amidst erasure in the Narmada Valley, India (2013), Territorialising movement: The politics of land occupation in Bangladesh (2015). Space Invaders – Radical Geographies of Protest surge assim enquanto uma coletânea de conhecimentos e experiências que o autor adquiriu ao longo de mais de 30 anos de investigação.
O livro encontra-se dividido em oito capítulos, onde são abordados elementos ou usos do espaço importantes no decorrer de um protesto. Os capítulos têm uma estrutura semelhante entre si: depois de introduzido o caso em estudo, segue-se a apresentação de três ou quatro casos práticos e uma conclusão sobre o tema. Em cada novo capítulo vão sendo referidos elementos apresentados anteriormente, o que confere continuidade temática ao livro.
O primeiro capítulo serve de introdução ao tema dos protestos e à análise que a Geografia realiza sobre os mesmos. O autor apresenta a relação existente entre os ativistas e o espaço, relação essa que os torna nos invasores espaciais que dão título à obra. É feita uma breve apresentação da Geografia Humana e – em particular – do conceito de Geografia Radical do Protesto, assim como do interesse em explorar o modo como contextos e pessoas com passados distintos resultam em protestos diferentes.
O segundo capítulo aborda a importância de conhecer um lugar. É através deste conhecimento que os protestantes utilizam a topografia ou os seus elementos culturais (ou símbolos) para promover o seu protesto. Um exemplo desta importância é o uso do conhecimento das ruas e praças no Nepal, que os activistas utilizam nos anos 90 para distribuir as mensagens de revolta, realizando reuniões em praças comunitárias, chamadas twa. Na mesma ocasião, os ativistas utilizavam os telhados das casas para combinar apagões durante a noite, que serviam para demonstrar desagrado com o regime monárquico e ainda para dificultar que alguns protestantes fossem identificados pelas forças de segurança. Neste capítulo, bem como noutros, são utilizados vários termos estrangeiros que, eventualmente, podem dificultar a leitura do texto. Quando aparecem pela primeira vez, o autor tem o cuidado de explicar o seu significado em inglês, mas quando a isto se juntam siglas (também referentes as palavras estrangeiras), o texto tornar-se, por vezes, menos claro e exige atenção redobrada ao leitor.
O foco principal do terceiro capítulo é criação de lugares, ou seja, a capacidade de os protestantes conferirem importância a um espaço, tornando-o num símbolo do protesto em causa. Esta ação pode ser realizada de diversas maneiras, seja através de uma ocupação de um espaço urbano, como ocorreu na Praça Tahrir no Cairo, Egipto, durante a Primavera Árabe, em 2011, ou a criação de um acampamento num espaço descaracterizado, tal como se registou a sul de Glasgow, Escócia, nos anos 90, onde os protestantes montaram tendas e construíram casas em árvores e onde viveram durante algum tempo, na tentativa de prevenir a construção de uma autoestrada. A ocupação do espaço público e a demonstração de descontentamento ainda hoje são as melhores formas de expressar força e desafiar quem tem poder, como se registou em movimentos como a Geração à Rasca ou Que se Lixe a Troika, em Lisboa (Queirós, Roque, Quintela, Ludovici & Vitoriano, 2015 in Gualini, Mourato & Allegra, 2015).
A mobilidade é abordada no quarto capítulo, numa descrição que remete para o capítulo anterior e refere a necessidade que os ativistas têm de se adaptar às situações, ocupando e abandonando lugares à medida das necessidades. O autor utiliza exemplos como o movimento Black Lives Matter, nos EUA, que organizou diversos protestos pelo país e, ainda, a utilização de Flash Mobs (protestos que se organizam informalmente online e surgem tão rapidamente como se dispersam). É ainda referido o hacktivismo, ou seja, uma forma de ativismo digital, dando o exemplo de uma aplicação que permite aos ativistas saberem onde as forças policiais irão implementar medidas de contenção, permitindo, assim, que estes possam alterar os seus percursos, mantendo-se em movimento.
No quinto capítulo o autor explora a “guerra” de palavras utilizada pelos ativistas ao espalharem a sua mensagem através de palavras (e slogans) e de imagens difundidas pelos media, tentando que quem não esteja diretamente envolvido no protesto altere o seu modo de pensar sobre o mesmo. É apresentado o caso da criação de várias barragens no rio Narmada, na Índia. Estas construções implicam que cerca de 15 milhões de pessoas abandonem esta área, uma vez que o seu meio de subsistência – a agricultura – irá desaparecer. Os ativistas em causa organizaram um movimento de salvação do Narmada – Narmada Bachao Andolan – e procuraram dar relevo à sua luta através de músicas e testemunhos relacionados com a cultura e religião locais, afirmando, por exemplo, que o governo ia afogar os seus deuses.
O sexto capítulo do livro incide sobre a amplificação do alcance de um protesto por via das redes sociais e da internet. Tal tanto se consegue através da definição de um local como lugar de protesto, tornando esta imagem internacional, como por via da possibilidade de diferentes grupos que defendem a mesma ideia em diferentes lugares do mundo comunicarem e se organizarem em conjunto. O autor seleciona aqui como exemplo os vários grupos que lutam contra o neoliberalismo económico que se vem a registar por todo o mundo, materializado na PGA (People’s Global Action) e nas conferências que este grupo organiza em vários países.
No sétimo capítulo, Paul Routledge aborda o modo como o protestante se pode sentir excluído do lugar, isto é, casos em que a maneira de pensar ou de agir desafiam o que se associa a um determinado lugar e à sua cultura dominante. Os exemplos apresentados neste capítulo são os protestos da comunidade LGBTQ, como as paradas de orgulho gay durante uma crise de SIDA nos anos 1980 nos EUA e outras demonstrações públicas que desafiavam a ideia de espaço público heterossexual. Outro protesto apresentado é o Pussy Riot, um grupo feminista que organizava espetáculos, como guerrilhas, em espaços públicos de modo a protesta a discriminação do governo russo contra as mulheres.
O último capítulo consiste numa reunião das noções apresentadas nos capítulos anteriores, sustentado na apresentação de novos exemplos que as ilustram. Com base nesses exemplos, o autor apresenta sugestões passíveis de serem utilizadas por grupos no futuro nos espaços de protesto que estes vierem a eleger.
O próprio título do livro possui uma mensagem escondida bastante curiosa. Em 1978, a produtora de videojogos Taito criou o jogo Space Invaders, onde um grupo de alienígenas vem em direção à Terra e, perante este cenário, cabe ao jogador defender o planeta da maneira que pode (neste caso, com um canhão laser que permite disparar contra os invasores). Os exemplos referidos neste livro têm em comum o facto de serem caracterizados por grupos de pessoas que veem o seu espaço ameaçado de algum modo e o defendem utilizando os recursos que possuem.
Space Invaders é um livro que tanto interessa a quem esteja a estudar um determinado protesto, como a quem esteja a iniciar o estudo nesta área. Se, por um lado, a simples leitura do índice poderá indicar tratar-se de um livro essencialmente teórico, a leitura depressa desmente essa ideia ao apresentar nove locais de intervenção onde são abordados múltiplos aspetos dos movimentos, deixando bem vincada a componente prática do livro. A introdução dos conceitos utilizados em cada um dos casos de estudo é clara, transmitindo a ideia de que a teoria tem de ser adaptada a cada uma das circunstâncias estudadas, assim como dando conta da dificuldade que existe na criação de modelos gerais. Por acréscimo, Space Invaders contribuiu para reforçar a nossa perceção de que a Geografia desempenha um papel fundamental na explicação de várias atitudes e ações dos protestos – apenas temos de saber para onde olhar e como interpretar determinados elementos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Queirós M., Roque, A. R., Quintela, P., Ludovici, A., & Vitoriano, N. (2015). Born in the blogosphere, staging in the streets: crisis, austerity and urban social movements. In E. Gualini, M. Allegra & J. M. Mourato (Eds.), Conflict in the City: Contested Urban Spaces and Local Democracy (pp. 197-216). Berlin: Jovis. [ Links ]
NOTAS
i Routledge, P. (2017). Space invaders: radical geographies of protest. London: Pluto Press.