SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número114Controlo de rendas e justiça habitacionalAcesso ao mercado de arrendamento em Portugal. um retrato a partir do programa de arrendamento acessível índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.114 Lisboa ago. 2020

https://doi.org/10.18055/Finis19635 

ARTIGO

Nova geração de políticas de habitação em Portugal: contradições entre o discurso e as práticas no direito à habitação

New generation of housing policies in Portugal: contradictions between speech and practices in the right to housing

Nouvelle génération de politiques de logement au Portugal: contraditions entre le discours et les pratiques en matière de droit au logement

Nueva generación de políticas de vivienda en Portugal: contradicciones entre el discurso y las prácticas en derecho a la vivienda

Luís Mendes1

1Geógrafo, Assistente Convidado, Escola Superior de Educação de Lisboa, Investigador, Centro de Estudos Geográficos, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa, R. Branca Edmée Marques, 1600-276, Lisboa, Portugal. E-mail: luis.mendes@campus.ul.pt


 

RESUMO

O lançamento da iniciativa Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH) representa um momento discursivo governamental inovador na tentativa de resolução dos problemas estruturais que se têm colocado ao avanço do Direito à Habitação no nosso país. Todavia, persistem, em termos operacionais e práticos, inúmeras contradições. A construção do ensaio partirá de postulados ou conceitos já estabelecidos na literatura consultada que nos permita, através de um trabalho lógico de relação de hipóteses explicativas, descontruir algumas daquelas contradições neste texto, nomeadamente: [i] a ofensiva neoliberal escamoteada de descentralização, presente na municipalização das políticas de habitação; [ii] as lógicas de financiamento dos instrumentos de actuação que promovem múltiplas engenharias acumuladoras de financeirização, alimentando o nexo Estado-Finanças-Imobiliário e [iii] o novo papel do Estado capitalista neoliberal enquanto promotor, gestor e garantidor de habitação, por oposição a um desejável Estado construtor, implementador e executor de habitação e de uma consequente política pública neste sector.

Palavras-chave: Direito à habitação; políticas de habitação; municipalização; financeirização da habitação; Estado neoliberal.


 

ABSTRACT

The launch of the New Generation of Housing Policies (NGPH) initiative represents an innovative government discursive moment in the attempt to solve the structural problems that have been posed to the advancement of Law to housing in our country. However, in operational and practical terms, countless contradictions persist. The construction of the essay will start from postulates or concepts already established in the consulted literature that allows us, through logical work relating explanatory hypothesis, to deconstruct some of those contradictions in this text, namely: [i] the neoliberal offensive concealed from decentralization, present in the municipalization of housing policies; [ii] the financing logics of the instruments of action that promote multiple accumulative financialization engineering, feeding the State-Finance-Real Estate nexus and [iii] the new role of the neoliberal capitalist State as a promoter, manager and guarantor of housing, as opposed to a desirable state that builds, implements and executes housing and a consequent public policy in this sector. The paper will conclude with an apology for the principles of a true and consequent Public Housing Policy in the path of universal realization of the inalienable and unconditional Right to Housing in national territory.

Keywords: Right to housing; housing policies; municipalization; financialization of housing; Neoliberal State.


 

RÉSUMÉ

Le lancement de l’initiative Nouvelle génération de politiques de logement (NGPH) représente un moment discursif innovateur du gouvernement dans la tentative de résoudre les problèmes structurels qui ont été posés à l’avancement du droit au logement dans notre pays. Cependant, en termes opérationnels et pratiques, d’innombrables contradictions persistent. La construction de l’essai partira de postulats ou de concepts déjà établis dans la littérature consultée qui nous permet, à travers un travail logique d’explication des hypothèses, déconstruir certaines de ces contradictions dans ce texte, à savoir: [i] l’offensive néolibérale cachée la décentralisation, présente dans la municipalisation des politiques de logement; [ii] les logiques de financement des instruments d’action qui favorisent l’ingénierie de financiarisation cumulative multiple, alimentant le lien État-Finance-Immobilier et [iii] le nouveau rôle de l’État capitaliste néolibéral en tant que promoteur, gestionnaire et garant du logement, par opposition à un état souhaitable qui construit, met en Suvre et exécute le logement et une politique publique conséquente dans ce secteur.

Mots clés: Droit au logement; politiques de logement; municipalisation; financiarisation du logement; Etat néolibéral.


 

RESUMEN

El lanzamiento de la iniciativa Nueva Generación de Políticas de Vivienda (NGPH) representa un momento discursivo gubernamental innovador en el intento de resolver los problemas estructurales que se han presentado con el avance en el derecho a la vivienda en nuestro país. Sin embargo, en términos operativos y prácticos, persisten innumerables contradicciones. La construcción de este ensayo comenzará a partir de postulados o conceptos ya establecidos en la literatura consultada y esos nos permite, a través de un trabajo lógico de explicación de hipótesis, deconstruir algunas de esas contradicciones en este texto, particularmente: [i] la ofensiva neoliberal oculta de descentralización, presente en la municipalización de las políticas de vivienda; [ii] las lógicas de financiación de los instrumentos de actuación que promueven múltiples ingenierías acumuladoras de financiarización, alimentando el nexo Estado-Finanzas-Bienes Raíces y [iii] el nuevo papel del Estado capitalista neoliberal como promotor, gestor y garante de la vivienda, en lugar de un Estado deseable que construye, implementa y ejecuta viviendas y de una consecuente política pública en este sector.

Palabras clave: Derecho a la vivienda; políticas de vivienda; municipalización, financiarización de la vivienda; Estado neoliberal.


 

I. Nota introdutória

O lançamento da iniciativa Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH), no ano de 2017, representa um momento discursivo governamental inovador na tentativa de resolução dos problemas estruturais que se têm colocado ao avanço do Direito à Habitação no nosso país. Especificamente, a NGPH, surgindo num contexto de pós-crise capitalista, corresponde a um pacote programático que abarca diferentes situações e respostas habitacionais. Revela um discurso assertivo, estratégico e pró-activo, e uma visão holística, integradora e intersectorial, no que toca ao lançamento de uma Política Pública de Habitação, visando a resolução de carências e problemas estruturais no sector que se arrastam há séculos no território português. Esta NGPH assume no seu discurso teórico, visão e missão, os grandes objetivos de garantir o acesso de Todos a uma habitação adequada, entendida no sentido amplo de habitat e orientada para as pessoas, o que pressupõe um alargamento significativo do âmbito de beneficiários e da dimensão do parque habitacional com apoio público; bem como criar as condições para que a reabilitação urbana passe “de exceção a regra” e se torne na forma predominante de regeneração do território.

Todavia, persistem, em termos operacionais e práticos, inúmeras contradições. Algumas delas serão desconstruídas neste textoi: [i] a ofensiva neoliberal escamoteada de descentralização, presente na municipalização das políticas de habitação; [ii] as lógicas de financiamento dos instrumentos de actuação que promovem múltiplas engenharias acumuladoras de financeirização, alimentando o nexo Estado-Finanças-Imobiliário e [iii] o novo papel do Estado capitalista neoliberal enquanto promotor, gestor e garantidor de habitação, por oposição a um desejável Estado construtor, implementador e executor de habitação. O artigo concluirá com uma apologia dos princípios de uma verdadeira e consequente Política Pública de Habitação na senda da concretização universal do inalienável e incondicional Direito à Habitação em território nacional. Como linha metodológica, gostaríamos de destacar que o texto que apresentaremos configura tão e somente um mero ensaio teórico, problematizador e exploratório desta temática, sendo que não existe um ponto específico de estudo de caso, surgindo este aflorado ao longo da explanação, interligado com a teoria e à luz desta interpretado. A construção do ensaio partirá de postulados ou conceitos já estabelecidos na literatura consultada (direito à habitação, financeirização e mercantilização da habitação, gentrificação, Estado neoliberal, urbanismo austeritário), através de um trabalho lógico de relação de princípios explicativos, que configura, a nosso ver, uma possível perspectiva de interpretação dos fenómenos em estudo e enquadramento à análise de conteúdo dos vários documentos governamentais e oficiais que configuram a abordagem da NGPH.

II. Da “NOVA” questão da habitação: os antecedentes

O direito à habitação está consagrado na Constituição da República Portuguesa desde 1976, a par de outros direitos sociais e culturais de grande importância para a qualidade de vida e desenvolvimento social da população - tais como os direitos à segurança social, à saúde, à educação, ao ordenamento do território ou ao ambiente. Todavia, é hoje consensual nos estudos de habitação em Portugal que durante todo o período democrático foi dos sectores mais secundarizados do Estado Social, quer do ponto de vista orçamental e de afectação da despesa pública, quer da concepção de uma visão estratégica do ponto de vista das políticas das autoridades públicas e consequente produção de acções concretas tendo em vista suprimir ou mitigar as necessidades estruturais vividas pelas populações nesta matéria. Sendo que o direito à habitação se trata de um direito programático, dependente das capacidades de financiamento dos sucessivos governos, a legislação aprovada ao longo dos anos tem corrido de modo errático, desdobrando-se em programas específicos e medidas parcelares, sem que se tenha norteado por princípios e regras basilares e gerais de uma Política Pública de Habitação uniforme, correndo ao sabor dos interesses e oportunidades dos ciclos políticos e dos poderes do momento e refém de interesses de funcionamento dos mercados e da banca (Fahra, 2017; Antunes, 2018; Morais, Silva, & Mendes, 2018; Tulumello, 2019).

Ao longo da história da habitação em Portugal houve programas específicos orientados para a resolução de problemas habitacionais estruturantes na produção de cidade e urbanização, mas de foco particular. Destaque-se o SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), em Julho de 1974, com o objectivo de combater as graves carências habitacionais dos anos 70 no país, pretendia apoiar, através das câmaras municipais, iniciativas de populações mal alojadas no sentido de colaborarem na transformação dos próprios bairros, investindo os próprios recursos locais. De salientar também o Programa Especial de Realojamento (PER) para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, criado pelo Decreto-Lei nº.163/93 de 7 de Maio e sofrendo várias alterações legislativas até 2007, que como o próprio nome indica, visa proporcionar, aos municípios daquelas áreas, condições para proceder à erradicação das barracas existentes e, consequentemente, o realojamento dos seus ocupantes em habitações de custos controlados. Ressalte-se ainda o Programa de Financiamento para Acesso à Habitação (PROHABITA), regulamentado pelo Decreto-Lei n.º135/2004, de 3 de Junho, revisto pelo Decreto-Lei 54/2007 de 12 de Março, programa que também visa a resolução de situações de grave carência habitacional dos agregados familiares residentes em território nacional. Este Programa incentiva a reabilitação de habitações como solução alternativa para o alojamento de famílias, permitindo deste modo aos municípios conjugar a resolução das situações de carência habitacional com a reabilitação de parte do parque habitacional urbano e a utilização de fogos devolutos, no entanto, prevendo ainda outras soluções de realojamento. Deste modo, o PROHABITA concretiza-se mediante Acordos de Colaboração entre os municípios e o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU). O PER e o PROHABITA foram substituídos, na NGPH, pelo “Porta de Entrada”.

A par de uma desarticulação de escalas, temáticas, públicos-alvo e territórios que as políticas de habitação têm conhecido nas últimas décadas, desprovidas que parecem estar de coerência; a evolução do direito à habitação em Portugal foi transversalmente influenciada por características/dinâmicas do próprio mercado de habitação português, que não têm facilitado o seu desenvolvimento: a crise de um Estado Providência, de si já de desenvolvimento lento, tardio e exíguo no nosso país; o peso residual da habitação social ou pública, comparativamente a outros países desenvolvidos; um mercado de habitação muito rígido, de escassa mobilidade e muito concentrado no regime de aquisição de casa própria; a par de um mercado de arrendamento frágil e pouco credível, quer para a oferta, quer para a procura. A estas debilidades, junta-se, a partir da entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, em 1986, um reforço das últimas duas tendências sob o signo de uma crescente liberalização e flexibilização do sistema de arrendamento privado e, mais recentemente, de uma financeirização do mercado de habitação em geral (Santos, Teles, & Serra, 2014; Allegra et al., 2017; Carreiras, 2018; Costa Pinto & Guerra, 2019; Seixas & Antunes, 2019).

Em 2007, lança-se a nível nacional o Plano Estratégico de Habitação, dotado de uma visão pioneira e integradora que previa que o Estado apostasse na reabilitação do parque habitacional, nas parcerias público-privadas e na dinamização do mercado de arrendamento, conferindo um papel central também às autarquias locais. Esse prosseguimento na prática do ordenamento do território acaba por ser ceifada pela eclosão da crise financeira de 2008-2009 e por um consequente período de austeridade (2011-2015) que tornou cada vez mais escassas as dotações orçamentais para as políticas de habitação, ao mesmo tempo que as condições de vida económica e social se tornavam mais difíceis para a população.

Neste período, uma conjugação de governo de urbanismo de austeridade (Peck, 2012), agilizado quer por parte do Estado Central, quer do Local, ao abrigo da intervenção internacional do Memorando da Troika de 2011 durante o período de resgate da economia portuguesa, no caso de Lisboa, resultaram numa viragem neoliberal das sucessivas políticas de reabilitação urbana mais pró-mercado que se vinha assistindo desde a criação das Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU). A esta viragem acrescentem-se os programas de atração de investimento estrangeiro dos Golden Visa[ii] e o Regime Fiscal Especial dos Residentes Não Habituais; as alterações trazidas em 2012 ao Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU), que aprofundaram a liberalização no mercado de arrendamento que se vinha a registar desde a promulgação do Regime do Arrendamento Urbano (RAU) em 1990 e, posteriormente, do NRAU de 2006; o regime de isenções fiscais aos Fundos de Investimento Imobiliário de 2015, a Lei do Alojamento Local (AL), de 2014 e, mais recentemente, a criação das Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária (SIGI)[iii]. Este conjunto de pacotes legislativos, devido a uma série de políticas governamentais tomadas, facilitou a articulação de escalas de investimento transnacional e atracção de capitais globais fixando-o no ambiente construído local da cidade de Lisboa, ajustando e acolhendo o interesse selectivo da especulação imobiliária de uma elite transnacional e a procuras residenciais de novas altas classes médias. Esta dimensão, juntamente com o forte crescimento da procura turística na cidade de Lisboa, a liberalização do uso do solo urbano com a revisão do PDM de 2012 e a disponibilidade de um parque habitacional em avançado estado de degradação que cria oportunidades de gerar mais valias para a especulação imobiliária mediante rentabilização da rent gap; geraram uma conjuntura privilegiada que articula escalas e interesses e que, em última análise, é a responsável pela produção da crise de habitação contemporânea, ao introduzir distorções significativas no mercado de habitação, ao nível do segmento de habitação acessível para residência permanente ou para arrendamento de longa duração, que passou de uma pausa abrupta para um alto nível de demanda de forma muito rápida, com a oferta a ficar aquém da satisfação daquela. Os padrões de desigualdade socioterritorial e de segregação residencial aprofundaram-se por via da gentrificação e da especulação imobiliária (Mendes, 2016; 2017; Lestegás, 2019; Mendes, Carmo, & Malheiros, 2019; Seixas & Antunes, 2019).

Esta conjuntura deu origem a uma onda de protestos sociais e de contestações que, por sua vez, dão visibilidade à questão do direito à cidade e à habitação, num movimento contra-hegemónico que denuncia as lógicas de mercantilização e financeirização no sector habitacional e de apropriação exclusivamente privada de outras comodidades de uso urbano coletivo e público. As desigualdades no acesso à habitação alargaram-se e atingem hoje, não apenas as camadas mais vulneráveis, mas também as classes médias urbanas. Alguns destes protestos sociais e lutas urbanas têm dado origem à configuração de movimentos sociais urbanos, cuja ação se tem orientado, especialmente, para a afirmação da questão da habitação na agenda política e social portuguesa.

A crise de habitação tornou-se o mote de uma crise económica e social que evidenciou as contradições e desigualdades no acesso à habitação. E é neste contexto que surge a Estratégia Nacional de Habitação em 2015 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 48/2015) que, mesmo sendo aprovada, não ganha oportunidade de ser apresentada ou debatida no Parlamento. Dois anos mais tarde, em Julho de 2017, é criada a Secretaria de Estado da Habitação que encarna o compromisso governamental para a definição de uma Política Pública de Habitação de visão global e estratégica, consubstanciando-se, uns meses depois, na publicação da NGPH.

III. Discursos em torno da “NOVA” questão da habitação

Uma leitura atenta do documento da NGPH (2017) revela um discurso assertivo, estratégico e pró-activo no que toca ao lançamento de uma Política Pública de Habitação que resolva carências e problemas estruturais no sector que se arrastam há séculos no território português. Esta Nova Geração de Políticas de Habitação assume no seu discurso teórico, visão e missão, os grandes objectivos de garantir o acesso de Todos a uma habitação adequada, entendida no sentido amplo de habitat e orientada para as pessoas, o que pressupõe um alargamento significativo do âmbito de beneficiários e da dimensão do parque habitacional com apoio público; bem como criar as condições para que a reabilitação urbana passe “de exceção a regra” e se torne na forma de regeneração do território predominante. Pretende-se:

“(…) dar resposta às famílias que vivem em situação de grave carência habitacional, garantindo que a gestão do parque habitacional público concorre para a existência de uma bolsa dinâmica de alojamentos capaz de dar resposta às necessidades mais graves e urgentes de uma forma célere, eficaz e justa; Garantir o acesso à habitação aos que não têm resposta por via do mercado, incentivando uma oferta alargada de habitação para arrendamento a preços acessíveis e a melhoria das oportunidades de escolha e das condições de mobilidade dentro e entre os diversos regimes e formas de ocupação dos alojamentos e ao longo do ciclo de vida das famílias” (NGPH, 2017, p. 4).

Uma das grandes metas é a de aumentar, até 2024, o peso da habitação com apoio público[iv] na globalidade do parque habitacional de 2% para 5%, o que representa um acréscimo de cerca 170 000 fogos.

Para o efeito, a NGPH prevê vários programas, instrumentos e medidas, desde a promoção de mais habitação pública a incentivos financeiros e fiscais ao arrendamento e à reabilitação. Alguns destes instrumentos já existem, outros foram alargados e reformulados, outros ainda estão a ser propostos de novo (quadro I). Todavia, a sua aplicabilidade tem sido questionada, pois a operacionalização destes programas e medidas tem-se revelado lenta e nem sempre eficaz, face à urgência de resolução que a crise de habitação exige.

 

 

O documento assume como ponto de partida o facto de que a habitação urbana dialoga com o sentido de governança urbana subjacente a um paradigma de regeneração urbana, implicando resposta pró-activa a problemas urbanos específicos, e em função dos diferentes contextos urbanos em que surge, possuindo uma especificidade enquanto forma de planeamento urbano que a distingue das demais intervenções e que ditará o seu modo de implementação no território. É um tipo de planeamento urbano de carácter fortemente estratégico, formalizado de um modo geral em intervenções de fundo, numa série de dimensões que não apenas o do mero renovar do espaço edificado, e do qual decorrem profundas alterações, quer no âmbito do ordenamento do território, quer no âmbito da geografia urbana. Em suma, a NGPH apoia-se numa visão de política que concorre para uma nova política urbana que procura a requalificação da cidade existente, desenvolvendo estratégias de intervenção múltiplas, orquestrando um conjunto de acções coerentes e de forma programada, destinadas a potenciar os valores socio-económicos, ambientais e funcionais de determinadas áreas urbanas, com a finalidade de, pretensamente, elevar a qualidade de vida das populações residentes.

A conjugação de uma série de problemas urbanos nas últimas décadas exige, a quem planeia a cidade, a necessidade de encontrar modos de intervenção para contribuir para a sua resolução ou, pelo menos, para a atenuação das consequências que daqueles resultam. Parece nesse discurso também afirmar-se a necessidade de planear não pensando apenas no edificado, mas assumindo também que os factores económicos, sociais e ambientais deve ser parte integrante do processo. Planear uma política pública de habitação com base nestes requisitos exige, pois, um processo que seja um exercício de busca de respostas positivas, através de uma abordagem multisectorial, estrategicamente definida, assente em características endógenas e suportada pela criação de parcerias, e que, de forma sustentada e sustentável, resultasse na melhoria da qualidade de vida de quem, de um modo ou de outro, usufrui das áreas negativamente afectadas pelos mais diversos e múltiplos profundos problemas da carência de acesso à habitação.

“Os múltiplos desafios que se colocam à política de habitação e à reabilitação - económicos, funcionais, ambientais e sociais - mostram a necessidade de uma abordagem integrada ao nível das políticas setoriais, das escalas territoriais e do envolvimento dos vários atores. Esta abordagem, embora prosseguindo uma visão global, tem de ser adaptada aos desafios e às características específicas dos edifícios, territórios e comunidades.” (NGPH, 2017, p. 3).

Por conseguinte, o apoio em parcerias é uma característica nuclear desta visão estratégica. A NGPH está principalmente preocupada com as dinâmicas organizacionais e institucionais de gestão da mudança urbana, logo, a mobilização do esforço multisectorial é privilegiada por várias razões. Primeiro, porque providencia a base para que a tomada de decisões estratégicas seja participada e negociada. O que se prende também com a crescente exigência de participação por parte das populações, associações e comissões de moradores, na definição de soluções mais indicadas para os desafios locais. Segundo, porque a NGPH prevê a mobilização de avultados investimentos que dificilmente podem ser suportados por uma só entidade, seja ela pública ou privada. O que acontece é que o processo da NGPH é de tal forma ambicioso nos objectivos, no conjunto dos stakeholders, nos investimentos que envolve e na extensão temporal que implica, que torna muito difícil que seja levado a cabo individualmente pelo Estado, sem mobilização do sector privado. E aqui reside o pecado capital da sua visão, como veremos mais adiante. Um terceiro factor é o de que os problemas de habitação que carecem de resolução revestem-se de grande complexidade e multidimensionalidade, logo as parcerias constituem-se pela participação como o modo mais eficaz de possibilidade integração e abrangência das soluções propostas. Um quarto e último factor relaciona-se com o facto de as parcerias permitirem uma maior coordenação e complementaridade entre diferentes competências de diferentes agentes e, assim, ultrapassar as tradicionais barreiras institucionais. Este discurso do apoio em parcerias, embora legítimo do ponto de vista da governança territorial e do planeamento e ordenamento do território, abre, por exemplo, caminho para a “caixa de pandora” do nexo Estado-Finanças, podendo tornar opacas as lógicas de financiamento dos instrumentos de actuação, reféns das lógicas de financeirização e da neoliberalização do mercado, que apenas acarretarão o agudizar da especulação imobiliária, das desigualdades socio-territoriais e da conjuntura de injustiça social e espacial que se vive na crise da habitação mas também no acesso aos serviços públicos. Isto ao reproduzir uma situação de contínua alimentação dos lucros da Banca e do Sector Financeiro e Privado, com a socialização dos custos das operações e privatização dos lucros que da crise da habitação e sua superação advenham.

IV. Três contradições entre o discurso e as práticas

1. Lógicas de financiamento e financeirização da habitação

A habitação é um bem social fundamental na manutenção da qualidade de vida e do bem estar humanos e que, recentemente, se tem tornado num fator de lucro, riqueza e de geração de mais valias considerável, o que esvazia o direito à habitação do seu conteúdo como direito humano que deve ser universal, incondicional e inalienável, enquanto necessidade social constitucionalmente consagrada em Portugal. Contudo, a função social que a Constituição da República Portuguesa lhe incumbe não está a ser cumprida:

“No atual quadro, a produção e a venda deste bem, com os valores de transação e as mais-valias arrecadadas exponenciadas pela especulação marginaliza todos aqueles que, tendo baixos rendimentos, necessitam de habitação. Progressivamente, a habitação foi e está a ser esvaziada da sua função social e económica ao transformar-se num mero produto mercantil e num ativo financeiro e especulativo, muitas vezes sem qualquer uso.” (AIL, 2018, p. 1).

Em estudo passado (Mendes, 2017), explanámos como a habitação como produto, bem e activo financeiro e mercantil encontra-se muito bem exposta numa obra lapidar e de grande envergadura de Raquel Rolnik (2015) onde, pondo em diálogo o debate teórico e casos empíricos de diferentes contextos socio-espaciais do nosso mundo globalizado, desvenda o nexo Estado-Finanças, mas também as dialécticas que se produzem entre os mercados, a produção do espaço urbano e os fluxos transnacionais de capital financeiro. A autora dá conta de como o paradigma da financeirização nas políticas urbanas de habitação se infiltra na superestrutura governativa e desce até aos meandros da vida social e económica do quotidiano, legitimando a violência da destruição criativa e da acumulação por despossessão pela máquina do capitalismo neoliberal contemporâneo:

“A propriedade imobiliária em geral e a habitação em particular configuram uma das mais novas e poderosas fronteiras da expansão do capital financeiro. A crença de que os mercados podem regular a alocação da terra urbana e da moradia como forma mais racional de distribuição de recursos, combinada com produtos financeiros internacionais experimentais e “criativos” vinculados ao financiamento do espaço construído, levou as políticas públicas a abandonar os conceitos de moradia como um bem social e de cidade como um artefacto público. As políticas habitacionais e urbanas renunciaram ao papel de distribuição de riqueza, bem comum que a sociedade concorda em dividir ou prover para aqueles com menos recursos, para se transformarem em mecanismo de extração de renda, ganho financeiro e acumulação de riqueza. Esse processo resultou na despossessão massiva de territórios, na criação de pobres “sem lugar”, em novos processos de subjetivação estruturados pela lógica do endividamento, além de ter ampliado significativamente a segregação nas cidades.” (Rolnik, 2015, p. 14-15).

A providência de habitação em Portugal sempre esteve essencialmente entregue ao mercado e à banca. Esta tendência alimenta a financeirização da habitação e a lógica de “capitalismo de casino” que já não afecta apenas a banca e outros sectores económicos e sociais de uma forma estrutural e de grande escala, como se infiltra no concreto da vida colectiva e social quando implica que o grosso da massa da população, sobretudo a mais vulnerável, se comprometa com estas formas de contrato de propriedade.

A financeirização, conceito cunhado pela economia política para designar a mais importante transformação estrutural do capitalismo desde a crise da década de 1970, designa, assim, a crescente influência destes mercados financeiros (dos seus actores, processos e produtos) na actividade geral do tecido social e económico, a todas as escalas, desde o corpo social do indivíduo e da sua família, às empresas, às economias nacionais até às geografias neoliberais dos investimentos glocais e transnacionais. Veja-se, por exemplo, que para acompanhar o esforço de hiperconsumo, em detrimento da poupança, as famílias recorrem cada vez mais ao crédito, tanto para os bens de consumo como para a aquisição de habitação. Uma consequência genérica desta linha de evolução é o endividamento das empresas e das famílias que cresceu consideravelmente e representa uma das características dominantes das nossas economias e sociedades (Santos, 2012).

“O capitalismo popular thatcheriano, que queria fazer de cada indivíduo um proprietário, não era senão a fórmula que legitimava, através da retórica da casa própria enquanto grande sonho da classe média, a expansão de sistemas financeiros que faziam da habitação um valioso mecanismo de extracção de renda e criavam um consenso alargado em torno da supressão das políticas de habitação públicas.” (Bismarck, 2019).

Na história recente da imbricação entre finança, sector da construção e mercado de habitação, Rodrigues, Santos, e Teles (2016) defendem que a construção do Mercado Único e da União Económica e Monetária, no seio da União Europeia, permitiu à Banca nacional ter acesso aos mercados de capitais internacionais, abrindo caminhos para a convergência entre as práticas do sector bancário português e a banca internacional. O sector financeiro beneficiou também do florescimento do mercado privado de provisão de habitação e da expansão da concessão de crédito para compra de casa própria que reforçou o crescimento do endividamento das famílias portuguesas, ao ponto do peso da dívida contraída pelas famílias em crédito hipotecário ganhar relevância relativamente ao crédito às empresas, desde finais de 1990.

De facto, e como atesta Ana Cordeiro Santos (2018), ao longo dos últimos anos, um dos desenvolvimentos mais marcantes do capitalismo da época contemporânea é, precisamente, a expansão do setor financeiro e sua crescente influência na vida das famílias, empresas e dos Estados. No caso português, este processo de financeirização caracterizou-se essencialmente pelo mais facilitado acesso a financiamento externo a baixo custo a partir de meados da década de 1990, que facilitou o acesso ao crédito e à retórica da massificação da casa própria, que enquanto ideologia de democratização de habitação privada, na verdade, contribuía para o alargamento, aprofundamento e difusão do argumentário neoliberal, biopoliticamente reprodutor de um corpo social e territorial dócil à sociedade de consumo e à visão mercantilizada da cidade e da habitação, promotor do hedonismo e do individualismo pós-modernos, em última instância, o grande factor de desmobilização e desagregação das lutas urbanas colectivas e da cidade da maioria, da impossibilidade de uma política pública de habitação verdadeiramente consequente e alicerçada na provisão do Estado Social.

O Estado capitalista contribuiu ativamente para a expansão deste modelo de provisão de habitação através da agilização de mecanismos de bonificação do crédito e de concessão de benefícios fiscais:

“(…) que representaram cerca de dois terços do total da despesa pública entre 1987 a 2011, sendo muito inferior o valor despendido em programas de promoção direta de empreendimentos habitacionais (isto é, habitação social), representando cerca 2%, ou de apoio ao arrendamento (isto é, concessão de subsídios ao arrendatário), na ordem dos 8%.” (Santos, 2018, p. 4).

Isto vem em linha com a legislação aprovada ao longo dos anos que tem corrido de modo errático, sem que se tenha norteado por princípios e regras basilares, ao sabor dos interesses e oportunidades dos ciclos políticos e dos poderes do momento, e refém de interesses meramente economicistas e financeiros. Com a NGPH mantém-se, mais do que nunca, a promiscuidade, de que nos fala Harvey há mais de 40 anos[v], do nexo Estado - Finanças que sabemos ser o principal responsável pela mobilização do ambiente construído e do edificado como condição de reprodução e acumulação de mais valias através de movimentos cíclicos de capital no espaço urbano que, através da destruição criativa da paisagem, é responsável por grandes projectos de regeneração urbana, o que é positivo, mas que, por outro lado, desqualifica ainda mais a vida dos mais vulneráveis.

Não obstante o discurso plasmado no documento da NGPH ser estratégico, inovador, integrado, compreensivo e holístico, tal não se traduziu numa aposta por parte do governo em atribuir ao sector da habitação a dotação orçamental que permita realmente melhorar o acesso e as condições de habitação em Portugal. Tem sido anunciada repetidas vezes e nos últimos dois anos, a intenção do programa 1.º Direito - que visa apoiar a promoção de soluções habitacionais para pessoas que vivem em condições habitacionais indignas e que não dispõem de capacidade financeira para suportar o custo do acesso a uma habitação adequada - prever um investimento total de 700 milhões de euros até 2024, destinado a comparticipações não reembolsáveis. Aos municípios cabe definir as estratégias locais de habitação nos respetivos territórios e também agregar, avaliar e gerir todos os pedidos de apoio ao abrigo do 1.º Direito que lhe sejam submetidos. Cabe ao IHRU analisar e aprovar as candidaturas e as estratégias apresentadas por cada município e libertar a verba para a adjudicar. Porém, o Orçamento de Estado para 2020, em matéria de habitação, prevê que as câmaras municipais possam violar os limites de endividamento até 30%, que pode ser excepcionalmente ultrapassado para a contracção de empréstimos que se destinam exclusivamente ao financiamento e investimento em programas de arrendamento urbano ou soluções habitacionais[vi]. Tulumello (2019) faz uma análise crítica referindo que as verbas remanescentes provavelmente serão suportadas principalmente pelas autarquias - que, com poucas exceções, serão as executoras materiais do programa - o que aumentará a probabilidade do seu endividamento, através do recurso que estes farão aos mercados financeiros.

Por outro lado, a NGPH tem vindo a fazer depender o financiamento para a execução da política nacional de habitação de múltiplas engenharias financeiras, inclusive com recurso a fundos de investimento e à captação de investimento privado, o que desresponsabiliza o Estado de verdadeira e expressiva afectação de capital, deixando esta questão, que é de suma importância, dependente das vontades e interesses da iniciativa privada e do mercado. É o caso do Programa de Arrendamento Acessível (PAA) (Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de maio), cujo objectivo principal é o de promover um maior equilíbrio entre o sector do arrendamento e o da habitação própria, apostando na captação junto de proprietários privados de nova oferta habitacional para arrendamento e flexibilizando a transição entre regimes de ocupação, o que, a longo prazo, se espera que confira uma maior segurança, estabilidade e atractividade ao mercado do arrendamento habitacional, tanto do lado da oferta como da procura: “Terá por base incentivos fiscais para as entidades públicas e privadas, coletivas e singulares, que coloquem os seus prédios ou frações urbanas em arrendamento habitacional permanente com o limite de valor de renda definido pelo programa.” (NGPH, 2017, p. 17). Apesar dos incentivos fiscais atribuídos, o PAA, lançado em Julho de 2019, teve um arranque lento e pouco promissor para senhorios e para inquilinos, com a angariação de apenas algumas dezenas de fogos nos primeiros meses. No que toca às lógicas de financiamento da NGPH, a proposta centra-se quase exclusivamente na concessão de benefícios fiscais para os proprietários e na criação de um pacote de seguros para o arrendamento, não questionando sequer a necessidade urgente de regulação um mercado de habitação e de arrendamento sobreaquecidos. Aliás, a aceitação do “valor de referência de mercado” das rendas sobre o qual se aplicará a redução de 20% para definir o suposto arrendamento acessível, parece ignorar a escalada galopante e especulativa a que têm estado sujeitas as rendas nos últimos anos, com subidas constantes e ininterruptas, e generosas taxas de variação positiva percentual anual sempre na ordem dos dois dígitos (Fahra, 2017; Santos, 2019; Seixas & Antunes, 2019).

A situação inverteu-se, porém, com a chegada da pandemia Covid-19 que, bloqueando o sector do AL e com perdas elevadíssimas nas dormidas e no rendimento gerado no sector devido ao estancar dos fluxos e chegadas de turistas, acabou por forçar o desvio de muitos AL para o mercado de arrendamento, como forma de sobrevivência da actividade e retorno do investimento inicial. Agora, passado um ano do seu lançamento, o PAA reúne quase 10 000 candidaturas para cerca de 600 imóveis em carteira, mas só foram celebrados 160 contratos de arrendamento. Isto representa uma média de 3,6 alojamentos por dia e 1,2 contratos celebrados a cada dois dias. Do total de contratos celebrados, 43% têm uma renda associada entre os 300 e os 500 euros, sendo que 36% estão entre os 500 e os 800 euros, 12% representam uma mensalidade inferior a 300 euros e apenas 8% estão acima dos 800 euros. Em termos de localização, 76% são imóveis localizados na Área Metropolitana de Lisboa e 10% na Área Metropolitana do Porto (Neto, 2020).

Assumindo a insuficiência de capital público como condição essencial para o alavancar de uma verdadeira política nacional de habitação e de reabilitação urbana, e ainda antes do lançamento da NGPH, o Estado cria em 2016 o Instrumento Financeiro para a Reabilitação e Revitalização Urbanas (IFRRU 2020) (Resolução do Conselho de Ministros n.º 84-O/2016), que reúne num único instrumento financeiro diversas fontes de financiamento, quer Fundos Europeus Estruturais e de Investimento do PORTUGAL 2020, neste caso o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e Fundo de Coesão, quer outras, como o Banco Europeu de Investimento (BEI) e o Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa (CEB), com vista à otimização e maximização dos recursos financeiros destinados a apoiar a reabilitação e revitalização urbanas no território nacional. Através do IFRRU 2020 são disponibilizados produtos financeiros, com condições mais vantajosas face às praticadas no mercado, vocacionados especificamente para apoiar a reabilitação urbana e, complementarmente, a eficiência energética na habitação. O objectivo é financiar a reabilitação integral de edifícios, situados em áreas de regeneração urbana, visando promover a fixação de pessoas e de atividades económicas, contribuindo, deste modo, para a criação de riqueza e de emprego nessas áreas e numa lógica de urbanismo sustentável e de requalificação de comunidades e áreas desfavorecidas. Através de um procedimento concursal, foram selecionadas as entidades gestoras financeiras, que disponibilizam os produtos financeiros (empréstimos ou garantias) através dos quais são financiadas as operações de reabilitação urbana: Santander Totta, Banco BPI e Millennium BCP. O IFRRU 2020 (https://ifrru.ihru.pt/) tem, assim, uma capacidade de financiamento de 1400 milhões de euros, gerando um investimento de cerca de 2000 milhões de euros.

Outro instrumento que revela as lógicas de financeirização subjacentes à NGPH é o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (FNRE). A criação deste fundo foi decidida pela Resolução do Conselho de Ministros nº 48/2016, publicada a 1 de setembro. É um fundo especial de investimento imobiliário fechado, de subscrição particular e de duração indeterminada, regulado pela Lei 16/2015, de 24 de fevereiro. Este é um fundo que visa a reabilitação de imóveis, em particular, património público devoluto ou disponível, para posterior arrendamento e, em especial, para arrendamento habitacional a custos acessíveis, promovendo o aumento da oferta pública de habitação neste segmento e a mobilização dos recursos imobiliários públicos. Na fase inicial podem participar entidades públicas da administração central e local e ainda entidades do terceiro sector. Numa fase posterior prevê-se a abertura à participação de outras entidades, públicas e privadas, incluindo pessoas singulares. O FNRE permite aos participantes promoverem a reabilitação dos seus imóveis, sem recurso a endividamento, bem como investirem num fundo de baixo risco com expetativas de rentabilidade apelativas, defendendo-se que contribui, em simultâneo, para objectivos de política pública ao nível da habitação e reabilitação urbana (NGPH, 2017)[vii].

Portanto, mantém-se a retórica de que, sob pena do Estado não conseguir alavancar sozinho capital necessário para criar o verdadeiro arrendamento acessível, há que apelar, cativar e captar capital privado, deixando-se a política pública de habitação, uma vez mais, susceptível a lógicas rentistas e financeiras, com o fim último de injectar investimento em habitação para gerar lucro e reprodução de capital imobiliário e não tendo como preocupação primordial a produção de casas em regime de “affordable housing”. A criação do FNRE, com capitais e gestão pública, implica que parte do capital inicial possa ser incorporado através da entrega de edifícios públicos a necessitar de reabilitação, pelo que os privados podem a ele aceder mediante a entrega do seu edifício/fração. Este fundo terá a cargo a reabilitação e gestão do seu parque edificado, colocando-o no mercado após a respectiva reabilitação, sendo direccionado em especial para o arrendamento de “habitação acessível”, recuperando por esta via o seu investimento inicial a médio prazo. Mais, a liquidez deste fundo esteve, desde o início, garantida pelo Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, que vai alocar cerca de 10% do seu valor em carteira (1400 milhões de euros). O FNRE será supervisionado pela Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM) e adianta-se terá uma rentabilidade estimada na ordem dos 3 a 4%[viii].

A dinamização do mercado imobiliário e do mercado de capitais nacionais e o aprofundamento da lógica de financeirização da política pública de habitação, seguindo a tendência internacional, levou à aprovação do regime das novas Sociedades de Investimento e Gestão Imobiliária (SIGI), com a promulgação do Decreto-Lei nº 19/2019, de 28 de janeiro (que entrou em vigor no dia 1 de fevereiro de 2019), procedendo à introdução dos chamados REIT (Real Estate Investment Trust) no ordenamento jurídico português. Estas sociedades configuram um novo veículo de promoção do investimento imobiliário, convertendo-o em investimento financeiro, e sendo o seu regime jurídico construído com vista à dinamização do mercado de arrendamento, em especial. A sua actividade passa pela aquisição de direitos reais sobre imóveis, para arrendamento ou outras formas de exploração económica. Da perspectiva fiscal, as SIGI beneficiam do regime fiscal favorável actualmente aplicável aos fundos/sociedades de investimento imobiliário, apesar de não se encontrarem sujeitas ao regime jurídico aplicável aos Organismos de Investimento Coletivo (OIC) nem à supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM)[ix].

“É a política pública reduzida a estímulos fiscais e engenhosas soluções financeiras para incentivar promotores privados a fornecer os bens e serviços que o Estado só margi-nalmente provisiona, gerando mais desigualdades (…). Num contexto que continua a ser de forte contenção orçamental, a provisão de bens e serviços essenciais assenta cada vez mais em novos estímulos fiscais e engenhosas soluções financeiras para incentivar promotores privados a fornecer os bens e serviços que o Estado vai abdicando de fornecer.” (Santos, 2018, p. 4).

Como refere Harvey (2012), a finança tem estado indissociavelmente ligada à sobrevalorização patrimonial do imobiliário e do fundiário e à instituição da liquidez que lhe proporciona umas das suas bases mais fortes na resolução da irracionalidade das crises capitalistas. A propriedade imobiliária em geral e a habitação em particular configuram uma das mais poderosas fronteiras da expansão do capital financeiro (Harvey, 1985; Aalbers, 2017; 2019). A crença de que os mercados podem regular a alocação do solo urbano e da habitação como forma mais racional de distribuição de recursos, combinada com produtos financeiros internacionais experimentais e “criativos” vinculados ao financiamento do parque habitacional, levou a que as políticas públicas das economias de capitalismo avançado abandonassem o conceito de habitação como um bem social e um direito constitucional, enquanto direito humano básico. Fazer depender o financiamento para a execução da política nacional de habitação de múltiplas engenharias financeiras, inclusive com recurso a fundos de investimento, desresponsabilizando o Estado Central de verdadeira e expressiva afectação de capital, desprotege um direito humano universal, inalienável e incondicional como é o do direito à habitação, e torna-o dependente, vulnerável e refém das vontades e interesses da iniciativa privada e dos actores do mercado, contribuindo para agravar as condições permissivas da financeirização da habitação.

2. O recuo do Estado Social provisor de habitação e a emergência do Estado neoliberal como gestor e garantidor

Como vimos em Mendes (2017), desde a eclosão da crise capitalista de 2008-2009, à inevitável precariedade da situação laboral dos trabalhadores mais desqualificados e dos grupos sociais mais desfavorecidos, acumulou-se a desregulação do mercado de habitação e do uso do solo urbano, que tende a valorizar um padrão mais aleatório na produção temporal e espacial dos acontecimentos urbanos e o fabrico de uma segregação residencial a escalas mais finas, agravando a fragmentação socio-espacial, ao abrigo de um urbanismo austeritário (Peck, 2012; 2015). Este padrão é produto social do jogo do mercado imobiliário pouco regulado, de processos especulativos de valorização fundiária e imobiliária, num contexto de crescente financeirização do ambiente construído. Os governos urbanos têm-se orientado por um modelo gestionário (gestão estratégica importada do meio empresarial) em que o uso dos recursos públicos se faz para atrair investimento, o fornecimento dos serviços passa a fazer-se pelo mercado e pelo sector privado e são valorizadas as parcerias público-privadas.

Num cenário de pós-crise capitalista 2008-2009, de necessidade de recuperação económica urbana, o paradigma neoliberal de governança urbana continua a orientar as agendas de políticas sociais e económicas das cidades para privilegiar ambientes que mantenham a confiança do investidor e uma atmosfera ideal e vibrante para os negócios; e as agendas de políticas como livre comércio, privatização, financeirização, mercados de trabalho flexíveis e competitividade territorial urbana continuam a ser tidas como certas e necessárias. Como defendem Brenner, Peck, e Theodore (2012; 2013), o resultado mais provável da atual crise geoeconómica é o de um neoliberalismo e um imperialismo relegitimados. Consequentemente, há um maior arraigamento dos arranjos regulatórios disciplinados pelo mercado, uma maior lubrificação e aceleração dos sistemas neoliberalizados e uma maior frequência de experimentação regulatória em diferentes contextos, com uma produção de espaço urbana e regional de forma pluriescalar e articulação com a geoeconomia mundial.

Em estudos recentes, Jamie Peck (2012; 2015) e Peck e Whiteside (2016) - também abordados em Mendes (2017) - descreve-se como o neoliberalismo fortaleceu o seu domínio sobre as cidades daquela a que o autor se refere como a Grande Recessão de 2007-2008, trabalhando no conceito de “urbanismo de austeridade”. Devido à concentração espacial de trabalhadores sindicalizados, minorias étnicas, grupos socioeconómicos vulneráveis e grupos liberais, as cidades são objetos particularmente desejáveis para a implementação de medidas de austeridade. Os governos urbanos reduzem os serviços sociais e os salários dos trabalhadores do sector público (cada vez mais como forma de negar a esses trabalhadores o direito à negociação colectiva), cortes nos orçamentos escolares e eliminação de unidades habitacionais a preços acessíveis, enquanto privatizam as funções do centro da cidade e subsidiam os investidores privados, numa lógica de mercantilização, privatização e financeirização do sector da habitação em particular.

As autoridades urbanas em muitas cidades foram forçadas a reduzir os serviços essenciais, despedir funcionários do sector público, controlar os gastos e reduzir a dívida, a fim de satisfazer as obrigações fiscais actuais e futuras e atender às restricções impostas por níveis mais altos de governo, muitas vezes supranacional, como foi o caso da Troika em Portugal. A austeridade está, definitivamente, a tornar-se uma característica generalizada do urbanismo neoliberal na actualidade. Longe de incitar a mudança institucional orientada para uma reforma progressiva do sistema, o resultado em termos de política é um esforço redobrado para ampliar ainda mais a agenda neoliberal, ao ponto da financeirização se estender a todos os campos do corpo social, atingindo a plenitude da totalidade espacial e temporal do quotidiano. A recuperação económica nunca foi o ponto, a austeridade foi sobre usar a crise para reproduzir o capital, não a resolver (Harvey, 2012; 2014; Jonas, McCann, & Thomas, 2015; Sevilla-Buitrago, 2015).

Neste momento, Lisboa, por exemplo, vive um novo estádio de gentrificação em tudo diferente do anterior, muito devido a um redesenvolvimento urbano tendo como principais causas a explosão de diversas formas de alojamento turístico e a promoção de produtos imobiliários de luxo, promovidas sobretudo pelo e para o grande investimento estrangeiro injetado por proprietários de peso e grandes grupos económicos de promoção imobiliária e por novas procuras de uma classe média endinheirada, sobretudo no centro histórico, área mais nobre da cidade. A orientação do capital imobiliário, agilizada por políticas estatais, no âmbito do programa Golden Visa ou dos Residentes Não Habituais (programas estatais portugueses que visam a atração de investimento estrangeiro, nomeadamente pelo setor imobiliário) para a produção de produtos de habitação ou alojamento de luxo, demonstra claramente que este é um caso de gentrificação transnacional - como vimos em Mendes et al. (2019) - quando áreas específicas constituem foco de intenso investimento e consumo ostentatório por uma nova geração de “financiadores” super-ricos, uma verdadeira classe de elite transnacional, alimentada pelas fortunas das indústrias globais de finanças e serviços corporativos. A elite da riqueza transnacional é um grupo de pessoas que têm sua origem numa localidade, mas investem as suas riquezas transnacionalmente, de acordo com fluxos de capital glocais[x], e fazendo uso de reescalonamento políticas urbanas locais/nacionais a favor das geografias globais do investimento financeiro. Eles focalizam a atenção na intercessão entre as suas oportunidades de investimento e as redes legais e as condições produzidas pelas políticas fiscais de atração de investimentos estrangeiros, ao invés de empreendedores imobiliários, associações de habitação ou investidores institucionais, a que o grande capital imobiliário recorria tradicionalmente (Aalbers, 2012; 2015; 2016; 2017). Sobre estes agentes globais na constituição do complexo imobiliário financeiro pelo reescalonamento urbano, Santoro e Rolnik (2017, p. 408) referem:

“O complexo imobiliário-financeiro tem articulado essa interdependência entre o setor imobiliário, as finanças e o Estado, espalhando-se por diversas frentes de expansão imobiliária pelo mundo. Em algumas dessas regiões, já pesquisadas por Aalbers, essa articulação conta com a ação dos chamados global players - ou agentes globais: fundos de investimento e empresas imobiliárias transnacionais que adentram mercados financeiros como forma de diversificar ativos e mitigar riscos, mas também para penetrar em localizações geográficas onde não têm presença, capilarizando-se territorialmente e submetendo a produção das cidades a sua lógica financeirizada.”

As amenidades e condições locais/regionais de atracção de capital da cidade, juntamente com a forma como o mercado imobiliário e o seu segmento de profissionais são organizados, a acrescentar ainda o funcionamento do quadro legal e fiscal reestruturado durante o período de austeridade, (re)produzem a função imobiliária como um ativo específico de Classe, que dirige o “ajuste espacial” do capital, como estudado por David Harvey (1978; 1982; 1985; 2001; 2010), num contexto de crise capitalista, como a que tivemos em 2008-2009. Para sobreviver e multiplicar-se às suas crises, o Capital tem que construir um espaço fixo (produzir “paisagem”) necessário para seu próprio funcionamento em um certo ponto de sua história, apenas para destruir esse espaço (destruição criativa e desvalorizar grande parte do capital investido) a fim de dar lugar a uma nova “fixação espacial” (abertura para novas frentes de acumulação em novos espaços e territórios) em um ponto posterior de sua evolução. O capital está sempre representado na forma de uma paisagem física e de uma determinada organização do espaço que, embora criada como valor de uso e condição de garantia de acumulação e reprodução, coroa o desenvolvimento expansível do capital na forma de capital fixo e imobilizado, mas inibe a expansão adicional futura da acumulação, funcionando, simultaneamente, como barreira espacial. A história do desenvolvimento capitalista, sobretudo na sua geografia, demonstra como este precisa de superar constantemente o delicado equilíbrio entre preservar o valor dos investimentos passados de capital fixo na produção de ambiente construído e destruir esses investimentos para abrir espaço novo para a acumulação.

Persiste a contradição entre o capital fixo necessário à absorção de excedentes pela produção de espaço urbano, e o capital móvel em constante rotatividade, movimento e circulação. E se é verdade que toda a forma de mobilidade geográfica do capital requer infraestruturas espaciais fixas e seguras para funcionar efectivamente, tal não põe em causa todo o tipo de tensões e contradições inerentes ao processo de circulação de capital produzidas pela capacidade diferencial de diferentes tipos de destruição criativa de ambiente construído responderem ao desafio da constante mobilidade geográfica do capital e da sua reprodução. As forças desta transformação urbana recente não são só globais, são, na verdade, glocais porque articulam as condições atractivas do local com interesses que são globais e transnacionais.

Esta relação espaço-capital está articulada com as mudanças no papel do Estado nas sociedades e territórios contemporâneos. No caso das políticas públicas de reabilitação urbana e das políticas de habitação, pode-se dizer que ao invés da destruição sistemática da provisão pública de bens e serviços, o papel do Estado tem sido reconfigurado. Assim, tem-se assistido à transição de um Estado provisor directo, para um Estado subsidiário e regulador:

“De facto, constatam-se tendências para a redução do papel directo do Estado na provisão de habitação social, reforçando-se os apoios ao acesso à habitação, enquanto se alteram os mecanismos pelos quais o Estado intervém nomeadamente através de políticas fiscais, políticas de parceria público-privadas e incentivos financeiros a diversos agentes.” (Guerra, Mateus, & Portas, 2008, p. 13).

Diversos autores têm demonstrado como o estabelecimento do neoliberalismo não se traduz necessariamente numa redução substancial das funções sociais das instituições públicas ou destruição do Estado Social, como se costuma crer, mas uma conversão dessas funções em mecanismos que servem os interesses do mercado e dos stakeholders privados através de uma seletividade estratégica, o chamado “intervencionismo de mercado” (Jessop, 2012; 2016; Dardot & Laval, 2013; Santos et. al., 2014; Brown, 2015; Rodrigues & Teles, 2015; Bauman & Bordoni, 2016; Storper, 2016; Rodrigues et. al., 2016). Não se trata tanto de reduzir o peso da despesa pública, mas sim de promover a entrada dos privados nas áreas da regeneração e da reabilitação urbanas, através de engenharias financeiras e apoios estatais que envolvem fundos de investimento imobiliário, subcontratações, parcerias público-privadas, subsídios e incentivos fiscais, garantidos pelo domínio público, envolvendo uma presença do Estado permanente e constante (Harvey, 2010; 2014; Brenner et al., 2013; Rossi & Vanolo, 2015; Penny, 2016; Rossi, 2017).

O documento da NGPH, nos seus princípios gerais, reconhece que o direito a uma habitação condigna é um direito fundamental de todos os cidadãos portugueses, reconhecido pelo artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa, que deve ser garantido a todos nos termos constitucionais, dos deveres e compromissos internacionais do Estado Português, da presente lei e demais legislação aplicável. Também admite que, com vista a assegurar o exercício efectivo do direito à habitação, o Estado deve tomar as medidas adequadas, que se destinem a favorecer o acesso à habitação de nível suficiente, a prevenir e reduzir a situação de pessoa sem abrigo, com vista à sua progressiva eliminação, e a tornar o preço da habitação acessível às pessoas que não disponham de recursos suficientes. No entanto, nestes mesmos princípios, e imbuída de um espírito “descentralizador” e “participativo”, como se quer na governança multinível, já argumenta que a promoção e a defesa da habitação são prosseguidas através da actividade dos cidadãos, do Estado, de outros entes públicos e de entidades privadas, podendo as organizações da sociedade civil ser associadas àquela actividade, nos termos da lei. Ora, em termos práticos, esta NGPH admite que se pode descartar da política pública de habitação a responsabilidade directa e assertiva da administração forte e direccionada do Estado. Todo o argumentário afirma que o Estado é o principal garante do direito à habitação, o decisor da política nacional de habitação e o financiador, incentivador e fiscalizador das políticas de regionais e municipais de habitação. Descentralizam-se (para os municípios, associações, cidadãos, entidades privadas, etc.), como veremos adiante, ao abrigo do princípio da subsidariedade, funções incondicionais e alienáveis que devem competir ao Estado Central, mas em momento algum se refere na NGPH que o Estado é o principal agente regulador, promotor, executor, construtor e provisor de habitação, apenas que é garantidor, apoiante, fiscalizador, incentivador, programador.

Neste contexto, a NGPH assume que o papel do Estado (Neoliberal) é o de exatamente criar, manter e conservar uma estrutura institucional apropriada às práticas do mercado, apesar de depois de criadas, as condições não mais requererem intervenções que ultrapassem as de um Estado mínimo. Neste sistema, ganha relevo a forma como a produção do espaço se realiza cada vez mais como condição geral da (re)produção capitalista, não só na produção de infraestrutura, como na de ambiente construído, sendo que a sua função não é eliminar as contradições do sistema, mas atenuá-las, reproduzindo no tecido social a dinâmica da acumulação capitalista extraída da produção de ambiente construído. Cabe ao Estado, inserido na lógica do sistema capitalista, garantir a reprodução do capital, gerindo conflitos e contradições produzidos pelo próprio sistema e que podem interferir na plena realização do ciclo de capital, seja pela produção de infraestruturas, seja pelas políticas de concorrência e de regulação que formula, isenções fiscais aos interesses privados, seja pela disponibilidade de terrenos, no garante da destruição criativa da paisagem urbana (Lojkine, 1997; Lefebvre, 2000; Bourdieu, 2014; Jessop, 2016). Está assim a agilizar de forma reescalonada as condições de reprodução dos interesses do capitalismo financeirizado e a acção dos global players do complexo imobiliário financeiro, mediante uma eficiente e lubrificada política de escalas (Brenner, Peck, & Theodore, 2010; Brandão et. al., 2018).

3. O figuro neoliberal da “descentralização” e municipalização das políticas

Sob pretexto de aplicação do princípio de subsidariedade e de que se pretende transitar de um paradigma de uma política centralizada e sectorial para um modelo de governança multinível, integrado e participativo; reproduz-se um modelo de governo territorial neoliberal para a política pública de habitação que se almeja. O discurso gravita em torno da necessidade de garantir que a política pública de habitação, tendo âmbito nacional, tenha uma expressão local e respostas diferenciadas e integradas para os problemas específicos, quer dos agregados familiares quer dos territórios, operacionalizadas em articulação com outras políticas sectoriais e em estreita cooperação, envolvendo as autarquias, entidades e comunidades locais. Destaca-se, em particular, o papel imprescindível das autarquias locais na efectivação do direito à habitação, na medida em que a sua relação de proximidade com os cidadãos e o território lhes permite ter uma noção mais precisa dos desafios e dos recursos passíveis de mobilização, sendo a sua acção instrumental e operativa na construção e implementação de respostas mais eficazes e eficientes, orientadas para as comunidades. Esta abordagem da descentralização, subsidiariedade e cooperação, implica todos os níveis da administração pública, com vista a reforçar uma abordagem de proximidade e adequar as competências e recursos às necessidades identificadas.

Percebe-se que, pelo princípio da subsidiariedade e governança multinível e participada que a suporta, uma NGPH preveja uma descentralização para os municípios na execução das políticas de habitação. Contudo, corre-se o risco desta tentativa se restringir a uma mera desconcentração das competências do poder central para o poder local, em matéria de cuja responsabilidade de resolução em primeiro lugar pertencem ao Estado Central, e que não sendo acompanhada da transferência dos devidos meios e recursos financeiros, técnicos e humanos, se mantenham os problemas estruturais da habitação e se agrave o endividamento municipal. Só excepcionalmente, e apenas para ocorrências ocasionais ou de emergência, se entende que os Municípios recorram ao crédito e consequente endividamento bancário. A intenção, aparentemente benévola, destes financiamentos poderem não englobar o défice municipal, não significa que não se produza endividamento e uma responsabilidade, com os respectivos custos e serviço de dívida, o que virá a contribuir acrescidamente para o estrangulamento financeiro da autarquia que se endividar (AIL, 2018).

Neste sentido, a lógica de empreendedorismo e autonomia municipal e cidadania participativa revela, na verdade, o progressivo desinvestimento imposto ao sistema público de provisão de habitação, no seguimento de um clima de crise económica e austeridade financeira, como fica evidente através da experiência dos diferentes processos de transferência e delegação de competências para os municípios, por exemplo no caso da educação, expondo a diferença existente entre os recursos transferidos e os custos reais suportados para suprir as necessidades decorrentes do exercício dessas competências. Esta é, aliás, uma tónica comum em praticamente todos os estudos de caso internacionais no que toca à evolução dos regimes de habitação, quer em países desenvolvidos, como em desenvolvimento, de formação sociocapitalista: a da associação da descentralização e municipalização da política de habitação à emergência de um paradigma neoliberal no que toca ao seu governo e administração. As tendências de descentralização, municipalização ou autonomia no campo da habitação não parecem estar só ao serviço de uma gestão mais democrática e participante dos diferentes actores e agentes na vida da comunidade e no quadro institucional da política e da administração da habitação e da reabilitação urbana, mas, sobretudo, de princípios de eficácia e eficiência, e maximização de recursos no funcionamento das finanças públicas, cujos custos na despesa geral do Estado urge limitar, face às exigências de um contexto austeritário de crise económica estrutural como a que vivemos. O paradigma neoliberal na gestão e administração do sistema de habitação defende a descentralização numa lógica emancipatória e de localismo progressista, empreendorismo dos recursos e mobilização/participação das competências das populações, associações, colectividades, comissões de moradores e comunidades locais, tudo vetores-chave na “democracia da proximidade” do direito à habitação, mas na verdade, parece esconder tendências recentralizadoras de controlo mais eficaz das periferias, supostamente autónomas, por parte do poder central. O ponto de partida é de que não se evidenciará, na prática, apenas uma transferência de competências do poder central para o poder local, mas sobretudo de deveres e encargos. Trata-se sim de uma desconcentração (re)centralizadora, pois são muito mais fortes os fatores centrípetos do que os centrífugos. Este processo já aplicado noutros sectores públicos, como no caso da educação, tem vindo, na verdade, a impor uma transferência forçada de encargos, subordinando as autarquias a meros executores das políticas definidas pela administração central, desrespeitando o princípio da autonomia do poder local, e desaproveitando as reais possibilidades que o princípio da subsidiariedade comporta, só concretizável através de uma verdadeira Regionalização.

Tal como está previsto na NGPH, a transferência destas responsabilidades para o poder local só conduzirá a uma desresponsabilização do Estado Central e ao incumprimento do carácter universal do direito à habitação, agravando as já insistentes políticas de desmantelamento do próprio Estado Social e do investimento público que temos vindo a assistir nas últimas décadas, inclusive pelo encerramento de infraestruturas e serviços públicos, pela transferência de funções para os privados por privatização e concessão, pela degradação qualitativa e quantitativa dos seus recursos, pelo esvaziamento de competências, meios e capacidades. Estamos em crer que a visão ascendente do bottom-up proposta pela suposta “descentralização” nesta política de habitação, em linha com a que foi levada a cabo na reforma da administração do poder local português dos últimos anos, afigura-se como uma estratégia de governamentalidade e de governança ao serviço de uma microgeografia do poder neoliberal, que sistematicamente confunde autonomia e empreendedorismo dos municípios e empoderamento das comunidades, com a sua sobrecarga e endividamento (Brenner et al., 2010, 2012).

V. Apologia de uma política pública de habitação promotora de justiça social e espacial

O artigo 65º da Constituição da República atribui ao Estado a competência para a resolução dos problemas da habitação promovendo, para isso, políticas públicas adequadas. Do nosso ponto de vista, e face ao texto constitucional, ao Estado incumbe intervir, inclusive, como regulador, promotor, provisor directo e como proprietário, em todos os níveis da criação de uso do solo urbano, da reabilitação do edificado e da oferta de habitação. Insiste-se na ideia de que o financiamento para o sector público de habitação, edificado ou a edificar, deve ser assegurado em primeira linha pelo Orçamento do Estado e em segunda linha, ser complementado com financiamento de programas públicos ou da Comunidade Europeia. Para tanto, o Orçamento do Estado tem de anualmente consignar as dotações suficientes para assegurar o financiamento adequado para acorrer às necessidades, quer de conservação e reabilitação, quer de construção nova. Ou seja, urgentemente terá de haver mais oferta pública de habitação para atender sobretudo aos grupos mais vulneráveis e em risco social, mas também para contribuir para a regulação do mercado, com mais oferta e menor custo.

Importará que, por um lado, se deixe de alienar propriedade pública vocacionada para habitação e se aloque a existente a bolsas destinadas ao arrendamento acessível, de modo a que seja progressivamente disponibilizada para utilização, havendo que efetuar as reparações e a reabilitação necessárias nos locados que deles necessitem. Por outro lado, que se planeie e se decida uma nova fase de construção de habitação de propriedade pública que colmate as insuficiências que comprovadamente se verificam ou venham a verificar (AIL, 2018).

Por conseguinte, num quadro de profunda especulação financeira em torno da habitação, independentemente de medidas legislativas mais abrangentes, torna-se evidente a urgência da revogação do NRAU de 2006 e 2012, responsável pela liberalização muito forte do valor das rendas e pela origem de inúmeros despejos, e o contrariar da especulação imobiliária através do desenvolvimento de uma política de solos com maior regulação por parte do Estado que dê utilização e gestão pública às mais-valias decorrentes de intervenções sobre a transformação do uso do solo. Contribui-se, assim, para a resolução de carências habitacionais que afectam milhares de famílias, com a urgência que a crise de habitação actual exige, devendo esta constituir a prioridade de qualquer política de habitação. Urge que o Estado assuma as suas funções de promotor, e executor directo, para além de mero gestor, regulador e garantidor de políticas de habitação. Tal desígnio constitucional deve cumprir-se sem desprimor do desenvolvimento de políticas e abordagens habitacionais integradas, que abranjam todos os sectores, em particular os do emprego, educação, saúde e integração social, e todos os níveis de governo, viabilizando a participação e o envolvimento de comunidades, stakeholders e actores relevantes no planeamento e na implementação destas políticas. Todavia, sugere-se que se repense o paradigma de descentralização, de forma a transferir não apenas competências executivas, mas principalmente as decisórias.

Inovação crítica na concepção e implementação de uma Política Pública de Habitação e de processos de regeneração urbana precisa-se. Há que dar continuidade a uma política de reabilitação urbana pelas pessoas e para as pessoas, que valorize o direito à habitação em detrimento de grandes e espectaculares intervenções de renovação e restauro para alienação de património público e sua venda ao desbarato em benefício do capital e investimento estrangeiros. Deve promover-se o uso temporário de edifícios e espaços públicos, numa perspectiva colectiva, cooperativa e comum, em detrimento de uma lógica de mercado e meramente privada. Incentivar os projectos de reabilitação de baixo custo com base num planeamento urbano de proximidade (Mendes, 2017a).

O Estado deve assim incentivar quer de forma administrativa como de forma fiscal o mercado de arrendamento acessível, tanto na oferta como na procura. Não deve também permitir, em nenhuma circunstância, processos de despejo em que não estejam devidamente asseguradas alternativas dignas ou meios de subsistência suficientes, devendo forçosamente analisar-se a situação familiar e encontrar-se os meios adequados para o apoio às famílias em caso de incapacidade financeira para manter a habitação; o Estado (central e local) deve accionar todos os mecanismos ao seu dispor para impedir que estes atentados ao direito à habitação e ao lugar ocorram nas cidades portuguesas. Uma nova lei do arrendamento urbano, a promulgar futuramente, tem de ser equilibrada, no cumprimento dos direitos e deveres, quer de proprietários quanto de inquilinos, mas com clara regulação pela figura do Estado que, por seu turno, deve incentivar uma política de arrendamento acessível, na qual os valores das rendas praticadas estejam ajustadas aos rendimentos das famílias, indivíduos, associações, colectividades ou actividades económicas (enfim do tecido social e económica que depende da função social do arrendamento), intervindo de forma rigorosa na oferta e na procura; limitando a taxa de esforço que o pagamento das rendas impõe à pessoa ou agregado ou função do inquilinato. Esta taxa de esforço não deve nunca ultrapassar os 30% do rendimento médio mensal do inquilinato, de acordo com normas e documentos de orientação internacional. Deve haver lugar à atribuição de benefícios e isenções fiscais às entidades públicas e privadas, colectivas e singulares, que coloquem os seus prédios ou frações em arrendamento habitacional permanente com um limite de valor de renda que obedeça a este princípio. Deve também promover-se a redução ou isenção de taxas municipais para imóveis destinados ao arrendamento acessível; e a imposição de quota de arrendamento acessível em novos empreendimentos.

Para cumprir a função social da propriedade será também necessário desfinanceirizar o mercado de habitação português e reestruturar a legislação relativa ao investimento estrangeiro, tal como a dos Golden Visa e dos Residentes Não Habituais que impedem que a habitação seja hoje reconhecida de forma plena como um direito humano, mas apenas como mero activo financeiro que serve a reprodução de capital através da especulação imobiliária e produção de mais-valias e que contribui grandemente para a perpetuação de uma economia rentista, especulativa e extractivista - em detrimento de uma economia produtiva - que baseia a concentração e extracção de rendas fundiárias no princípio de injustiça espacial da acumulação por espoliação e despossessão dos mais pobres e vulneráveis, aprofundando desigualdades socioespaciais, segregação residencial e fragmentação socioterritorial, esvaziando a habitação enquanto direito social e necessidade que colectivamente deve ser satisfeita.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Aalbers, M. (Ed.) (2012). Subprime Cities: The Political Economy of Mortgage Markets. Oxford: Wiley Blackwell.

Aalbers, M. (2015). Cities and the financial crisis. In: J. Wright (Ed.), The Encyclopedia of Social and Behavioral Sciences (pp. 579-584). Oxford: Elsevier.         [ Links ]

Aalbers, M. (2016). The Financialization of Housing: A Political Economy Approach. London: Routledge.         [ Links ]

Aalbers, M. (2017). The Variegated Financialization of Housing. International Journal of Urban and Regional Research, 41(4), 542-554. DOI: 10.1111/1468-2427.12522.         [ Links ]

Aalbers, M. (2019). Financial geography III: The financialization of the city. Progress in Human Geography, 44(3), 595-607. DOI: 10.1177/0309132519853922.         [ Links ]

Associação dos Inquilinos Lisbonenses. (AIL). (2018). Lei de Bases da Habitação. Comentários ao Projeto de Lei do grupo parlamentar do Partido Socialista de Abril de 2018. [Basic Law on Housing. Comments on the Socialist Party parliamentary group’s Project, April 2018]. Retrieved from https://www.helenaroseta.pt/documentos/1527028407V7oXL0rg9Ms22BZ8.pdf        [ Links ]

Allegra, M., Tulumello, S., Falanga, R., Cachado, R., Ferreira, A. C., Colombo, A., & Alves, S. (2017). Um novo PER? Realojamento e políticas de habitação em Portugal [A new PER? Rehousing and housing policies in Portugal]. Policy Brief 2017 - Observa - Observatório de Ambiente, Território e Sociedade. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.         [ Links ]

Antunes, G. (2018). Políticas de habitação - 200 anos [Housing policies - 200 years]. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa e Caleidoscópio.         [ Links ]

Bauman, Z., & Bordoni, C. (2016). Estado de Crise [State of Crisis]. Lisboa: Relógio d’ Água.

Bismarck, P. L. (2019). A dialéctica do absurdo: breve digressão pela metrópole neoliberal [The dialectic of the absurd: a brief tour of the neoliberal metropolis], Rede Anticapitalista, 13. Retrieved from https://redeanticapitalista.net/a-dialectica-do-absurdo-breve-digressao-pela-metropole-neoliberal/         [ Links ]

Bourdieu, P. (2014). Sobre o Estado [About the State]. Lisboa: Edições 70.

Brandão, C., Fernández, V., & Ribeiro, L. (Orgs.). (2018). Escalas Espaciais, Reescalonamentos e Estatalidades: Lições e Desafios para a América Latina [Spatial Scales, Rescalling and States: Lessons and Challenges for Latin America]. Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles IPPUR/UFRJ, Letra Capital.

Brenner, N., Peck, J., & Theodore, N. (2010). Variegated neoliberalization: geographies, modalities, pathways. Global Networks, 10(2), 182-222. DOI: 10.1111/j.1471-0374.2009.00277.x.         [ Links ]

Brenner, N., Peck, J., & Theodore, N. (2012). Após a neoliberalização? [After neoliberalization?]. Cadernos Metrópole, 13(27), 15-39.

Brenner, N., Peck, J., & Theodore, N. (2013). Neoliberal urbanism: cities and the rule of markets. In G. Bridge & S. Watson (Eds.), The New Blackwell Companion to the City (pp. 15-25). Oxford: Wiley Blackwell.         [ Links ]

Brown, W. (2015). Undoing the Demos: Neoliberalism´s Stealth Revolution. New York: Zone Books.         [ Links ]

Carreiras, M. (2018). Integração socioespacial dos bairros de habitação social na Área Metropolitana de Lisboa: evidências de micro segregação [Socio-spatial integration of social housing neighborhoods in the Lisbon Metropolitan Area: evidence of micro segregation]. Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia, LIII(107), 67-85. DOI: 10.18055/Finis11969.

Costa Pinto, T., & Guerra, I. (2019). Housing policies, market and home ownership in Portugal: beyond the cultural model. Cidades, Comunidades e Territórios, 39, 101-114. DOI: 10.15847/citiescommunitiesterritories.dec2019.039.art03.         [ Links ]

Dardot, P., & Laval, C. (2013). The New Way of the World: On Neo-Liberal Society. London: Verso.         [ Links ]

Fahra, L. (2017). Report of the Special Rapporteur on adequate housing as a component of the right to an adequate standard of living, and on the right to non-discrimination in this context. Mission to Portugal. Retrieved from http://ap.ohchr.org/documents/dpage_e.aspx?si=A/HRC/34/51/Add.2         [ Links ]

Guerra, I., Mateus, A., & Portas, N. (Eds.). (2008). Contributos para o Plano Estratégico da Habitação 2008-2013. Relatório 3 - Estratégia e Modelo de Intervenção [Contributions to the Strategic Housing Plan 2008-2013. Report 3 - Strategy and Intervention Model]. Lisboa: Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU).

Harvey, D. (1973). Social Justice and the City. London: Edward Arnold.         [ Links ]

Harvey, D. (1975). The geography of capitalist accumulation: a reconstruction of marxian theory. Antipode, 7(2), 9-21. DOI: 10.1111/j.1467-8330.1975.tb00616.x.         [ Links ]

Harvey, D. (1978). The urban process under capitalism. International Journal of Urban and Regional Research, 2(1-3), 101-131. DOI: 10.1111/j.1468-2427.1978.tb00738.x.         [ Links ]

Harvey, D. (1982). The Limits to Capital. Oxford: Blackwell.         [ Links ]

Harvey, D. (1985). The Urbanization of Capital. Oxford: Blackwell.         [ Links ]

Harvey, D. (1989). The Condition of Postmodernity. An Enquiry into the Origins of Cultural Change. Oxford: Blackwell.         [ Links ]

Harvey, D. (2001). Spaces of Capital. Towards a Critical Geography. Londres: Routledge.         [ Links ]

Harvey, D. (2010). The Enigma of Capital and the Crisis of Capitalism. Oxford: Oxford University Press.         [ Links ]

Harvey, D. (2012). Rebel Cities: From the Right to the City to the Urban Revolution. London: Verso.         [ Links ]

Harvey, D. (2014). Seventeen Contradictions and the End of Capitalism. Oxford: Oxford University Press.         [ Links ]

Harvey, D. (2016). The Ways of the World. Oxford: Oxford University Press.         [ Links ]

Harvey, D. (2018). Marx, Capital and the Madness of Economic Reason. Oxford: Oxford University Press.         [ Links ]

Jessop, B. (2012). Neoliberalism. In G. Ritzer (Ed.), The Wiley-Blackwell Encyclopedia of Globalization (pp. 1513-1521). Oxford: Blackwell.         [ Links ]

Jessop, B. (2016). The State: Past, Present, Future. Cambridge: Polity Press.         [ Links ]

Jonas, A., McCann, E., & Thomas, M. (2015). Urban Geography. A Critical Introduction. Oxford: Wiley Blackwell.         [ Links ]

Lefebvre, H. (2000 [1974]). La Production de l’Espace [The production of Space]. Paris: Anthropos.

Lestegás, I. (2019). Lisbon after the crisis: From credit-fuelled suburbanization to tourist-driven gentrification. International Journal of Urban and Regional Research, 43(4), 705-723. DOI: 10.1111/1468-2427.12826.         [ Links ]

Lojkine, J. (1997). O Estado Capitalista e a Questão Urbana [The Capitalist State and the Urban Question]. São Paulo: Martins Fontes.

Mendes, L. (2016, April). Tourism gentrification: touristification as Lisbon´s new urban frontier of gentrification. In Master Class Tourism Gentrification and City Making. Stadslab and Academia Cidadã, Lisboa.         [ Links ]

Mendes, L. (2017). Gentrificação turística em Lisboa: neoliberalismo, financeirização e urbanismo austeritário em tempos de pós-crise capitalista 2008-2009 [Tourism gentrification in Lisbon: neoliberalism, financialization and austerity urbanism in the period of the 2008-2009 capitalist post-crisis]. Cadernos Metrópole, 19(39), 479-512. DOI: 10.1590/2236-9996.2017-3906.

Mendes, L. (2017a). Manifesto anti-gentrificação redux [Anti-gentrification manifesto redux]. Revista do Niep - Marx e Marxismo, 5(9), 322-337.

Mendes, L., Carmo, A., & Malheiros, J. (2019). Gentrificação transnacional, novas procuras globais e financeirização do mercado de habitação em Lisboa [Transnational gentrification, new global demands and financialization of the housing market in Lisbon]. In A. C. Santos (Coord.), A Nova Questão da Habitação em Portugal. Uma Abordagem de Economia Política [The New Housing Question in Portugal. A Political Economy Approach] (pp. 111-142). Coimbra: Conjuntura Actual / Almedina.         [ Links ]

Morais, L., Silva, R., & Mendes, L. (2018). Direito à Habitação em Portugal: Comentário crítico ao relatório apresentado às Nações Unidas 2017 [Right to Housing in Portugal: Critical commentary on the report presented to the United Nations 2017]. Revista Movimentos Sociais e Dinâmicas Espaciais, 7(1), 229-243.

Nova Geração de Políticas de Habitação. (NGPH). (2017). Por uma Nova Geração de Políticas de Habitação: sentido estratégico, objetivos e instrumentos de atuação [For a New Generation of Housing Policies: strategic sense, objectives and instruments of action]. Lisboa: Secretaria de Estado da Habitação.

Neto, R. (2020, maio). Programa de Arrendamento Acessível só celebrou 160 contratos em dez meses. Quase metade tem rendas abaixo dos 500 euros [Accessible Rent Program has only signed 160 contracts in ten months. Almost half have incomes below 500 euros]. Eco.sapo. Retrieved from https://eco.sapo.pt/2020/05/22/programa-de-arrendamento-acessivel-so-celebrou-160-contratos-em-dez-meses-quase-metade-tem-rendas-abaixo-dos-500-euros/        [ Links ]

Peck, J. (2012). Austerity urbanism. City, 16(6), 626-655. DOI: 10.1080/13604813.2012.734071.         [ Links ]

Peck, J. (2015). Austerity Urbanism. The Neoliberal Crisis of American Cities. New York: Rosa Luxemburg Stiftung.         [ Links ]

Peck, J., & Whiteside, H. (2016). Financializing the entrepreneurial city. In B. Schöning & S. Schipper (Eds.), Urban Austerity: Impacts of the Global Financial Crisis on Cities in Europe (pp. 21-39). Berlim: Theater der Zeit.         [ Links ]

Penny, J. (2016). The (post)politics of fiscal retrenchment. Managing cities and people in a context of austerity urbanism. In B. Schöning & S. Schipper (Eds.), Urban Austerity: Impacts of the Global Financial Crisis on Cities in Europe (pp. 40-57). Berlim: Theater der Zeit.         [ Links ]

Rodrigues, J., & Teles, N. (2015). O neoliberalismo como intervencionismo de mercado [Neoliberalism as market interventionism]. In L. Bernardo (Org.), Correntes Invisíveis: Neoliberalismo no Século XXI [Invisible Currents: Neoliberalism in the 21st Century] (pp. 71-82). Lisboa: Deriva.         [ Links ]

Rodrigues, J., Santos, A., & Teles, N. (2016). A Financeirização do Capitalismo em Portugal [The Financialization of Capitalism in Portugal]. Lisboa: Actual.

Rolnik, R. (2015). Guerra dos Lugares. A Colonização da Terra e da Moradia na Era das Finanças [War of Places. Colonization of Land and Housing in the Age of Finance]. São Paulo: Boitempo Editorial.

Rossi, U. (2017). Cities in Global Capitalism. Oxford: Polity Press.         [ Links ]

Rossi, U., & Vanolo, A. (2015). Urban Neoliberalism. In N. J. Smelser & P. B. Baltes (Eds.), International Encyclopedia of the Social & Behavioral Sciences, 2nd edition, Volume 24 (pp. 846-853). London: Elsevier.         [ Links ]

Santoro, P., & Rolnik, R. (2017). Novas frentes de expansão do complexo imobiliário-financeiro em São Paulo [New urban sprawl vectors of the real estate-financial complex in São Paulo]. Cadernos Metrópole, 19(39), 407-431. DOI: 10.1590/2236-9996.2017-3903.

Santos, A. C. (2012). “Ativos Tóxicos”, “Banca”, “Financeirização”, “Subprime” [“Toxic Assets”, “Banking”, “Financialization”, “Subprime”]. Dicionário da Crise e das Alternativas [Dictionary of Crisis and Alternatives]. Coimbra: Editora Almedina.         [ Links ]

Santos, A. C. (2018). Financeirização do Estado, política de habitação e subsídios à especulação [Financialization of the State, housing policy and subsidies to speculation]. Le Monde Diplomatique - edição portuguesa, Agosto 2018, 142, 4-5.         [ Links ]

Santos, A. C. (Coord.). (2019). A Nova Questão da Habitação em Portugal. Uma Abordagem de Economia Política [The New Housing Question in Portugal. A Political Economy Approach]. Coimbra: Conjuntura Actual / Almedina.         [ Links ]

Santos, A., Teles, N., & Serra, N. (2014). Finança e Habitação em Portugal [Finance and Housing in Portugal]. Coimbra: Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Observatório sobre Crises e Alternativas.

Seixas, J., & Antunes, G. (2019). Tendências recentes de segregação habitacional na Área Metropolitana de Lisboa [Recent trends in housing segregation in the Lisbon Metropolitan Area]. Cidades, Comunidades e Territórios, (39), 55-82. DOI: 10.15847/citiescommunitiesterritories.dec2019.039.art01.

Sevilla-Buitrago, A. (2015). Crisis and the city: neoliberalism, austerity planning and the production of space. In F. Eckardt & J. Sánchez (Eds.), City of Crisis. The Multiple Contestation of Southern European Cities (pp. 32-49). Bielefeld: Transcript Verlag.         [ Links ]

Silva, R. (2019). A Nova Geração de Políticas de Habitação não é nova e não defende a habitação [The New Generation of Housing Policies is not new and does not advocate housing], Habita - Associação pelo Direito à Habitação e à Cidade. Retrieved from https://habita.info/a-nova-geracao-de-politicas-de-habitacao-nao-e-nova-e-nao-defende-a-habitacao/        [ Links ]

Storper, M. (2016). The Neo-liberal City as Idea and Reality. Territory, Politics, Governance, 4(2), 241-263. DOI: 10.1080/21622671.2016.1158662.         [ Links ]

Tulumello, S. (2019). O Estado e a habitação: regulação, financiamento e planeamento [The State and housing: regulation, financing and planning]. Cidades, Comunidades e Territórios, 38, 1-7. DOI: 10.15847/citiescommunitiesterritories.jun2019.038.ens01.

 

Documentos legais

Decreto-Lei nº 104/2004, de 7/05/2004 - Aprova um regime excepcional de reabilitação urbana para as zonas históricas e áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística.

Decreto-Lei nº 128/2014, de 29/08/2014 - Aprova o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local.

Decreto-Lei nº 19/2019, de 28/01/2019 - Aprova o regime das sociedades de investimento e gestão imobiliária.

Decreto-Lei nº 249/2009, de 23/09/2009 - No uso da autorização legislativa concedida pelos artigos 106º e 126º da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12/2008, aprova o Código Fiscal do Investimento.

Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15/10/1990 - Aprova o Regime do Arrendamento Urbano.

Decreto-Lei nº 53/2014 de 8/04/2014 - Estabelece um regime excecional e temporário a aplicar à reabilitação de edifícios ou de frações, cuja construção tenha sido concluída há pelo menos 30 anos ou localizados em áreas de reabilitação urbana, sempre que estejam afetos ou se destinem a ser afetos total ou predominantemente ao uso habitacional.

Decreto-Lei nº 68/2019, de 22/05/2019 - Cria o Programa de Arrendamento Acessível.

Decreto-Lei nº 7/2015, de 13 de Janeiro - No uso da autorização legislativa concedida pela Lei nº 83-C/2013, de 31/12/2013, procede à reforma do regime de tributação dos organismos de investimento coletivo, alterando o Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 215/89, de 1/07/1989, o Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei nº 150/99, de 11/09/1999 e a Lei nº 64-A/2008, de 31/12/2008.

Lei n.º 31/2012, de 14/08/2012 - Procede à revisão do regime jurídico do arrendamento urbano, alterando o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Lei nº 6/2006, de 27/02/2006.

Lei nº 6/2006, de 27/02/2006 - Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU).

Lei nº63/2015, de 30/06/2015 - Terceira alteração à Lei nº 23/2007, de 4/07/2015, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.

Resolução do Conselho de Ministros nº 48/2015 - Aprova a Estratégia Nacional para a Habitação para o período de 2015-2031.

Resolução do Conselho de Ministros nº 84-O/2016 - Autoriza o lançamento dos procedimentos financeiros para a reabilitação urbana.

 

Agradecimentos

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto “SustainLis - Requalificação urbana sustentável e populações vulneráveis no centro histórico de Lisboa” (PTDC/GES-URB/28853/2017).

O autor gostaria de agradecer aos editores e aos dois revisores anónimos pela análise objectiva e assertiva que este artigo lhes mereceu e os comentários críticos e as sugestões avançadas que permitiram melhorar bastante o manuscrito inicial, embora reconheça que todo o conteúdo publicado seja da sua única e inteira responsabilidade.

 

Recebido: março 2020. Aceite: junho 2020.

 

Notas

[i]Esta tese retoma ideias avançadas pelo autor numa mesa-redonda com Helena Roseta, Rita Silva, Ricardina Cuthbert, Susana Mourão e Teresa Craveiro, organizada no âmbito do Seminário Direito à Cidade, organizado pelo GESTUAL-FAUL, na Sala Cubo da FAUL, no dia 6 de Dezembro de 2018.

[ii]Ou Autorização de Residência para Actividade de Investimento (Lei nº63/2015, de 30/06/2015) que dá a possibilidade de investidores estrangeiros (nacionais de Estados terceiros) requererem uma autorização de residência para efeitos do exercício de uma atividade de investimento mediante o preenchimento de determinados requisitos, nomeadamente a realização de transferência de capitais, a criação de emprego ou compra de imóveis em áreas de necessária regeneração urbana.

[iii]Regime Excepcional de Reabilitação Urbana, Decreto-Lei nº 53/2014, de 8/04/2014; Decreto-Lei nº 104/2004, de 7/05/2004, que aprova um regime excepcional de reabilitação urbana para as zonas históricas e áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística; Decreto-Lei nº 249/2009, de 23/09/2009; Lei nº 31/2012, de 14/08/2012; Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15/10/1990; Lei nº 6/2006, de 27/02/2006; Decreto-Lei nº 7/2015, de 13/01/2015; Decreto-Lei nº 128/2014, de 29/08/2014, aprova o regime jurídico da exploração dos estabelecimentos de alojamento local; Decreto-Lei nº 19/2019, de 28/01/2019.

[iv]Aqui começa uma das grandes contradições do discurso presente na NGPH e na LBH: o facto da habitação pública passar a designar-se de “habitação com apoio público”. Esta mudança na semântica discursiva revela, de acordo com Silva (2019), justamente, a intenção de retração do Estado, dos seus meios e investimento públicos, do campo da habitação.

[v]Ver obras de 1973, 1975, 1978, 1982, 1985, 1989, 2010, 2012, 2014, 2016 e 2018.

[vi]Vide https://www.dgo.pt/politicaorcamental/Paginas/OEpagina.aspx?Ano=2020&TipoOE=Or%c3%a7amento%20Estado%20Aprovado&TipoDocumentos=Lei%20/%20Mapas%20Lei%20/%20Relat%c3%b3rio

[vii] http://www.fundiestamo.com/index.php/fundos/area-fnre

[viii] https://observador.pt/opiniao/o-estranho-caso-do-fundo-de-reabilitacao-urbana-anunciado-pelo-governo/

[ix] https://www.garrigues.com/pt/pt-PT/news/sigi-um-novo-veiculo-para-o-investimento-em-ativos-imobiliarios

[x]De glocal, fazendo uso favorável da dialéctica entre condições e especificidades locais e estruturas e fluxos globais.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons