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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

Print version ISSN 0430-5027

Finisterra  no.115 Lisboa Dec. 2020  Epub Dec 31, 2020

https://doi.org/10.18055/finis20338 

Artigo

(In)justiças espaciais em tempo(s) de confinamento social: fruição dos espaços verdes de Braga e Guimarães a partir do Sentinel 2

Spatial (in)justices in time(s) of social distancing: the usufruct of green spaces in Braga and Guimaraes based on Sentinel 2

Catarina de Almeida Pinheiro1  , Membro Colaborador
http://orcid.org/0000-0003-4191-4282

1 Doutoranda, Universidade do Minho, Membro Colaborador, Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT), Departamento de Geografia, Universidade do Minho, Campus de Azurém, 4800-058, Guimarães, Portugal. E-mail: catarina-pinheiro@mail.com


Resumo

O dever geral de recolhimento domiciliar imposto em Portugal durante os 45 dias do Estado de Emergência devido à pandemia do Covid-19 restringiu os momentos de lazer ao espaço envolvente à habitação. Neste sentido, considerando os benefícios para a saúde proporcionados pelas áreas verdes, procura-se a partir do Normalized Difference Vegetation Index identificar injustiças na fruição destes espaços nos municípios de Braga e de Guimarães. Os resultados demostram que 19% do território de Braga e de Guimarães detém uma situação problemática ao nível da fruição de espaços verdes, sobretudo nos núcleos urbanos centrais e seu entorno, onde a vegetação se encontra deveras depauperada. Destaca-se ainda que, em Guimarães, a urbanização/industrialização difusa consubstancia-se na presença de áreas críticas também no exterior do perímetro urbano, mormente nas vilas. Esta cartografia revela-se um importante input em planos de emergência para situações similares, melhorando também a rentabilização de recursos aquando da implementação de medidas de promoção de espaços verdes.

Palavras-chave: Espaços verdes; justiça espacial; confinamento social; Sentinel 2; Braga e Guimarães

Abstract

The general duty of home confinement imposed in Portugal during the 45 days of State of Emergency due to the Covid-19 pandemic restricted leisure time to spaces surrounding houses. In this sense, considering the health benefits provided by green spaces, the main objective of this research is to identify injustices in the usufruct of these spaces in the municipalities of Braga and Guimarães, based on the Normalized Difference Vegetation Index. The results show that 19% of the territory of Braga and Guimarães presents a problematic situation in the use of green spaces, especially in the urban centres and surroundings areas, where vegetation is very depleted. It should also be noted that, in Guimarães, diffuse urbanization/industrialization promotes the existence of critical areas also outside the urban perimeter, especially in the villages. This mapping constitutes an important input for emergency plans for similar situations, contributing to the maximization of resources when implementing measures that promote vegetation.

Keywords: Green spaces; space justice; social distancing; Sentinel 2; Braga e Guimarães

I. Contextualização

A pandemia desencadeada pelo vírus Covid-19 obriga ao afastamento físico, e, por consequência impõe o distanciamento social. Com efeito, uma das medidas mais severas adotada pelos governos de todo o mundo durante o pico da pandemia consistiu no confinamento domiciliar. Em Portugal, o Estado de Emergência decretado pelo Presidente da República a 18 de março de 2020 (Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março) impõe o “dever geral de recolhimento domiciliário” (artigo 5.º do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março), com profundas implicações na circulação e permanência da população nos espaços públicos. Entre as reduzidas exceções ao confinamento encontravam-se as deslocações para efeitos de fruição de momentos ao ar livre, prática de exercício físico ou para passeio dos animais de companhia, devendo estas ser de curta duração.

Durante os 45 dias em que vigorou o Estado de Emergência em Portugal os momentos de lazer (e de exercício físico) ficaram restritos ao espaço envolvente à habitação. Além disto, note-se que também jardins e parques urbanos foram encerrados de modo a evitar a aglomeração de pessoas. Com efeito, neste período (como em nenhum outro) o foco da atenção dirige-se para a habitação e sua envolvente próxima, reforçando a importância da qualidade destes espaços, nomeadamente a presença de áreas verdes associadas a um vasto conjunto de benefícios (Twohig-Bennett & Jones, 2018; Parker & Baro, 2019).

Em situações de emergência de saúde pública, como a desencadeada pela Covid-19, que obriguem ao confinamento domiciliar e restrinjam a circulação na via pública às deslocações locais, assumem particular destaque os efeitos benéficos que espaços verdes circundantes à habitação proporcionam (Twohig-Bennett & Jones, 2018), tanto ao nível da saúde física (ex. redução da pressão arterial, incidência de diabetes ou ataques cardíacos), como mental (ex. aumento da sensação de bem-estar, redução do stress). De facto, Honold, Lakes, Beyer, e van der Meer (2016) demonstraram que a presença de áreas naturais com vegetação diversificada e densa, ou a sua simples visualização a partir da habitação, contribui para a diminuição dos níveis de cortisol - o que, por sua vez, minimiza os episódios de stress e de depressão. Esta constatação reforça a importância da investigação sobre a distribuição da vegetação, não apenas à escala da ‘cidade’ e dos espaços verdes urbanos (ex. jardins, parques da cidade), mas de todos os terrenos abertos com vegetação presentes no território.

Neste sentido, procura-se identificar as injustiças na fruição dos espaços verdes nos municípios de Braga e de Guimarães pela população perante o confinamento domiciliar exigido com o decretar do Estado de Emergência. Para tal, recorre-se à visão sinótica da Deteção Remota, mais especificadamente ao satélite Sentinel 2, que permite representar de modo explícito a distribuição da vegetação, a partir da computação do Normalized Difference Vegetation Index (NDVI). Importa reforçar que, no âmbito da presente investigação são considerados não apenas os espaços verdes públicos, mas todos os terrenos abertos (i.e., não urbanizados) com vegetação herbácea, arbustiva e/ou arbórea.

II. Dados e métodos

Este estudo foca-se nos municípios de Braga e de Guimarães localizados na NUTSi II Norte (fig. 1), que apesar de adstritos pertencem a NUTS III distintas, pois Braga integra-se na NUTS III do Cávado, e Guimarães na NUTS III do Ave. À semelhança do restante Noroeste de Portugal, os municípios exibem um povoamento disseminado, mas denso (Ribeiro, 1995; Portas, 2005), na estreita dependência de um conjunto favorável de condições naturais (ex. elevada precipitação, verões curtos), de que uma complexa evolução agrária (ex. socalcos, rega e estrume abundante) soube tirar o máximo proveito (Ribeiro, 1995). Não obstante este contexto comum, bem como similaridades fisiográficas e climáticas, Braga e Guimarães desenvolveram modelos territoriais díspares, fruto das vicissitudes históricas que aturam sobre o território nos dois últimos séculos.

Fig. 1 Localização dos municípios de Braga e Guimarães. 

A vegetação nos municípios de Braga e de Guimarães obtida by proxy a partir do Normalized Difference Vegetation Index (NDVI), com base na diferença normalizada da banda do infravermelho próximo e da banda do vermelho do satélite Sentinel 2, reflete a média do ano de 2019 (fig. 1). A opção pelo valor médio procura minimizar as diferenças intra-anuais na vegetação, impostas pela fenologia e/ou atividade agrícola. Note-se que, no âmbito dos objetivos específicos da investigação a informação relativa à distribuição da vegetação assume especial relevância quando somada à presença de população, pelo que se adota a subsecção estatística dos Censos de 2011 como unidade de análise. Neste cômputo, começou-se por calcular o valor médio de NDVI para cada subsecção dos municípios de Braga e de Guimarães. De seguida, partindo do pressuposto que a co-ocorrência de subseções com valores baixos de NDVI (indicativos da ausência/presença reduzida de vegetação) e quantitativos elevados de população residente traduz as situações mais problemáticas ao nível da fruição de espaços verdes, procedeu-se à soma das duas variáveis. Vale ressalvar que esta operação foi antecedida da normalização das duas variáveis (atendendo às diferenças de escala), adotando-se os quintis como método de padronização. Neste procedimento considerou-se a distribuição das variáveis no conjunto dos dois municípios por possibilitar uma abordagem comparativa direta entre Braga e Guimarães.

Por fim, a informação derivada anteriormente foi sujeita à análise Cluster and Outlier, que fornece mapas estatisticamente significativos dos hot spots e cold spots, bem como dos outliers espaciais, tendo por base a estatística de Anselin Local Moran’s I.

III. Discussão dos resultados

A estrutura territorial polimórfica de Braga e de Guimarães, característica da urbanização difusa no Noroeste português (Ribeiro, 1995), repercute-se de modo direto nas condições biofísicas do território, e concretamente na distribuição da vegetação (fig. 1). Ainda que densa nas áreas limítrofes dos dois municípios (exceção feita a todo setor sudoeste de Guimarães), a vegetação nos núcleos centrais encontra-se deveras depauperada, bem como nos alinhamentos urbanos que acompanham a rede viária. A co-ocorrência de subseções com reduzido NDVI (indicativos da ausência de vegetação ou em quantidade reduzida) e elevado número de população - que constituem as situações mais problemáticas ao nível da fruição de espaços verdes em tempos de confinamento domiciliar - repercute em grande medida a geografia descrita (c.f. figs. 1 e 2ª).

À parte do território que detém um desempenho mediano ao nível da fruição dos espaços verdes (cerca de 25%), constata-se que, no conjunto dos dois municípios, 48% das subseções apresentam uma situação problemática (i.e., “má” ou “muito má”) e que somente 29% destas exibem uma situação francamente positiva (i.e., “boa” ou “muito boa”). Sem embargo, este cenário (deveras preocupante) sofre uma clara melhoria se atentarmos à área ocupada pelas subseções (em vez do número), visto as situações positivas representarem 57% do território de Braga e de Guimarães. Ainda assim, é nota de apontamento que as subseções problemáticas ocupam 19% do território conjunto dos dois municípios (figs. 2ª-2C). Esta questão, transversal a Braga e a Guimarães, encontra justificação na reduzida dimensão que as subseções mais urbanizadas apresentam.

Fig. 2 Situação relativa à fruição de espaços verdes pelos residentes nos municípios de Braga e de Guimarães. 

Uma abordagem espacial detalhada coloca em evidência a preocupante situação do núcleo urbano primaz de Braga, pois a presença de Clusters High-High indica que estas subseções além de deterem baixos valores de NDVI encontram-se ladeadas por outras com características similares (fig. 3).

Com efeito, em situações de confinamento domiciliar em que os momentos de lazer e as deslocações se encontram restritas ao entorno da habitação o acesso e fruição de espaços verdes encontra-se francamente limitado, o que pode potenciar episódios de ansiedade e de stress (Honold et al., 2016). Com o afastar do centro histórico em direção ao limite do perímetro urbano bracarense verifica-se uma melhoria da situação, todavia ainda se sentem os impactes da ausência de vegetação nas subsecções vizinhas (i.e., Outliers Low-High). Por sua vez, em Guimarães, apesar de aplicável o quadro descrito anteriormente, a realidade manifesta-se bem mais complexa. Os efeitos da urbanização e industrialização difusa, e a menor capacidade de polarização da cidade (quando com parada com Braga, devido ao peso dos serviços), consubstanciam-se no extravasar das situações problemáticas (i.e., Clusters High-High) para o exterior do perímetro urbano, sobressaindo em especial as vilas, que desde sempre constituíram importantes polos de condensação humana. A par disto, a dispersão urbana que tende a acompanhar a rede viária promove ainda o aparecimento de Outliers High-Low um pouco por todo o território de Guimarães, bem como de Braga. Por fim, a presença de arborização densa nas áreas mais elevadas promove o aparecimento de Clusters Low-Low, ainda que em Guimarães a maior interprenetração entre o urbano e o rural promova um menor agrupamento desta variável, observando-se por conseguinte maior percentagem de território classificada como “Não Significativo”.

Fig. 3 Análise de clusters da situação relativa à fruição de espaços verdes pelos residentes nos municípios de Braga e de Guimarães. 

As desigualdades na fruição de espaços verdes nas subseções de residência, e por conseguinte dos inúmeros benefícios psicológicos daí decorrentes (Honold et al., 2016), alertam para um quadro de injustiça espacial em Braga e em Guimarães - que o ordenamento do território (operacionalizado à escala municipal pela figura legal dos Planos Diretores Municipais) tem por dever minimizar ou mesmo suprimir, num contexto de pandemia ou não. As subsecções onde a situação foi classificada de “má” ou “muito má” constituem áreas críticas de intervenção, pelo que o reforço da vegetação deve constituir uma medida prioritária na agenda política. As soluções adotadas deverão obrigatoriamente considerar a morfologia urbana, sendo que nas subsecções com urbanização mais densa as ações implementadas poderão ir desde as tradicionais ruas arborizadas até projetos mais vanguardista de telhados e/ou paredes verdes. Nestes locais outra possibilidade interessante passa pela reconversão vegetal de espaços vacantes ou mesmo se contruídos no âmbito de projetos de reabilitação urbana.

IV. Nota final

A abordagem encetada nesta investigação coloca em evidência de modo expedito - porém detalhado, graças à visão sinótica da Deteção Remota - as injustiças na fruição de espaços verdes que o confinamento domiciliar impõe, visto a população não se poder deslocar a outros locais para seu usufruto (ex. jardins ou parques da cidade). A ausência de vegetação nas áreas mais densamente urbanizadas, preocupante pelos mais diversos motivos (ex. clima, biodiversidade), sai neste contexto de pandemia reforçada. Dessarte, a identificação das subseções mais problemáticas constitui um importante input para os planos de emergência municipal (ou regional) que abarquem medidas de contingência similares definidas em situações futuras de emergência, pois aponta para os locais onde episódios de stress e de depressão se encontram maximizados em situações de confinamento. Num prisma mais amplo este exercício de cartografia contribui para a rentabilização dos recursos (sempre parcos) aquando da implementação de medidas preventivas de promoção da vegetação, melhorando assim a eficácia e a eficiência das decisões políticas.

Referências bibliográficas

Honold, J., Lakes, T., Beyer, R., & van der Meer, E. (2016). Restoration in urban spaces: Nature views from home, greenways, and public parks. Environment and Behavior, 48(6), 796-825. Doi: https://doi.org/10.1177/0013916514568556 [ Links ]

Parker, J., & Baro, M. (2019). Green Infrastructure in the Urban Environment: A Systematic Quantitative Review. Sustainability, 11(11), 3182. Doi: https://doi.org/10.3390/su11113182 [ Links ]

Portas, N. (2005). Nuno Portas. Prémio Sir Patrick Abercrombie - UIA 2005 [Nuno Portas. Sir Patrick Abercrombie Award - UIA 2005]. Lisboa: Ordem dos Arquitetos. [ Links ]

Ribeiro, O. (1995). Opúsculos Geográficos. VI Volume - Estudos Regionais [Geographic Opuscles. VI Volume - Regional Studies]. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. [ Links ]

Twohig-Bennett, C., & Jones, A. (2018). The health benefits of the great outdoors: A systematic review and meta-analysis of greenspace exposure and health outcomes. Environmental Research, 166, 628-637. Doi: https://doi.org/10.1016/j.envres.2018.06.030 [ Links ]

Documentos legais

Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18/03/2020 - Declara o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública.

Decreto n.º 2-A/2020, de 20/03/2020 - Procede à execução da declaração do estado de emergência efetuada pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março.

Recebido: 01 de Junho de 2020; Aceito: 01 de Setembro de 2020

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