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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

Print version ISSN 0430-5027

Finisterra  no.115 Lisboa Dec. 2020  Epub Dec 31, 2020

https://doi.org/10.18055/finis20342 

Artigo

Os novos desafios do turismo urbano

The new challenges of urban tourism

Davide Alpestana1  , Geógrafo
http://orcid.org/0000-0001-5773-0491

1 Geógrafo, licenciado em Geografia-Urbanismo, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal. E-mail: dalpestana@gmail.com


Resumo

Com a pandemia de COVID-19, o mundo está a mudar de forma rápida. É preciso agir e encontrar novas formas de ajustamento à nova realidade ao mesmo tempo que é preciso refletir e encontrar estratégias mais sustentáveis, em termos sociais e ambientais. Este artigo tem por objetivo analisar o fenómeno do turismo nas cidades portuguesas, com um breve enquadramento sobre a atual conjuntura económica e uma revisão da literatura sobre a temática do “turismo urbano”, para, em seguida, perspetivar princípios e medidas de dinamização deste sector, ao nível local, considerando os novos desafios impostos pela pandemia e a renovação da atratividade dos destinos turísticos.

Palavras-chave: Covid-19; turismo; cidades; cultura; comunidades

Abstract

Along with the COVID-19 pandemic, the world has been changing at a dazzling pace. It is necessary to act rapidly and find new ways to adjust to this new reality and at the same time think about more sustainable strategies, both social and environmental. The purpose of this article is to examine the phenomenon of tourism in Portuguese cities, considering not only a broader context of our current economic condition but also a review of the existing literature on the issue of “urban tourism”. Then, we will be able to envision principles and rules to boost this sector, at a local level, considering the new challenges presented by the pandemic as well as renewing the attractiveness of tourist destinations.

Keywords: Covid-19; tourism; cities; culture; communities

O surgimento da pandemia de COVID-19, no início de 2020, está a ditar mudanças significativas na sociedade, a antecipar tendências, a alterar prioridades e a criar novos desafios que já se manifestam nos territórios, na reestruturação económica, cultural e social, nas medidas implementadas ao nível da administração pública ou na definição de novas estratégias para os destinos turísticos.

A disseminação global do novo coronavírus colocou Portugal num estado de emergência que se prolongou durante 45 dias e que provocou o bloqueio da maior parte das atividades. No momento em que é escrito este artigo (junho de 2020), Portugal encontra-se em fase de desconfinamento, tendo presente que os riscos da pandemia não estão resolvidos e são globais.

Em termos económicos, as estimativas da Comissão Europeia para 2020 apontam para uma quebra do Produto Interno Bruto (PIB) da zona Euro e de Portugal de 7,7% e 6,8%, respetivamente (CE, 2020). Por sua vez, a Organização Mundial do Turismo anunciou uma estimativa do impacto da pandemia, em que o turismo internacional deverá recuar entre 58 e 78% no ano de 2020 (OMT, 2020).

Embora o turismo seja um sector de grande resiliência, a atual crise afeta a generalidade dos países europeus, que são os principais mercados emissores de turistas para Portugal e bastam alguns dados para se perceber a dimensão deste sector a nível nacional. O turismo foi a maior atividade económica exportadora do país em 2019, responsável por 52,3% das exportações de serviços e 19,7% das exportações totais, tendo as receitas turísticas registado um contributo de 8,7% no PIB português (Turismo de Portugal, 2020).

Importa também recordar que o turismo foi decisivo para o país superar a crise da dívida soberana de 2008/09 e que desde essa data mantinha um crescimento contínuo, caracterizado por “uma maior diversidade de segmentos e modalidades, algumas destinadas a verdadeiros nichos de mercado. City breaks, turismo cultural, de negócios, de congressos, de saúde, de compras, entre muitos outros” (Barata-Salgueiro, 2017, p. 4). Neste contexto, as cidades reforçaram a sua atratividade e o turismo transformou-se num dos seus principais fatores de renovação.

A afirmação do turismo urbano no início da 2ª década do século XXI enquadra-se num contexto de híper-mobilidade turística associada à globalização. O produto city-break tornou-se mais acessível, estimulado pelo aparecimento das companhias aéreas low cost na Europa e por plataformas on-line de reservas de alojamento, como a Airbnb. Por outro lado, é também resultado da sua afirmação nas políticas de gestão urbana que se refletiu nos incentivos à reabilitação urbana, nas ações de requalificação do património e do espaço público, no marketing urbano e no crescimento da oferta cultural, conforme sintetizado por Barata-Salgueiro (2017).

Uma das principais consequências foi a revalorização das áreas centrais das cidades, tidas como mais genuínas e densas em termos culturais e patrimoniais, e que desde os anos 80 do séc. XX, no contexto de um “novo ciclo de urbanização, marcado pela utilização extensiva e alargada do território” (Pereira, 2004, p. 132) apresentavam uma perda sistemática de população que se traduziu numa desqualificação urbanística e num aumento de alojamentos e edifícios devolutos. No caso de Lisboa, de 1981 para 2011, Lisboa-cidade perdeu praticamente um terço da população e o número de alojamentos sem ocupante (exclui residências secundárias) aumentou 208% (Brito-Henriques, 2017). Os reinvestimentos nas áreas centrais têm sido seletivos, conforme evidenciado por Brito-Henriques (2017) e resultaram numa nova paisagem urbana, parcialmente requalificada, onde se destaca a alteração funcional de alojamentos e edifícios para alojamento local e o aumento da oferta comercial vocacionada para os visitantes.

À data do início da pandemia de COVID-19, os níveis de turismo urbano, embora economicamente benéficos e facilitadores da renovação das áreas centrais, estavam a criar questões sociais e ambientais relevantes. O debate estava nas formas das cidades lidarem com o excesso de turismo, considerando a contestação de moradores, os processos de gentrificação ou a necessidade de uma maior equidade territorial na distribuição dos benefícios. Por outro lado, ao crescimento do turismo urbano e das viagens internacionais baseadas em estadias curtas, estava associado um aumento da pegada carbónica deste sector.

Neste contexto e considerando os desafios impostos pela pandemia pretende-se, em seguida, refletir sobre um conjunto de princípios e medidas de dinamização do turismo urbano ao nível local.

Do ponto de vista organizacional, surge como prioridade, a configuração de um destino seguro na proteção e segurança contra infeções como a COVID-19, através da implementação e monitorização das medidas decretadas e recomendadas pelas entidades competentes nos diversos elementos que constituem o destino urbano. Podem ser desenvolvidas estratégias adicionais, como a uniformização da informação e os avisos em vários idiomas, a disponibilização de material e equipamentos de proteção e higiene ou a criação de equipas de apoio ao turista visando a manutenção das regras de higiene e segurança.

Ao nível da gestão de fluxos turísticos, destaca-se a utilização das infraestruturas digitais para monitorização de movimentos e comportamentos em áreas urbanas, uma tendência que se intensificou no combate e prevenção à pandemia. Com a devida salvaguarda da privacidade dos cidadãos, estas ferramentas podem ser utilizadas, na forma de apps, para informar em tempo real sobre o estado de ocupação dos principais atrativos turísticos, nomeadamente, monumentos, museus ou galerias, de forma a evitar uma afluência excessiva, acautelar distâncias de segurança e proporcionar aos visitantes a possibilidade de gerir o seu tempo de visita.

Também ao nível da gestão de fluxos turísticos, é oportuno desenvolver medidas de dispersão turística. Estas medidas constam do relatório “Overtourism? Understanding and managing urban tourism growth beyond perceptions” (UNWTO, 2018) que a Organização Mundial de Turismo lançou em 2018, com o principal objetivo de reduzir os constrangimentos da sobrecarga turística e que podem agora ser aplicadas como medidas de distanciamento social e de descongestionamento dos fluxos. São apresentadas diversas propostas, das quais se destacam, como exemplos, a expansão das experiências culturais pela cidade (arte, cinema, teatro, dança, música, performance) ou a dinamização de itinerários temáticos e novos atrativos em bairros periféricos. Para a implementação destas propostas, assume particular importância o tema da mobilidade, seja a rede de ciclovias, os percursos pedonais ou os transportes públicos.

Ao nível das atividades económicas, a diminuição acentuada da ocupação no alojamento local está a gerar um aumento de edifícios vazios. Em resultado, estão a surgir medidas de apoio à reconversão destas habitações para arrendamento de longa duração por parte dos municípios que assumem a recolocação destes ativos no mercado, a custos controlados. Note-se que o alojamento local continua a apresentar vantagens relativamente ao alojamento clássico, não só pelos motivos pré COVID-19, mas também por implicar menos contatos sociais durante a experiência turística, sobretudo no caso dos apartamentos e moradias. Ao nível do comércio e serviços, é decisivo apoiar a reformulação e criação de novos projetos empresariais, no sentido de uma maior diversificação da oferta, capaz de integrar a experiência turística, mas também mais vocacionada para a procura local, para os consumos digitais e para a economia circular.

Uma das tendências para a fase pós COVID-19 é o turismo criativo. Este é um tipo de turismo mais lento e no qual o turista é envolvido em experiências que proporcionam aprendizagens e interações com os saberes das comunidades que está a visitar. Estas experiências podem ser uma forma de reconexão social, de expressão e perceção sensorial desejável pelos indivíduos, devido ao isolamento continuado e à ausência de novos estímulos (Baptista, 2020). A par desta mais-valia, o turismo criativo pode potenciar permanências mais demoradas e é um fator de participação dos residentes, de salvaguarda das artes e ofícios e de dinamização das indústrias criativas.

Ao nível dos equipamentos culturais, uma tendência que fica é a maior utilização dos recursos digitais na difusão dos conteúdos culturais, permitindo que, nesta fase de transição, as instituições/equipamentos culturais possam propor uma estratégia mista de fruição (presencial e on-line) e uma resposta mais inclusiva e abrangente enquanto serviço público (Pires, 2020). Em termos turísticos, a disponibilização de conteúdos on-line, seja de arquivo, transmissões streaming ou aplicativos de realidade virtual, é um fator de promoção do destino e um complemento da visita in loco. Outra questão, ao nível dos equipamentos culturais, é a redução da lotação dos espaços com lugares marcados (teatros e cinemas, por exemplo) o que torna pertinente a adaptação de espaços públicos para a realização de espetáculos e outras atividades ao ar livre.

Destaca-se ainda a relevância da dimensão ecológica e dos espaços verdes e as suas funções essenciais, entre as quais é de sublinhar a preservação da biodiversidade, a aproximação da população à natureza e a promoção da saúde e do bem-estar (Sá, 2013). A fase de desconfinamento está a gerar maior utilização destes espaços o que pode resultar numa motivação acrescida, nas escolhas e na satisfação dos visitantes. Sugere-se o reforço e requalificação de jardins e parques e uma inclusão mais afirmativa dos mesmos nos itinerários turísticos, desempenhando, desta forma, a função de educação ambiental e de interpretação desses locais. Outra proposta é o desenvolvimento de políticas de incentivo às coberturas ajardinadas, não só pelas mais-valias funcionais de proteção da estrutura do edifício e reforço da biodiversidade urbana, mas também para criar novos atrativos e perspetivas da cidade.

Por último, destaca-se o papel que o urbanismo tático pode desempenhar, para um rápido ajustamento às novas necessidades. Também conhecido por urbanismo pop-up, ou urbanismo temporário, foi uma das principais tendências de revitalização urbana que surgiu na crise de 2008/09 atuando em situações de declínio e na configuração de novos atrativos, tanto comunitários como turísticos. O urbanismo tático centra-se na exploração e transformação de espaços expectantes, devolutos ou simplesmente subaproveitados, através de ações colaborativas e criativas que visam dotar a cidade de novas experiências, partilhas e estéticas. Inclui-se, por exemplo, a criação de lojas ou galerias temporárias, a transformação de espaços expectantes em locais de espetáculos ao ar livre, o alargamento ordenado das esplanadas em espaços públicos, a delimitação temporária de novas zonas exclusivas para pedestres ou a criação de novos atrativos de arte pública.

Num momento de enormes exigências, mas também de reflexão, este conjunto de princípios e medidas pode integrar programas de ação mais vastos que beneficiem o setor turístico e contribuir para uma transição dinâmica das cidades, na atual conjuntura.

Referências bibliográficas

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Recebido: 01 de Junho de 2020; Aceito: 01 de Setembro de 2020

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