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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

Print version ISSN 0430-5027

Finisterra  no.115 Lisboa Dec. 2020  Epub Dec 31, 2020

https://doi.org/10.18055/finis20330 

Artigo

Timor-Leste no pós-pandemia. Contribuições geográficas para a vida e economia

Timor-Leste in the post-pandemic: geographical contributions to life and the economy

Ricardo Devides Oliveira1  2 
http://orcid.org/0000-0001-9678-6754

1 Docente de Geografia, Universidade Estadual de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina,Brasil

2 Doutorando em Geografia Humana, Universidade de São Paulo, ex-cooperante internacional em Timor-Leste (PQLP/CAPES/MRE/UFSC), Rua do Lago, 717 - Butantã, CEP 05508-080, São Paulo, Brasil. E-mail: ricardodevides@usp.br


Resumo

Este artigo objetiva discutir o futuro de Timor-Leste pós-pandemia à luz de uma contribuição geográfica para pensar o desenvolvimento econômico em equilíbrio com a preservação da vida. Marcado por vulnerabilidades socioespaciais, alta dependência externa e baixa diversificação econômica, com um total de 24 casos recuperados da COVID-19, Timor precisa construir uma condição territorial e econômica integrada e participativa, ou seja, considerando desde melhorias infraestruturais e técnicas até ao fortalecimento de setores econômicos com rebatimentos locais, como a produção de café, o turismo e a indústria. Ao diversificar a economia, rompe-se com a dependência do setor petrolífero. Ao fortalecer a governança, reforça o seu protagonismo regional. Ainda, constituir redes de solidariedade e promover economias alternativas sustentáveis são peças-chave na superação de crises da dimensão do novo coronavírus. A geografia, por pensar na economia e na vida em articulação, aponta caminhos para que Timor desenvolva possibilidades reais de enfrentar não só novas pandemias como também novos colonialismos.

Palavras-chave: Timor-Leste; pós-pandemia; economia; saúde; território

Abstract

This article aims to discuss the future of Timor-Leste in post-pandemic times in the light of geographical contributions to think about the balance of economic development and the preservation of life. Marked by socio-spatial vulnerabilities, high external dependence and a low diversified economy, with 24 recovered Covid-19 cases, Timor needs to build an integrated and participative territorial condition, ,which considers infrastructural and technical improvements to strengthen local economic sectors, such as coffee, tourism and industry. By diversifying the economy, it can reduce its dependence on the oil sector and by strengthening governance, it reinforces its regional role. Also, building solidarity networks and promoting sustainable alternative economies are key steps for overcoming crises such as the current new coronavirus collapse. Geography, for thinking economy and life in unity, can indicate ways for Timor to develop real possibilities to face not only new pandemics but also new colonialisms.

Keywords: Timor-Leste; post-pandemics; economy; health; territory

I. Introdução

Em muitos países crivados pela pandemia, os discursos políticos e ações práticas de combate ao novo coronavírus SARS-CoV-2 não estão conseguindo equilibrar as respostas à emergência de saúde pública e às consequências econômicas. Mesmo nos epicentros da COVID-19, como Reino Unido, Espanha, EUA e Brasil, não foi possível gerir de forma conjunta e segura a crise sanitária e econômica. Este dilema, internalizado no pensamento político e em suas ações, tem uma dimensão geográfica a ser explorada, pois esta ciência nos ensinou que “economia é vida”, portanto, uma unidade que não deveria ser dicotomizada (Moreira, 2014). Além disso, com exceção das nações protagonistas no cenário internacional, a maioria dos países são invisibilizados pela grande mídia, e mesmo num mundo intensamente globalizado, marcado pelo desenvolvimento desigual do meio técnico-científico-informacional (Smith, 1988; Santos, 1996) é difícil acessar informações consistentes sobre a COVID-19 em muitos lugares.

Dada que esta crise é multiescalar e multidimensional (Haesbaert, 2020; Mello-Théry & Théry, 2020), territórios são afetados de diferentes maneiras, evidenciando injunções econômicas, políticas e territoriais, bem como combinações escalares bastante problemáticas. Neste sentido, é pertinente questionar: quais as particularidades de Timor-Leste, nação lusófona insular localizada no Sudeste Asiático/Ásia-Pacífico (Mendes, 2010), que contabilizava no início de junho um total de 24 casos recuperados e zero mortes? Sendo um país atravessado por inúmeras vulnerabilidades, quais as reais condições da economia e da vida lestetimorense no pós-pandemia? Buscaremos discutir os desafios da jovem nação a partir deste pressuposto geográfico articulado ao Hamutuk Ita Bele/Juntos todos podemos.

II. Injunções territoriais e as particularidades da COVID-19 na ilha

Ex-colônia portuguesa até 1975, quando foi invadido pela Indonésia numa ocupação genocida que durou 24 anos, Timor-Leste conquistou seu direito à autodeterminação e consequente independência no período conturbado conhecido como “Transição”, mediada pela ONU, entre 1999 e 2002 (Durand, 2010). Desde então, o país tornou-se dependente da ajuda financeira e técnica internacional e dos recursos advindos do petróleo, constituindo uma condição de dependência externa e baixa diversificação econômica, potencializadas por uma longa instabilidade política e inúmeras vulnera bilidades espaciais (Durand, 2010; Mendes; 2010; Cabasset-Semedo, 2015). É neste contexto que o novo coronavírus entra em Timor, com o primeiro caso confirmado no dia 21 de março de 2020, e a instauração do Estado de Emergência uma semana depois, demonstrando que a rápida medida de quarentena obrigatória e restrições espaciais foi uma atitude acertada considerando as limitadas condições hospitalares para o controle do vírus.

Dois meses depois, dados da Organização Mundial da Saúde para o período de 10 a 22/05/2020 mostraram uma expansão de 81,7% dos casos de COVID-19 no Sudeste Asiá tico, protagonizados pela Índia e Indonésia. No mesmo período, a crise em Timor já se encontrava estabilizada, com 24 casos confirmados e o mesmo número de curados, todos importados, 22 na capital Díli, sendo a curva da Covid-19 praticamente um pequeno e curto espasmo, dado o caráter pontual e concentrado da pandemia na ilha. Os casos foram isolados antes de chegarem às comunidades, evitando a denominada transmissão comunitária do vírus. Este cenário favoreceu discursos e pressões pró-flexibilização do Estado de Emergência, ainda que o atual Presidente Francisco Guterres Lu-olo e o Primeiro-Ministro Taur Matan Ruak tenham estendido o regime de exceção até 26 de junho de 2020. Abertura parcial da fronteira terrestre e maior circulação do transporte de mercadorias foram alguns pontos da pauta política.

A proximidade geográfica com a Indonésia - demarcada na fronteira terrestre e pelo enclave de Oécusse-Ambeno - justificou as preocupações, mas a questão central por trás da discussão política sobre a necessidade de prorrogar/flexibilizar o isolamento social rebatem nas limitações econômicas de Timor, dependente do petróleo, necessitando de turistas, e precisando fazer circular mercadorias e serviços (Cabasset-Semedo, 2015). O dilema lestetimorense é notável: tem a pandemia sob controle, mas não pode continuar a desenvolver-se por diversas razões: economia pouco diversificada; dinâmica financeira fortemente articulada às importações e exportações principalmente com a Indonésia, candidata a epicentro do coronavírus; dependente das receitas advindas do setor petrolífero, que passa atualmente por sequenciais crises de valor e de futuro. O turismo não pôde ser retomado porque não haviam turistas e as poucas companhias aéreas, AirNorth e Air Timor, tiveram que suspender todos os voos.

Do ponto de vista geográfico, seu território insular ainda marcado pelo isolamento contribuiu para o controle do vírus, já que Timor não integra os principais fluxos de mercados e capitais da Ásia. Internamente, com cerca de 25% da população total (1 183 643 habi tantes, de acordo com o Censo de 2015 (Diretório Geral de Estatísticas de Timor-Leste, 2020) concentrada na capital, somada as limitadas infraestruturas de transporte para os distritos do interior, o vírus também não conseguiu se propagar nas condições normais de densidade técnica. Cruzando os dados na data de referência 12/06/2020, Timor manteve-se com 17 casos por milhão de pessoas. Ressalvadas as proporções e a título de comparação, o Brasil alcançou 3812 casos por milhão (OMS, 2020). Segundo estatísticas da John Hopkins Coronavirus Resource Center para a mesma referência temporal, Timor se destaca inclusive entre os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (PEID’s), se comparado ao Haiti (3941 casos), Guiné-Bissau (1389 casos) e São Tomé e Príncipe (639 casos). Longe de reforçar qualquer tipo de determinismo, o isolamento geoeconômico, baixa densidade técnica e limitada dinâmica de mobilidade interna e regional colocaram Timor no ranking dos países com menos casos no mundo.

Tudo isso foi atravessado por uma prolongada crise política envolvendo flutuantes alianças partidárias para a construção de maioria no Parlamento Nacional, denúncias de atropelamentos de leis e violações constitucionais praticadas por algumas das lideranças políticas em meio a necessidade de aprovar o Orçamento Geral do Estado (OGE). Assim como o Brasil, Timor também vive em combustão política desde 2017, mas a crise política não tem contornos fascistas e a crise sanitária está sob controle. No entanto, o estrangulamento econômico impede as ações mais fundamentais, como o fortalecimento do sistema de saúde, proteção às famílias vulneráveis e apoio aos circuitos de fornecimento de produtos essenciais, como alimentos e medicamentos. Com uma economia fraca e alta dependência externa, suprir necessidades básicas demandam acordos econômicos costurados rapidamente, como o realizado junto a Austrália para obtenção de medicamentos e, recentemente com a China, para construção de um hospital.

III. Economia e vida no pós-pandemia: contribuições geográficas para o Hamutuk Ita Bele

Neste cenário desafiador, com a economia estagnada e o medo de novas contaminações, retomamos o Hamutuk Ita Bele/Juntos Todos Podemos, expressão popular que integra o imaginário cultural e político lestetimorense e pode ser compreendido como um senso coletivo de solidariedade para superar os obstáculos de ordem interna e externa. Apesar do histórico de colonialismos e invasões, o povo lestetimorense construiu o caminho da resiliência, inclusive no jogo geopolítico, e nesta pandemia vem praticando a solidariedade através da distribuição de alimentos e medicamentos para as famílias mais vulneráveis, demonstrando o protagonismo de mulheres e jovens na manutenção da estabilidade nacional. Ações de organizações não governamentais como a La’o Hamutuk, por exemplo, ajudaram a divulgar as recomendações sanitárias e números de emergência em diversos distritos. No entanto, a construção de redes de solidariedade deve superar atitudes espontâneas, envolvendo Estado, comunidades e economias locais. Articular saberes e territórios (Porto-Gonçalves, 2017; Sousa Santos, 2020) pode significar promover, no contexto lestetimorense: segurança alimentar, igualdade de gênero, acesso a educação e saúde, alternativas econômicas sustentáveis, acesso a energia, água e saneamento básico. No plano internacional, a solidariedade deve pressupor o compromisso contínuo das nações parceiras de Timor, como Indonésia, Austrália, China, Portugal e também o Brasil.

Com todos estes condicionantes de ordem política, econômica e geográfica, faz-se necessário apontar algumas alternativas para a vida e a economia no vir-a-ser do pós-pandemia. Priorizando a vida do povo timorense, a criação de um Fundo de Emergência Nacional sustentado a curto, médio e longo prazo, expansão qualificada do sistema de saúde e melhoria das condições de habitação são medidas urgentes para concretizar a imunidade coletiva, pois especialistas já indicam uma segunda e terceira onda de contaminação pelo novo coronavírus. A pandemia também vem demonstrando que Estados fortes, com instituições democráticas e alinhadas aos interesses e necessidades da população, são capazes de gerir uma crise de saúde evitando prejuízos econômicos astronômicos e minimizando a perda de vidas. Por isso que Timor precisa fortalecer e equilibrar sua governança política.

Com a previsão de retração do PIB em mais de 5% e as receitas petrolíferas em torno de 60%, promover a real diversificação econômica via desenvolvimento local é o grande desafio para um país que amarga taxa de desemprego em torno de 45%, e 41% da população abaixo da linha da pobreza (Cabasset-Semedo, 2015). Gás e petróleo produzem as maiores receitas, mas não geram empregos locais diretos. A produção de café, junto ao turismo e indústria, que permitem uma real articulação junto às comunidades de baixo rendimento, continuam secundarizados frente a hegemonia do petróleo, além de receber irrisórios investimentos (Cabasset-Semedo, 2015). Assim, o direito de exercer a autodeterminação, ou seja, de autogovernar-se defendendo a sua existência e a condição de independente, deve, como continuum, ser expandido e ressignificado para a tomada de decisões considerando todas as dimensões da sociedade lestetimorense, salvaguardando economia e vida de forma integrada, como aponta a geografia e suas contribuições para pensar o território em sua potência emancipatória (Porto-Gonçalves, 2017). Ainda que a globalização e as políticas neoliberais (Santos, 2000; Sousa Santos, 2020) suplantem o poder decisório e que integrar-se na Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) seja a solução, Timor precisa reforçar sua condição territorial com soberania e, ao manter o posicionamento democrático no plano geopolítico regional e resolver em definitivo as vulnerabilidades sociais internas, será capaz de combater não só novas pandemias como também novos colonialismos.

Referências bibliográficas

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Recebido: 01 de Junho de 2020; Aceito: 01 de Setembro de 2020

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