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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versión impresa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.117 Lisboa ago. 2021  Epub 01-Ago-2021

https://doi.org/10.18055/finis25028 

Obituário

Antoine Bailly (1944-2021)

1 Centro de Estudos Geográficos, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa, R. Branca Edmée Marques, 1600-276, Lisboa, Portugal. E-mail: jorgegaspar@campus.ul.pt; jmsimoes@igot.ulisboa.pt; fonseca-maria@campus.ul.pt; diogo.abreu@campus.ul.pt


Fotografia da autoria de José Manuel Simões

Antoine Bailly, Alvito, 2006. 

O geógrafo Antoine Bailly, professor emérito da Universidade de Genebra e Honoris Causa da Universidade de Lisboa, decidiu deixar-nos em 25 de junho de 2021, na sequência de enfermidade fulminante e irrecuperável.

Nascido em 1944, em França (Belfort) e radicado na Suíça, Antoine Bailly fez os seus estudos universitários em França e nos Estados Unidos da América. Licenciou-se em Geografia pela Universidade de Besançon e em Ciências Regionais pela Universidade de Pensilvânia, doutorando-se, em 1977, em Letras e Ciências Humanas pela Universidade de Paris-Sorbonne, sob a orientação de Paul Claval, com um trabalho pioneiro no seio da geografia francesa intitulado La perception de l´espace urbain: les concepts, les méthodes d´études, leur utilization dans la recherche urbanistique.

Era uma personalidade de grande prestígio académico internacional, não só entre geógrafos, mas também entre especialistas de áreas científicas afins, como a Ciência Regional, o Planeamento Territorial, a Medicometria e a Epistemologia e História do Pensamento Social. Foi professor visitante ou convidado em numerosas universidades, e o seu nome está ligado a mais de 500 publicações.

Simultaneamente, dedicou-se a outras atividades que relevam do contacto com a Natureza, entre as quais esqui alpino, escalada, pedestrianismo e ciclismo de montanha.

Antoine Bailly foi sempre de uma enorme generosidade pessoal e intelectual para com os colegas do grupo de Geografia Humana da Universidade de Lisboa. Muitos lhe devemos ensinamentos, conselhos, sugestões preciosas e a oportunidade de trilhar com ele novos caminhos de investigação em Geografia, teórica e aplicada. Um mestre e um colega que há cerca de 40 anos colaborava regularmente no ensino e na investigação em Geografia na Universidade de Lisboa e com quem muito aprendemos. E, sobretudo, um amigo sempre afável e bem-disposto que muito estimávamos.

I. O professor e investigador

Foi professor nas Universidades de Besançon, Paris, Alberta, Quebeque e Genebra e, como visitante ou convidado, ensinou ainda na Universidade de Lisboa e em mais de 40 universidades europeias, americanas, africanas e asiáticas.

Antoine Bailly faz parte da segunda geração de geógrafos renovadores que, a partir da segunda metade do século XX, promoveram a corrente que ficou designada por Nova Geografia. A sua passagem pelos Estados Unidos da América e Canadá facilitou-lhe o contacto com grandes nomes mundiais da Geografia e da Ciência Regional e permitiu-lhe incorporar, no seu percurso de investigação, o que de melhor se fazia nas escolas de geografia inglesa, norte-americana, nórdica, francesa e até portuguesa.

Os seus interesses intelectuais eram muito diversos, abarcando temas de Geografia Urbana, Geografia Económica, Geografia Social, Representações em Geografia, Ciência Regional, Planeamento e Desenvolvimento do Território, Epistemologia e Didática da Geografia e Medicometria (tema que lançou em 1983, conjuntamente, com o economista Jean Paelinck e o médico Michel Périat).

Evidência do seu labor científico é a vasta obra publicada, que inclui a autoria ou edição de mais de três dezenas de livros (alguns dos quais editados em francês e alemão, traduzidos para espanhol, inglês, italiano ou português e objeto de várias edições), cerca de 300 artigos em revistas canadianas, americanas, inglesas, francesas, alemãs, suíças, belgas e espanholas; mais de cento e cinquenta notas e recensões, tendo ainda participado na redação de cerca de cinquenta obras coletivas e coordenado numerosos estudos no domínio do planeamento e desenvolvimento territoriais, na Suíça, em França e no Canadá. Foi também membro da comissão científica editorial de 15 revistas científicas internacionais de grande prestígio nos domínios da Geografia e da Ciência Regional.

Da sua vasta obra, destacam-se algumas publicações que se tornaram manuais de referência para estudantes, professores e investigadores da Geografia, bem como para outras áreas afins: L’organisation urbaine: théories et modèles (1975); La perception de l’espace urbain (1977); La Géographie du Bien-Être (1981); Introduction à la Géographie Humaine (1982, co-autoria com Hubert Béguin); Les Concepts de la Géographie Humaine (1984); Représentations spatiales et dynamiques urbaines et régionales (1986); L´Encyclopedie de Géographie (1992, co-autoria com Robert Ferras e Denise Pumain); Applied Geography: a World Perpspective (2004, co-edição com Lay James Gibsons); Applied Geography for the Entrpreneurial University (2008, co-edição com Lay James Gibsons e Kingsley E. Haynes); Médicométrie - Une nouvelle approche de la Santé (1999, co-autoria com Michel Périat) e Voyage en Géographie: une géographie pour le monde, une géographie pour tout le monde (1999, co-autoria com Renato Scariati). Trabalhou até ao fim, pelo que mesmo durante a pandemia, publicou dois livros: Une géographie visionnaire (2020) e Une analyse médicométrique de la pandémie Covid-19 (2021).

A par da docência e da investigação, Antoine Bailly desempenhou ainda altos cargos de gestão na Universidade de Genebra e impulsionou o desenvolvimento de Associações Científicas Internacionais, de Geografia e Ciência Regional, tendo sido: i) Diretor do Departamento de Geografia, Presidente da Secção de Ciências Sociais e Presidente do Conselho da Universidade de Genebra; ii) Fundador e Presidente da Comissão de Geografia Aplicada da União Geográfica Internacional; iii) Presidente da Association de Science Régionale de Langue Française (1981 a 1984), da Western Regional Science Association (1995) e da Regional Science Association International (2003-2004); iv) Director científico do Festival International de Géographie de Saint-Dié-des-Vosges, França (1993 a 1999) e do seu prémio anual Vautrin-Lud (1991 a 1997); v) Chair do Forum Santé Switzerland (2000 a 2014). Foi também presidente da Associação Suíça de Professores Universitários (1996-1998).

O mérito do seu trabalho foi reconhecido por numerosas distinções entre as quais se salientam: i) Chevalier de l’Ordre National du Mérite, França (2000); ii) Prémio Vautrin-Lud do Festival International de Géographie de Saint-Dié-des-Vosges, 2011 (o chamado “Nobel” da Geografia); iii) Doutor Honoris Causa por diversas universidades: Université du Québec (1992), Hungarian Academy of Sciences (2003), Universidade de Lisboa (2009) e University Ioan Cuza of Iasi, Roménia (2016); iv) Regional Science Association International Founder’s Medal, 2008 (prémio atribuído apenas de quatro em quatro anos); v) Medalha de ouro da Universidade de Liège (2004); vi) Prémio da Associação Americana de Geógrafos; vii) Prémio da Associação Japonesa de Ciência Regional; viii) Beaulieu Prize for Medicometric Research (1993); ix) Membro da Academia Europaea (desde 2010) e secretário da Seção de Ciências Sociais, (desde 2015); x) Membro correspondente da Sociedade Italiana de Geografia (1994), Membro Honorário da Academia das Ciências da Hungria (2004) e sócio correspondente estrangeiro da Academia das Ciências de Lisboa (2020).

As relações colaborativas de Antoine Bailly com a escola de Geografia de Lisboa iniciaram-se nos anos oitenta, a convite de Jorge Gaspar, tendo sido enquadradas em diversas atividades do Centro de Estudos Geográficos e do Departamento de Geografia e, mais recentemente, do IGOT - Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa. De entre elas, destaquem-se: i) a participação ativa no PIC ERASMUS, lançado em 1986 com a participação das Universidades de Lisboa (coordenação), Barcelona, Copenhaga e Genebra; ii) a colaboração no ensino de seminários dos cursos de Mestrado e Doutoramento; iii) participação como consultor em numerosos projetos de investigação; iv) membro do Conselho Consultivo do Centro de Estudos Geográficos; v) membro da Comissão Editorial Externa da Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia.

Desde a sua fundação que Antoine Bailly esteve ligado à Associação EGA - Estudos Gerais de Alvito, tendo participação ativa em algumas das conferências. Em 2006 teve um papel decisivo na organização do Fórum Saúde Alentejo, promovido pela EGA, em Alvito, e que teve o apoio da Sanofi-Aventis (Suisse) S.A. que, pela intervenção de Antoine Bailly, promoveu a vinda a Alvito do seu CEO, Dr. Mauro Gabella, para uma conferência sobre o sistema de saúde suíço.

Em 2007, Antoine Bailly foi também convidado de honra da primeira Festa da Geografia realizada na cidade de Mirandela e inspirada no Festival International de Géographie de Saint-Dié-des-Vosges, numa iniciativa conjunta da Câmara Municipal de Mirandela e do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa. Seria também conferencista convidado nos eventos de 2009 e 2010.

II. O enólogo

Para Antoine Bailly, a Enologia, além de um domínio de estudo, que iniciara cedo, em França, era uma prática regular e, acima de tudo, uma paixão. Era conhecedor, não só teórico, mas também com muita prática de terreno da vitivinicultura mundial. É assim que, naturalmente, é convidado para distintas confrarias em França, na Suíça e em Portugal, como por exemplo, a Confrérie Bourgeois de Saint-Émilion ou a Confraria dos Gastrónomos e Enólogos de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Desde o ano 2000 que se dedicava, com o melhor sucesso na qualidade, à produção de vinhos, brancos e tintos, a partir de misturas de uvas de cepas típicas dos cantões do Valais e de Vaud, sempre em colaboração com conceituados vinhateiros. Foi ainda a paixão pela enologia que o levou a associar-se ao movimento pela valorização da cornaline, uma casta indígena do Valais, e de tal maneira se envolveu na iniciativa, que acabou na direção museográfica da maison des cornalines, em Flanthey, no Valais.

É frequente a associação da enologia com a gastronomia e foi esse o caso com Antoine Bailly, um gastrónomo delicado, conhecedor e com os pés bem assentes no território, na Geografia. Foram esses saberes e o gosto pelo convívio e sociabilidade que o levaram à presidência do Club Universitaire de Genève, em que participava ativamente na gestão do restaurante e da competente “cave”.

III. A pessoa

Antoine Bailly, além das suas capacidades científicas, pedagógicas e de mobilização e organização, tinha também uma notável facilidade de sociabilização.

Particularmente memoráveis do ponto de vista de sociabilização (e também científico) foram os encontros sobre Médicométrie, organizados sob os auspícios da Association de Science Régionale de Langue Française, num primeiro ciclo, bienalmente, entre 1983 e 2005 na estância de esqui de Les Diablerets (comuna suíça de Ormont-Dessus, cantão de Vaud) e designados Colloques de Médicométrie Regionale e, num segundo ciclo, anualmente entre 2007 e 2014, primeiro em Villeneuve (cantão de Vaud) e depois em Porrentruy (cantão de Jura) sob o título de Tables-rondes internationales de Médicométrie. Para além das longas e interessantes discussões científicas ficavam sempre na memória dos participantes o jantar de encerramento com a inevitável e saborosa chucrute, os fantásticos queijos e vinhos e, como sempre, as inesquecíveis cantigas do pós-guerra e regionais acompanhadas ao piano, tendo como principais animadores Antoine Bailly, Jean Paelinck, Lay James Gibsons e Michel Périat. Talvez fosse do vinho e do calor da festa, mas a ideia que ficava era a de uma afinação total e da ansiedade por um novo encontro!

Sendo um amante da Natureza, os seus múltiplos afazeres profissionais nunca o impediram de cultivar os seus principais hobbies: esquiar (desporto de que chegou a ser instrutor no Club Alpin Français), escalar montanhas, caminhar e andar de bicicleta e, saborear, com os seus amigos, uma boa refeição e um bom vinho. Refira-se que Antoine Bailly, combinando o esqui e o alpinismo, conseguiu completar a Haute Route de Zermat a Chamonix e escalar muitos picos nos Alpes, fez caminhadas longas e de grande dificuldade em trilhos de trekking dos Himalaias (Ladakh, Annapurna e Sikkim) e na Patagónia, e como ciclista escalou mais de 100 passagens alpinas de Galibier a Izoard, de Glandon a Bavella.

Ao longo dos anos, as múltiplas vindas de Antoine Bailly a Portugal, fossem no quadro de atividades científicas (sobretudo cursos de pós-graduação, conferências internacionais e júris) fossem, simplesmente, para gozo de uns dias de lazer e descontração e fruição dos amigos portugueses, eram sempre congregadoras e motivadoras de convívio. Grande apreciador dos costumes, das paisagens e da comida e vinhos portugueses, as refeições, mais que degustações, eram momentos de grandes congeminações científicas e acima de tudo de culto da amizade.

Em maio de 2014, num testemunho de vida pessoal que foi publicado na Newsletter da RSAI - Regional Science Association International, Antoine Bailly escreveu: “Estes prémios são correspondidos pela vitória de muitos amigos que partilharam a minha vida científica regional. Não vivemos apenas numa associação ou numa rede; temos a oportunidade de pertencer a um “clube” onde desfrutamos de atividades sociais (no meu caso esqui, caminhadas, provas de vinhos e boa comida em lugares agradáveis) e promovemos a ciência regional. Agora que tenho tempo, até produzo o meu próprio vinho na Suíça! Não é uma boa maneira de fazer ciência regional aplicada? Creio que a “crise” acabou. Viva a nova geração de cientistas regionais!”

Pelo labor e mérito do seu trabalho científico e académico e pela lucidez do seu espírito, Antoine Bailly é uma referência tutelar e uma personalidade que, desde há muito, faz parte do IGOT e das instituições que lhe deram origem. O Professor Antoine Bailly partiu, mas a memória do académico e grande amigo e dos bons e estimulantes momentos que nos proporcionou, estará sempre presente nas nossas vidas.

Referências bibliográficas

Gaspar, J., Simões, J. M., Fonseca, M. L., Abreu, D., (2021) Antoine Bailly (1944-2021) Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia, LVI(117), pp. 313-317 https://doi.org/10.18055/Finis25028 [ Links ]

Recebido: 10 de Julho de 2021; Aceito: 12 de Julho de 2021

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