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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.26 no.1 Braga  2012

 

Um Contributo Manuscrito de d. Francisco de Portugal para o conhecimento do português setecentista

The contribution of a Manuscript of D. Francisco de Portugal to the Description of the Portuguesein the Eighteenth Century*

Anabela Leal de Barros*

*Universidade do Minho, Instituto de Letras e Ciências Humanas, Departamento de Estudos Portugueses e Lusófonos

aldb@ilch.uminho.pt

 

RESUMO

Em 1743, Manuel Pereira da Costa verte para português a Histoire romaine par demandes et par réponses, atribuída ao Abade Morvan de Bellegarde. A tradução portuguesa, Historia Romana por perguntas e respostas, desde a fundação de Roma até o presente, ou melhor, a sua Parte 1.ª (não constando que se tenha publicado a 2.ª), inspirou a D. Francisco de Portugal uma lista de "Reparos", trasladados num manuscrito setecentista da Biblioteca Pública de Évora. Sendo um dos mais notáveis membros da Academia Real de História, reconhecido possuidor de vastos conhecimentos filológicos, cujas "litterarias produçoens sempre foraõ respeitadas por incomparaveis, assim pela novidade da idea, como pela subtileza do discurso, e pureza do estilo", alinha em quatro fólios os defeitos lexicais, gramaticais e pragmáticos que, na tradução do escritor e professor de latim Manuel Pereira da Costa, mais repugnam à sua indefetível veia purista, embora a tenha considerado excelente. Se, no âmbito da historiografia linguística portuguesa, existem em suficiência obras lexicográficas e gramaticais corporizando as mesmas e outras ideias da época com respeito ao português, e esboçando o leque da sua variação e mudança nos séculos XVII-XIX, no que concerne ao estudo contextualizado destes factos linguísticos numa visão subjetiva e epocal (realização fonética e ortográfica específicas, adequação, regências, registos, cambiantes, colocação, equivalências interlinguísticas), um contributo importante poderá ainda ser dado por obras menores, dispersas e manuscritas, como este Appendix Probi do português setecentista, na habitual tensão dialógica entre o uso clássico/de autoridades e o uso real e popular, inscrito no tempo. Intemporal, a exortação pelo respeito da gramática portuguesa nas suas especificidades, a demarcar da latina tão inflexivelmente como da francesa.

Palavras-chave: História da Língua Portuguesa; História do léxico; Historiografia, Linguística; Análise do discurso gramatical; mudança lexical e gramatical.

 

ABSTRACT

In 1743, Manuel Pereira da Costa translated to Portuguese Histoire romaine par demandes et par reponses, attributed to the Abbe Morvan de Bellegarde. The Portuguese translation, Historia Romana por perguntas e respostas, desde a fundação de Roma ate o presente (Roman History by questions and answers from the foundation of Rome to the present), or rather its Part 1 (not verified that it has published 2), motivated D. Francisco de Portugal to compose a list of “Repairs”, translated ineighteenth-century manuscript of the Public Library of Evora. As one of the mostnotable members of the Royal Academy of History, acknowledged possessing extensive philological knowledge, whose “literary works have always been respected asunique, both for the novelty of the idea as the subtlety of speech and purity ofstyle”, D. Francisco filled four folios with lexical, grammatical and pragmatic flaws or defects in the translation of the writer, and teacher of Latin, Manuel Pereira da Costa, the most disgusting to him as uncompromising purist, although he regarded it as excellent.

Keywords: History of the Portuguese Language, History of the lexicon; Linguistic historiography, Grammatical discourse analysis, lexical and grammatical change.

 

1. Introdução

Os ventos iluministas que sopraram no Portugal setecentista arrastaram consigo da Europa obras numerosas, que foram em muitos casos objeto de tradução para português. Entre a contribuição francesa achava-se a Histoire romaine par demandes et par réponses (2 vols. in-12, Paris, 1720), atribuída ao Abade Morvan de Bellegarde (BARBIER, 1823: 140), obra que nesse contexto refere António Alberto de ANDRADE (1966: 125-126), em Verney e a Cultura do seu Tempo.

No início da Prefaçam Apologetica do Traductor, Pereira da Costa (1743, inum.) refere-se a Bellegarde[1] como o verdadeiro autor da obra, divergindo ainda quanto à data de publicação:

Toda esta Historia, que alguns attribuirão falsamente ao Senhor de Sacy, escreveo em Francez o Abbade de Bellegarde em dous tomos de doze impressos em Pariz em 1716.

1.1 A tradução e o tradutor

A Historia Romana traduzida por Pereira da Costa teve alguma fortuna entre nós, já que do primeiro volume, único a chegar ao prelo, se faz segunda edição em 1746, embora se conhecessem na época em Portugal várias obras ao mesmo assunto, lecionado nas escolas, e em diversas línguas.

Do tradutor, Manuel Pereira da Costa (1697-1768), transmontano de Moncorvo, sabe-se que estudou humanidades e língua latina no Colégio de Santo Antão, da Companhia de Jesus, vindo a ser professor de gramática latina em Lisboa, além de escritor; perito em poesia latina e portuguesa, e no estudo da história sagrada e profana, conhecia profundamente as línguas latina, francesa e italiana, tendo feito ainda outras traduções, nomeadamente do francês (PEREIRA e RODRIGUES, 1911)[2].

1.2 O autor dos Reparos à tradução

À data em que surgia em Portugal a tradução de Histoire Romaine, D. Francisco de Portugal (1679-1749), oitavo Conde de Vimioso e segundo Marquês de Valença, reconhecido como um dos fidalgos mais ilustres e ilustrados do seu tempo, ocupava lugar de destaque na Academia dos Ocultos e na Academia Real de História, de que era membro desde 1723, tal como, aliás, Diogo Barbosa Machado,que dele traça, na Bibliotheca Lusitana, um perfil entre o hagiográfico e o panegírico de um génio literário (1747, II: 232-235; 1759, IV: 141-142), competindo no encómio com os contemporâneos Bartolomeu de Sousa Mexia e Francisco José Freire, que se ocuparam do seu elogio fúnebre, com ampla listagem das suas obras.

Orador apreciado e elogiado pela sua eloquência, dedicava-se frequentemente a compor prosa de circunstância para ser dita ou recitada (elogios fúnebres, orações panegíricas, discursos gratulatórios). Tendo alcançado "profunda inteligência das línguas mais polidas da Europa", mas sobretudo do latim e acima de tudo do português (BARBOSA MACHADO, 1747: 233), o seu uso e conhecimento da língua materna pautavam-se pela elegância, propriedade e pureza dos clássicos, sendo tão adverso a latinismos alheios à dinâmica da língua como a estrangeirismos. Entre as obras referidas por Barbosa Machado (1747; 1759) e Inocêncio da Silva (1859) avultam discursos e reflexões de ciência, religião e história, um voto com alguma modernidade defendendo a admissão de estrangeiros na Academia, e as Instruções a seus filhos, primogénito e segundo, inscritas na tradição europeia da epistolografia ou tratadística didáctica filial, e na sequência de outra Instrução manuscrita, de 1735, dirigida ao filho mais velho (Câmara, 2004; Carvalho, 2004). Os dois trabalhos publicados em 1745 essencialmente para uso familiar viriam a merecer acolhimento junto do público, já que tiveram ambos uma segunda ediçãoem1746(na Officina de Pedro Ferreira), impressos a favor do Colégio dos Órfãos de Lisboa. Na generalidade, a sua obra publicada não traía os objetivos fundacionais da Academia, em cujo decreto de fundação se programava tratar "a história eclesiástica destes reinos e, depois, tudo o que pertencesse à história deles e de suas conquistas". Dedicou-se ainda à tradução do latim e ao género da crítica literária, com um discurso apologético em defesa do teatro espanhol e uma crítica ao Cid de Corneille, que redundou em polémica.

Innocencio Francisco da Silva (1859: 29) termina assim o artigo que lhe dedica, após o elenco bibliográfico:
O Marquez de Valença é geralmente respeitado pelos nossos philologos-criticos como um dos que mais se approximaram dos antigos classicos no tocante á pureza de linguagem, e gravidade no estylo. D. Thomás Caetano de Bem diz d'elle por palavras formaes: «Falou com notavel elegancia e propriedade a nossa lingua, bebendo nas obras do incomparavel Vieira o estylo e pureza de idioma, que se acha nos seus discursos».

O seu é ainda o segundo nome referido por Thomaz-Caetano de Bem (1792: xliiii) entre os dos mestres que deveriam imitar-se pela "notável elegância e propriedade" com que falaram a língua portuguesa, nas suas Memorias historicas chronologicas da sagrada religião dos Clerigos regulares em Portugal, e suas conquistas na India Oriental:

Temos em Portugal muitos Escritores, que fallárão com notavel elegancia, e propriedade a nossa lingua, e que podem servir de Mestres. Vieira he certamente a todos incomparavel: o Marquez de Valença D. Francisco de Portugal nelle bebeo o estilo, e pureza do idioma, que se acha em seus Discursos. Fr. Bernardo de Brito, o P. João de Lucena, Jacintho Freire de Andrade, Duarte Ribeiro de Macedo, o Conde de Ericeira D. Luiz de Menezes, Julio de Mello e Castro, Fr. Domingos Teixeira, Eremita Augustiniano, os tres Irmãos Barbosas tem huma elocução purissima.

À luz da modernidade, José de Freitas Carvalho (2004) vê, contudo, de forma mais negativa a figura de D. Francisco de Portugal, com seus "aparatos eloquentes e poses de tipo senatorial" (331-332), na sua participação na corte e na Academia de História, considerando a sua escrita pedantesca e torrencial, em textos essencialmente de circunstância:

...sua actividade como académico, traduzida em orações, práticas, elogios, panegíricos, celebrações de aniversários de reis e príncipes, bem compreensíveis num cenáculo que, de criação e protecção real, fazia da comemoração dessas circunstâncias e datas um dever por gratidão. E um simples folhear dos 16 imponentes volumes da Colecçam de documentos e memorias da Academia – que, desgraçadamente, não vão além de 1736 – evidencia que o marquês de Valença, seu director em alguns anos e censor, pela primeira vez, em 1735, foi o mais constante cultor desse género de intervenções académicas, a que, com contadas excepções, se reduz a sua obra literária. (Carvalho, 2004, 324)

Nuno MONTEIRO (2003: 231) refere-se-lhe como o «expoente máximo do conservadorismo ritual da corte joanina», sendo-lhe reconhecidos "assomos de participação nas disputas entre «Antigos» e «Modernos»" (Carvalho, 2004: 327). É o seu espírito clássico e o desdém que sente pelas modas francesas que o levam a recomendar ao filho primogénito a troca do «estudo dos livros Franceses, pela lição dos auctores Latinos, porque ninguem he tão ignorante da pintura, que queira antes as copias que os originais para adornar o seu Museo» (PORTUGAL, 1745: 83). Curiosamente, quando lhe afirma que "ler a historia romana traduzida he querer saber os successos, mas não a eloquencia com que forão escritos pelos Livios, e Salustios, he encher a memoria de noticias, e não de preceitos de Rhetorica" (PORTUGAL, 1745: 83-84), torna-se evidente que lera com atenção a Historia Romana, de que conhecia pelo menos a tradução. Escrita por um português que dedicava seis horas diárias à Filologia, e já ao longo de um quarto de século (BARBOSA MACHADO, 1747: 233), a lista de reparos nunca tardaria muito relativamente à data de publicação da tradução de Pereira da Costa, no entanto, neste caso tratava-se de mais do que isso: D. Francisco de Portugal já tinha alinhado os Reparos a esta obra anos antes da sua publicação em 1743, como veremos:

Ao continuo estudo de seis horas cada dia observado pelo largo espaço de vinte e cinco annos deveo o vastissimo conhecimento da Filologia, deleitando-se o seu genio em a liçaõ dos Poetas, e Historiadores do Seculo de Augusto, e de outros Escritores, que felizmente uniraõ a elegancia da fraze com a verdade da narraçaõ. As suas litterarias produçoens sempre foraõ respeitadas por incomparaveis, assim pela novidade da idea, como pela subtileza do discurso, e pureza do estilo.

Por outro lado, não é incomum que se dedicasse, nessas horas, a «curar» a sua língua materna das «maleitas» que se lhe afigurava irem-na atacando, ainda que subtil e gradualmente, mesmo em obras de excelência, como considerou ser a referida tradução. Já na tenra idade, segundo se sabe, o seu pendor docente prometia suplantar o discente, pelo que nada surpreende que nos tenha deixado este reflexo do estado da língua no Portugal seiscentista, à semelhança do que algum duvidoso Probo terá feito com respeito ao latim vulgar no Appendix que lhe ganhou o nome:

Logo que começou a receber as primeiras instruçõens da lingua Latina, e letras humanas foraõ tantos os progressos do seu agudo engenho, e penetrante comprehensão, que claramente mostrou nacera mais para ensinar, do que para aprender. Tendo alcançado a perfeita inteligencia das linguas mais polidas da Europa estudou com particular atençaõ a materna a qual escreve com pureza, falla com elegancia sendo taõ escrupuloso cultor das suas palavras, que nunca para se explicar admitio o menor termo dos idiomas estrangeiros.

2. Os Reparos à tradução

O manuscrito CV/2-6 da Biblioteca Pública de Évora, Fundo Rivara 1, é uma volumosa miscelânea (32 por 23 cm., lombada de 5 cm.) resultante da encadernação a posteriori, em pergaminho, de papéis de vária proveniência que andaram soltos e dobrados, de tamanhos distintos e evidenciando marcas de uso. Lê-se na lombada Bibliotheca volante. O códice, inumerado à época, oferece, apenas para referência, foliação a lápis em três séries separadas, não obstante, são em número muito superior as unidades codicológicas que alberga. Inclui obras não literárias e literárias, quer poéticas quer em prosa, em língua portuguesa e castelhana, nem todas se achando completas. Figuram nos textos, mais precisamente nas didascálias ou epígrafes que os apresentam, datações que nos permitem a aproximação a uma época de cópia: 1611, 1729, 1724, 1723, 1740, 1739; 1679, 1666; 1676, 1677, 1678, 1679 (pela ordem em que surgem nos papéis, ou seja, em que estes foram cosidos e encadernados). A miscelânea termina no fólio 44 verso da terceira série de foliação, sendo rematada por 6 fólios em branco. Nos fólios 39-42v da série III surgem copiados a limpo os Reparos[3], em nome do Marquês de Valença, em unidade codicológica distinta, cujo último fólio verso ficou em branco:

[fl. 39]

Reparos feitos à Tradução do primeiro tomo da Historia Romana, que Manoel Pereira da Costa traduzio da lingua Franceza na Portugueza.

Pelo Marquez de Valença.

[1] Em lugar de cavalladas, festas de cavallo.

[2] He melhor dizer depois, que ao depois

[3] Não dissera roupas dos Senadores, senão togas; e se houver alguma duvida no tempo, em que se usarão, vestidos, ou vestiduras ainda que estas são mais proprias de sacerdotes.

[4] Moças he palavra humilde, virgens, ou donzelas.

[5] Não he termo Portuguez se tornarão affaveis, e brandos.

[6] O verbo grangear vaise antiquando.

[7] Faxas, não explica os fasces dos Romanos; eu dissera insignias Consulares.

[8] Entre ornamento e ornato ha alguma differença.

[9] Durante a menoridade não está tanto em uso.

[10] Nunca se pode dizer obter o throno.

[11] Ainda que espozo, e marido seja o mesmo, devese attender ao uzo destas palavras.

[12] No cazo de Lucrecia não uzára de estratagema, senão que Sexto se valera de hum engano, ou artificio.

[13] Possuir os cargos não se costuma dizer.

[14] Vejo mais uzado talento por capacidade que talentos.

[15] Eximir da tirannia não tem propriedade.

[16] Dahi em diante he melhor que dahi por diante

[17] Expulsar fora he o mesmo que recuar para tras, e descer para baixo, e não basta para desculpa o fallar com a boca, como diz Virgilio, e o ver com os olhos, como diz Cicero, e ser o pleonasmo huma figura de rethorica.

[fl. 39v]

[18] Afeiçoado Porsena de tantas virtudes, este verbo aqui não tem força, nem graça.

[19] Derrota he viagem, rota he estrago.

[20] Deputarão a certo homem, sem dizer o para que, pareceme descuido.

[21] Correrias não he palavra Portugueza.

[22] Se cerrou com os inimigos he explicação muito vulgar.

[23] Juntou-se com o restante, dissera antes com as reliquias

[24] Declarouse abertamente, este adverbio tem baixeza.

[25] Está em melhor uzo ameaços, que ameaças.

[26] Offerta tem differença de offerecimento; offerecimento he o que se faz aos homens, offerta a que se faz a Deos.

[27] Compatriota he antiquado.

[28] Fazer bando à parte he muito vulgar.

[29] Apanhar nem escrevendo, nem fallando se costuma dizer.

[30] Levando o pò aos olhos devese emmendar.

[31] Vendose a pique necessita da mesma emmenda.

[32] Não ha expulsado, senão expulso.

[33] Muitos reprovão sem embargo; o mais seguro he dizer não obstante.

[34] Instigação não está recebida.

[35] Nem he admitido pôr hum homem em ferros.

[36] Quem falla bem diz masto e não mastro.

[37] Lugares impraticaveis não se entende bem.

[38] Soma tem a seu favor o uzo, summa a origem do Latim.

[39] Levar a bem he termo muito familiar.

[40] Accometer com pouco successo, por sem effeito não he da nossa Lingua.

[41] Como hum simplez particular, basta como hum particular.

[fl. 40]

[42] Em lugar de homem regalado, deliciozo.

[43] As suas insinuaçoens attrahião o coração, em Portuguez não tem propriedade.

[44] Melhoremse as palavras na frente de huma grande tropa de cavallaria

[45] Do mesmo remedio necessita accomodar a situação dos seus interesses.

[46] Entre nós não se diz aresto do Senado senão decreto, sentença, ou decizão; e quando se diz, he em outros termos.

[47] Apossado[4] tem melhores synonimos; escolhase algum mais nobre.

[48] Gratificação não he para os Deozes, senão agradecimento e acção de graças.

[49] Vsurpar a mulher a seu marido não se di[z], senão tomar, ou roubar. [vd. 66]

[50] Conferir he para Beneficios, e dar para tudo o mais.

[51] Não se diz absolvido, senão absoluto.

[52] Palavras demonstrativas, e não demonstradoras.

[53] Pareceme que o P.e Vieyra diz mófa; e sendo assim fica defendida a palavra; porem he regra, que se não deve uzar daquellas palavras, que uzarão poucas vezes os Autores de boa nota.

[54] Desastre não he a perda de huma batalha, nem os damnos que resultão da guerra, he huma desgraça, que succede sem nenhum fundamento para se esperar. [vd. 86]

[55] Não se diz effeminado, senão affeminado.

[56] Augusto quiz dizer que era melhor ser porco, que filho em caza de Herodes; porq' os Judeos tinhão prohibição de comer carne de porco; alem de que porco não he bruto, he animal; o leão, e o tigre são animaes, e brutos; e assim devese dizer porco; e não bruto; pois de outra sorte não se entende o conceito de Augusto.[5]

[57] Astuto, e não astuciozo.

[58] Sacrificar, e não immolar victimas

[59] Pasquins, e não pesquins.

[60] Tirese adquirir queixas, e ponhase merecer, ou facilitar.

[61] Strabão geografo, e não geografico.

[fl. 40v]

[62] Bobos he palavra da plebe.

[63] Desprezivel applicase só ao homem, e não à couza, e não he elegante.

[64] Tenho duvida nesta palavra cortejar

[65] Livido he palavra latina.

[66] Usurpar os Reinos bens, usurpar he só para Reynos. [vd. 49]

[67] Munificencias não se dis, ainda que se diga dadivas, e grandezas

[68] Tonto não se escreve, só sim incapaz, inhabil, falto de juizo

[69] Mais são os que dizem mediator, ou medianeiro, que mediador

[70] Deitar a perder não he explicação polida.

[71] Autores da sua perdição, e não da sua perda

[72] Não sey que se diga compositor de venenos, senão compor, ou temperar os venenos.

[73] Alienados com o vinho he fraze estranha.

[74] Apertarão com o Emperador para o obrigar he explicação rasteira.

[75] Não dissera, fallando na mulher de Seneca, que uzou do mesmo artificio para morrer, senão da mesma violencia, e genero de morte, que seu marido.

[76] He mais proprio merecer, que adquerir o desprezo

[77] Não há ebriedade, senão embriaguez.

[78] Entregue a mulheres he modo de fallar muy abatido.

[79] Vaticinando Vitelio, que o seu governo seria funesto, para os Romanos, isto mais parece prometer, que vaticinar; porque o vaticinar não he daquillo, que eu posso fazer, ou deixar de fazer.

[80] He melhor proposição, que proposta: proposta he só do tribunal para o Principe.

[81] Notabilidade não está muito em uzo; e indigencia he affectar o latim.

[82] Passava pelo melhor he má explicação.

[fl. 41]

[83] Presentidos os males, tambem hé termo vulgar.

[84] He melhor dizer tratar com favores, que com caricias.

[85] Mulheres damas não se escreve, mal procedidas, infames, ou de vida estragada

[86] Não dissera desastre por cahir hum rayo, senão desgraça, ou fatalidade. [vd. 54]

[87] Bem sey que os Latinos dizem vrsos, mas nos dizemos usso, e não como os Italianos orso, mas como os castelhanos osso.

[88] Hir por cabeça delles he fraze popular, por capitão, por guia, por director.

[89] He melhor sem moderação, ou temperança, que sem regra nos seus appetites

[90] Não se diz decencias, senão decencia.

[91] Espiar a occazião não he elegante, melhor he espreitar, por ser mais uzado: eu dissera antes observar a occazião

[92] Alguns criticos reprovão a palavra sogeito, e não admitem senão pessoa.

[93] Tenho por improprio a Capitania de huma Cohorte, pois não dizemos Capitania, senão Companhia de Cavallos, e de Infantaria.

[94] Em lugar de recompensação, recompensa.

[95] He o mesmo exercer, que exercitar, mas não se pode dizer exercer os roubos, senão exercitar, ainda que se possa dizer exercer, e exercitar as occupaçoens.

[96] Accender as maquinas, fica melhor pôr o fogo, queimar, ou abrazar.

[97] Provar toda a sorte de calamidades não fica bem, experimentar, ou padecer

[98] Tição, e soldadesca são palavras humildes

[99] Prescrever limites à liberalidade não se costuma dizer, pôr limites, limitar, ou estreitar.

[100] Soa melhor reparar o damno à sua custa, que à sua despeza.

[fl. 41v]

[101] Não se diz faltas por culpas; sim vicios e defeitos graves.

[102] Quando se diz que dentro de humas bólas se achava hum bilhete de hum vestido, e de hum movel, dissera antes de outro premio.

[103] A palavra lugubre ainda não está adoptada.

[104] Expulsou de Roma os Filosofos, he melhor desterrou, e mais proprio exterminou, por ser o desterro dentro do Reino e o exterminio fora dos seus confins.

[105] Governo precedente he affectado.

[106] Não se diz Fulano he nacional de França, ou Portugal, senão natural; nem dissera, fallando de Trajano, que fora o primeiro Emperador estranho, senão estrangeiro.

[107] Investidura não he de cargo, ou posto, senão de Principado ou Monarquia.

[108] Cedendo por complacencia, não he bom termo, por lisonja ou obsequio

[109] Não se costuma dizer fazer muni[fi]sencias como grandezas

[110] He termo muito latino proscrever, desterrar, banir, e confiscar.

[111] Effectuar os intentos he melhor, que concluir

[112] Por desenfado não tem nobreza

[113] Os Senadores que necessitavão, e não que carecião de Emperador

[114] Que roubara, e não que furtara o Imperio

[115] He improprio grangear maldiçoens [vd. 6]

[116] Protestos antes que protestaçoens.

[117] Esquartejar, ou despedaçar antes que fazer em quartos.

[118] Despezas onerozas, hostiaria, e bellas promessas, não são termos da nossa Lingua

[fl. 42]

[119] Nunca se pode dizer desconcordado, nem expor na Mesa, nem revestir a purpura; e enfastiado hé muito vulgar.

Tenho visto a traducção, e me parece excellente: advirto porem que com exemplos de Camoens, Vieyra, João de Barros, Fr. Luiz de Souza, Jacinto Freire, Fr. Bernardo de Brito, Manoel Rodrigues Leitão, Bacellar, Duarte Ribeiro, e Bartholomeu do Quental, cederey dos meus reparos, menos nas palavras que ouso tiver antiquado. Lembro tambem que ha nesta traducção algumas palavras tão latinas, que não as entenderá toda a casta de leitores. Libertos nem todos sabem que são escravos; spectros nem todos sabem que são fantasmas; prestigios nem todos sabem que são enganos. Da mesma sorte recomendo, que se não diga sempre cerco por sitio, designio por intento, idea por pensamento, repor por restituir, e que se cuide muito na Grammatica porque a nossa he muy differente da Franceza, e o erro na Collocação he gravissimo nos traductores.

Nenhum dos biógrafos do Marquês de Valença dá conta da existência dos Reparos, o que é natural, pois se tratou de um pequeno texto não destinado ao público, apontamento feito durante a avaliação da obra submetida a autorização para impressão, de que o seu autor deu conhecimento ao tradutor para melhoramento e emenda do livro, já que da consulta da sua primeira edição se pode concluir terem sido emendados praticamente todos os pontos objeto de reparo.

Com o incremento notável verificado no âmbito da tradução durante o período das Luzes, nada surpreende que o assunto relativo à qualidade e importância das traduções andasse bastante debatido, e isso explica por que inclui Manuel Pereira da Costa na Historia Romana uma Prefaçam Apologetica do Traductor, dedicando 29 páginas a discutir as críticas habituais às traduções e aos tradutores, os seus méritos, dificuldades e contributos para o progresso do conhecimento:

Sey que estão mal avaliadas as Traducçoens, e que merecendo elogios só achão censuras. Dizem os que as criticão que são mais estimaveis os originais, que as copias; e que o traduzir mais he dezejo de ter nome de Author, que capacidade para o ser. (Prefaçam, [4-5])

O prefácio, convite à reflexão no âmbito da moderna tradutologia, trabalha o espírito do leitor para o entendimento do tradutor como (outro) autor, e não como imitador:

Todo o primor de huma Traducção rigorosa consiste em exprimir com propriedade em huma lingoa o que com elegancia se compoz na outra. E para isto se conseguir com felicidade he necessario hum profundo juizo. Conhecer o genio do Author, que se traduz: revestirse do seu caracter: tresladar à lingoa propria o pensamento com a mesma gala com que se expressou na alhea: accomodar frases estranhas, de sorte que pareçaõ naturaes; truncar periodos, que por dilatados naõ agradaõ, e reduzilos a clausulas, que por breves deleitem: principiar muitas vezes pellos fins, e acabar pellos principios: fazer que a narração corra sem violencia, que seja clara, e elegante, e que a obra naõ pareça traduzida, se não composta de novo. ([15-16])

Não por acaso, reforça esse entendimento com um elogio aos tradutores portugueses que concretiza precisamente na figura do Marquês de Valença:

Só em Portugal, naõ falando em muitas que o merecem, bastava para calificar de engenhosissimos aos Traductores, e authorizar-lhes o exercicio a admiravel versão que na lingoa Portugueza fez do Panegirico de Plinio a Trajano o Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Marquez de Valença, a cujas luzes deve esta obra a mayor parte da sua perfeição, e em cuja illustrissima caza tem fundado a sabedoria o seu domicilio. Espero que quando este Fidalgo comunicar à estampa taõ eloquente, e suspirado papel, se veja em cada regra hum milagre da discrição deste Portuguez Demosthenes. ([23])

O próprio tradutor reconhece a existência natural de erros e informa que emendou todos aqueles de que teve notícia (e eis a prova de que recebera previamente a lista de reparos do Demóstenes português):

Para prova de que sou homem, pode ser que aches alguns defeitos nesta Historia, porque ainda que emendei os de que tive noticia, não duvido deixasse passar outros por falta de advertencia. ([30])

É que entre as Licenças indispensáveis à impressão da obra acha-se a do Paço, feita precisamente pelo Marquês de Valença, já aprovadora, e sem restrições a colocar diante de eventuais erros (entretanto emendados), que o censor não desvenda:

Censura do Illustrissimo, e Excelentissimo Marquez de Vallença &c.

SENHOR.

Se eu censurasse esta obra falando com hum Rey menos Sabio que V. Magestade, havia ponderar o summo trabalho dos traductores, e a grande conveniencia das traducçoens. Havia mostrar a grandeza dos homens, que tiveraõ este exercicio literario. Havia encarecer o merecimento de saber duas lingoas com perfeiçaõ quando he sinal de muito engenho fallar huma com propriedade. Havia passar o meu discurso às muitas utilidades de qualquer historia tradusida no [sic] nossa lingoa, supposto ser ella mestra da vida como lhe chamou Cicero, e ainda me empregara mais no elogio desta traducçaõ por ser da Historia Romana, em cuja liçaõ depois da Sagrada se achaõ os melhores documentos, ou se observe o tempo dos Reys, ou o governo da Republica, ou o seculo dos Emperadores. Mas interpondo o meu parecer por ordem de V. Magestade, e havendo de ser lido, e examinado pela sua alta comprehençaõ, escuso fazer semelhantes consideraço?s, pois estas, e outras mayores lembraõ logo ao feliz, e fecundo pensamento de V. Magestade [...]

Lisboa Occidental 30. de Julho de 1739.

F. Marquez de Valença

O facto de D. Francisco de Portugal ter tido que examinar a tradução, a fim de apresentar ao rei o seu parecer, poderia só por si indiciar uma génese da lista de Reparos coincidente com esse período de exame, quatro anos anterior à publicação daquela, contudo, a própria leitura da obra vem conferir realidade a essa dedução[6]: as falhas apontadas pelo Marquez de Valença já surgem emendadas na primeira edição da Historia Romana, tendo sido invariavelmente acatadas as suas sugestões – o que torna especialmente difícil localizar cada uma delas, sobretudo nos casos em que no reparo não se indica qualquer alternativa correta, deixada à inteira responsabilidade do tradutor; por outro lado, nenhum dos reparos oferece referência às páginas ou fólios do texto original.

Não cabendo nos limites físicos deste trabalho o estudo aprofundado das ideias linguísticas que se plasmam nas cláusulas, a análise contrastiva do original francês com a tradução portuguesa nos pontos que foram objeto de reparo, ou mesmo o produtivo cotejo entre os aspetos focados e o que nas obras gramaticais e lexicográficas da época se refere a esse respeito, agruparemos preliminar e avulsamente alguns tipos de reparo, fá-los-emos ocasionalmente contrastar com as emendas identificadas na obra publicada e alinhavaremos algumas reflexões de caráter geral.

• Impõe-se uma realização fonética etimológica, por vezes defendendo claramente a forma evoluída de acordo com o que é peculiar à fonética histórica do português, em contraste com o caraterístico de outras línguas românicas, e sem reconstituição classicizante (vd. 87):

[36] Quem falla bem diz masto e não mastro.[7]

[55] Não se diz effeminado, senão affeminado.

[59] Pasquins, e não pesquins.

[87] Bem sey que os Latinos dizem vrsos, mas nos dizemos usso, e não como os Italianos orso, mas como os castelhanos osso.

Por vezes nem o próprio purista é alheio à dificuldade de escolha entre privilegiar o uso ou a tradição, entre formas populares e formas cultas:

[38] Soma tem a seu favor o uzo, summa a origem do Latim.[8]

• Desprezam-se, porém, em geral os cultismos ou latinismos sem uso real no português:

[34] Instigação não está recebida. (< lat. instigatione-)

[65] Livido he palavra latina. (< lat. livitu-)

[67] Munificencias não se dis, ainda que se diga dadivas, e grandezas [vd. 109] (< lat. munificentia-)

[109] Não se costuma dizer fazer muni[fi]sencias como grandezas [vd. 67]

[81] [...] indigencia he affectar o latim. (< lat. indigentia-)

[103] A palavra lugubre ainda não está adoptada. (< lat. lugubre, datada do séc. XVI por Morais (Machado, 1952)

[110] He termo muito latino proscrever, desterrar, banir, e confiscar. (< lat. proscribere, 'publicar, afixar'; 'pôr à venda'; 'Proscrever, afixando o nome'; 'confiscar' (os bens dos proscritos).

D. Francisco de Portugal acrescenta ainda outros latinismos no final dos reparos, preocupado com o acesso à obra por parte de um leque mais alargado de leitores – "Lembro tambem que ha nesta traducção algumas palavras tão latinas, que não as entenderá toda a casta de leitores":

- Libertos nem todos sabem que são escravos[9] (< libertum, 'escravo libertado', mas no port. desde o séc. XVI, segundo Morais (Machado, 1952)

- spectros nem todos sabem que são fantasmas (< spectrum, 'simulacro', em port. atestado, de facto, somente em 1813 (Machado, 1952)

- prestigios nem todos sabem que são enganos (< lat. tard. praestigium, 'magia', 'deslumbramento', 'impostura', etc., atestado em port. desde o séc. XVII (no dic. de Morais, em Machado, 1952).

• Rejeitam-se os galicismos (derivando frequentemente da interferência direta da língua de origem na tradução) por desdém específico das modas francesas e pugna geral pelo purismo. Listas concretas como esta permitem datar neologismos e cultismos, surpreendendo, por exemplo, a entrada dos galicismos que irão enraizar-se entre nós:

[5] Não he termo Portuguez se tornarão affaveis, e brandos[10]

[40] Accometer com pouco successo, por sem effeito não he da nossa Lingua.

[43] As suas insinuaçoens attrahião o coração, em Portuguez não tem propriedade.

[46] Entre nós não se diz aresto do Senado senão decreto, sentença, ou decizão; e quando se diz, he em outros termos. (cf. fr. arrêt, 'jugement d'une cour souveraine')

[100] Soa melhor reparar o damno à sua custa, que à sua despeza. [vd. 118]

[101] Não se diz faltas por culpas; sim vicios e defeitos graves.[11]

[105] Governo precedente he affectado.

[118] Despezas onerozas, hostiaria, e bellas promessas, não são termos da nossa Lingua [vd. 100][12]

• Advoga-se a substituição de arcaísmos e formas em desuso, em benefício da língua real na época, do uso. Todavia, a história mostrará que, tal como ocorreu relativamente às formas incluídas no Appendix Probi, o caminho de mudança interditado pelos puristas foi precisamente aquele que se impôs através do uso popular; a moda linguística ditou que todos os termos abaixo, já passados por períodos de arcaísmo, voltassem ao uso diário:

[6] grangear ["vaise antiquando"][13]

[9] Durante a menoridade ["não está tanto em uso"][14]

[27] Compatriota ["antiquado"]

[81] Notabilidade não está muito em uzo [...]

• No âmbito da formação de palavras, rejeitam-se algumas criações vernáculas:

[1] cavalladas festas de cavallo.

O reparo foi de imediato integrado na tradução, onde já se lê:

1. Romulo a quem naõ faltava animo, e sagacidade mandou publicar humas festas de cavallo[15], e outros divertimentos (p. 4)

2. para nella celebrar humas festas de cavallo (p. 181)

• Entre os neologismos recusados acham-se alguns que viriam a generalizar-se e tornar-se correntes:

[21] Correrias não he palavra Portugueza.

• Estranham-se no âmbito da obra – de tom e estilo que se defende e pretende mais elevado – tanto vocábulos como construções sentidos à época como humildes, baixos, vulgares, plebeus, deselegantes, pouco polidos, muito abatidos, rasteiros, populares ou "sem nobreza":

[4] Moças he palavra humilde, virgens, ou donzelas.[16]

[22] Se cerrou com os inimigos he explicação muito vulgar.

[24] Declarouse abertamente, este adverbio tem baixeza.

[28] Fazer bando à parte he muito vulgar.

[47] Apossado[17] tem melhores synonimos; escolhase algum mais nobre.

[62] Bobos he palavra da plebe.

[63] Desprezivel applicase só ao homem, e não à couza, e não he elegante.

[69] Deitar a perder não he explicação polida.

[74] Apertarão com o Emperador para o obrigar he explicação rasteira.[18]

[78] Entregue a mulheres he modo de fallar muy abatido.[19]

[83] Presentidos os males, tambem hé termo vulgar.

[88] Hir por cabeça delles he fraze popular, por capitão, por guia, por director.

[90] Espiar a occazião não he elegante, melhor he espreitar, por ser mais uzado: eu dissera antes observar a occazião

[98] Tição, e soldadesca são palavras humildes

[112] Por desenfado não tem nobreza

[117] [...] enfastiado hé muito vulgar.

Outras formas e construções sintáticas vulgares são ainda rejeitadas na língua escrita e formal, mas sem classificação directa:

[68] Tonto não se escreve, só sim incapaz, inhabil, falto de juizo [< attonitu-, divergente popular tonto alternando com o culto atónito]

[117] Esquartejar, ou despedaçar antes que fazer em quartos.[20]

Essa inadequação do registo deve-se outras vezes ao uso de termos demasiado familiares, na perspetiva do crítico:

[39] Levar a bem he termo muito familiar.

• Discute-se a adequação das soluções lexicais, sintagmáticas ou frásticas, ou a capacidade significativa não coincidente dos equivalentes portugueses:

[7] Faxas, não explica os fasces dos Romanos; eu dissera insignias Consulares.

[18] Afeiçoado Porsena de tantas virtudes, este verbo aqui não tem força, nem graça.[21]

[30] Levando o pò aos olhos devese emmendar.

[31] Vendose a pique necessita da mesma emmenda.

[82] Passava pelo melhor he má explicação.

[54] Desastre não he a perda de huma batalha, nem os damnos que resultão da guerra, he huma desgraça, que succede sem nenhum fundamento para se esperar. [também em 86]

• Desconsideram-se certas possibilidades derivacionais da língua, preferindo um sufixo a outro, ou a forma original à sufixada (em alguns casos recusando por completo uma das possibilidades com algum uso à época):

[52] Palavras demonstrativas, e não demonstradoras.

[57] Astuto, e não astuciozo.[22]

[69] Mais são os que dizem mediator, ou medianeiro, que mediador[23]

[77] Não há ebriedade, senão embriaguez.[24]

[94] Em lugar de recompensação, recompensa.

[116] Protestos antes que protestaçoens.

• Distinguem-se formas que partilham a mesma raiz, de uso e valores diferentes (e em muitos casos não aplicáveis hoje nesse sentido, contexto ou forma):

[8] Entre ornamento e ornato ha alguma differença.

[19] Derrota he viagem, rota he estrago.[25] (< rupta, f. do part. ruptu-, 'derrota' e 'peleja' no port. clássico; derrota detinha ainda em port. o sentido original, < dirupta (via), '(caminho) aberto', 'caminho marítimo, no port. clássico); o derivado regressivo de derrotar intenta já, pois, substituir rota por 1743.

[26] Offerta tem differença de offerecimento; offerecimento he o que se faz aos homens, offerta a que se faz a Deos

[80] He melhor proposição, que proposta: proposta he só do tribunal para o Principe.

• Destrinça-se ainda o uso de outros termos e construções de conteúdo afim, por vezes atendendo a aspetos pragmáticos (vd. 11):

[11] Ainda que espozo, e marido seja o mesmo, devese attender ao uzo destas palavras.[26]

[48] Gratificação não he para os Deozes, senão agradecimento e acção de graças.

[104] Expulsou de Roma os Filosofos, he melhor desterrou, e mais proprio exterminou, por ser o desterro dentro do Reino e o exterminio fora dos seus confins.[27] (extermínio ainda em sentido etimológico, < ex + terminum)

[106] Não se diz Fulano he nacional de França, ou Portugal, senão natural; nem dissera, fallando de Trajano, que fora o primeiro Emperador estranho, senão estrangeiro.[28]

• Despreza-se o pleonasmo, a redundância e o excesso na língua, em benefício do simples e do escorreito:

[17] Expulsar fora he o mesmo que recuar para tras, e descer para baixo, e não basta para desculpa o fallar com a boca, como diz Virgilio, e o ver com os olhos, como diz Cicero, e ser o pleonasmo huma figura de rethorica.[29]

[41] Como hum simplez particular, basta como hum particular.

• Aconselha-se maior clareza e especificidade, privilegiando o que na língua é tradicional e claro em detrimento das formas vagas (em 3, prefere-se o termo concreto ou técnico ao termo geral ou à perífrase):

[3] roupas dos Senadores togas, vestidos, vestiduras[30]

[20] Deputarão a certo homem, sem dizer o para que, pareceme descuido.

[23] Juntou-se com o restante, dissera antes com as reliquias[31](cultismo que conserva o valor etimológico de reliquiae, 'restos';e também 'dejectos' e o actual 'ossadas, restos de cadáver'; o popular religas desde o port. arcaico)

[37] Lugares impraticaveis não se entende bem.[32]

[102] Quando se diz que dentro de humas bólas se achava hum bilhete de hum vestido, e de hum movel, dissera antes de outro premio.[33]

• Aponta-se a realização morfológica preferencial de alguns termos, nomeadamente quanto ao uso no feminino ou masculino, singular ou plural, tendo a força do uso feito entretanto vencer as formas então minoritárias:

[14] Vejo mais uzado talento por capacidade que talentos.[34]

[25] Está em melhor uzo ameaços, que ameaças. – < minacia, 'ameaçador', ameaça ou meaça, no português arcaico, com a variante ameaço no séc. XVI (Machado, 1952).

[90] Não se diz decencias, senão decencia.

• Recusam-se formas e locuções que os lexicógrafos da época, como Bluteau, acolhem em várias aceções, e sem quaisquer restrições de uso ou etiquetas quanto ao registo e à receção:

[29] Apanhar nem escrevendo, nem fallando se costuma dizer.

[33] Muitos reprovão sem embargo; o mais seguro he dizer não obstante.

[64] Tenho duvida nesta palavra cortejar

[92] Alguns criticos reprovão a palavra sogeito, e não admitem senão pessoa. (< part. lat. subjectum, 'vizinho', 'submetido, sujeitado', com este valor no séc. XIII, longe, de facto, do 'indivíduo', 'indeterminado ou que não se nomeia')

[119] Nunca se pode dizer desconcordado

• Corrigem-se itens morfológicos, defendendo a manutenção culta dos particípios fortes clássicos em detrimento da alternativa fraca de formação vulgar, que foi ganhando terreno desde o português antigo (Barros, 2000; Barros, 2001):

[32] Não ha expulsado, senão expulso.[35]

[51] Não se diz absolvido, senão absoluto.

• Acusa-se o emprego de preposições equivocadas (35), censura-se o uso excedentário de outras (2) e recomenda-se a melhor de entre preposições em alternância (16):

[35] Nem he admitido [2] ao depois [16] dahi por diante
pôr hum homem em ferros.[36] depois[37] dahi por diante Dahi em diante (melhor)[38]

• Envolvendo questões de propriedade, apontam-se as impossibilidades sintagmáticas, quanto a regências, elementos de formações fixas (colocações, idiomatismos), etc.:

[10] Nunca se pode dizer obter o throno.[39]

[12] No cazo de Lucrecia não uzára de estratagema, senão que Sexto se valera de hum engano, ou artificio.[40]

[13] Possuir os cargos não se costuma dizer.[41]

[15] Eximir da tirannia não tem propriedade.[42]

[49] Vsurpar a mulher a seu marido não se di[z], senão tomar, ou roubar. [vd. 66]

[66] Usurpar os Reinos bens, usurpar he só para Reynos.[43] [vd. 49]

[50] Conferir he para Beneficios, e dar para tudo o mais.

[58] Sacrificar, e não immolar victimas

[60] Tirese adquirir queixas, e ponhase merecer, ou facilitar.

[72] Não sey que se diga compositor de venenos, senão compor, ou temperar os venenos.[44]

[73] Alienados com o vinho he fraze estranha.[45]

[74] Não dissera, fallando na mulher de Seneca, que uzou do mesmo artificio para morrer, senão da mesma violencia, e genero de morte, que seu marido.[46]

[76] He mais proprio merecer, que adquerir o desprezo

[79] Vaticinando Vitelio, que o seu governo seria funesto, para os Romanos, isto mais parece prometer, que vaticinar; porque o vaticinar não he daquillo, que eu posso fazer, ou deixar de fazer.

[84] He melhor dizer tratar com favores, que com caricias.

[85] Mulheres damas não se escreve, mal procedidas, infames, ou de vida estragada[47]

[89] He melhor sem moderação, ou temperança, que sem regra nos seus appetites[48]

[93] Tenho por improprio a Capitania de huma Cohorte, pois não dizemos Capitania, senão Companhia de Cavallos, e de Infantaria.

[95] He o mesmo exercer, que exercitar, mas não se pode dizer exercer os roubos, senão exercitar, ainda que se possa dizer exercer, e exercitar as occupaçoens.

[96] Accender as maquinas, fica melhor pôr o fogo, queimar, ou abrazar.

[97] Provar toda a sorte de calamidades não fica bem, experimentar, ou padecer

[98] Prescrever limites à liberalidade não se costuma dizer, pôr limites, limitar, ou estreitar.[49]

[108] Cedendo por complacencia, não he bom termo, por lisonja ou obsequio[50]

[111] Effectuar os intentos he melhor, que concluir

[113] Os Senadores que necessitavão, e não que carecião de Emperador

[114] Que roubara, e não que furtara o Imperio[51]

[115] He improprio grangear maldiçoens

[119] Nunca se pode dizer [...] expor na Mesa, nem revestir a purpura

3. Conclusão

Francisco de Portugal redige a sua lista de reparos de um modo cortês, empenhado no interesse da língua e da gramática portuguesas, percorrendo todo o leque de sentimentos de receção, desde o não vinculativo "tenho duvida nesta palavra" até aos determinantes "nunca se pode dizer", "devese emendar", "não he da nossa Lingua", passando pelas possibilidades gradativas, e linguisticamente multifacetadas, do ser melhor, do soar melhor, ou do "he affectado", "vejo mais uzado", "não está tanto em uso", "eu dissera"... Enquanto as obras lexicográficas da época, por condicionamento do género, se limitam a acolher todos os vocábulos possíveis ou existentes, e as obras gramaticais se ficam pelas regras gerais, mais ou menos decalcadas do latim ou nele enredadas, sem grandes particularizações, este tipo de trabalho prático, com um contexto específico, apesar de muito sintético, fornece indicações importantes quanto a usos, registos, receção à época, regências, etc., o que é de todo o interesse para que um dia possam organizar-se obras lexicográficas e gramaticais de síntese com dados concretos por século ou período linguístico, bem como para o conhecimento da História da Língua Portuguesa em geral.

Depois de haver-se detido sobre passos específicos da tradução, o Marquês encerra a sua lista com um encorajamento à introdução de alguma variação no texto no que concerne a termos frequentes como cerco, designio, idea e repor, para os quais a língua oferecia alternativas mais vernáculas ou peculiares. Remata sensibilizando exatamente para o facto de a língua se demarcar da francesa (cada qual com seus idiotismos), tanto como da latina, o que exige especial atenção à gramática, sobretudo quando se enfrenta um projeto de tradução, com as inevitáveis interferências ou ingerências interlinguísticas:

Da mesma sorte recomendo, que se não diga sempre cerco por sitio, designio por intento, idea por pensamento, repor por restituir, e que se cuide muito na Grammatica porque a nossa he muy differente da Franceza, e o erro na Collocação he gravissimo nos traductores.

No conjunto da obra traduzida ficam evidentes traços característicos da língua setecentista que, exatamente por isso, não inspiram ao Marquês qualquer reparo, e que surgem espelhados, por exemplo, em vocábulos como dirivou, verosimel, interreino, Cavalheros, outenta, rostro, vezinhos, disgostozos, ventagens ou peleijavaõ, entre muitos outros.

Nesta sua lista surpreende-se a constante tensão entre algum desprezo das formas e factos linguísticos decorrentes da evolução popular e o imperativo de seguir apenas as autoridades, os clássicos, residindo a síntese na intenção expressa de defesa do acessível a um público leitor mais alargado.

As autoridades mencionadas nos Reparos são, de entre as latinas, Cícero, Virgílio (não obstante, defende o Marquês que o seu uso não normativo não deve nos casos em análise "servir de desculpa" para lhes seguir o exemplo), e de entre as portuguesas, Camões, Vieira, João de Barros, Fr. Luís de Sousa, Jacinto Freire, Fr. Bernardo de Brito, Manuel Rodrigues Leitão, Bacelar, Duarte Ribeiro e Bartolomeu do Quental, cujo uso deverá ser imitado salvo quanto a vocábulos entretanto caídos em desuso. Por outro lado, não se esquece de referir a regra da frequência, segundo a qual nenhum escritor deve ser imitado apenas porque usou uma forma esporadicamente: "Pareceme que o P.e Vieyra diz mófa; e sendo assim fica defendida a palavra; porem he regra, que se não deve uzar daquellas palavras, que uzarão poucas vezes os Autores de boa nota" [53].

O autor dos Reparos não se limita ao seu próprio entendimento linguístico para apreciar a tradução, procurando aferir a pureza da língua de acordo com a opinião de outros filólogos e críticos ("muitos reprovam..."). Esse rigor na seleção do termo mais português, que persegue Francisco de Portugal, não era, naturalmente, partilhado por todos; tomemos o exemplo de uma locução desprezada nos Reparos, sem embargo; Reis Lobato (1770: XLVIII) utiliza-a na redação da suagramática, mantendo o paralelo com o castelhano ("Porém sem embargo das ditas differentes terminações"), e Bluteau já a admitia. Não obstante, a sensibilidade do Marquês de Valença diante da língua não falhava, já que sem embargo sempre acabaria por perder-se em português.

A sua lista é, pois, um pequeno mas interessante contributo para o conhecimento do léxico vivo, em muitas das suas facetas, para o esboçar de uma gramática da frase (o contexto está por natureza em evidência na análise de uma tradução), o que só tem paralelo na obra do contemporâneo e amigo Francisco José Freire (1719-1773), Reflexões sobre a Lingua Portuguesa, apenas publicada por Rivara em 1842, a partir do ms. CXIII/2-1 da Biblioteca Pública de Évora. Mas em 1745, pouco depois da redação da lista de reparos, publicaria Freire O Secretário Portuguez. Cómmodos à Instrucção da Mocidade Confirmado com Selectos Exemplos de Bons Autores.

O estudo contrastivo dos Reparos de Francisco de Portugal e das Reflexões de Freire (que se destinava a ensinar os escritores principiantes a usar da língua com pureza, propriedade, correção e energia), centrando-nos nos pressupostos e doutrina da época com respeito à(s) língua(s), flagrantemente coincidentes[52], e sobretudo nos factos linguísticos concretos, traçando o percurso destes no horizonte peritemporal do português setecentista, ou seja, construindo a história da receção das palavras, da perceção do seu valor, elegância, atualidade, etc., é um pequeno trabalho futuro a exigir outro tipo de aprofundamento.

 

Referências

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Notas

[1] Do Abade de Bellegarde traduziram-se mais obras para português, no âmbito da etiqueta e civilidade, conhecendo-se outras na versão original: Modello de conversaçoens para pessoas polidas, e curiosas / escrito pelo Abade de Bellegarde; trad. por Francisco Ferram d' Castello-Branco. Lisboa Occidental: Na Officina de Pedro Ferreira, 1734; Modello de conversaçam sobre virtudes heroicas para pessoas polidas, e curiosas / escrito pelo Abbade de Bellegarde; trad. por Francisco Ferram Castel-Branco. Lisboa Occidental: Na Off. de Pedro Ferreira, 1739; Arte de conhecer os homens, trad. por Ambrosio Antunes, Lisboa, Typ. Nunesiana, 1789.

[2] Posteriormente à publicação da Historia Romana, PEREIRA e RODRIGUES (1911) referem ainda a das seguintes obras, entre outras: Calliope Sacra, em doze sonetos á real fundação do convento de Mafra, Lisboa, 1753; Applauso harmonioso com que se celebram algumas acções dos progenitores da Ex.ma Casa de Abrantes, Lisboa, 1750; Achilles em Sciro, opera de Pedro Metastasio, traduzida em verso portuguez, Lisboa, 1755; sem o nome do tradutor; Elevações a Deus, traduzidas do francez, de Bossuet; Genethliacon, sive Carmen natalitum, quo Beriae Principis natalis dies á Lusitania celebratur, Olyssipone, 1761; Resposta á carta que o dr. Francisco da Silva Mascarenhas escreveu ao autor d'esta, pedindo-lhe dissesse o conceito que fazia dos Exercícios da lingua latina-portugueza, que deu á luz o P. Antonio Pereira, Lisboa, 1768. Tem também um Romance em louvor do autor da Bibliotheca Lusitana, Diogo de Barbosa Machado, no 1.º tomo desta obra; uma Carta ao conde de Vimioso e dois Sonetos, que andam na Vida do infante D. Luiz, do mesmo conde; alguns Versos à morte da infanta D. Francisca, insertos na celebração que se intitula Sentimentos metricos; uma Censura e um Soneto nas Observações sobre a orthographía latina do P. Antonio Pereira de Figueiredo, etc.

[3] Editamo-los em lição conservadora, desenvolvendo apenas as abreviaturas (agradecim.to, capacid.e, fundam.to, m.to, P., p.ª, pensam.to, porq', prim.ro,, q', Rn.º - como se alterna no texto entre y/i neste substantivo, desenvolve-se modernizado), separando palavras unidas (acerto, aperder, apique, senão), acrescentando raros carateres em falta por gralha evidente(di[z]; muni[fi]sencias) e colocando cedilha quando c seguido de a representa [s] (apenas em gracas). Não se indica a separação de linhas, diferindo a translineação da atual unicamente na forma po/is (cláusula 56).

[4] Sublinham-se no texto apenas o prefixo e o sufixo, sugerindo a pouca elevação do derivado vernáculo, e não do verbo clásssico latino posse.

[5] Na Grammatica de Reis Lobato (1770: 56) ainda se usa, contudo, bruto também no sentido de ‘animal doméstico’: “Do genero feminino são os nomes, que significão cousa femea, ou sejão proprios de mulher, assim como Joanna, ou proprios de brutos, assim como Graucis cadelinha de Arethusa, ou sejão appellativos, que signifiquem cousa, que convenha a mulher, assim como Rainha; ou especie de bruto femea, assim como Ovelha”.

[6] Agradeço aos funcionários da Biblioteca Nacional o esforço para ultrapassar a impossibilidade de consulta das obras encaixotadas e sobrepostas, em período de obras, conseguindo-me acesso a um exemplar alternativo noutra biblioteca, e aos da Academia das Ciências pela pronta resolução de problemas práticos com vista a facilitar-me o diálogo presencial com o texto.

[7] Prontamente emendado na 1ª edição: "e enforcaraõ nos mastos dos seus navios todos os prizioneiros" (75). É masto que apresenta Roboredo (1619, 184) como equivalente do lat. malus. Em Bluteau (1715), "Masto, ou Mastro. Deriva-se do Alemão Mast, de que tambem usão os Framengos, & os Inglezes na mesma significação"; o autor encerra, porém, o verbete enumerando os diversos tipos de mastro sempre sem a vibrante. Em Morais e Bluteau (1789) já se inclui a entrada masto sem desenvolvimento, considerando mais actual o uso de mastro, variante em cujo verbete se inclui agora a definição e os tipos de mastro e expressões: "MASTO, s.m. na maior parte dos Classicos se lè masto, masteação, &c. mas hoje dizemos mastro". E igualmente se desenvolvem mastreação, mastrear, formas de que já não constam alternativas sem a vibrante.

[8] O tradutor, porém, privilegia o uso na versão impressa: "uma grande somma de ouro" (79); "Juliano por offerecer aos Soldados mayor somma preferio ao seu competidor" (335).

[9] O tradutor poderá então ter complementado a frase com ambos os termos, para maior clareza: "Seu Pay chamado Elvio tinha sido escravo, e depois liberto" (335).

[10] Na tradução: "os Romanos [...] se fizeraõ affaveis, brandos, e moderados" (9).

[11] É comum o uso de faltas na obra, em certos contextos com eventual influência francesa: "Em que faltas incorreo Macrino?" (380). Com esta lista de reparos, o próprio tradutor talvez nem sempre tenha conseguido descobrir o lugar exato de cada falha apontada na tradução; ou teria tido acesso ao volume emendado? Duvidoso, já que a lista existia e andou de mão em mão para cópia.

[12] O cultismo é então eliminado do texto: "Acodio com prompto remedio, e grandes despezas a consolar o seu povo" (267-268); "Estas extraordinarias despezas" (362).

[13] Na tradução já alterado: "Que fez para adquirir a confiança dos seus subditos?" (9).

[14] Na tradução o substantivo mantém-se, mas com preposição distinta: "Tendo a seu cargo o governo do Estado na menoridade dos filhos do Rey..." (18). Mas não se referia o censor a mais do que a preposição?

[15] Sublinhados meus.

[16] Na tradução o termo moças deixa de figurar, embora moços seja frequente: "Estabeleceo em Roma a Ordem das Virgens Vestaes, que eraõ humas Donzellas, que se consagravaõ ao culto dos Deoses [...] // P. Qual era o principal emprego destas Donzellas?" (8); "para servir de asylo às mulheres, e donzelas" (94); "Ajuntou trezentas donzellas, e outros tantos moços" (328).

[17] Sublinham-se no texto apenas o prefixo e o sufixo, sugerindo a pouca elevação do derivado vernáculo, e não do verbo clássico latino posse.

[18] Prontamente emendada pelo tradutor: "Instaraõ com o Emperador para que o mandasse matar" (206).

[19] Na versão publicada, "passava o tempo com mulheres de escandaloso procedimento" (222).

[20] Logo objec«to de emenda pelo tradutor: "Foy atado a dous carros, e despedaçado miseravelmente..." (12).

[21] Melhorado logo na 1ª edição: "Obrigado Porsenna de tantas virtudes fez paz com os Romanos" (34).

[22] Na 1ª edição já emendado: "mulher rica, e astuta" (392).

[23] Bluteau e Morais (1789) admitem mediador, medianeiro, mediatario e mediator, Mello Bacelar (1783) mediador e medianeiro.

[24] O tradutor elimina de imediato ebriedade: "Era hum homem amante da embriaguêz..." (219).

[25] Na tradução: "Acrescentou, e enriqueceo o seu Estado com a rota, e despojos dos Latinos, a quem venceo..." (17); "A perda desta batalha tirou toda a esperança aos Tarquinos. // P. Dezanimou muito aos Latinos esta rota? (35); "A total rota do seu exercito..." (127); "foraõ vencidos, e postos em fugida [...] e depois de hum horrivel estrago alcançaraõ os Alemães completa victoria" (223-224). Surge também o particípio parónimo: "as tropas Romanas [...] se arriscavaõ [71] a serem rotas, e desbaratadas" (361).

[26] Sempre marido na versão publicada: "Deu veneno a seu marido" (20, passim); "Houve alguma sospeita de que Livia abbreviasse a morte de seu marido?" (150).

[27] O tradutor aplica as emendas: "Exterminou de Roma, e Italia por ordem expressa todos os Phylosofos de que resultou vagarem pelo mundo..." (262); "Crispina sua mulher não se descuidava tambem de infamar o thalamo [...] rezão porque a exterminou para a Ilha Caprea..." (328).

[28] Já revisto na publicação: "Era Espanhol natural de Sevilha, e foy o primeiro, que sendo estrangeiro, foy eleito Emperador" (275).

[29] Limpo na tradução: "Foy privado do Throno, e lançado fora da Cidade" (30); "e o expulsaraõ da Cidade" (31).

[30] Na tradução publicada: "Ordenou, que as cadeiras dos Senadores fossem de marfim: que os filhos das familias mais illustres trouxessem vestiduras bordadas de purpura" (15); "Determinou os vestidos que deviaõ distinguir os Cavalheros das outras ordens Militares" (16); "concedeo-lhe poder uzar de Toga encarnada" (102).

[31] Já emendado: "Ajuntou tudo o que pode de pastores do Paiz Latino, e Toscana, as reliquias dos Troyanos, e Arcades, com alguns Ladrões. e Salteadores" (4).

[32]Logo aclarado na obra: "Succedeo-lhe este infortunio por se confiar de hum perfido Syriaco, que meteo o seu exercito em huns lugares apertados" (77).

[33] Logo emendado: "Mandou lançar hum dia no Amphiteatro hum prodigioso numero de bolas vazadas dentro das quaes se achavaõ bilhetes para vestidos, e outros premios" (255).

[34] Aplicado na tradução: "Tendo os Reys de Roma particular talento, naõ tinhaõ grande extençaõ de capacidade" (28).

[35] Já só se acha expulso na obra publicada, passim: "Assim como tinha sido expulso Collatino seu Colega" (32).

[36] Alternativa já na 1ª edição: "foy conduzido a Roma carregado de ferros..." (67); "mandou prender, e carregar de ferros a Aristobulo" (74).

[37] Na tradução publicada: "Depois de muitos combates,..." (11); "Que succedeo a Alba, depois que...?" (12).

[38] Na tradução já "dahy em diante" (31).

[39] Na tradução já emendado: "P. De que meyo se servio para alcançar o governo? //R. Tendo a seu cargo o governo do Estado na menoridade dos filhos do Rey, valeo-se cavillosamente do seu ministerio para subir ao Trono..." (18 [antes da anterior]).

[40] Na tradução já se eliminou estratagema: "De que engano se valeu Sexto para satisfazer seus lascivos dezejos?" (24); [Caracalla] Tentou toda a sorte de enganos, e artificios" (365).

[41] Reparo acatado na tradução: "que occupavaõ os cargos mais honrozos do Estado" (27).

[42] Já emendado: "se livrarem por huma vez da sua Tirania" (29); "todos aquelles, que os tinhaõ livrado da tirania" (30).

[43] Emendado na obra: "a quem depois de ricos tomava os bens" (239).

[44] Já refraseado na publicação: "Determinou com toda a brevidade mandar matar a Britanico com peçonha, que lhe preparou Locusta mulher insigne em temperar venenos" (202).

[45] Corrigido para publicação: "fingindo-se perturbados com o vinho" (206).

[46] Reparo logo acatado pelo tradutor: "P. Como acabou sua mulher Pompeia Paulina? // R. Tambem usou da mesma violencia, e genero de morte que seu marido..." (207).

[47] Expressão logo retirada do texto: "Fulvia mulher mal procedida, que conhecia alguns dos conjurados cumplices dos seus vicios" (90); "Que succedeo a huma mulher mal procedida, a quem Adriano privou da sua graça?" (285); "mulheres deshonestas" (319); "mulheres lascivas" (386); "mulheres de escandaloso procedimento" (222). O composto mulher dama é, contudo, comum na tradição manuscrita barroca, tal como mulher pública, mulher estragada, mas havia de chocar aos puristas a união dos dois substantivos.

[48] Reparo imediatamente acatado: "por ser princeza muy viciosa, e sem moderaçaõ alguma nos seus apetites" (325-326). Deixar-se levar pelos apetites é metáfora comum na obra, e à época: "...Nèro, que naturalmente se deixava levar dos seus appetites" (199).

[49] O tradutor emendou para publicação: "Que resposta deu Tito aos Ministros que pertendiaõ pòr limites à sua liberalidade? (256).

[50] O tradutor emendou complacencia para lisonja, mas à sugestão tradicional de obsequio preferiu a cosmopolita política: "Disputando Favorino contra o Emperador, e cedendo-lhe por lisonja, e politica" (291).

[51] Imediatamente substituído na obra: "começou a queixar-se, que Juliano roubara o Imperio" (341).

[52] Atente-se a título de exemplo apenas na referida regra da frequência de um facto linguístico na obra de um autor clássico. Refere Freire (1802, 32), como também o faz Francisco de Portugal: "Parece a muitos supersticioso o cuidado com que alguns Escriptores trabalham por escrever com pureza o seu idioma, usando só daquelles termos que teem aos Classicos por defensores. Porem erram nesta parte [como em tudo o mais] estes ignorantes, parecendo-lhes que qualquer palavra, uma vez que se ache em algum auctor, para logo é portugueza, e se póde usar della sem o minimo escrupulo".