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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.26 no.2 Braga  2012

 

Um herético em país de frades, ou como Rousseau invadiu Portugal

An heretic in a country of monks, or how Rousseau invaded Portugal

Fernando Augusto Machado*

*Universidade do Minho, Centro de Estudos Humanísticos, Braga, Portugal

fmachado@ilch.uminho.pt

 

RESUMO

Por muito sofisticados que sejam os mecanismos de prevenção, ou violentos os de repressão, nada consegue deter o curso das ideias. Foi assim no setecentista europeu. Século de luzes, de filosofia e de razão, ideias e saberes novos fervilharam e transformaram profundamente mentes e nações. Portugal, tentou resguardar-se contra os numerosos e perigosos bota-fogos de modernidade que emergiam abundante e ruidosamente no espaço de além-Pirenéus, com vastos e requintados meios potenciados por uma estreita e ativa rede clerical. Mas a ineficácia da contenção foi patente e a heterodoxia deu cor ao país. Mostramos como Rousseau, o Hércules do libertinismo, da heresia e da subversão invadiu este esteio mor europeu de frades e como se difundiram as suas teorias e ideias quer através das suas obras que logo chegavam, quer por outras vias que o interesse, a curiosidade e a imaginação arquitetavam.

Palavras-chave: Luzes, Rousseau, censura, Portugal, difusão, receção.

 

ABSTRACT

No matter how sophisticated the mechanisms of prevention, or how violent those of repression, nothing can stop the flow of ideas. This was the case in eighteenth-century Europe. The century of Enlightrnment, philosophy, and of reason was a cauldron for the new ideas and knowledge that profoundly transformed minds and nations. Portugal used the vast, sophisticated methods of a close, active clerical network in an attempt to guard against those numerous, dangerous bota-fogos that emerged noisily and on a grand scale on the other side of the Pirenees heralding modernity. However, the contention failed visibly and the subsequent heteredoxy enlivened the country. This paper will show how Rousseau, the Hercules of libertinism, of heresy and subversion, invaded this major mainstay of European friars, and how his theories and ideas were quickly disseminated either through his written work or by other means that interest, curiosity and imagination created.

Keywords: Enlightenment, Rousseau, censorship, Portugal, dissemination, reception.

 

1 – Portugal, um país de frades

Portugal um país de frades! Esta é uma representação que se foi construindo e que se fixou na generalidade dos países da Europa setecentista, conjuntamente com uma outra, não menos estigmatizante, que nos identificava como a sede mais requintada e feroz da inquisição e da censura. E não eram desprovidas de fundo, tais representações, sabemo-lo bem. A situação era tão patente que não passava despercebida aos forasteiros que no tempo, por razões políticas, intelectuais, comerciais ou de simples turismo visitavam o país. Foram eles, sobretudo, que difundiram no exterior esta nossa realidade ao escreverem as suas memórias de viagens por cá feitas. Joseph-Barthélemy-François Carrère, em livro que apareceu anónimo mas que teve na altura difusão significativa, traçava no fim do século XVIII, em capítulo dedicado ao clero em Portugal, um quadro certamente com algum exagero mas que não desmerecia completamente a realidade e que, seguramente correspondia de forma objetiva à imagem que, neste âmbito, vogava sobre nós:

É aqui o país dos frades, muito mais ainda que o dos padres seculares; é aqui que os frades estabeleceram a sede do seu império, a sede do seu despotismo. Temerosos, são capazes de fazer tremer governos; é aqui onde eles dirigem a seu bel-prazer as almas e as pessoas, as consciências e as famílias; onde protegem tudo o que lhes é submisso, onde arrasam tudo o que lhes resiste (Carrère, 1797: 274).

E pouco depois amplia ainda mais a mancha quantitativa e qualitativa de eclesiásticos juntando-lhe o setor secular que descreve como completamente desacreditado e oriundo de gente pouco prezada: “O clero secular é muito numeroso em Portugal; mas não goza de nenhuma consideração; não faz nada para a merecer: não se impõe pela ciência; nem pelo trabalho; nem pelo aspeto exterior”. E continua a narração informando que quem quer que buscasse ordens sagradas neste segmento, facilmente as obtinha sem estudos, sem exames, sem preocupações com estatuto moral e sem provação em seminários. E era assim, de facto, como a nossa história comprova. Lembramos a luta de alguns bispos e outra hierarquia para elevar o baixo nível deste setor: em cultura, em diligência religiosa e até em esmero pessoal. Basta referir, a título exemplificativo, a luta esforçada de Santo Agostinho de Brito França Galvão por terras de Bragança e Miranda[1] aquando da sua nomeação para Vigário Apostólico da diocese por ausência do bispo afastado, António Luís da Veiga Cabral. Mas independentemente da maior ou menor valia que tinham, não deixavam de ser muitos. Em nota, Carrère chama à colação dados fornecidos por Charles François Dumouriez (1775) e cita números globais para os clérigos no seu conjunto: “O clero de Portugal é muito mais poderoso, e multiplicado numa proporção muito forte em comparação com a população, porque os frades, padres e religiosos ultrapassam os duzentos mil num reino que não tem mais que dois milhões de almas” (Carrère,1797: 274-275). Ora, a ter isto em conta, eram cerca de dez por cento da população. E ainda restavam as freiras, que não eram poucas.

Estes dados quantitativos e qualitativos são confirmados e/ou acrescentados em escritos de muitos outros viageiros ou residentes estrangeiros em Portugal, como foram os casos de H. Ranque (1801), Israel Carl Ruders (1798-1802), M. Link (1805), J. Fr. Bourgoing (1801), Jacques Murphy (1797), W. Dalrimple (1783) e tantos mais.

Não diferem substancialmente estas visões das dos observadores nativos, cá residentes ou estrangeirados, que não resistiram a veiculá-las como base de alerta aos poderes constituídos com o fim de fazerem mudar de rumo, nessa matéria, a política nacional. Assim foi com o célebre pedagogo, autor do Verdadeiro Método de Estudar, Luís António Vernei; com o sábio enciclopedista, médico e também pedagogo António Nunes Ribeiro Sanches; com o ilustre diplomata e estrangeirado D. Luís da Cunha, autor do célebre Testamento Político. Todos verberaram o desmesurado número de conventos e o extensíssimo número de frades e freiras, essa “mão morta” que despovoava o reino, tolhia a criação e sugava a riqueza nacional, além de fazer desmerecer, no exterior, a imagem de Portugal. Como é sabido, Antero de Quental e António Sérgio, entre vários outros, retomarão mais tarde, mas com idêntica intensidade e sentido, o mesmo assunto, lido como causa de muitos dos males de que enfermara e continuava a enfermar a sua pátria.

País de frades, sim, mas também país de reis. E foi principalmente nesta fortaleza dual do trono e do altar que se estribou, durante séculos, o poder e a vida no reino de Portugal. Nem sempre de forma edificante, diga-se. O trono, deturpando muitas vezes o correto fim dos seus governos que devia ser preservar a conservação e buscar a felicidade e bem-estar dos seus povos; o altar adulterando e pervertendo os princípios da religião que servia. Garrett descreve, de forma crua mas realista, no famoso ensaio Portugal na balança da Europa (1830), a natureza e a história desta liga na sua vertente danosa e funesta. Curiosamente, quando o fez, trouxe em seu abono o testemunho do filósofo de Genebra, através do Emile, para patentear o verdadeiro carácter originário e evangélico da religião «que se não fosse divina, merecia sê-lo», e que nessa condição era a natural protetora dos direitos do homem, favorecia o fraco e desvalido, castigava o soberbo e o opressor e era “a maior, e mais certa e mais poderosa base de liberdade que pode entrar na moral pública dos povos”.O ensaísta portuense traçou tal carácter para depois lastimar como ela se prostituiu com o trono e com ele se contrapôs, na prática histórica, aos seus verdadeiros fins, fazendo-se “instrumento de crimes, capa de vícios, esteio de tiranias, facho de discórdias, flagelo de cruelíssima perseguição”, e convertendo a ignorância em virtude. Através daquela tão sacrílega conjugação e deste desvio se declarou inimiga das luzes e da ilustração dos povos, apagando-as por toda a parte (Garrett, s.d.:40-42). Triste promiscuidade e triste sina, diríamos.

2 - O novo paradigma das luzes e a proeminência de Rousseau

Rousseau viveu em pleno século das Luzes, de 1712 a 1778. Se considerarmos que o marquês de Pombal começa a exercer funções no governo de D. José em 1750 e se mantém nele até à morte deste, em 1777, verificaremos que há coincidência quase plena entre o exercício do poder de Sebastião José e o período de produção pertinente do filósofo de Genebra, já que o Discurso sobre as Ciências e as Artes, a primeira obra significativa em termos de pensamento e que lhe começou a granjear fama, apareceu precisamente em 1750.

O iluminismo, como é sabido, foi um movimento que alterou profundamente a forma de pensar e de viver que tomara profundas raízes, com raros sobressaltos, ao longo do quieto e milenar período da Idade Média. Foi uma mudança que assentou, primordialmente, num novo paradigma epistemológico apropriado à física a que Newton deu guarida na marcante obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (1687). Não se relevando o em si das coisas mas as qualidades sensíveis e a respetiva ordem convertível em leis através da sua inteligibilidade, uma razão de feição experimental, analítica e indutiva tornava-se o instrumento fundamental da construção de um novo saber assente e projetado para o real imanente e desdivinizado, liberto de a prioris e de peias transcendentais e à margem da teologia. Uma mentalidade secular ia-se implantando progressivamente no espaço que antes era ocupado pela matriz religiosa, e a esperança de uma vida de bem-estar e felicidade ainda neste mundo aumentava à medida que a ciência ia dando repostas a mistérios insondáveis e ia encontrando caminhos capazes de previdência e de providência que antes apenas eram acessíveis e possíveis à infinita, eterna e perfeita divindade. A religião deixava de ser critério único e certo de análise e tornava-se objeto a ser analisado pelo critério humano da razão; o poder político deixava de ser mediação da vontade e império de Deus a que se devia obedecer sem restrições e passava a poder ser julgado pela capacidade de conservar e outorgar prosperidade e felicidade aos indivíduos e povos que governava. Dito de outra forma, a força do cúmplice e historicamente pervertido binómio trono-altar esmorecia e caminhava a passos largos para a ineficácia e o fim da sua hegemonia. A revolução francesa havia de ser o ápice mais flagrante e visível deste caminhar.

Foi reconhecido que em todo este processo, a ciência e os intelectuais desempenharam papel determinante quer na substância quer do sentido desta mudança. Por toda a parte se porfiava na leitura dos “novadores” desprezando-se a literatura da ortodoxia: “Todo o mundo lê preferencialmente os livros que atacam a Religião, mais que os que a defendem”, observava preocupado o abade Malebranche (1771:IV) (que nesta circunstância preferiu escreve como anónimo. Foi esta mesma preocupação veiculada pelo marquês de Caraccioli (1792:135) aplicada aos jovens e pelo eminente teólogo Emile Bergier que, para além dos “moços indiscretos”, a dirige igualmente à classe das mulheres (Bergier, 1771). Foi nesta base que Henri Griffet (1771:III-IV) apelou à militância dos apologetas no sentido de produzirem mais e melhores livros para se poder organizar a defesa da religião contra os perpétuos ataques dos “livros perniciosos”, e foi também nela que se encontrou a justificação para a escolha das subversivas ideias e dos livros e intelectuais que as sustentavam e difundiam, como alvos privilegiados dos mecanismos preventivos e curativos que os incomodados e tensos guardiões da anterior situação puseram em ação: a inquisição e a censura, os aparelhos legais, as fogueiras purificadoras, a polícia, os exílios, a prisão, as devassas, os esbulhos, as pressões, a destruição familiar, os medos…

Ora, o pensamento, as ideias, os livros e o próprio Rousseau ocuparam nesta teia opressora uma notável proeminência[2]. Não era de admirar, pois se estava perante o mais “incendiário” e abrangente inovador nos campos mais pertinentes e sensíveis da modernidade que nascia: nas ciências humanas através da antropologia; na religião através do naturalismo racional; na educação e na pedagogia através da descoberta da criança e da educação negativa; na política através da consagração de um contratualismo que mudou radicalmente a noção do pacto e a natureza das leis; na literatura como pioneiro de um novo perfil[3].

3 - Representações e cautelas em Portugal: o subido lugar concedido ao genebrino

Em Portugal viveu-se a mesma situação de reconhecimento da importância da intelectualidade e dos livros como fermentos de mudança, de constatação de significativo inconformismo para com a realidade existente, de curiosidade relativamente às novas ideias, de troca de interesses e abertura de mentalidades, pelo que se adotaram medidas cautelares paralelas às da Europa, mas com uma severidade mais marcante e requintada. Foi, de facto, gigantesca a luta e tremendo o esforço de preservação do status contra os inovadores do século. Lembrar a violência e os horrores da inquisição portuguesa, o esmero obsessivo e meticuloso da censura com róis infindáveis e meticulosos, o edifício abrangente e sempre em atualização da legislação, a ação persecutória intransigente e fera da intendência policial, a instigação nos púlpitos e confessionários à obediência cega às autoridades civis e religiosas, a ameaça dos castigos divinos e o recurso aos medos na vida do além, é base bastante para entender a amplitude de tal luta e de tal esforço. Contudo, nem este conjunto de ações e medidas quase sempre estribadas na densidade da rede clerical secular e regular atrás referida que plantava em todo o território uma enorme massa de curadores da pureza da fé e das ideias bastaram para acautelar a entrada neste reino ibérico dos botafogos da mudança e da modernidade, e entre eles, o nosso filósofo e pedagogo, Jean-Jacques Rousseau. Terá sido ele quem mais deslumbrou os nossos académicos do último quartel do século XVIII, como constatou o censor régio do Desembargo do Paço, doutor em direito canónico e sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa, João Pedro Ribeiro (1835-1838:133); terá sido ele o primus inter pares dos “Luteros e Calvinos da revolução e da liberdade” e o mais flagrante perigo dos potentados ao “evangelizar abertamente a democracia sem restrições e sem partilha”, como o considerou Latino Coelho (1874:397) à semelhança, aliás, do que pensavam José de Arriaga, Teófilo Braga, José Soriano e vários outros. E ele foi, realmente, o principal incendiário das consciências, o herético mor e o mais destacado portador de perigosidades, como foi lido pelos nossos teólogos mais eminentes e pelos apologetas mais militantes do nosso setecentismo ou do oitocentismo anterior à revolução liberal, quer oriundos da esfera religiosa quer da civil.

Depois da publicação do Discurso sobre as ciências e as artes, em 1750, seguem-se, entre os escritos mais importantes e controversos, o Discurso sobre a origem e fundamentos da desigualdade entre os homens, em 1755, a Lettre à d’Alembert sur les spectacles, em 1758, a Nouvelle Heloïse, em 1761, e o Emílio e o Contrato Social que saíram no mesmo ano, em 1762. As primeiras referências de natureza censória e de carácter oficial que conhecemos relativamente a obras de Rousseau entre nós são do ano de 1768. Estão já integradas no trabalho levado a cabo pela Real Mesa Censória criada pelo Marquês de Pombal em 5 de Abril desse ano. Logo em 18 de Agosto, opinava o culto frade franciscano Frei Manuel do Cenáculo, que havia de ser o primeiro bispo de Beja, sobre os três volumes das Lettres de deux Amants, mais conhecidas por Júlia oua a Nova Heloísa. “Livros abomináveis, impuríssimos, provocativos de corrupção” foram qualidades achadas na obra pelo censor, o que determinou sentença sem apelo: “devem ficar suprimidas” (Censuraa Julie…,1768,a). Mas não ficou por aqui o juízo reprobatório sobre esta publicação. Num conjunto de censuras sobre várias outras do mesmo autor, é incluída mais uma sobre este romance. O novo parecer exibe a data de 1 de Setembro de 1768. É lá dito que a obra é de “petulante indecência” e própria a “precipitar a concupiscência” (Censura a Julie…, 1768,b). Tal qualificação não poderia conduzir a uma decisão diferente: supressão.

A projeção do nosso enciclopedista que optara por caminhos de marginalidade relativamente aos seus companheiros Diderot, d’Alembert, Voltaire e outros, tornava-se cada vez mais notória ainda antes da publicação dos escritos que se tornariam referências incontornáveis do iluminismo: o Emílio e o Contrato Social. Por isso, não é estranho que desde cedo a grande apetência dos leitores induzisse os interesses das editoras para publicarem coletâneas que se iam renovando e aumentando à medida que mais obras iam aparecendo. Ora, o mesmo diligente frei Manuel do Cenáculo, em quem Pombal mito confiava, debruçou-se também, na mesma altura, sobre dois volumes aparecidos das Oeuvres Diverses (1761-1762) do genebrino a fim de dar parecer sobre a possibilidade do seu curso. Continham tais volumes obras como eram o Discours sur les sciences et les arts com as diversas Observations relativas à polémica então gerada pela obra, o Narcisse, a Lettre sur le musique française, o Le devin du village, o Discours sur l'inégalité, a Lettre à d'Alembert e o Extrait du Projet de paix pertétuelle. Opinou, então, o censor, que tudo poderia ser lido e os volumes poderiam correr livremente se não fosse a presença neles do Discurso sobre a desigualdade, obra em que se “estabelece uma filosofia reprovada, e bem conhecida por tal” (ib.) [4]. Esta observação sublinhada contida na última parte do julgamento revela não só a universalidade do conhecimento e das reprovações da obra em apreço como pode conduzir ao pressuposto de que por cá a situação não seria muito diferente. E na verdade, pese embora o posicionamento contraditório, por estratégia política, de Frei Manuel do Cenáculo sobre o assunto que segue, polémica que não vamos aqui ter em conta[5], o bispo de Coimbra, D. Miguel da Anunciação, dirigia-se em 8 de novembro de 1768 ao universo da sua diocese, clero regular, secular e fiéis, com o objetivo expresso de reter a “...corrente inundante de doutrinas várias e peregrinas que se tem derramado nesta cidade" (Anunciação, 1768). E não era abstrata a denúncia, pois o prelado dava rosto aos perigosos inovadores, figurando Rousseau ao lado de Voltaire, de Helvécio, de D'Holbach, de D'Argens, de Hume, de Marmontel, de Dupin, deFebrónio e da Encyclopédie, portadora de enorme profusão de nomes.

Neste ano de 1768, ano de todas as cautelas contra os inovadores sob patrocínio da pombalina Real Mesa Censória, outras obras deste filósofo e literato sofreram o veredicto da proibição por censura autónoma. Destaca-se o Emílio, com veredicto em 6 de outubro, através do trio de frades Francisco de S. Bento, Cenáculo e Inácio de S. Caetano, e o Contrato Social que foi objeto da mesma proibição por censor anónimo. Depois, chegaria a vez da Lettre à Christophe de Beaumont, das Lettres écrites de la Montagne, de outras Obras Diversas e Completas, das Confessions, etc. Mas pelo aparato, significado e sentido global, bem como pelos elementos informativos que contém, não podemos deixar de referir a proibição do famoso Edital de 1770, do ministro de D. José.

Era há muito notório que o reino pejava de livros perigosos vindos do estrangeiro. Os célebres róis portugueses de livros proibidos anteriores à criação da Real Mesa Censória, que se tornaram, pelo esmero demonstrado e amplitude, paradigma para a Santa Sé e outros países europeus que porfiavam em extirpar dos seus espaços as heterodoxias religiosas e políticas, eram não só sinal evidente dessas existências por cá, como serviam de base, a par de outros editais da inquisição, à sua aquisição, sobretudo por parte de alunos e professores da universidade e de agrupamentos clandestinos ligados a militares, intelectuais e outros cidadãos inconformados e curiosos sobre o que se passava além Pirenéus e desejosos de mudança. Aliás, listas semelhantes oriundas da Real Mesa e organismos sucedâneos ou afins continuaram a exercer, depois, o mesmo fascínio e atração, produzindo assim efeitos contrários aos do seu fim. Por isso, não foi estranho que a lei de criação da referida Mesa, em 5 de Abril de 1768, bem como o Regimento que a desenvolvia e operacionalizava referissem expressamente essa preocupação com o curso de muitas obras vindas de fora carregadas de fermentos heréticos e subversivos destruidores de altares e tronos.

Foi no sentido de tentar resolver o problema, ou pelo menos parte, dessas abundantes existências que o marquês se propôs fazer um levantamento geral delas em todo o país. Programou uma grande devassa ordenada por Edital. Era um claro convite à autodenúncia.

O texto introdutório confessa o reconhecimento das muitas entradas clandestinas de perigosos livros no reino:

…eu fui informado, que neste Reino e seus Domínios se introduziram, antes da criação do meu Tribunal da Real Mesa Censória, vários livros corruptores da religião e da moral, destrutivos dos Direitos, e regalias da minha Coroa e opostos à Conservação e sossego público da Monarquia (Edital de 10 de Julho de 1769).

Ordenava-se, então, no Edital, que “livreiros, impressores, mercadores de livros, Universidades, Religiões, Comunidades, Corporações e pessoas particulares” elaborassem obrigatoriamente um catálogo fiel onde constassem todas as posses quer em forma de manuscrito quer impressas. Dava-se um prazo de seis meses para elaboração e envio do respetivo catálogo. Contudo, os resultados, sobretudo qualitativos, tendo em conta a intenção, não foram famosos. Chegaram 2420. Nós próprios percorremos cerca de 700 em busca do tipo de espécimes neles contidos, mas ficámos frustrados, pois dos proibidos poucos constavam. E na verdade, como poderiam constar se isso equivaleria a um autoflagelo? Este insucesso foi, certamente, uma das razões que terá motivado o feroz ataque ao mesmo alvo perpetrado através do Edital de 24 de setembro de 1770.

As fórmulas e conteúdos da linguagem utilizada neste último documento revelam clara consciência do estado da situação, enorme preocupação e medidas persecutórias feras e excecionais. Veja-se: sobre as entradas indevidas de escritos, refere o Edital de 1769 a introdução no Reino de “vários livros”; agora, o de 1770 descreve a situação como “inundação monstruosa dos mais ímpios, e detestáveis escritos”; sobre a preocupação, ela está bem patente na amplitude dos objetivos a alcançar e nas bases motivadoras, matéria e âmbito da proibição; quanto aos objetivos, passam pela conservação do cristianismo, pureza da fé, veneração devida aos mistérios santos, defesa da Igreja, integridade dos costumes, extirpação de vícios, procurar a glória de Deus, a felicidade eterna e temporal dos vassalos, o respeito da lei e a paz pública; as bases motivadoras centram-se nos “horrorosos estragos” que já fizeram soçobrar os países onde nasceram tais fermentos e outros espalhados pela maior parte da Europa: a deterioração dos princípios da religião e dos sólidos fundamentos do trono, e o rompimento dos “felicíssimos vínculos” com que estes mutuamente se sustentam; relativamente à matéria e alcance da proibição, passam pela doutrina “ímpia, falsa, temerária, blasfema, herética, cismática, sediciosa, ofensiva da paz e sossego público e só própria a estabelecer os grosseiros e deploráveis erros do Ateísmo, Deísmo e do Materialismo”, sendo alvos os vassalos de todas as espécies e condições e os impressores e livreiros que

detenham, comuniquem, vendam, introduzam, imprimam, distribuam, ou por qualquer modo espalhem, debaixo de qualquer forma, título ou pretexto que seja, as sobreditas Obras, ou juntas ou separadas, em qualquer tomo, ou ainda capítulos, ou parágrafos delas, e em toda e qualquer edição, ou idioma (Edital de 24 de Set. de 1770);

finalmente, quanto às medidas concretas, referem-se a proibição, a devolução e, relativamente a algumas, serem queimadas publicamente na Praça do Comércio, em Lisboa.

A lista de obras e autores visados neste edital é grande: Bayle, Boulanger, La Fontaine, Fréret, Hobbes, La Mettrie, Spinosa, Meslier, Voltaire e muitos outros, não faltando Rousseau, claro. Do nosso filósofo aparecem explícitas as obras: Emile ou de l'Éducation, Lettres écrites de la Montagne, Julie ou la Nouvelle Heloïse, Du Contrat Social ou Principes du Droit Politique, Lettre de [à] Mr. de Beaumont Archevêque de Paris[6], além dos conjuntos de Obras Diversas ou Completas e Miscelâneas que daquelas contivessem extractos[7]. Como se vê, das já publicadas até essa altura, a ausência mais estranha é a do Discours sur l'inégalité. O marquês terá considerado para esta decisão uma outra censura feita mas não assinada, mais benevolente e de certeza mais distraída ou perspicaz que a anteriormente referida feita por frei Manuel do Cenáculo. Considerava este censor anónimo que tal escrito era “um delírio que por si mesmo se refuta, e que inteiramente se acha abandonado por todo o homem racional” (Censura a Discours sur l’inégalité, s.d.), pelo que não poderia resultar dele nenhum perigo, além de não conhecer nenhum tribunal europeu que o tivesse condenado[8]. Este censor lia este segundo Discurso como era normalmente lido o primeiro sobre as ciências e as artes, ou seja, como produção de natureza literária e utópica.

O pressuposto explicativo da exuberante disseminação pelo país de obras inibidas de circulação é presente em quase todos os editais e instrumentos legais censórios e persecutórios. Mais uma vez, no edital que temos vindo a referir isso acontece, por fórmula singela mas muito extensiva: penetração no Reino “por caminhos indiretos e ocultos”[9].

3.1 - As vias ocultas de entrada de livros proibidos

Foram já feitos muitos estudos e são já suficientemente conhecidos os caminhos e as estratégias de fazer entrar livros proibidos no reino. As vendas clandestinas em livrarias, como muitos dados mostram, não foi a forma menos usada. Os preços destas espécies eram bastante mais elevados e as apetências garantiam lucro compensatório, principalmente quando se tratava de livros em língua francesa, na altura muito acessível à generalidade dos intelectuais. Os frequentes “assaltos” das brigadas de censores a estes organismos, bem como a casas de impressão, às vezes com resultados fecundos de confiscação, atestam a fecúndia do alvo. Só que os benefícios colhidos nas vendas por vezes aliados ao empenho no processo de abertura e liberalização de muitos livreiros e impressores não faziam esmorecer a ousadia do risco. É interessante e significativo verificar que, dos numerosos catálogos de vários livreiros que compulsámos, nomeadamente os de livreiros de origem francesa como os de Borel, Francisco Rolland, Reycend, Martin, Viúva Bertrand, Pedro Bonnardel, Rey, etc., não mostravam grande inibição em colocar “advertências” aos possíveis compradores sobre os muitos outros livros que tinham mas que não figuravam à vista, ou sobre a possibilidade de mandar vir quaisquer outros em que se estivesse interessado.

Para além desta via mais visível e vulgar, havia as que passavam pelas entradas clandestinas através de militares estrangeiros cá aquartelados, de pessoas ligadas a embaixadas de outros países, de viageiros e contrabandistas, de circuitos de mais difícil prospeção como eram os dos navios que carregavam caixotes com disfarces de grande criatividade, etc., etc.

3.2 - As vias consentidas

A par daquelas, houve outras formas indiretas que facilitaram grandemente a propagação dos escritos de Rousseau e de muitos outros “novadores” do século pelo reino. Poderíamos apelidá-las de vias consentidas. Trata-se, fundamentalmente, de exceções concedidas a pessoas, organismos ou instituições para poderem aceder, adquirir, possuir ou ler obras que estavam interditadas à generalidade da nação. Alguns destes consentimentos foram mesmo consagrados em lei, como foi no caso do Regimento da Real Mesa Censória, de 18 de Maio de 1768, que contemplou na Regra 12 a possibilidade de posse e uso de livros, absolutamente proibidos, à universidade, bem como a livrarias das comunidades religiosas e a mestres teólogos, sob pretexto de necessidade requerida pelo respetivo ministério profissional. O pressuposto era entendível: tem de se conhecer o que se quer combater. Esta exceção foi alargada, na Regra 13, à espécie das obras eruditas de Direito Natural, como ideologicamente convinha ao regalismo pombalino. Mas não há dúvida que se tratava de obras carregadas de fermentos desviantes.

Para além destas aberturas no edifício legal, havia as licenças especiais concedidas a particulares para a mesma leitura e posse mediante pedidos expressos para tal, pedidos facilmente deferidos sem grandes critérios de rigor e pertinência, como era o do exercício profissional contemplado no Regimento referido antes, mesmo que se tratasse de um simples mestre-escola. Os casos conhecidos desta concessão são inúmeros. Depois, havia também o privilégio concedido à Academia Real das Ciências de Lisboa, privilégio que a libertava do regime censório; a liberalidade concedida aos gabinetes de leitura; a exclusão da alçada da intendência, do oficialato inglês; a concessão de estatutos especiais a personalidades gradas ao poder e à cultura, como eram os casos de Teodoro de Almeida, do abade Correia da Serra ou do duque de Lafões; a reserva consentida a espaços ou celas conventuais onde podiam florescer tertúlias literárias ou científicas, como foi com a afamada clausura de Chelas em que se encontrava a marquesa de Alorna e que era frequentada por nomes sonantes da nossa literatura e cultura, etc. Todas estas exceções funcionaram profusamente, quase sempre contra a vontade da intendência-geral da polícia que via desse modo minar a eficiência das suas funções e trabalho. Já no reinado de D. Maria, Pina Manique faria frequentes reparos e pressões contra estas perigosas exceções.

Em termos de síntese podemos afirmar que, nas paredes do muro isolacionista que tentou fechar Portugal ao mundo, numerosas fendas e janelas permitiram a passagem da luz que irradiava e se expandia provindo de além-Pirenéus, uma luz de brilho novo e carregada de heterodoxia com contornos de heresia e de subversão. Por essas aberturas passaram, também, as obras de Jean-Jacques, desse “Hércules dos Sofistas”, como o denominou o abade Barruel, do mais célebre corifeu da irreligião, como preferiu chamar-lhe Pablo Olavide, do “chefe de todos os filósofos modernos” e “destruidor de tronos”, como quase todos, de cá e de fora, o consideraram, principalmente depois da revolução francesa, e que o muito conhecido e apreciado autor anónimo da obra traduzida por Joaquim de S. Agostinho França Galvão, A voz da natureza sobre a origem dos governos, provou convicta e arrumadamente.

4 – A exuberância de obras de Rousseau em Portugal: um breve quadro sintomático

A larga prospeção que tivemos oportunidade de fazer noutro âmbito e para outros fins demonstrou-nos terem corrido em Portugal com significativa abundância todas as obras proibidas do autor das Confessions em tempo coetâneo ou muito próximo do da respetiva publicação. Rousseau foi, como os números claramente indicam, um dos autores mais lidos em toda a Europa no século XVIII. O número de exemplares das edições dos seus principais livros era, normalmente, mais elevado do que o das de outros autores importantes, como era o caso dos mais notáveis iluministas e conhecidos enciclopedistas. De facto, o número de edições é realmente impressionante[10]. A Nouvelle Heloïse, por exemplo, teve no espaço de trinta e oito anos, entre 1762 e 1800, setenta e duas edições (Mornet, 1936:215)! Do Emile ou de l’éducation (1762), conhecem-se catorze edições com data do ano do seu aparecimento, embora em dezanove estados diferentes, o que pode corresponder a que alguns desses estados possam ser de anos posteriores mesmo exibindo a data originária! O Contrat Social (1762), livro que só depois de 1789 teve a maior expansão, conta com doze edições autónomas no mesmo ano da primeira (Gagnebin, 1964:1866-1872)! É obra! Ora, estas edições não se podiam destinar, naturalmente, apenas à França, e correram mundo logo à nascença. Correram também Portugal.

Teófilo situou a entrada no nosso país das obras de Rousseau pelo ano da criação da Real Mesa Censória, 1768. Mas não foi assim, pois entraram cá muito mais cedo, como pudemos verificar. Com efeito, uma vez que as primeiras edições se esgotavam quase de imediato à sua saída, parece-nos não ser controverso podermos afirmar que o achamento entre nós de exemplares das primeiras ou de edições contíguas a estas significa que elas terão sido adquiridas e introduzidas cá tendencialmente no próprio ano do seu aparecimento público. Nesta base, forneçamos alguns dados de existências que encontrámos a partir da data da publicação da primeira obra importante do autor, do ponto de vista das ideias: o Discours sur les sciences et les arts: novembro de1750.

Como é sabido, o aparecimento deste escrito que ganhou o prémio do concurso da Academia de Dijon tornou-se um caso controverso e ditou o início do afastamento de Jean-Jacques dos companheiros enciclopedistas. Não conseguimos localizar por cá nenhum exemplar da primeira edição, mas sim uma segunda de 1752, oriunda de Londres, e que continha também no respetivo volume a refutação de um dos académicos examinadores da obra na altura da atribuição do prémio (Rousseau, 1752). Mas a polémica gerada logo a seguir à sua publicação foi intensa e originou um vasto conjunto de recalcitrações e respostas a que a imprensa periódica, mas não só, deu guarida. Um dos mais notados críticos ao Discurso foi o académico lionês Charles Bordes que escreveu uma refutação ao escrito premiado num seu Discours sur les avantages des sciences et des arts, refutação que leu na academia da sua cidade em Junho de 1751, e que foi publicado no periódico Mercure, em Dezembro desse mesmo ano. Rousseau ripostou esclarecendo e defendendo o seu ponto de vista com a Dernière Réponse, datada de 1752. Neste mesmo ano virá a público uma obra com estas duas peças da polémica com edição oriunda de Genève (Rousseau e Bordes, 1752). Ora, foram precisamente estas as duas obras com datação mais antiga que encontrámos em Portugal. Curiosamente, o exemplar que compulsámos da última, a Réponse, apresentava uma nota marginal manuscrita com uma recomendação que era vulgar em livros de bibliotecas da época: “Este fica no secreto, os mais para fora”! O resguardo a olhos curiosos não tinha que ver com Charles Bordes, como é óbvio. Ele era castigado sem culpa! Entretanto, tendo ainda em conta este achamento, localizámos também uma segunda edição de uma outra obra em dois volumes, com data de 1756 e origem em Londres, de título: Les avantajes et les désavantages des Sciences et des Arts. Como autores, aparece a identificação: J.-J. Rousseau et autres savants hommes. Na realidade, o primeiro Discours constitui o núcleo central dos conteúdos, mas aparecem incluídas algumas refutações do escrito e as respostas que o autor visado foi dando.

Em contrapartida, do Discours sur l’origine et les fondements de l’inégalité parmi les hommes, correu por cá, com bastante profusão, a primeira edição de 1755 de Marc Michel Rey, de Amesterdão. Localizámo-la em bibliotecas de Lisboa, Porto e Évora, mas poderá existir noutras, naturalmente. Mas já falámos antes da sua inclusão nas Oeuvres Diverses (Amesterdão)de 1761-1762, sujeitas mais tarde a censura inibitória. Aliás, deste conjunto localizámos, outras edições, como uma de 1764, de Neuchatel e Paris, e outra de 1767, de Neuchatel.

Não encontrámos qualquer censura nem edital proibitório à Lettre à d’Alembert, mas foi obra que deu projeção ao nosso filósofo, nomeadamente através do consagrado nome que visava, o notável matemático e autor do conhecidíssimo Discours Préliminaire da Encyclopédie que durante tempos coordenou, com Diderot. Pois bem, o escrito percorreu o país através da primeira edição de 1758 e também de uma segunda de 1759, o que revela o interesse pelas ideias do filósofo para além do acicate das proibições. Mas teria mais difusão o romance que foi repetidamente censurado e proibido, Julie ou la Nouvelle Heloïse. Realmente podemos dizer que experimentou por cá entusiasmos e desejos de leitura com intensidade semelhante à que teve pela restante Europa onde foi um dos livros mais lidos. A primeira edição de Michel Rey, de 1761, entrou desde logo no nosso país. Mas não foi única, pois além de várias outras posteriores em língua francesa, também uma edição mais tardia em língua castelhana, de Baiona, serviu para colmatar faltas a partir de 1814.

Fixemo-nos agora nas duas criações mais importantes, o Emile e o Contrat Social, as que mais ódios alimentaram e mais cuidados preventivos e acçãoes persecutórias concitaram. Tendo ambos saído em 1762, como já atrás referimos, diremos apenas que não faltaram exemplares para pôr conhecimentos em dia sobre as teorias psicológicas, pedagógicas, morais, religiosas e políticas do genebrino. Como se sabe, antes da revolução francesa o Contrato Social não foi objeto de grandes preocupações por parte do trono e muito menos por parte do altar. À semelhança do que se tinha passado com os dois Discursos foi mais considerada como um projeto de delírio, neste caso de índole política, do que real. Quanto ao Emile, essefoi lido de imediato como sendo um perigo eminente a vários níveis. Afinal, nele estava fixa a nova e perigosa antropologia, se bem que encarada sob um ponto de vista ontogenético; uma pedagogia moldada num naturalismo que dava uma importância desusada ao corpo e que consagrava uma educação negativa que secundarizava a religião e a moral até a razão ser critério; uma religião natural na sua versão deísta que punha em causa a revelação e a doutrina de mistérios e irracionalidade que a Igreja adotava; uma moral de consciência e sensibilidade que relegava a primazia da moral cristã tradicional; um conjunto de lições políticas conformes à matriz do projeto que o Contrato Social fixava; em síntese, desafiava e rompia com teorias e práticas que sustentavam um paradigma de pensamento e de vida que durava há muitos séculos. Pois bem, esta obra foi por cá lida através de várias edições oriundas de Paris e de Genève, desde a do ano da sua publicação (Paris, 1762), a outras de 1780, 1780-1781, 1788, 1792, 1802… e uma edição londrina que exibia o título: Emilius and Sophia; or a new system of education (Baldwin, 1783). Do Contrat Social, foi a edição de 1762 de Michel Rey, proveniente de Amesterdão, aquela de que mais existências encontrámos, se bem que não foi difícil encontrar outras de Paris, de Rouen e, curiosamente, uma de 1764 em língua inglesa (Becket and Hondt) cuja compulsão a biblioteca pública de Évora nos proporcionou: A treatise on the social compact; or the principles of politic law.

Este curto e inacabado trajeto que fizemos foi de mero teor sintomático e serviu apenas para dar crédito a este princípio: não houve em Portugal falta de fontes primárias diretas do próprio filósofo de Genebra para ele poder ser cá suficientemente conhecido e difundido. Foi uma presença que repetiu a mesma fecundidade em escritos posteriores, como foram a longa carta A Christophe de Beaumont, Archevêque de Paris, as Confessions, as Considerations sur le gouvernement de la Pologne, o Emile et Sophie, ou les solitaire, etc., além de edições várias da Collection Complète des Oeuvres, das Pieces Diverses, de várias coletâneas com textos escolhidos, etc. Foi, de facto, impressionante o acervo de peças bibliográficas que pousaram nas prateleiras das bibliotecas e mãos dos leitores portugueses deste bota-fogo indesejado pelo sistema político-religioso vigente. Tinha-se acesso a elas por compra, por empréstimo, por acessos ínvios ao secreto, através requisições nas salas de leituras, em leituras em grupo, etc.

Ainda no âmbito das formas ocultas de difusão através das obras do próprio autor, não podemos deixar de referir o uso destas em diferentes escolas de aprendizagem que foram secretamente funcionando em circunstâncias e locais vários. Entre todas, damos especial realce às que exerceram atividade ligadas à academia da universidade de Coimbra e à que esteve durante muito tempo sediada em Valença, no círculo militar que aí esteve estacionado como aquartelamento da artilharia do Porto. Autênticos alfobres de heterodoxia, por elas passaram como aprendizes e mestres uma grande variedade de gente, desde estudantes e professores a militares, mas também escritores e poetas, médicos e diplomatas e até padres.

A segunda, a de Valença, teve como fornecedores bibliográficos principais os militares estrangeiros de patente que aí integravam a guarnição e que traziam os seus bornais cheios de literatura proibida. Lá militou com muito empenho o nosso matemático José Anastácio da Cunha (1744-1787). Newton, Voltaire, Pope, Rousseaue vários outros alimentavam a chama das leituras e das reflexões individuais e de grupo com espírito libertino sobre o naturalismo, o deísmo e outras heresias que haviam de conduzir vários dos participantes, incluindo o autor dos Princípios de Matemática e mais oito oficiais militares, a auto-de-fé em 1778[11]. Aleixo Vachi, cirurgião-mor do regimento, era, segundo a própria inquisição, o tutor da “seita”. Terão sido daqui, portanto muito cedo, pelos seus vinte e um anos, os primeiros contactos de Anastácio com Rousseau, por mediação bibliográfica do militar brigadeiro Diogo Ferrier, de origem escocesa e comandante da fortaleza, que tinha uma bem recheada biblioteca de livros proibidos que patenteava com gosto e também militância a amigos e companheiros.

Quanto às primeiras escolas referidas, as da academia de Coimbra, onde grupos e associações secretas tinham alguma abundância, relevamos uma em que pontificou o que havia de ser sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa e autor de um Tratado de educação física dos meninos para uso da Nação Portuguesa (1791), Francisco José de Almeida. Aliás, alguns dos elementos que compunham esta escola clandestina tinham estreitas ligações com o grupo da escola de Valença. Ora, este destacado difusor da heterodoxia, além de disponibilizar a sua casa para local dos encontros clandestinos para estudo e discussão em grupo das teses de libertinos e heréticos, também se dedicava a seduzir caloiros para integrarem o desviado grupo. Os livros de leitura usados eram, naturalmente, de variados autores da nova vaga, tidos como ímpios, mas as leituras primordiais centravam-se no Emile de Rousseau de que José de Almeida traduzia excertos para uso, como os processos de acusação comprovam, sendo que havia também lugar para o Contrat Social do mesmo autor.

O resultado não foi risonho, pois este curioso e irrequieto académico haveria de integrar, como Anastácio, um auto-de-fé em 1781, acompanhado de vários dos fervorosos discípulos que o seguiam e liam pela cartilha emiliana do genebrino. Lá estará, por exemplo, o estudante poeta Pereira Caldas.

5 – Outras formas de conhecimento e difusão

Em paralelo com as fontes ocultas ou consentidas do próprio autor, há outras que consideramos não terem tido menor papel no conhecimento e na difusão das ideias do autor. Enquadram-se em formas que podemos classificar de positivas ou negativas. Vejamos:

5.1 - Formas positivas

Como é sabido, nem sempre foram certeiras nem compatíveis com as funções e objetivos traçados as decisões dos censores, por razões várias. Umas vezes por incúria, porque desprezavam o conteúdo real e se guiavam apenas pelo título dos textos que tinham que analisar; outras vezes por ignorância ou incompetência, tão atreitas aos frades e clérigos de uma maneira geral, mostrando as determinações que exaravam um completo desconhecimento do autor e até de outras censuras externas que já perseguiam a obra em apreço, ou uma grande incapacidade de realizar uma hermenêutica adequada à descoberta da perigosidade do escrito. Casos como os das traduções permitidas de Les femmes ce´le`bres de la re´volution française, de 1802, editado cá na Oficina de Simão Tadeu Ferreira, em 1804, ou do L'ami du Prince et de la Patrie: ou le bon citoyen, de 1770, saído pela Tipografia Rolandiana em 1779, intrigam qualquer um que conheça minimamente a amplitude do aparelho obstaculizante e os conteúdos das referidas obras. O primeiro caso é citado muitas vezes como exemplo de evidente ineficácia face à clara insinuação desviante que era logo anunciada no próprio título; ao segundo, conduziu-nos a expressão bon citoyen, o que nos fez deparar com enorme disseminação de princípios e valores iluministas e com a transcrição literal e empática de várias teses e ensinamentos rousseaunianos. Mas ainda ficamos mais atónitos quando vemos a chancela favorável ao curso de obras escritas por autores portugueses que são autênticos tratados veiculadores da tão temerária e abominada heterodoxia do nosso filósofo. Chamamos à colação dois casos de atrevido descaminho: As viagens d’Altina, nas cidades mais cultas da Europa, e nas principais povoações dos Balinos, Povos desconhecidos de todo o Mundo, obra em 4 volumes que foram aparecendo entre 1790 e 1793, saída no anonimato mas sabendo-se que o autor é Luís Caetano Altina de Campos; e as Cartas Americanas, de Teodoro José Biancardi, obra publicada em 1809 e composta na Impressão Regia[12].

Sobre as Viagens d’Altina, diremos apenas que se trata de um extenso texto que nos parece inacabado e que usa e abusa das teorias de Rousseau, umas vezes de forma direta, outras através da mediação de Louis Sébastien Mercier, um ativo republicano participante no processo da revolução francesa e conhecido, sintomaticamente, por “macaco/imitador de Jean-Jacques” (singe de Jean-Jacques). Mas o mais curioso e impressionante é que ao longo da obra se sucedem páginas e páginas de transcrições do filósofo genebrino extraídas principalmente do tão odiado Emílio. Quanto ao livro de Biancardi, estamos perante um ludíbrio descarado camuflado pelo título. Parece-nos que tal ludíbrio decorreu do facto de o censor não ter tido disponibilidade ou pachorra para folhear e ler o seu interior. Fizemo-lo nós, por curiosidade e algum acaso, o que nos possibilitou depararmos com o desastroso lapso. Com efeito, trata-se, formalmente, de cartas escritas entre dois amantes que o destino separou. Mas o indisfarçável paralelismo com a Julie ou la Nouvelle Heloïse - Lettres de deux amans, habitans d'une petite ville au pied des Alpes chamou-nos logo a atenção. Julie e Saint Preux, do célebre romance de Jean-Jacques, tomam aqui o nome de Emília e Plácido. Quanto ao resto, além do amor e da paixão que nas cartas são patenteados, falam e analisam, como também o fazem Julie e Saint Preux, outras coisas de âmbito bem diferente: as consequências das letras e das artes sobre os costumes, a questão do luxo e das modas, a problemática da intolerância, a questão da liberdade ou da opressão dos povos, o fenómeno da escravatura, enfim, Rousseau em toda a linha, escrito diretamente em português num romance epistolar de amor que o censor não terá tido curiosidade de ler.

5.2 - Formas negativas

Chamamos-lhe negativas, porque estas formas invertem a função e o fim que diretamente servem. Falamos das numerosas obras e várias outras formas que os defensores do status usaram, cá e fora, para combater a heterodoxia que punha em causa a matriz social, religiosa e política existente.

Face à impiedade, heresia e libertinismo religioso, moral ou político que avassalavam mentes e nações, muitos eclesiásticos seculares ou regulares, teólogos, apologetas, ideólogos do segmento civil e outros tentaram repelir, contrariar ou pelo menos adiar ou diluir o espírito do século no reino de Portugal. Faziam-no não só lendo, analisando e estudando os livros dos autores ímpios e subversivos cuja aquisição era, nos seus casos, consentida, como vimos, mas municiando-se com o que de melhor ia aparecendo no estrangeiro vocacionado para esse combate, já que a produção em língua vulgar era bastante exígua. Ora, todas essas fontes que tinham como função direta o combate ao novo e ao diferente eram muitas vezes pervertidas nessa função. Por um lado, muitos curiosos e desejosos de conhecer os autores proibidos, porque não tinham fácil acesso às suas obras, aproveitavam a exposição e o desenvolvimento que eram feitos nas que as combatiam, para se inteirarem, sem darem nas vistas ou ficarem sujeitos a perseguições e outras consequências nefastas, do pensamento, das teses, da natureza dos desvios desses autores; por outro, não era raro que os próprios protagonistas desse combate conservador se deixassem tocar pelas novas teorias, reconhecendo, em muitos aspetos, a força da sua racionalidade, da sua coerência, da elevação estética da sua escrita e até a justeza de várias das teses que apresentavam, pelo que se tornavam mais tolerantes e abertos e por vezes nem se coibiam de veicular, nos seus escritos e ações, alguns louvores e de darem cobertura a certos posicionamentos. Autores como Teodoro de Almeida ou frei Francisco de S. Luís, conhecido como Cardeal Saraiva, são exemplos cabais disto.

Na maior parte dos casos, o recurso a esta produção estrangeira era feito através dos originais que tinham uma prevalência quase absoluta em língua francesa, dado o domínio generalizado dessa língua entre as classes cultas. Podemos afirmar, pelo extenso e cuidadoso levantamento que já tivemos oportunidade de fazer, que não há lacunas qualitativas neste campo e que as existências quantitativas são verdadeiramente impressionantes[13]. Diríamos que não foi por falta destas fontes que a eficácia argumentativa contra os inimigos do trono e do altar falhou. Realmente, desde os textos condenatórios de carácter institucional e de maior referência, até aos escritos, identificados ou anónimos, de teólogos, apologetas ou simples militantes da ortodoxia, nada de significativo faltou nas prateleiras da maior parte dos nossos numerosos conventos, dos nossos bispos, dos censores, dos seculares ou quaisquer outros embrenhados nesta luta, sendo que não é momento e seria fastidioso percorrer as longas listas de livros e autores que foram importados com este fim. Referiremos apenas um outro segmento da estratégia deste mesmo combate, o das traduções.

Nos casos em que se justificava, face à importância que a obra revestia ou à relevância que podia adquirir o alargamento do universo dos seus utentes, a tradução daquelas fontes impôs-se. E embora a quantidade de traduções elaboradas não fosse muito extensa, foi muito significativa sobretudo pelo rigor da escolha. De facto, o seu levantamento, mesmo que parcelar, patenteia uma autêntica galeria de luxo entre o que foi o quadro da produção europeia global. Demos alguns exemplos:

Bergier, o maior teólogo do século XVIII e claro sucessor de Bossuet, foi um dos que mais assistência proporcionou aos nossos militantes da ortodoxia. Com efeito, este notado autor não só viu a grande maioria das usas obras a serem usadas por cá na língua em que as escreveu e multiplicadas por várias edições, como o encontrámos noutras versões linguísticas como a italiana. Mas o mais importante foi que recebeu o privilégio de tradução em língua portuguesa em duas das suas produções mais conhecidas e fundamentais: A Certeza das Provas do Cristianismo, ou Refutação do Exame Crítico dos Apologistas da Religião Cristã (Bergier, 1777-1778)[14]e O deísmo refutado por si mesmo, ou exame dos princípios de incredulidade, espalhados nas diferentes obras de João Jacques Rousseau em forma de cartas (Bergier, 1771)[15]. É verdade que todas as obras do eminente teólogo concedem um lugar de grande relevo ao combate contra o autor do Emile, mas como se vê, a segunda referida visa-o diretamente, o que nos revela quanto o genebrino preocupava os defensores do status, defensores em que Bergier ocupou o lugar mais proeminente quer no que respeita ao equacionamento das estratégica mais adequadas, quer ao fornecimento de bases doutrinárias para a peleja. Aliás, o reconhecimento desta elevada cotação do teólogo entre nós justifica os vários resumos manuscritos em língua portuguesa de escritos seus, espécimes que encontrámos na Biblioteca Municipal do Porto: uma Teologia da Enciclopédia que corresponde a sínteses de vários artigos seus em matérias teológica e religiosa; um Tratado do Cristianismo ou da Religião Cristã; um Tratado dos lugares teológicos; e um Tratado da Tradição, resumido em sumário (Bergier, s.d.).

Dois pontos estão sempre presentes na urdidura intelectual deste autor contra Rousseau. Primeiro, o da inversão “insensata” do princípio de que Deus deu o evangelho para encaminhar a razão, transfigurado por aquele na convicção que exprime de que é a razão que deve encaminhar o evangelho; em segundo lugar, o de que o deísmo que o filósofo defende e teoriza na Profissão de Fé do Vigário de Saboia se identifica com ateísmo e materialismo, eliminando qualquer espaço à existência de graus em matéria de incredulidade.

Como Bergier, tiveram também preferência na escolha para serem traduzidos e usados na nossa língua os livros dos célebres abade Barruel (Historia Abreviada da Perseguição, Assassinato e do Desterro do Clero Francês, durante a Revolução e O Segredo Revelado ou Manifestação do Sistema dos Pedreiros-Livres, e Iluminados, e sua influência na fatal Revolução Francesa); do abade Nonnotte (Dicionário Filosófico da Religião, na qual se estabelecem todos os pontos da mesma acometidos pelos incrédulos e no qual se responde também a todas as suas objeções); de Nicolau Jamin (Pensamentos Teológicos próprios para combater os erros dos filósofos livres do século); do marquês de Caraccioli (várias Obras Escolhidas); de Lamourette (Pensamentos sobre a filosofia da incredulidade, ou reflexões sobre o espírito, e desígnio dos Filósofos sem Religião do presente século); de Louis Gérard (Os desvarios da razão); de Lamennais, de Montals e alguns outros.

Neste tempo de incontornável mudança, os defensores da ortodoxia evitavam, muitas vezes, expor-se publicamente na defesa das suas teses e argumentos, pelo que recorriam à estratégia do anonimato com alguma frequência. Nesta base, os nossos estrategas escolheram, também, várias obras aparecidas nesta condição, por cumpriam com esmero e qualidade os objetivos a que se propunham. Estão no caso títulos como Atalaia contra os Pedreiros-Livres, traduzida por Joaquim José Pedro Lopes; as célebres e muito citadas Cartas de certa mãe a seu filho para lhe provar a verdade da Religião Cristã: Pela Razão, II Pela Revelação, III Pelas contradições, em que incorrem os que a combatem ou respostas às objeções, vertidas por Francisco Lourenço Roussado; O Evangelho em triunfo, ou História de um filósofo desenganado, por Antonio Caetano do Amaral; A voz da natureza sobre a origem dos governos, por Joaquim de S. Agostinho França Galvão; Caracteres da verdadeira Religião propostos à Mocidade de um e outro sexo, pelo já referido Joaquim José Pedro Lopes, etc.

Apesar de a produção não ser muito abundante, não podemos deixar de fazer referência à contribuição portuguesa neste segmento das formas negativas de difusão. Os nomes são quase todos bem conhecidos no conjunto da intelectualidade da época. O do padre Teodoro de Almeida, autor de uma das obras mais apreciadas do século em Portugal e mesmo no estrangeiro, a Recreação Filosófica, é um deles. Mas podemos falar também do pensador filósofo António Soares Barbosa, através dos seus Discurso sobre o bom, e verdadeiro gosto na Filosofia (1766)que dedicou ao Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor Sebastião José de Carvalho e Mello ou através do Tratado elementar de filosofia moral (1792); do irrequieto e prolixo frade José Agostinho de Macedo que arremeteu contra todos os inovadores e naturalistas, com especial destaque para o nosso autor do Discurso sobre a desigualdade, do Emílio e do Contrato Social em numerosas obras e sermões; do ilustrado Fr. José Mayne; de Fr. Inácio José Peixoto; do marquês de Penalva, sobretudo com a sua Dissertação a favor da Monarquia, onde se prova pela razão, autoridade, e experiência ser este o melhor, e mais justo de todos os Governos; e que os nossos Reis são os mais absolutos, e legítimos Senhores de seus Reinos (1799), e mais alguns. Todos se preocuparam com os potenciais ou efetivos males provocados por este inspirador da revolução francesa e dos direitos do homem e do cidadão que Penalva identificou como sendo um dos principais “abortos da nossa espécie”, já que tivera a ousadia de convidar, através da invenção da soberania do povo, os reis a serem homens e os homens a serem reis.

A par destes autores com obras autónomas, há também aqueles que, aproveitando a circunstância do ofício de tradutores, se aplicaram a debitar, através de introduções e notas, explicações que consideravam apropriadas, hermenêuticas livres, teorizações, e até a fazer supressões ou adulterações na letra ou no sentido do texto[16], sempre com a intenção de aclarar, completar, desenvolver ou potenciar ideologicamente a seu favor as obras em causa. Os tradutores de Jamin e de Caraccioli, João Evangelista de Lemos e Pedro Ribeiro França, respetivamente, ilustram bem o que dissemos, mas o caso mais flagrante é o do tradutor da obra de Bergier, principalmente a que visa diretamente o autor do Emile: O Deísmo refutado por si mesmo, ou exame dos princípios de incredulidade, espalhados nas diferentes obras de João Jacques Rousseau. Falamos de Coelho da Silva. No prefácio que escreve à obra, faz autênticos malabarismos através deturpações e aproveitamentos incríveis dos princípios teóricos e da teoria argumentativa do autor nas dimensões antropológica, religiosa e política, para o combater nestas mesmas vertentes!

Referimos, finalmente, uma outra forma de difusão negativa: a do ministério da Igreja.

Antes de mais, a que decorrida das pastorais. A hierarquia superior, patriarcas, bispos e afins, por natureza de funções, tinham e demonstraram atenção e responsabilidade acrescidas no capítulo da vigilância moral, religiosa e política. E embora tais cuidados tivessem redobrado a partir da revolução francesa, não foram nulos anteriormente. Já nos referimos à pastoral manuscrita de 1768 do bispo de Coimbra, D. Miguel da Anunciação, contra as perigosas doutrinas “várias e peregrinas” derramadas na sua circunscrição e corporizadas em nomes concretos onde consta Rousseau. Mas não foi caso único. Dois anos depois, o cardeal Francisco (1770) dava o mote para os seus subordinados contra as venenosas doutrinas demolidoras dos tronos e altares em consonância com a Ordem do Rei e do Conde de Oeiras; no mesmo ano, em 6 de março, e com o mesmo fim, pastoreou o arcebispo de Braga Dom Gaspar, grande conhecedor de Rousseau e dos seus perigos; fizeram-no, também, o vigário capitular do bispado de Coimbra, Dom Pereira Coutinho e o bispo da Guarda Bernardo Osório; o mesmo acontecera três meses antes da revolução francesa, em 2 de fevereiro de 1789, com o Cardeal Patriarca de Lisboa, Josephus II; e também mais tarde com o bispo de Aveiro, D. António Cordeiro, que louvará a virtude da obediência e da fidelidade dos vassalos contra as ideias dos “novos Epicúreos” da impiedade e da nova filosofia. Neste e nos outos, o alvo de Rousseau estava sempre no horizonte, etc. Mas são muito paradigmáticas nesta matéria as Pastorais e Instruções do ilustrado frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, antes e depois do acontecimento revolucionário do século em França. O “agudo Rousseau” e o “tentador Voltaire” povoam estes seus escritos, relevando sobretudo precauções contra as teses do Discurso sobre a desigualdade entre os homens, do Emílio e do Contrato Social: naturalismo, liberdade, igualdade, independência, soberania do povo são conceitos contra os quais esgrime nos ensinamentos aos seus padres e ao restante rebanho das dioceses de Beja e de Évora de que foi bispo e arcebispo metropolitano, respetivamente.

Esta ação preventiva e curativa estendiam-se à restante Igreja através das práticas religiosas, sobretudo as dominicais. A parenética repetia ordens e conselhos da hierarquia superior ou nascia do saber ou imaginação dos próprios clérigos nas homilias e sermões que faziam; o confessionário controlava e recolhia informações; os adros eram o palco dos editais proibitórios e convidativos à denúncia.

Enfim, todos estes casos faziam fervilhar curiosidades e desejos de conhecer melhor quem e o que era apresentado como tão perigoso mas que, em contrapartida, recebia favores das sociedades e dos homens de outras geografias, nomeadamente da de além-Pirenéus. Não é difícil, por isso, compreender que tal realidade motivava a busca, por qualquer processo, de fontes apropriadas para colmatar esses sentimentos nos mais curiosos e inconformados.

6 - Conclusões

Em forma de conclusão podemos dizer o seguinte: os Pirenéus concederam a Portugal e à restante Península Ibérica um resguardo natural contra as novas ideias do século das luzes, da razão e da filosofia, século que o marquês Louis-Antoine Caraccioli (1759:199) classificou de incrédulo e frívolo[17]. Este resguardo foi amplamente acrescido por um vasto e apertado aparelho preventivo e persecutório de variadas espécies e meios, potenciado por uma densa rede de eclesiásticos seculares e regulares que sempre foram um dos grupos sociais mais interessados, militantes e eficazes na defesa do altar e do trono tal como vinha dos séculos anteriores. Mas a difusão das ideias dificilmente pode ser obstaculizada, por mais altos que sejam os muros, mais meticulosos os cuidados ou mais violenta a repressão.

Rousseau foi e continua a ser universalmente reconhecido como um dos pensadores mais determinantes nas profundas mudanças a que o século XVIII assistiu e, igualmente, como um dos que mais indelevelmente marcou o sentido da modernidade e as mentalidades e vida da contemporaneidade. Criador das ciências humanas pela via da antropologia, precursor maior de um novo perfil da literatura, o romantismo, pai da educação e da pedagogia modernas, teorizador por excelência de um novo e moderno padrão religioso e incontornável teórico do pensamento e da prática da política moderna, as suas obras foram objeto das mais odiosas censuras e perseguições e frequentemente mandadas queimar nas praças públicas pelos possidentes do poder político e religioso e seus sequazes.

Portugal não foi exceção e escolheu-o como um dos principais alvos a evitar e a combater pelo perigo que representava para a situação, como o provam as orientações, as medidas, o aparelho censório e repressivo, mas também o gigantesco esforço que foi posto no combate ideológico que sobretudo a Igreja desenvolveu. Mas o que é certo é que este que era representado na Europa transpirenaica como sendo o país dos frades, e era-o de facto, viu correr no seu espaço e com abundância todas as obras deste incendiário filósofo de Genebra e viu usá-las com profusão, quer individualmente quer em grupo. O conhecimento e difusão das suas ideias foram férteis e profícuos, como o viriam a provar as intensas discussões sobre as matérias mais controversas nas cortes constitucionais que se seguiram à revolução liberal de 1820 e a própria constituição que consagraria o anteriormente tão odiado princípio rousseauniano da soberania do povo. E não foram apenas feitos através do uso direto das obras do autor. Outras vias, positivas ou negativas, contribuíram em grande escala para tal.

Por umas formas ou por outras, é certo que o mais abrangente e radical bota-fogo da modernidade invadiu este país dos frades, nele cavando sulcos que marcaram a nossa história política e de mentalidades.

 

Referências

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Notas

[1] - Foi uma luta hercúlea neste âmbito, a de França Galvão, o célebre tradutor de A voz da natureza sobre a origem dos governos (1814), tendo feito sair violentas pastorais expedidas para todo o clero poucos anos antes da revolução liberal (cf. Machado, 2012).

[2] - Só para dar um exemplo bem ilustrativo da sanha persecutória às obras do autor, recorde-se que o Emile teve, só em Paris e no próprio ano do seu aparecimento público, em 22 de Maio de 1762, condenações muito próximas no tempo e todas no mesmo ano da saída: a do Parlamento de Paris, em 9 de junho, assinada por Dufranc, que intimava a que o livro fosse rasgado e queimado; a da Faculdade de Teologia, assinada em 20 de Agosto; a do arcebispo de Paris Christophe de Beaumont, também vinda a lume no mesmo ano.

[3] - Porque não podemos aqui desenvolver as razões motivadoras das preocupações dos poderes político e religioso relativamente às teorias antropológica, política, religiosa e educacional do autor, indicamos para possível consulta e análise desenvolvida destas vertentes, Fernando Augusto Machado (1993, 1ª Parte e 2000, Parte I, caps. III, IV e V).

[4] - O sublinhado do final da citação é nosso.

[5] - Cf. Machado (2000:211 e segs).

[6] - A rede estabelecida na época para difusão deste Edital, incluindo as numerosas cópias manuscritas e as muitas referências em contextos vários a esta obra, repetem o erro contido nele (Lettre de Christophe, em vez de Lettre à Christophe), mais parecendo que o escrito condenado é o Mandement do Arcebispo e não a resposta que este mereceu por parte de Rousseau.

[7] - O Edital é claro, ao indicar as obras juntas ou separadas, capítulos, parágrafos...em qualquer edição ou idioma.

[8] - Cf. Sobre o assunto, Machado (2000: 222-227).

[9] - O destaque é da nossa responsabilidade.

[10] - Cf. Fernando Augusto Machado (2000:183 e segs.).

[11] - Fica-se a saber muitos dos meandros desta escola de aprendizagem lendo o próprio processo inquisitorial que o condenou e que se encontra publicado (Cunha, 1987). António Baião (1972-1973, vol. II) também reproduz parte deste processo.

[12] - Para conhecimento mais cabal destas duas obras e sua análise nesta perspetiva, pode ler-se Machado, 2008.

[13] - Veja-se, para este levantamento, Machado (2000: 631-643).

[14] - O tradutor dedica ao Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo do Funchal D. José da Costa Torres.

[15] - A tradução é de Francisco Coelho da Silva. Ver referências bibliográficas.

[16] - Cf. Machado (2005:111-134).

[17] - Faz este juízo em La jouissance de soi-même (1759), obra traduzida e publicada em Portugal num conjunto de Obras Escolhidas, vol. III, p. 199(Lisboa, Tip. Rolandiana, 1789).