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Revista Diacrítica
versão impressa ISSN 0807-8967
Diacrítica vol.27 no.1 Braga 2013
Ruth Amossy, (2010). La présentation de soi Ethos et identité verbale,
Paris, Presses Universitaires de France, 235 páginas.
Micaela Aguiar
A investigação em torno do conceito de ethos não constitui uma questão nova. Da Retórica à Sociologia, a noção de ethos tem sido continuamente objeto de inúmeras discussões intradisciplinares e interdisciplinares.
O interesse linguístico no conceito de ethos só recentemente se manifestou. No quadro da Análise Linguística do Discurso, Dominique Maingueneau (1984) é o primeiro a desenvolver uma teoria em volta desta noção. Desde a década de 80, os estudos sobre o ethos têm proliferado, com propostas de novas perspetivas e abordagens teóricas; designadamente, D. Maingueneau (1991, 1993, 1999), R. Amossy (1994, 1999), Rabatel (1997, 1998), Kerbrat-Orecchioni (1980), entre outros, têm dado contributos indispensáveis para a consolidação do conceito de ethos enquanto objeto de direito no âmbito da investigação linguística dos discursos.
Com a publicação de La présentation de soi Ethos et identité verbale, em 2010, Ruth Amossy, Professora Emérita do Departamento de Estudos Franceses da Universidade de Tel-Aviv, articula o conceito de ethos com a noção de identidade verbal. O objetivo do estudo de R. Amossy centra-se na análise dos mecanismos discursivos de que o locutor faz uso na construção de uma identidade, no seu posicionamento social e no seu desejo de influenciar o outro.
Esta obra distingue-se não só pelo seu contributo no quadro da investigação sobre o ethos, mas, igualmente, pela apresentação de um panorama geral dos estudos realizados em torno deste tema nas últimas décadas.
A obra estrutura-se em duas partes distintas: a primeira compreende os três primeiros capítulos e apresenta os principais fundamentos teóricos em que irá assentar a reflexão em torno do ethos; a segunda abarca os quatros últimos capítulos e centra-se na análise dos mecanismos que contribuem para a construção da imagem de si nas trocas verbais. Esta segunda parte encontra-se organizada em torno do valor dos pronomes pessoais «je», «tu», «il» e «nous» na construção da imagem de si.
No primeiro capítulo, são articulados o conceito de ethos retórico, na herança de Aristóteles, a noção de «présentation de soi» no âmbito da microssociologia de Goffman e de «image de soi» perspetivada no quadro da Análise do Discurso, nomeadamente, pela teoria desenvolvida por Dominique Maingueneau. Considerando a divergência dos conceitos, mas, sobretudo, a sua confluência, é proposta a assimilação da noção de ethos à de «présentation de soi», na sua conceção alargada, ou seja, estendida a todas as trocas verbais.
O segundo capítulo retoma os conceitos de estereótipo e estereotipização desenvolvidos pela investigadora em trabalho anteriores, designadamente, Les idées reçues. Sémiologie du stéréotype (1991), Stéréotypes et clichés. Langue, discours, société (1997), em colaboração com Anne Herschberg Pierrot, e Largumentation dans le discours (2000). O estereótipo é definido como «une représentation collective figée, un modèle culturel qui circule dans le discours et dans les textes» (2010 :46). Estas representações coletivas constituem uma parte integrante de um dado «imaginaire sociodiscursif» e, nesta medida, encontram-se inseridas numa doxa. Estes modelos culturais que preexistem no imaginário coletivo são analisados como uma parte integrante da construção do ethos. Nesta conceção, o estereótipo é entendido como uma construção de leitura, na medida em que o alocutário reconstrói, tendo por base elementos díspares contidos no discurso, a imagem do locutor em função de um modelo cultural preexistente e o seu próprio conhecimento do mundo.
O terceiro capítulo aborda a questão do ethos pré-discursivo, introduzindo este conceito na teoria desenvolvida em torno do estereótipo e relacionando-o com o ethos discursivo. A imagem pré-discursiva é entendida como «lensemble des donnés dont on dispose sur le locuteur au moment de sa présentation de soi» (2010: 73). Neste sentido, o ethos discursivo é perspetivado como uma reação ao ethos pré-discursivo: o ethos que o locutor constrói de si no discurso inclui sempre a imagem que o interlocutor poderá fazer dele, tendo como base a sua inserção numa representação coletiva, num estereótipo. Nesta linha, a re-elaboração do ethos pré-discursivo ocupa um lugar de interesse, especialmente no caso de figuras públicas. Esta problemática encontra-se documentada com variados exemplos, desde o discurso político ao discurso literário.
O quarto capítulo centra-se no pronome pessoal «je» e, como tal, a questão da subjetividade na língua, introduzida no quadro linguístico por E. Benveniste (1970) e, posteirormente, desenvolvida por Kerbrat-Orecchinoni (1980), é retomada sob a perspetiva da construção do ethos. Segundo a autora, a utilização da primeira pessoa do singular permite não só a manifestação da subjetividade no discurso, mas também a de uma imagem de si, na medida em que esta imagem emerge das marcas linguísticas da inscrição do sujeito no seu enunciado.
No quinto capítulo, a construção do ethos é inserida na dinâmica interacional, sendo, assim, perspetivado enquanto um fenómeno de gestão coletiva.
O sexto capítulo trata da problemática das identidades de grupo, da legitimidade do locutor enquanto intermediário da manifestação da identidade de um grupo de indivíduos e da construção de um ethos coletivo.
O último capítulo foca a questão do apagamento enunciativo e da responsabilidade nos discursos de terceira pessoa, centrando-se, concretamente, no discurso científico, filosófico e jornalístico.
La presentation de soi ethos et identité verbale é, sem dúvida, uma obra de referência no âmbito dos estudos em torno do ethos. A apresentação sintética dos conteúdos, a variada documentação de casos concretos e a riqueza de temas abordados, tornam este estudo acessível, também, a não especialistas. Esta obra constitui, assim, uma ferramenta indispensável a futuros investigadores na área da Análise Linguística do Discurso.
Referências:
mossy, Ruth (1991), Les Idées reçues. Sémiologie du stéréotype. Paris, Nathan.
Amossy, Ruth (1994), «Stéréotype et Argumentation», In Le Stéréotype. Crise et transformation. Caen, Presses Universitaires de Caen. [ Links ]
Amossy, Ruth. & Herschberg Pierrot, Anne (1997), Stéréotypes et clichés. Langue, discours, société. Paris, Colin. [ Links ]
Amossy, Ruth. (1999), Images de soi dans le discours La construction de lethos. Paris, Delachaud et Niestlé [ Links ].
Amossy, Ruth. (2000), Largumentation dans le discours. Discours politique, littérature dideés, fiction. Paris, Nathan. [ Links ]
Benveniste, Emile (1970), «Lappareil formel de lénonciation», In Langages 217, pp. 12-18. [ Links ]
Kerbrat-Orecchioni, Catherine (1980), Lénonciation. De la subjectivité dans le langage. Paris, Armand Colin. [ Links ]
Maingueneau, Dominique (1984), Genèses du discours. Liège, Mardaga. [ Links ]
Maingueneau, Dominique (1991), LAnalyse du Discours. Paris, Hachette. [ Links ]
Maingueneau, Dominique (1993), Le contexte de luvre littéraire. Énonciation, écrivain, société. Paris, Dunod. [ Links ]
Maingueneau, Dominique (1999), «Ethos, scénographie, incorporation», In Amossy R. (1999), (éd.) Images de soi dans le discours. La construction de lethos. Lausanne, Delachaux et Niestlé [ Links ].
Rabatel, Alain (1997), Une histoire de point de vue. Paris, Klincksieck. [ Links ]
Rabatel, Alain (1998), La construction textuelle du point de vue. Lausanne, Delachaux & Niestlé [ Links ].