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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.27 no.3 Braga  2013

 

“Para fazer um mar”. Literatura moçambicana e oceano Índico

“To make a sea”. Mozambican literature and the Indian ocean

Jessica Falconi

*Investigadora de Pós-doutoramento no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, Portugal. Jessica Falconi desenvolve o projeto Categorias em viagem: para uma cartografia dos Estudos das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, financiado pela FCT. Desde 2007, atividade docente na área da língua portuguesa e das literaturas de língua portuguesa junto da Universidade de Nápoles “L’Orientale”. Tem publicado artigos em revistas internacionais, capítulos de livros e traduções para italiano de autores de língua portuguesa.

jessica-77@libero.it

 

RESUMO

Neste ensaio propõe-se um itinerário crítico e conceptual em torno da relação entre o mar e a literatura moçambicana, a partir da análise de um corpus poético que se tem debruçado sobre a representação e o significado de um lugar emblemático como a Ilha de Moçambique. A representação do Índico e da Ilha parecem adquirir os contornos de um processo de revisão da versão da história construída pelo discurso oficial da moçambicanidade. Para além disso, o Oceano Índico encontra na representação literária um contraponto que o configura como paradigma epistemológico de alcance mais amplo, suscetível de possibilitar uma equação alternativa das relações entre espaço e identidade, bem como dos conceitos de nação, identidade e, inclusive, de literatura nacional, proporcionando um itinerário crítico e conceptual que aponta para o vem sendo definido como cultura material.

Palavras chave: Literatura Moçambicana; Ilha de Moçambique; Oceano Índico; Moçambicanidade; Cultura Material.

 

ABSTRACT

This essay proposes a critical and conceptual itinerary on the relationship between the sea and the Mozambican literature, focusing a poetic corpus built upon the representation and meaning of an iconic place as the Island of Mozambique. The representation of the Indian Ocean and the Island of Mozambique seem to represent a review process of history created by the official discourse of mozambicanness. Furthermore, the Indian Ocean finds in the literary representation a counterpoint to configure it as a wider epistemological paradigm that enables an alternative equation of the relation between space and identity, as well as the concepts of nation, identity, and, thus, national literature, providing a critical and conceptual itinerary that points to what has been defined as material culture.

Keywords: Mozambican Literature; Island of Mozambique; Indian Ocean; Mozambicanness; Material Culture.

 

*

A primeira parte do título deste ensaio – citação do título de um livro de poemas deVirgílio de Lemos (2001) – pretende apontar tanto para o processo de construção de um imaginário literário no domínio da literatura moçambicana, quanto para o processo de configuração do Oceano Índico como unidade de análise. Para refletir sobre diferentes estratégias de “se fazer um mar”, pretendo, de facto, abordar alguns aspectos da construção do imaginário do Oceano Índico na literatura moçambicana, à luz da mais ampla configuração do Oceano Índico como domínio de reflexão teórica e área de estudos com preocupações e características próprias. Sugiro, pois, encararmos a proposta de se “fazer um mar” lançada por Virgílio de Lemos, como contraponto poético, e performativo, da opção epistemológica de se abordar o Oceano Índico enquanto arquivo (Vergé, 2003: 246) – um arquivo cujos materiais apontariam para outras leituras e mapeamentos das modernidades ‘periféricas’.

Diversos são, de facto, os pontos de articulação entre os ‘materiais’ da literatura moçambicana, e os elementos de continuidade e ruptura que têm vindo a ser identificados para caracterizar o Oceano Índico como unidade de análise, encarado como uma “arena interregional de interação política, económica e cultural” (Bose, 1998: 26). A partir de um posicionamento ainda mais inovador, Shanti Moorthy e Ashraf Jamal distanciam-se da noção de “arena interregional” de Bose, propondo considerarmos o Índico não tanto um espaço de interação entre entidades regionais distintas, quanto uma região em si, uma área, cuja heterogeneidade e hibridez seriam factores a priori. Este posicionamento funda-se também na intenção de se questionarem as noções cristalizadas de área e região, bem como os paradigmas territoriais e continentais privilegiados pelos Area Studies tradicionais (Moorthy & Jamal, 2010). Como é sabido, estas perspectivas encontram contrapontos importantes no domínio dos estudos literários, cada vez mais marcados por abordagens que procuram tanto ultrapassar o foco nacional dominante, quanto, no mínimo, articular este mesmo foco a outros possíveis paradigmas. No caso particular dos objetos desta reflexão – literatura moçambicana e Oceano Índico – uma tendência de mútua inclusão abre caminho para articulações fecundas, tendo em conta, por um lado, a insistência na inclusão de costas e arquipélagos africanos na arena do Oceano Índico[1]; por outro, a mais recente abertura para um enquadramento ‘índico’ da literatura moçambicana.[2]

Como observa Hofmeyr, a propósito do corpus de conhecimentos produzido sobre o Oceano Índico, “recurrent rubrics are trade, capital and labour; religion (often linked to trade); pilgrimage; travel; war, colonial rule and anti-colonial movements; and port towns”, bem como as ilhas e os arquipélagos (Hofmeyr, 2007: 8). De facto, ilhas e cidades portuárias são lugares privilegiados a partir dos quais se pensar o oceano como rede, por representarem a ideia do cruzamento, no duplo significado de hibridação e travessia. Nesta perspectiva, um primeiro ponto de articulação entre literatura moçambicana e Oceano Índico, útil para se evidenciarem convergências e especificidades, é dado pela representação literária da Ilha de Moçambique.

Refiro-me a um amplo corpus de textos, principalmente poéticos, escritos ao longo de um arco temporal que vai desde os finais dos anos 40 – lembremos as Cinco poesias do mar Índico publicadas em 1947 por Orlando Mendes – até à contemporaneidade. Trata-se de textos escritos por autores diversos, entre os quais Orlando Mendes, Virgílio de Lemos, Rui Knopfli, Glória de Sant’Anna, Luís Carlos Patraquim, Eduardo White e, mais recentemente, Sangare Okapi, com a publicação do livro de poemas intitulado Mesmos Barcos ou Poemas de Revisitação do Corpo (2007). Esboçarei a seguir alguns aspectos destas representações, tendo em conta a variedade de escritores que se têm debruçado sobre este lugar, mas sobretudo os diferentes significados atribuídos à Ilha.

Em primeiro lugar, quer durante a dominação colonial, mas sobretudo depois da independência, a representação poética da Ilha de Moçambique tem de se confrontar com um aspecto fundamental, constitutivo do imaginário relativo à Ilha: o seu papel de entreposto de rotas comerciais, culturais e religiosas, antes e depois da chegada dos portugueses. Este papel contribuiu para que se originassem representações distintas, e por vezes opostas da Ilha, que foram posteriormente apropriadas e recriadas por discursos diferentes. Por um lado, a Ilha como “lupanar da história” (Sopa & Saúte, 1992: 53), sítio infernal de escravatura, e de submissão às diferentes dominações que por ali passaram; por outro lado, nas antípodas, a imagem de um lugar exemplar de convivência pacífica entre povos e culturas, emblemático daquele “mundo que o português criou” teorizado por Gilberto Freyre – imagem, essa, celebrada durante a passagem do sociólogo brasileiro por Moçambique e pela Ilha, no âmbito da mais longa viagem pelas colónias portuguesas, relatada em Aventura e Rotina (1953). Tais representações fazem da memória da Ilha uma herança problemática, determinando o papel controverso que este lugar ocupa no imaginário nacional moçambicano (Chaves, 2002) ainda na contemporaneidade. É, pois, com estas imagens da Ilha, que as representações poéticas entram ora em aberta ruptura, ora em processos de negociação.

Entre elas, uma das mais marcantes é dada pelo livro de Rui Knopfli, A Ilha de Próspero, publicado em 1972 (Knopfli, 1989), onde os desdobramentos dramáticos da voz poética denunciam as relações assimétricas que, durante o colonialismo, estruturaram o espaço político, social e urbano da ilha. O olhar de Knopfli aponta, a meu ver, menos para uma celebração eufórica da mestiçagem[3], do que para a instabilidade / interactividade das representações identitárias, como tentarei demostrar brevemente. De facto, a Ilha de Próspero configura-se como zona de contacto (Pratt, 1992) onde as noções de autenticidade e pertença são constantemente questionadas pelas estratégias de negociação das identidades que se dão no espaço insular poeticamente recriado. Se o título do livro (rara e singular apropriação da Tempestade de Shakespeare em língua portuguesa) aponta para uma inequívoca relação de posseA Ilha de Próspero – por outro lado, a articulação dos poemas traz uma multiplicidade de discursos que estilhaçam e desestabilizam o discurso da autoridade colonial, sem contudo negar a violência epistémica que lhe é inerente. Um dos recursos utilizados por Knopfli é a subversão da lógica das relações estruturais entre os elementos textuais, como, por exemplo, a clivagem entre título e texto, complexificada também pelos contrapontos entre poemas e fotografias. De facto, as fotografias integram activamente a construção da representação da Ilha e seus múltiplos sentidos, reforçando o efeito de desestabilização de um olhar monolítico.

No poema “Terraço da Misericórdia”, por exemplo, se o título e a fotografia convocam a arquitectura católica da Ilha, o ritmo espacial[4] do poema desloca o edifício para o pano de fundo, colocando em primeiro plano a sonoridade de outras religiões, como se pode ler nos versos seguintes: “As sombras salmodiam tristemente / versículos do Corão”; “Os lábios ressequidos do velho patiah respondem ciciando mediúnicos o Gayatri” (Knopfli, 1989: 53). Estas sonoridades, cultural e religiosamente outras, são representadas em sua subalternidade – trata-se, de facto, de “sombras” que salmodiam “tristemente”, “ciciando”, através de lábios “ressequidos”. Por outro lado, elas destacam no pano de fundo branco da igreja, impondo-se como presença humana sobre a espacialização do poder colonial. Estratégias análogas de inscrição de outras narrativas, desestabilizadoras da hegemonia colonial – concretizada pela paisagem arquitectónica da Ilha – informam outros poemas, como é o caso de “Mesquita grande”:

Neste raso Olimpo argamassado em febre / e coral, o Deus maior sou eu. Por mais / que as pedras, os muros e as palavras afirmem /outra coisa, por mais que me abram o corpo / em forma de cruz e me submetam a árida / voz às doces inflexões do cantochão latino,/por mais que a vontade de pequenos deuses / pálidos e fulvos talhe em profusas lápides / o contrário e a sua persistência os tenha / por Senhores, o sangue que impele estas veias / é o meu. Pórticos, frontarias, o metal / das armas e o Poder exibem na tua sigla / a arrogância do conquistador. (Knopfli, 1989: 61)

Longe de devolverem uma imagem celebratória de mestiçagem e pacífica convivência, os poemas de Rui Knopfli traçam um roteiro crítico no interior de um lugar marcado por desigualdades e conflitos, repercorrendo também a estrutura bipartida da Ilha – característica das cidades coloniais – dividida entre a cidade de pedra e cal, e a cidade de macuti. No poema “No Crematório Baneane”, o cemitério localizado no bairro da Ponta da Ilha transforma-se num lugar de meditação em torno da existência de uma verdade universal a partir de um ponto de vista outro:

Brahman e Atman, eis dois nomes apontando / à mesma verdade, porque outro e um / a mesma coisa são. A Verdade Universal / no primeiro, no segundo a que cada um de nós transporta dentro de si. […] / Nachiketas, o jovem, repete a pergunta/milenar: “Na morte de um homem / dizem uns, ele é e outros, ele não é. / Onde está a verdade? (Knopfli, 1989: 57)

Este tipo de destaque dado à cidade de macuti é revelador da divergência que A Ilha de Próspero marca em relação à narrativa dominante que celebrava a Ilha como exemplo acabado de lusotropicalismo, e que, na contemporaneidade, se renova, de certo modo, no apelo para a recuperação do património arquitectónico de origem portuguesa. Segundo Cabaço, a rejeição destas narrativas está na base da generalizada indiferença perante a degradação deste património, localizado principalmente na cidade de pedra e cal, pelo “hiato que existe entre o significado atribuído à Ilha, por tudo aqui­lo que representa a cidade de pedra e cal, e a interpretação dada por quem ha­bita a cidade de macuti” (Cabaço, 2002: 55).

Da cidade de pedra e cal, A Ilha de Próspero regista também o ponto de vista de quem a foi construindo, no poema “Os Pedreiros de Diu”, onde um sujeito colectivo anónimo, cujo referente real é a mão-de-obra indiana enviada da cidade de Diu para a colónia de Moçambique, evoca o trauma da travessia do oceano:

Céu e mar, mar e céu, dia após dia,/ sem outro deleite que a lenta /metamorfose das nuvens, desmesurados / carcinomas devorando o azul do espaço./ Salobra a água, a ração mínima / a alguns (os mais felizes?) leva-os / a febre e a disenteria, engole-os / o verde sombrio do oceano sem fundo. (Knopfli, 1989: 83)

A Ilha – supostamente de Próspero – é assim representada enquanto espaço de interação e apropriação conflituosa entre imaginários e discursos que a história e a geografia colocaram em contacto.

Por seu lado, o poeta natural da Ilha do Ibo, Virgílio de Lemos, figura-chave do ambiente cultural moçambicano das décadas de 50 e 60, partilha do tom celebratório da mestiçagem, dando-lhe porém outras conotações. Ao lembrar a viagem feita com Gilberto Freire à Ilha de Moçambique, em depoimento posterior, Lemos assim descreve as mulheres da Ilha: “descendentes de persas, zanzibarenses, hindus, luso-goesas, swhaili-makwas, comorianas elas próprias triplamente mestiças, arabo-sudanesas, etíopes, indo-chinesas...” (Lemos, 1992: 157). Se a celebração da miscigenação e da mestiçagem, materializadas no corpo feminino, ecoa as descrições de Gilberto Freyre em Aventura e Rotina, por outro lado ao enumerar elementos diversos, Lemos salienta outros fenómenos e processos de mistura que não passaram pela plasticidade do povo português. Nesta perspectiva, e tal como afirmou Luís Carlos Patraquim no prefácio ao já referido Para fazer um mar, a escrita de Virgílio de Lemos situa-se no Oceano Índico[5], na medida em que elege os arquipélagos moçambicanos como lugares onde ‘provincianizar a Europa’, renunciar a qualquer noção de autenticidade e pureza e ressaltar a multiplicidade de matrizes, relações e trocas que marcaram estes espaços: “kifulo-me ouamisome / iboizo-me e / sendo mil sou eu / no império dos sentidos” (Lemos, 1999: 32).

Julgo que o trabalho poético de autores como Knopfli e Virgílio de Lemos, e suas representações do Índico, ressaltam à partida a complexidade da tarefa de se pensar o Oceano Índico a partir de Moçambique e Moçambique a partir do Índico. Se de acordo com Moorthy e Jamal (2010), a hibridez é considerada como característica a priori da constituição da região do Oceano Índico, é preciso salientar, pensando a partir de Moçambique, e tal como foi defendido por reflexões influentes, que no contexto da dominação colonial portuguesa, via ideologia lusotropicalista, a mestiçagem torna-se uma ferramenta do império, um argumento de legitimação da missão civilizadora, uma prática de assimilação, e uma narrativa da identidade nacional portuguesa (Almeida, 2000; Santos, 2002). Trata-se de uma ambivalência de fundo que, a meu ver, perpassa as representações em objecto, possibilitando múltiplas leituras e interpretações.[6]

Como estes exemplos demostram, a representação da Ilha de Moçambique na poesia moçambicana se constrói na encruzilhada de retóricas e discursos diversos; se por um lado se trata de questionar – ou negociar com – o discurso colonial baseado na ideologia lusotropicalista, por outro lado, sobretudo a seguir à independência política de Moçambique, a representação da Ilha e do Índico funcionam como estratégia de oposição à cristalização de uma moçambicanidade de sentido único.

A conhecida declaração de Samora Machel, segundo a qual era preciso que morresse a tribo para que nascesse a nação, é associada, em leituras e análises contemporâneas, à radicalização do discurso e da prática política pós-III Congresso da Frelimo (1977) na luta contra ‘o tribalismo’ e as divisões, o que originou um apagamento generalizado e sistemático da expressão da diferença, e de outras narrativas identitárias (Khosa, 2013; Chiziane, 2013).

Seguindo uma lógica análoga, o passado colonial, bem como os outros possíveis passados, igualmente estruturadores de relações identitárias no espaço moçambicano, foram objecto de rasura, em prol de uma visão segundo a qual a nação moçambicana e a sua história eram produtos exclusivos da luta de libertação, que se tornou a única “memória consentida” para os moçambicanos (Cabaço, 2009; Meneses, 2012). Este processo pode ser encarado também à luz da análise geral de Achille Mbembe das correntes de pensamento africanas de cariz ‘democrático’ e ‘progressista’. De acordo com Mbembe, para esta corrente de pensamento, “la manipulation de la rhétorique de l’autonomie, de la résistance et de l’émancipation sert de critère unique de légitimation du discours africain authentique” (2000 : 18).

O conceito de moçambicanidade tal como vinha sendo interpretado a partir da releitura a posteriori do processo de libertação, articulava-se à dicotomização acentuada entre “zonas libertadas” e “zonas do inimigo”, entendidas não apenas como espaços militares, mas também investidas de sentido político e simbólico (Meneses, 2012: 95-96). O acesso ao espaço da revolução identificava-se com a assunção do projecto da moçambicanidade, que por sua vez, nas palavras de Cabaço, representava um “segundo nascimento”, implicando a ideia de uma ruptura radical das estruturas relacionais tanto de cariz colonial quanto tradicional (Cabaço, 2007:401-2). Tal forma de entender a moçambicanidade traduziu-se numa radicalização do conceito de unidade nacional, a qual se encontraria ameaçada por qualquer instância de diferença. Nesta perspectiva, as diferenças culturais que desde sempre marcaram Moçambique vinham a ser percepcionadas como factores centrífugos, sendo portanto consideradas como potenciais divisões. É evidente que esta interpretação da noção de moçambicanidade se traduz na instituição de uma fronteira capaz de delimitar e proteger o que é tido como nacional, sendo o nacional identificado com a luta e o movimento de libertação. A referida fronteira entre zonas libertadas e zonas do inimigo acaba por operar a nível identitário produzindo as suas gramáticas de pertença, e as suas lógicas de inclusão e exclusão, geradoras de novos centros e novos espaços periféricos.

Estes factores são cruciais, a meu ver, para um entendimento mais amplo da ruptura operada pelo aparecimento da escrita de Luís Carlos Patraquim, Mia Couto e, posteriormente, do grupo reunido à volta da revista Charrua, na medida em que a dimensão estética desta ruptura, amplamente salientada pela crítica (Mendonça, 2008; Leite, 2003), se liga a posicionamentos distintos frente aos discursos prescritivos sobre o que é a identidade moçambicana, e o que deveria ser a literatura que a representa.[7] Por outras palavras, a ruptura destas escritas não se traduz apenas na afirmação de distintas concepções da literariedade e do valor estético, como também, num deslocamento das fronteiras identitárias impostas por uma moçambicanidade de sentido único, de certo modo ainda moldada pela ideologia revolucionária.

Nesta perspectiva, a representação do Índico e da Ilha de Moçambique adquirem os contornos de um processo de revisão da versão da história construída pelo discurso oficial da moçambicanidade, sendo a Ilha de Moçambique um dos lugares emblemáticos da multiplicidade de narrativas do passado e do presente. Não será uma casualidade, então, a clara alusão ao Oceano Índico que marca o primeiro livro de poemas de Luís Carlos Patraquim, publicado com o título de Monção em 1980 – o mesmo ano da publicação do terceiro volume de Poesia de Combate da Frelimo. De acordo com Pearson, as monções são elementos que participam da estrutura profunda da constituição do Oceano Índico (2003), pelo que a opção de Patraquim e a sua proposta estética indicam assumir a dimensão índica como eixo estruturador da reflexão poético-identitária, sendo a Ilha de Moçambique e o Oceano Índico escolhidos como ‘lugares’ matriciais: “Porque ao princípio era o mar e a Ilha. (…) Nomes sobre nomes. Língua de línguas em Macua matriciadas” (1992: 42). Trata-se, porém, de lugares de uma origem ficcionada que questionam o laço entre sangue e território tradicionalmente invocado nas definições identitárias, apelando mais para “la possibilité d’ancestralités multiplex” (Mbembe, 2000: 29) do que para uma origem de sentido único, ou para uma hibridez problemática. Na escrita de Patraquim, a Ilha é o lugar escolhido a partir do qual interrogar as narrativas históricas e identitárias produzidas pelos poderes políticos, numa tentativa de fuga à incorporação da identidade individual operada pela ideologia dominante: “Não me digam nada. Esqueçam-me, anónimo, sem história, aqui peixe emerso, cardume denso fazendo-me no dia-a-dia imperativo dos meus plânctons inglórios. (…) Porque aqui me esqueço do que me querem. Da história que me fizeram e fui” (1992: 43-45).

Na crónica “Mapeamento Onírico para a Descoberta da ‘Rua do Fogo’” Patraquim evoca o património de lendas e cantares da Ilha de Moçambique, ficcionando um itinerário à procura da lendária orua ti fogo, mencionada num cantar popular em língua emakua. A versão livre do cantar em língua portuguesa, é mais um exemplo da representação da Ilha como zona de contacto, na medida em que a Rua do Fogo[8], sendo elemento de uma toponomástica popular e subalterna, pois nunca completamente representável na nomeação oficial, se trasforma num lugar de negociação, de oblíqua resistência e agenciamento na zona de contacto:

De longe esta ilha parece pequena
De longe esta Ilha parece pequena /Esta Ilha é grande ./Tem longa história desde os habitantes aos seus monumentos / Não nos é possível contar-vos tudo quanto temos / Pois há outros que querem também falar-vos /Se ainda quereis ouvir algos nossos / ficais muito tempo nesta Ilha./ Assim mostrar-vos-iam a rua de fogo / onde vós nunca chegastes. (Sopa & Saúte, 1992: 49)

O deslocamento das fronteiras identitárias contido na proposta poética de Patraquim é partilhado por Eduardo White, que se inscreve nesta tradição poética índica com livros como Amar sobre o Índico (1984), mas sobretudo com Os Materiais do Amor (1996) e Janela para Oriente (1998), onde o sujeito da enunciação poética constrói múltiplas topografias do Índico que podemos ler à luz de outra noção central nos estudos sobre o Oceano Índico – a noção de ressaca. Se Pearson utiliza a noção e a imagem da ressaca para conceptualizar a interdependência entre mar e terra na constituição das sociedades costeiras (2006), na poesia de Eduardo White esta noção adquire múltiplos alcances, na medida em que a deslocação poética e identitária para o Índico articula um duplo movimento de incorporação de outros imaginários no interior das fronteiras nacionais, e de projecção da moçambicanidade para fora destas mesmas fronteiras. Ou, por outras palavras, a interdependência identitária que a poesia estabelece entre o espaço nacional e o espaço do Índico.

Nas ondas deste duplo movimento, retomarei duas afirmações do historiador Sugata Bose, que me parecem cruciais para uma síntese dos tópicos que abordei. A primeira diz respeito à profunda ligação que existe entre a história do Oceano Índico enquanto arena inter-regional e a sua poesia, ligação esta que, na abordagem de Bose, passa pelo desenvolvimento dos diversos nacionalismos do Índico, e da configuração de universalismos alternativos como traços distintivos de uma poética polifónica, transnacional e translinguística. Um dos caminhos para pensarmos esta ligação noutra escala, a partir de Moçambique e a partir da ruptura epistémica que se vai construindo ao longo da primeira metade do século XX e que desembocará num anticolonialismo plurifacetado e marcado por contradições e conflitos, é o caminho de uma certa imaginação profética da nação, ora eufórica, ora disfórica, levada a cabo pela poesia moçambicana que convoca a Ilha de Moçambique como lugar de articulação de um discurso identitário complexo. Trata-se, portanto, de um dos itinerários que poderão confluir na configuração das poéticas do Índico.

A segunda afirmação de Bose diz respeito à necessidade de um deslocamento epistemológico fundamental para a conceptualização do Oceano Índico como unidade de análise, ou seja, a renúncia a se fixarem os limites espaciais desta arena inter-regional, já que margens e fronteiras deveriam ser pensadas menos como noções geográficas do que como categorias relacionais.

As afirmações de Bose são cruciais para equacionarmos o lugar geográfico e epistémico que abordei, na medida em que a representação da Ilha de Moçambique e do Oceano Índico na poesia moçambicana não se reduz nem a um motivo literário, nem a uma configuração metonímica da nação ou do Índico, mas ao funcionar como sinédoque articulada de ambos estes espaços, configura uma proposta que assume a dimensão relacional, a transnacionalidade e a indicidade como elementos constitutivos de uma ‘moçambicanidade’ não essencialista, menos fundada na integração de elementos identitários distintos do que na constante mobilidade das relações entre estes elementos. Significante, como já referi, de uma zona de contacto. Por outras palavras, para além de funcionar como referência geográfica e cultural, e como componente identitária reinventada pelo imaginário literário, o Oceano Índico, tal como vem sendo conceptualizado pela análise teórica, encontra na representação literária um contraponto que o configura como paradigma epistemológico de alcance mais amplo, suscetível de possibilitar outra equação das relações entre espaço e identidade, bem como dos conceitos de nação, identidade nacional e, inclusive, de literatura nacional.

Relativamente à este último conceito e tópico, o corpus que abordei contém sinais evidentes que solicitam propostas metodológicas capazes de abrir caminho para se pensar tanto a literatura moçambicana a partir do Índico, como para se pensar as literaturas do Índico também a partir de Moçambique e da sua literatura. Sinais estes, que a publicação de narrativas de ficção, como Terra Sonâmbula (1992) e O Outro Pé da Sereia (2007) de Mia Couto, Índicos Indícios (2005) de João Paulo Borges Coelho, entre outras, vêm declinar a partir de outras visões e linguagens. De modo especial, se os Índicos Indícios vêm desafiar um argumento comum de que apenas o Norte de Moçambique se inscreve nos circuitos do Índico, por outro lado uma questão que permanece em aberto diz respeito ao facto de o Norte, e a sua representação, continuarem a funcionar como elemento e registo de um exótico interno (Martins, 2009), sendo, de facto, o Norte menos lugar de enunciação do que lugar enunciado, lido e pensado na maioria das vezes a partir de outros lugares.

Uma outra questão diz respeito às ferramentas concretas de construção quer de um imaginário, quer de um paradigma literário do Índico a partir de Moçambique. Ou seja, por um lado, é preciso alargar a análise para a multiplicidade de recursos que a poesia e outras formas de escrita literária utilizam ‘para fazer’ o Índico. Por outro lado, cabe-nos pensar em ferramentas críticas simultaneamente transversais e situadas, que favoreçam uma dimensão translinguística, no intuito de nós também, leitores e estudiosos destas literaturas, ‘fazermos’ este mar.

Tentando articular estas perspectivas, uma hipótese de pesquisa em ambas as direções surge da percepção do evidente e, até óbvio, recurso, na poesia moçambicana, à dimensão material das culturas do Índico. Objectos, especiarias, essências, panos, joias, pedras preciosas, madeiras e embarcações, bem como os lugares de produção, circulação e troca, tais como portos, bazares, feiras, ou lojas, marcam a textura índica da poesia moçambicana, dando lugar, por exemplo, a poemas que reinventam receitas (Leite, 2006), ou que através de procedimentos de acumulação de ‘ingredientes’ culturais e identitários distintos, conectam a culinária, o consumo de alimentos e bebidas, o uso de objectos do quotidiano que remetem para os antigos e modernos circuitos do Indico, à representação da identidade, como no caso da poesia de Eduardo White. Penso também em poemas construídos em torno de léxicos técnicos da navegação – a caravela e o pangaio – da ourivesaria, da produção de têxteis, evocando sistemas de conhecimentos distintos, que entram em conflito ou em políticas de colaboração, características das zonas de contacto. No contexto da enunciação poética, trata-se, a meu ver, de um recurso suscetível de entrar em relações ora de rutura, ora de negociação com arquivos literários, intelectuais e epistemológicos diversos, tais como o arquivo colonial e as tradições dos saberes orientalistas e africanistas; as tradições poéticas modernistas e pós-modernas da colecção, do catálogo ou até do museu; as poéticas do quotidiano e das formas concretas; a escrita etnográfica, ou ainda as poéticas globais da celebração do exótico e da diferença.

Por outro lado, elementos materiais como a comida, ou outros tipos de objectos, funcionam como suportes concretos de projecções e representações de cariz social, cultural e identitário (Meneses, 2009), configurando, ao mesmo tempo, geografias e circuitos globais. A este propósito, como afirma Akhil Gupta: “a gastronomia proporciona-nos uma perspectiva íntima sobre o modo como as pessoas constroem hierarquias de classe, identidades étnicas, diferenças de género, fronteiras religiosas e distinções entre o sagrado e o profano” (Gupta, 2006: 212). Para Gupta, a circulação das especiarias e de outras mercadorias, e sobretudo, as constantes negociações identitárias que dela resultaram constroem a paisagem de uma globalização periférica ainda por contar. No caso de Moçambique, Meneses insiste na importância da mobilização e activação da memória sensorial como forma criativa de negociar a relação entre passado e presente e de fornecer representações diversificadas do país (Meneses, 2009). Neste sentido, a dimensão material da cultura conecta objectos, meios e métodos de produção e consumo e as configurações e reconfigurações das identidades: as trocas e os consumos nas suas dimensões materiais e simbólicas e as relações sociais que lhe estão subjacentes. Se, como afirma Miguel Vale de Almeida, o corpo é uma interface privilegiada de natureza e sociedade (Almeida, 2004), a cultura material, por sua vez, é suscetível de funcionar como interface múltipla entre corpo, natureza e sociedade, veiculando as mútuas transformações e incorporações.

Será possível mapear a representação literária das multifacetadas culturas materiais do Índico como forma de apreendermos o modo como a literatura reinventa as negociações identitárias, tornando por vezes os lugares da produção ou os próprios actos de consumo como dimensões de criatividade (Miller, 2007)? Penso, por exemplo, no conto “O pano encantado” de João Paulo Borges Coelho (2005), onde a alfaiataria, lugar de conflito entre distintas vivências da religião islâmica, se torna também um lugar de criação artística e de agenciamento, em que a narrativa subalterna da personagem de Jamal será inscrita apenas no objecto, ou seja, no pano encantado, sugerindo a ambiguidade das fronteiras entre arte e técnica, entre material e imaterial. Poderão as várias declinações da materialidade da cultura tornar-se numa ferramenta crítica situada e transversal para a comparação das literaturas do Índico?

Uma das possíveis objecções que poderão surgir em relação a este tipo de abordagem, sobretudo a partir de posicionamentos dos estudos literários africanos tem a ver com o argumento comum e fundamentado de que as literaturas africanas sempre sofreram de uma leitura de cariz antropológico, em detrimento dos aspectos estéticos, consideradas como produtos de informantes nativos privilegiados. Será uma leitura orientada pela noção de cultura material uma forma renovada de ler o antropológico no poético, ou não será pelo contrário, uma forma possível de extrair o poético do antropológico?

 

Referências

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(a autora segue a antiga ortografia)

[Recebido em 22 de agosto de 2013 e aceite para publicação em 24 de setembro de 2013]

 

Notas

[1] Contra o argumento de Chaudhuri (1990) que marginaliza a costa africana oriental na configuração do Oceano Índico, veja-se Bose (1998 e 2006); Pearson (2003) e Moorthy & Jamal (2010).

[2] Sobre este aspecto, veja-se: Leite, 2003; Falconi, 2008; Brookshaw, 2008; Mendonça, 2012; Noa, 2012; Brugioni, 2013.

[3] Discordo, neste aspecto, com a leitura de Noa (2012).

[4] Para uma definição da noção de ritmo espacial em poesia, veja-se Gardini, 2007.

[5] De certo modo antecipando os recentes enquadramentos da literatura moçambicana no paradigma do Oceano Índico, Patraquim situa Virgílio de Lemos entre os poetas do Índico, definindo o oceano como “um arquipélago charneira que inclui as Seychelles, Maurícias, Reunião, Quénia, Tanzânia, Moçambique, numa constelação linguística de matriz particular, desamarrando-se dos ‘centros’ e exprimindo uma saga própria no (des)encontro de várias civilizações: bantu, europeia, árabe, javanesa, indiana. De esses nomes que desconhecemos sobressaem os dos poetas malgaxes Jean-Joseph Rabéarivelo, Jacques Rabemanajara e Flavien Ranaivo mas também o mauriciano Edouard Maunick, tantos outros” (Patraquim, 2001: 9).

[6] Analogamente, e a nível mais geral, será preciso equacionar diversos elementos que marcam a complexidade da articulação entre Oceano Índico e literatura moçambicana, configurando uma espécie de zona de interditos. Penso, por exemplo, na ambivalência dos imaginários marítimos, tão caros à cultura portuguesa; na origem europeia de escritores moçambicanos que abordam o Índico; na procura de uma vinculação à terra que desde sempre caracteriza a recepção crítica das literaturas africanas.

[7] Para uma análise aprofundada da literatura em Moçambique na década de 80 veja-se, por exemplo, Basto, 2006; Secco, 2006.

[8] Actualmente, para muitos habitantes da Ilha, a rua do fogo identifica-se com a antiga linha poderosa e imaginária que dividia a cidade de pedra e cal da cidade de macuti.