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Revista Diacrítica
versão impressa ISSN 0870-8967versão On-line ISSN 2183-9174
Diacrítica vol.27 no.3 Braga 2013
Poems
Poemas
John Mateer* tradução de Andreia Sarabando**
*John Mateer é poeta e crítico de arte. Nasceu na África do Sul, vive na Austrália e viaja frequentemente. Os seus livros mais recentes são Ex-White: South African poems (Sisyphus Verlag), The West: Australian Poems 1989-2009 (Fremantle Press), e Southern Barbarians (Giramondo).
**Andreia Sarabando é docente da Universidade do Minho. Co-editou Áfricas Contemporâneas (2010) e Itinerâncias: Percursos e Representações da Pós-colonialidade (2012). Recentemente traduziu para português as coleções de poesia Idolatria dos Antepassados, de Christopher (Kit) Kelen e Bárbaros do Sul, de John Mateer.
THE DROWNING OF BAHADAR SHAH
a miniature painting by Lal, circa 1603-4
Must be the Gujarati Sultan, that man
with his arms raised, sombre face tiny
eyes! turned towards us just above
the water, hoary and grey and swirling, that Indian Ocean
in which hes drowning, thought murdered,
surrounded by the other friendly heads floating like fruit
and the thudding boats manned by the busy Portuguese,
their black hats and pale hands pointing there and there
and there towards him.
Clamber up onto one of the boats, dear Sultan,
and prove us wrong! Return, triumphant, from the Invisible!
O AFOGAMENTO DE BAHADUR XÁ
uma miniatura de Lal, c. 1603-4
Deve ser o Sultão do Guzerate, aquele homem
de braços erguidos, face grave pequeníssimos
olhos! virada para nós mesmo à tona
da água, anosa e cinzenta e espiralante, aquele Oceano Índico
onde se afoga aquele que se pensava assassinado,
rodeado pelas outras cabeças amigáveis flutuando como fruta
e pelos barcos embatendo, manobrados pelos atarefados portugueses,
os seus chapéus pretos e mãos pálidas apontando ali e ali
e ali na sua direção.
Sobe para um dos barcos, querido Sultão,
e prova que estamos errados! Volta, triunfante, do Invisível!
TUAN GURU OF CAPE TOWN
When one is exiled from land and language,
as I was, and brought to another island,
a windy, rocky prison named after the seals there,
it is best not to hate. Better to cultivate a garden
or build a palace in ones heart. They call me Tuan Guru,
I, Abdullah ibn Kadi Abdus Salaam, the Prince of Tidore
who sided with the English My garden is the sprawling
manuscript scribed in my cell, mouthed in Arabic,
every second line a mirror-image in Malay
or Bugis. In the Name of Allah, I wrote for us
to remember His Twenty Attributes. We understand this.
Christians never will. We twist their tongue, too. The word
for prison is ours. Not Dutch or Malay: Balinese.
A native of Paradise named that kind of hell!
In my book I included talismans, too. We need
pure words to save us from the echoing that is everywhere.
Each European voice threatens us in the marketplace.
All for cloves and other spices, those wars,
I reminded myself as in my cell I sat,
dedicated to copying our Holy Book. That is why
we built the Dorp Street Madrassah where I am now
Imam, and why I appointed Damon of Bugis to teach
Arabic to the children and illiterates. I, Iskander
Shah of the Cape! If, as our Rumi wrote, our souls
are indeed from elsewhere, and we are to speak forever
only our Kitchen-Dutch, fellow Exiles and Slaves,
my Brothers and Sisters, remember: Never hate.
Remember: The Heavenly Palace, untranslated,
is in your hearts.
O TUAN GURU DA CIDADE DO CABO
Quando se é exilado de terra e de língua,
como eu fui, e trazido para outra ilha,
uma prisão ventosa e rochosa com o nome das focas,
é melhor não odiar. O melhor é cultivar um jardim
ou construir um palácio no nosso coração. Chamam-me Tuan Guru,
eu, Abdullah ibn Kadi Abdus Salaam[1], o Príncipe de Tidore
que tomou o partido dos ingleses O meu jardim é o manuscrito
que se alastra, escrito na minha cela, silenciosamente dito em árabe,
cada segunda linha uma imagem-espelho em malaio
ou bugis. Em nome de Alá, escrevi para que nos
lembremos dOs Seus Vinte Atributos. Nós percebemos isto.
Os cristãos nunca o perceberão. Também lhes enrolamos a língua. A palavra
prisão é nossa. Nem holandesa nem malaia: balinesa.
Um nativo do Paraíso deu o nome àquele tipo de inferno!
No meu livro também incluí talismãs. Precisamos de
palavras puras que nos salvem do eco que está por toda a parte.
Cada voz europeia ameaça-nos no mercado.
Tudo por cravinho e outras especiarias, aquelas guerras,
recordava a mim próprio, sentado na minha cela,
dedicando-me a copiar o nosso Livro Sagrado. Por isso
construímos a madraça de Dorp Street onde sou agora
Imã, e por isso nomeei Damon de Bugis para ensinar
árabe às crianças e aos iliterados. Eu, Iskander
Shah do Cabo! Se, como o nosso Rumi escreveu, as nossas almas
são realmente de outro lugar, e se para sempre falaremos
apenas o nosso holandês crioulo, camaradas Exilados e Escravos,
meus Irmãos e Irmãs, recordem: Nunca odeiem.
Recordem: O Palácio Celestial, não traduzido,
está nos vossos corações.
Notas
[1] N.T. Abdullah ibn Kadi Abdus Salaam foi um príncipe indonésio levado pelos holandeses para Robben Island como prisioneiro do estado em 1780, por ter conspirado com os ingleses. Durante os doze anos que permaneceu incarcerado escreveu várias cópias do Alcorão de memória. Era conhecido por Tuan Guru (Senhor Professor) por ter criado, após a sua libertação, a primeira madraça da África do Sul, numa altura em que o Islamismo ainda era proibido nesse país.