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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.28 no.2 Braga  2014

 

40 ANOS DE ABRIL

Colóquio comemorativo dos 40 anos do 25 de abril: "perceções e representações transnacionais da revolução dos cravos"

 

Mário Matos

*Universidade do Minho, Instituto de Letras e Ciência Humanas, Braga, Portugal

matos@ilch.uminho.pt

 

Por razões evidentes, as efemérides em torno do 25 de Abril de 1974 costumam concentrar-se, quase em exclusivo, na dimensão nacional desse importante lugar da memória coletiva dos portugueses. Apesar de ser inquestionável tratar-se dum processo de auto-libertação concebido e suportado pela sociedade portuguesa – ou, melhor, por determinadas camadas dum coletivo social supostamente homogéneo –, facto é que, metaforicamente falando, as chamas da Revolução dos Cravos transpuseram as fronteiras nacionais.

Depois dum longo período de (auto-)isolamento que votaria Portugal a um tendencial silenciamento internacional, sobretudo devido à anacrónica obsessão do regime moribundo do Estado Novo em manter o seu império colonial, o país passaria a estar, literalmente da noite para o dia, "nas bocas do mundo". Se para os observadores mais atentos da política nacional poderia haver sinais e rumores que indicariam, ainda que de forma muito ténue, uma reviravolta política em Portugal, certo é que a comunidade internacional foi, modo geral, tomada de completa surpresa pelos acontecimentos revolucionários ocorridos naquele pequeno país na extrema periferia da Europa. Como referem Vieira e Monico (2014: 19) num volume recente dedicado ao impacto do 25 de Abril e do PREC na imprensa internacional, dum momento para o outro, Portugal passou a ocupar "primeiras páginas de jornais, capas de revistas e aberturas de noticiários radiofónicos e televisivos um pouco por todo o mundo, com uma intensidade que nunca antes ocorrera na sua História."

Em plena Guerra Fria, numa altura em que as revoltas de 68 dum e doutro lado da Cortina de Ferro tinham representado, há então meia dúzia de anos, as últimas tentativas vãs de se derrubar quer as estruturas conservadoras das democracias ditas liberais do ocidente quer o autoritarismo férreo das repúblicas socialistas do leste, a revolução portuguesa suscitaria na comunidade internacional olhares e sentimentos ora de desconfiança ora de esperança, consoante as respetivas inclinações ideológicas.

Organizado pelo Núcleo de Estudos Transculturais (NETCult) do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho (CEHUM), em parceria com o Conselho Cultural da mesma universidade, a cuja presidente, Professora Doutora Eduarda Keating, aqui expressamos os nossos agradecimentos pela preciosa colaboração, o enfoque do colóquio comemorativo dos 40 anos do 25 de Abril incidiu precisamente nas "Perceções e Representações Transnacionais da Revolução dos Cravos". Nesse simpósio, que teve lugar no Salão Nobre da Universidade do Minho, em 23 de abril de 2014, foram apresentadas dez comunicações sobre o impacto dos acontecimentos que medeiam entre o golpe de estado que derrubou o regime marcelista e o consequente processo de democratização junto de intelectuais e movimentos cívicos em países muito diversos, desde na vizinha Espanha (Carlos Pazos, CEHUM) e, em particular, na região da Galiza (Roberto Samartim U. Corunha/Galabra), passando pela França (Fátima Outeirinho U. Porto/ILC) e Itália (Emanuele Ducrocchi, UM), nomeadamente por via da voz ressuscitada de Antonio Tabucchi num artigo seu publicado em 2004, as "duas Alemanhas", uma situada do lado de cá, outra do lado de lá da Cortina de Ferro (Thomas Weißmann, U. Chemnitz), até à antiga União Soviética, através duma reportagem sobre a Revolução dos Cravos da autoria dum jornalista russo (Nadejda Machado). O artigo de Georgina Abreu (CEHUM), por sua vez, ensaia uma abordagem transcultural da temática ao debruçar-se comparativamente sobre as vivências in loco do projeto corporativo da Torre Bela às quais a escritora alemã Helga Novak e o repórter italiano Francis Pisani dedicaram dois livros. Para além destas visões expressamente transfronteiriças, três outras intervenções versaram sobre figuras e movimentos intranacionais de importância suprema para o tema, tais como "Catarina Eufémia – uma figura precursora da Revolução dos Cravos" (Idalete Dias, CEHUM), diversas artistas plásticas portuguesas que na época "assaltaram" o espaço público para dar corpo às suas reivindicações estéticas e políticas (Márcia Oliveira, CEHUM), ou ainda as "três Marias", autoras das famosas Novas Cartas Portuguesas. Enquanto Ana Gabriela Macedo (CEHUM) fez uma apresentação genérica do impacto intra murus dessa obra polémica publicada nas vésperas do 25 de Abril, Ana Luísa Amaral e Marinela Freitas, duas especialistas nacional e internacionalmente reconhecidas da obra da autoria coletiva de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, demonstraram como um mero livro foi capaz de suscitar, um pouco por todo o mundo, não só um vivo interesse literário e sociopolítico pela situação portuguesa como assustou quer a PIDE quer os serviços secretos de vários países ocidentais que chegaram a espiar as atividades dessas autores suspeitas que ameaçavam abalar a ordem vigente.

Apesar de não podermos contar aqui com todos os contributos que foram apresentados e proficuamente debatidos durante o referido colóquio, esperamos que o conjunto de artigos que integram este dossiê dedicado às "Perceções e Representações Transnacionais da Revolução dos Cravos" seja, ainda assim, capaz de refletir de forma paradigmática o considerável impacto transfronteiriço dessa época – breve mas muito intensa – da história política, social e cultural dum Portugal que, por algum tempo, deixou de ser, em termos de auto e hetero-imagem, apenas o país do Fado, de Fátima e do Futebol. 40 anos depois, tudo indica que este "jardim à beira-mar plantado" voltou a cair, sob a perspetiva internacional, num certo esquecimento tendendo hoje a ser novamente visto de fora como um pequeno país periférico e apático, simpático e afável, mas sem iniciativa e voz ativa num palco mundial onde já não parece haver lugar para o sonho, por mais efémero e volátil que seja, dum mundo verdadeiramente melhor.