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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.28 no.2 Braga  2014

 

RECENSÕES

A filosofia da religião em Portugal (1850-1910): Afonso Rocha, Porto, Universidade Católica Editora, 2013, 696 pp. ISBN: 978-989-8366-56-6

 

Manuel Gama*

*Universidade do Minho, Instituto de Letras e Ciências Humanas, Departamento de Filosofia, 4710-057 Braga, Portugal

d199@ilch.uminho.pt

 

Estamos na presença de uma bem pensada obra sobre a filosofia da religião em Portugal, relativa às décadas que vão de 1850 a 1910, em que o autor, depois de considerar que antes dos anos 50-60, do século XIX, Portugal é marcado por um "pensamento antigo", vai centrar-se no período posterior, até 1910, em que, entre nós, se dá a génese e o desenvolvimento do "pensamento moderno". Esta forma de pensar só anteriormente teve alguns lampejos em Joaquim Maria Rodrigues de Brito (1753-1831) e em Silvestre Pinheiro ferreira (1769-1846).

Nas suas quase setecentas páginas, o presente estudo, pioneiro e inovador no âmbito do pensamento filosófico português, debruça-se em extensão e profundidade sobre o domínio da filosofia da religião em Portugal, apresentando sete substanciais capítulos, em que o autor carateriza outras tantas orientações reflexivas, centradas nos principais pensadores portugueses dessa época. O fruto das investigações é apresentado nas seguintes partes: Amorim Viana e a religião como "catolicismo ilustrado": a religião nos limites da razão; Cunha Seixas e a religião como um misticismo panteísta: um filosofismo de sabor gnóstico-cristão; Teófilo Braga e a religião como fenómeno histórico-social: um sincretismo de mitos, de crenças e de doutrinas antigas; Antero de Quental e a religião como misticismo da razão e do transcendentalismo: fusão do humano e do divino; Guerra Junqueiro e a religião como misticismo naturalista e panteísta: a harmonia de Prometeu e de Jesus; Sampaio Bruno e a religião como "misticismo idealista": uma religião racional e de redenção; Basílio Teles e a religião como misticismo da divindade imanentista da natureza: um imanentismo do divino universal.

Após exaustivas digressões investigativas sobre aqueles autores e as suas ideias, devidamente integradas no contexto do pensamento filosófico da época, o autor opta por, de forma sintética, mas penetrante, fazer três ordens de conclusões, que nos parecem de toda a pertinência.

A primeira refere-se à reorientação do pensamento filosófico português da segunda metade de Oitocentos – sobretudo com o questionamento de Amorim Viana ao cristianismo católico -, que passou a perspetivar a religião num horizonte de rutura com o cristianismo (especialmente a sua vertente católica), mas também com qualquer outra religião de caráter organizado e institucional. Em segundo lugar, relativamente àquele mesmo período temporal, o pensamento filosófico português é espelho e agente na evolução transformativa da conceção da religião, que o autor sintetiza em duas orientações de natureza mística: por um lado, a conceção de Sampaio Bruno, de matriz gnóstica, próxima do misticismo judaico da cabala, enfocado a partir da luz dada pela gnose perso-zoroastrista; por outro lado, a conceção de Basílio Teles, da matriz greco-pagã, que se aproxima de um misticismo imanentizado do Divino, concebido e apresentado como um Deus marcado pela impessoalidade e universalidade. Em terceiro lugar, no período referido (1850-1910), vislumbra-se uma vaga de fundo, gerada pela filosofia da religião, em que a religião é transformada num misticismo racional e universal, em que estão excluídas as vertentes da irreligiosidade ou do ateísmo. Segundo o autor, tal representação liga-se fundamentalmente com o facto de os pensadores portugueses, no âmbito da filosofia da religião, assumirem uma atitude inserida no "pensamento moderno" pautado pelos "dogmas sacratíssimos" da razão, da liberdade de consciência e do progresso.

No seguimento de vários outros livros e artigos sobre o pensamento filosófico português, privilegiando as problemáticas do mal, do messianismo e da gnose, Afonso Rocha, conceituado investigador do Centro de Estudos do Pensamento Português da Universidade Católica Portuguesa, com a obra em apreço, dá um decisivo avanço nos estudos do referido pensamento nacional, sobretudo na marcante vertente, entre nós, da filosofia da religião. Fica aberto o caminho para novos estudos sobre a temática em causa.