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Revista Diacrítica

versión impresa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.29 no.1 Braga  2015

 

IN MEMORIAM

A palavra do manuscrito: de regresso ao mais antigo texto literário em português

The word of the manuscript: back to the oldest literary text in Portuguese

 

Anabela Leal de Barros*

*Universidade do Minho, Portugal.

aldb@ilch.uminho.pt

 

RESUMO

Debruça-se este trabalho sobre o Poema da Cava, ou da Perda de Espanha, revisitando a polémica relativa aos primeiros textos literários em galego-português, de fontes impressas, para acrescentar um elemento da sua tradição manuscrita e algumas referências etimológicas, históricas e de variação.

Palavras-chave: filologia portuguesa, primeiros textos literários em galego-português.

 

ABSTRACT

This work focuses on the Poem of Cava, or Poem of Spain Loss, revisiting the controversy on the first literary texts in Galician-Portuguese, from printed sources, to add an element of their manuscript tradition and study the variation and some etymological and historical references.

Keywords: Portuguese Philology, first literary texts in Galician-Portuguese.

 

0. Introdução

Desde o século XIX, um punhado de textos poéticos tem estado no cerne de acesa polémica, por haverem sido publicados repetidamente como os primeiros textos literários em galego-português, ao longo do século XVII e ainda nos seguintes. Aquele de que pretendemos ocupar-nos, o poema épico conhecido como A perda de Espanha, ou O poema da Cava, poderia mesmo haver sido obra de grande fôlego, embora dele se tenham conservado legíveis umas meras quatro estrofes no manuscrito que teria encerrado a sua tradição, segundo garantem os seus editores, apontando-lhe uma antiguidade que poderia até remontar aos séculos VIII-IX e aos inícios do galego-português. A fonte manuscrita original, tal como aquela que serviu de base aos testemunhos impressos, ter-se-á, no entanto, sumido sem deixar pistas, pelo que a discussão se foi tornando estéril por falta de provas, ao menos até esta data, em que se dará a conhecer um testemunho manuscrito do texto em questão.

Em poucos parágrafos, José Mattoso (1993: 321) traça o quadro da perda de Espanha pelos Visigodos a partir de 711, diante da supremacia muçulmana, englobando grande parte das figuras mencionadas no excerto do poema épico da Cava:

...minado por incessantes e violentas lutas entre facções da nobreza, atrofiado pela decadência administrativa e fiscal, debilitado pelas perseguições movidas contra os Judeus, com uma população drasticamente reduzida por repetidas fomes e pestes, não admira que o reino visigótico tenha oferecido tão pouca resistência às invasões muçulmanas de 711-714.

(...)

Tendo o rei Vitiza morrido no ano de 710, dividiram-se os nobres na escolha do seu sucessor. Uma parte escolheu Rodrigo, que era talvez o dux da Bética. Outra, porém, preferiu Áquila, filho do antecessor, e que era provavelmente dux da Tarraconense. Com o apoio dos seus familiares, entre eles seu irmão, o bispo Opas de Sevilha, pediram a colaboração do conde Julião, governador de Ceuta, o qual negociou a intervenção dos Muçulmanos, que havia pouco tinham conquistado o Norte de África. De facto, o váli de Marrocos, Muça ben Nusayr, enviou uma expedição chefiada por Tariq ben Ziyad, que derrotou o rei Rodrigo em Guadalete, destruiu o resto do seu exército em Ecija, e depois se dirigiu a Toledo, que se entregou sem combate. Aqui impediu a eleição de novo rei e apoderou-se do tesouro régio.

(...)

No ano seguinte, veio à Hispânia o próprio váli Muça ben Nusayr, que dirigiu duas campanhas militares. Durante a primeira, conquistou Medina Sidónia e Sevilha e cercou Mérida, que resistiu durante muitos meses, até que se entregou, mediante um pacto, em Junho de 713. (...) A segunda campanha de Muça deu-se em 714. Depois de se ter reunido com Tariq em Toledo e de aí passar o Inverno de 713-714, dirigiu-se a Saragoça, e a seguir ocupou sucessivamente Burgos, Leão, Astorga, Lugo e talvez Viseu.

1. Da tradição impressa

Em 1680, Manuel de Faria e Sousa publica na Europa Portuguesa quatro estrofes daquele que viria a ficar conhecido como o poema da Perda de Espanha, ou poema da Cava, sustentando que se trataria do mais antigo texto literário escrito em português, e que poderia remontar ao período subsequente à tomada do reino visigótico pelos árabes, em 714 (Faria, 1680: III, 378-379):

Los escritos que en esta lengua [portuguesa] permanecem demás antiguedad, son los que se siguen.

5 Quando el Castillo de Lousan se ganó de los Moros, q̃ fue en los dias del primer Rey, o segundo, hallaronse en èl algunos papeles, i entre ellos un Poema de la perdida de España, con que descubrimos dos cosas; una quan antigo sea en Portugal el poetar, i assi viene a ser este escrito por ventura el demas antiguedad que se hallarâ en Europa, pues siendo hallado à 500. años consumido, i con señaz de gran vejez necessariamente parece ser de aquel siglo de la propia perdida q̃ sucedió á casi mil años: la otra el lenguaje que entonces teniamos. De lo que se pudo leer se conservan estas octavas.

A Iuliam et Horpas a saa grei daminhos,

Que em sembra cò os netos de Agar fornezinhos

Hũa atimarom prasmada fazanha,

Ca Muza, et Zariph com basta campanha

De juso da sina do Miramolino

Com falsa infançom, et Prestes maligno

De Cepta aduxerom ao Solar de Espanha.

Et porque era força, adarve, et foçado

Da Betica Almina, et o seu Casteval

O Conde por Encha, et pro comunal

Em terra os encreos poyarom a Saagrado,

Et Gibaraltar, maguer que adordado,

Et co compridouro per saa defensaõ,

Pello susodeto sem algo de afaõ

Presto foy delles entrado et filhado.

E os ende filhados leaes a a verdade

Os hostes sedentos do sangue de onjudos

Metero a cutelo a pres de rendudos

Sem que esguardassem nem seixo ou idade.

E tendo atimada a tal crueldade

O Templo Eorada de Deos profanarom

Voltando em mesquita hu logo adorarom

Sa bèsta Mafoma a medès maldade.

O gazu, et assalto que os da alevosia

Tramarom, por voltos de algoz sayoẽs

Cò os dous Almirantes de Hoste mandoẽs

Quedarom com farta soberba, et folia,

Et Algezira que o medès temia

Per ter a maleza cruenta Sabuda

Mandou mandadeiro come era teuda

Ao rouzom do Rey que em Toledo sia.

A sua lista de exemplos dos primeiros textos literários em português prossegue com a canção de incipit “Tinherabos nom tinherabos”, que seria, segundo afirma, “de Gonçalo Hermiguez Cavallero valeroso de los ultimos años de nuestro primer Rey escrita a su muger Ouroana”, seguida de “Fincaredes bos embora” e “Bem satisfeita ficades”, rimas que refere terem sido compostas pelo contemporâneo Egas Moniz Coello, “primo del gran Ayo del propio Rey primero, que enamorado de Doña Violante Dama de la Reyna Doña Mafalda le mostrava su amor en varias Rimas” (Faria e Sousa, 1680: III, 379). Representando os tempos de D. João I, menciona os sonetos do infante D. Pedro em louvor de Vasco de Lobeira (“Bom Vasco...”, “Vinha Amor”), e ainda as coplas “Porque tu foste a colheyta”, em louvor de Lisboa (Faria e Sousa, 1680: III, 381). Acompanham, pois, o Poema da Cava três dos textos que com ele viriam a ficar conhecidos, no âmbito da polémica que até hoje acabaria por envolvê-los, como “as cinco relíquias” da poesia portuguesa, juntamente com a ausente canção do Figueiral (de incipit “No figueyral figueyredo”).

Tornou-se bem conhecida na Europa essa edição truncada que Faria e Sousa publicou do poema em oitavas da Perda de Espanha (com a primeira estrofe como sétima, desprovida do incipit, que encerra o sujeito e o início do predicado da oração), sendo ainda essa a lição retomada, dois séculos mais tarde, por historiadores da literatura como Friedrich Bouterwek (1823) ou Jean-Charles-Léonard Simonde de Sismondi (1837[1]: 498). E isto apesar de, cinco anos mais tarde, ter surgido novamente a primeira oitava, completa, e com alguma variação gráfica, em Rimas varias de Luis de Camoens, obra na qual se reforça a referência à sua fonte manuscrita tão antiga quanto danificada, retirando-se daí as conclusões que se impunham quanto ao pioneirismo luso no cultivo da oitava de arte maior, que assim se afastava de Boccaccio e dos sicilianos, tal como de Juan de Mena e de Espanha:“Permanece un troço de un Poema de la pérdida de España que de su lenguage parece ser escrito poco después della en portugués, y quando menos tendrá sus 600 años de edad. Hallóse casi podrido en el hueco de una antigua torre...” (Faria e Sousa, 1685, II: 81-82).

Por outro lado, a medida da fama de Faria e Sousa acha-se bem traduzida no facto de esses editores terem continuado a reproduzir este exemplo temporão do nosso engenho poético quando em 1810 João Pedro Ribeiro já tinha concluído que o todo apresentava uma língua compósita, afectada, e que mais parecia artifício estudado (veja-se adiante súmula da polémica).Contudo, embora admita o poema no início da secção intitulada “Early essay in epic poetry” e repita as deduções de Faria e Sousa acerca do pioneirismo português no cultivo da poesia épica, ou histórica, Bouterwek (1823: 8) já manifesta algumas reservas quanto à antiguidade do texto:

In all literary probability, the Portuguese also preceded the Spaniards in essays in epic, or rather in historical poetry. An old Portuguese narrative in dactylic stanzas (versos de arte mayor), whose unknown author related, as well as he was able, the history of the conquest os Spain by the Moors, may not be so old as it supposed to be by Manuel de Faria y Sousa, who would refer the origin os these verses to the very period of the Arabic invasion. They are, however, written in such antiquated language, that they may be regarded as of a date anterior to the Cantigas of Hermiguez and Moniz.

Simonde de Sismondi (1837: 496-497) publica o poema acompanhado de uma introdução na qual dá igualmente conta das suas dúvidas acerca dessa antiguidade:

(1) Manuel de Faria y Sousa dans son Europa Portuguesa, rapporte des fragments d'un poëme historique en vers de arte mayor, qu'il prétend avoir été trouvés, au commencement du douzième siècle, dans le château de Lousam, lorsqu'il fut pris sur les Maures. Le manuscrit qui les contient paraissait dès lors, dit-il, consumé par le temps (...); d'où il conclut que le poëme est à peu près de l'époque de la conquête des Arabes.

Le fait lui-même me paraît appuyé sur une autorité bien douteuse, et les vers ne me semblent, ni par leur construction, ni par leurs idées, ni même par le langage, indiquer une si haute antiquité. Cependant ce tout premier monument des langues romanes est encore assez remarquable pour que j'en rapporte ici quatre strophes, que je crois nécessaire de faire précéder d'une traduction.

Na verdade, essas quatro estrofes correspondem também a todas as quatro estrofes editadas por Manuel de Faria e Sousa. Na sequência destas alusões introdutórias à reedição do texto, refere Sismondi (1837: 497-498) a aplicação de correcções na sua “édition nouvelle”, com a ajuda de M. Louis Dubeux, da Bibliothéque Royale, perfeito conhecedor da literatura portuguesa, como afirma, com cujo concurso pôde “rétablir le texte de ces quatre strophes”, para além de lhas ter feito compreender, de tal modo que lhe foi possível disponibilizar a sua tradução literal em francês. Esse restabelecimento e emenda do texto parece ter partido da lição que dele oferece Faria e Sousa, já que nenhum outro autor ou manuscrito consultado se refere nesse passo da sua obra, contudo, acha-se o poema, da obra deste para a daquele, acrescentado de muita pontuação, e com divergência de alguns traços gráficos, lidos ou não por Faria e Sousa na respectiva fonte (que tampouco identifica com maior precisão).

Por outro lado, apesar das emendas, o poema em oitavas continua a figurar, sem qualquer observação a esse respeito por parte de nenhum dos dois editores, com a primeira estrofe amputada do seu incipit, já que se trata de uma sétima de sentido incompleto, privada do início da frase que se prolonga pelos versos iniciais. Esse primeiro hepteto, devendo seguir o esquema rimático das demais estrofes, abbaacca (com a habitual paragem no quarto verso, com unidade de sentido, sendo os versos finais uma espécie de conclusão da ideia), vê-se bem obviamente falho do seu primeiro verso, de rima a, com fazanha, companha, Espanha. Ainda que ambos os autores desconfiem da antiguidade da língua do texto e sublinhem a dificuldade de leitura de textos tão antigos, devido ao facto de, já no século XIX, serem estranhos ao falante e leitor do português a maioria dos termos que inclui, como recorda Faria e Sousa, o certo é que, ao apresentarem-se sem estranheza textos com palavras e mesmo versos inteiros em falta, a apreciação da sua autenticidade e a decodificação do seu significado têm necessariamente que ver-se comprometidas ou dificultadas.

Em Paris, o veneziano Adrien Balbi publica o texto completo, precedido de mais informação genética, seguindo a mesma lição de Faria e Sousa (embora, uma vez mais, com variação):

Nous n'avons rien vu de cette langue antérieur à cette époque [lorsque le comte Henri de Bourgogne fixa sa cour à Guimaràes], que les fragments d'un poème sur l'occupation de l'Espagne par les Arabes, composition attribuée a Rodrigue, dernier roi des Goths, qui l'écrivit, à ce que l'on prétend, dans son ermitage de Pederneira, vers l'an 730. Sans garantir qu'ils soient de lui nous transcrirons ces fragments... (Balbi, 1822: 23)

Sur l'occupation de l'Espagne par les Arabes en 714, trouvé dans le château de Lousàa, pris par Sanche Ier vers l'an 1187, mais tellement endommagé par l'humidité, qu'on n'en a pu lire que les quatre huitains suivans: cette composition est attribuée à Rodrigue, dernier roi des Goths. (Balbi, 1822: Appendix, I-II)

Em Espanha, José Marugán y Martín (1833: 34), reaproveitando toda a edição e introdução de Balbi, contribui para adensar a lenda em torno do manuscrito despedaçado, ensanguentado, quase apodrecido, e agora deteriorado pela humidade:

Sobre la ocupacion de España por los árabes en 714, hallado en el castillo de Lousàa, tomado por Sancho I á fines de 1187, pero tan deteriorado por la humedad, que ha sido imposible leer mas que las cuatro octavas siguientes: esta composicion se la atribuyen á Rodrigo, último Rey de los godos.

Não colocando em causa a datação do texto, com o qual dá início à mesma pequena antologia de poesia portuguesa por reinados, deduz dessa e das demais amostras textuais o contrário de Faria e Sousa — que nelas o português evidencia bem o seu atraso relativamente a um idioma mais desenvolvido literariamente como o castelhano (Marugán, 1833: 33):

La lengua portuguesa es dulce, muy propia para el canto, y de una abundancia frecuentemente embarazosa en la eleccion de los sinónimos. (...) Mas á pesar de todas estas bellezas y apreciables cualidades que disfruta el idioma portugués, está bien lejos de poderse poner en paralelo con el grado de perfeccion á que ha llegado la lengua castellana en todos sus generos de composicion, por la cultura y extraordinarios adelantos que han procurado tanto los sabios é ilustres escritores españoles del siglo XVI, como los que han brillado despues, y brillan aun al presente...

De qualquer modo, a publicação do poema por Manuel de Faria e Sousa sem o verso inicial e sem indicação da fonte causa alguma estranheza, já que em 1627 Miguel Leitão d'Andrada publicara pela primeira vez esse texto (entre outras relíquias poéticas), e com a primeira estrofe completa (incipit “O rouço da Caua imprio de tal sanha”).

Apresenta Miguel d'Andrada alguma informação acerca do códice do qual se teria trasladado a poesia, achado no Castelo de Aruce, Arunce ou Arouse, hoje Lousã, da forma adaptada à língua árabe, Aloçan > Alouçam (Andrada, 1627: 454-455):

Esta este Castello inda hoje tão inteiro como se fosse feito em nossos tempos (...). E neste castelo quãdo foi tomado aos mouros Arabios se acharão hũs pedaços de hũ liuro, que trataua, è cõtinha a destruição de España, na lingoagẽ daqueles tẽpos, que por ser muyto differente da que agora vsamos vos quero dizer duas, ou quatro oitauas por curiosidade; & pera que vejais quão antigo he este modo de verso entre nos, pois esta destruição de Espanha ha, cousa de mil annos, & estes versos parecẽ ser feitos por esses tẽpos, & deuião cõseruar aqui esse liuro algũs catiuos Cristaõs q́ sẽpre ouue ẽ poder de mouros que disso se hõraõ muito.

O editor, que faz preceder o excerto do poema épico da epígrafe “Outauas na lingoagem antiga quando se perdeo Espanha”, inclui, por isso, ao lado de cada estrofe, as glosas das formas consideradas arcaicas ou difíceis de decodificar (Andrada, 1627: 456-457). Para o leitor seiscentista, são já 47 as glosas consideradas necessárias, representando a quarta parte das formas presentes no texto — cerca de 208 (incluindo as repetidas e vazias de sentido, como, por exemplo, a conjunção e). São as seguintes as formas explicadas por sinónimos:[2]

 

1ª estrofe

2ª estrofe

3ª estrofe

4ª estrofe

rouço: forçar molher

caua: manceba

imprio: encheo

sẽbra: juntamente

fornezinhos: bastardos

atimarão: acabarão

prasmada: admirauel

basta: muyta

iusu: debaixo

sina: bandeira

infançon: fidalgo

praestes: Bispo

add(d)uxerõ: trouxerão

solar: terras

Adarue: fortaleza

foçado: caua

Betica Almina: alcaidemòr

Casteual: ira

pró: proueito

comunal: comum

poyarão: desembarcarão

grado: a vontade

maguèr: inda que

adaruado: murado

saa: sua

afaõ: fadiga

ende: ali

hostes: inimigos

oniudos: Christãos

pres: logo

atimada: acabada

hu: onde

Saa: sua

medes: mesma

gazu: matança

pos voltos: tornados

algo: fidalgos

sayoẽs: algozes

hoste: exercito

folia: oufania

medes: mesmo

maleza: maldade

cruenta: cruel

sabudo: sabida

teuda: obrigada

roucom: forçador

sia: estaua

 

Acrescenta ainda o seguinte comentário acerca do códice do qual se terão trasladado as estrofes legíveis: “Não se pode ler nem entender mais do dito liuro por todo estar despedaçado, & cheo de sangue, & foy perda, porque parece hia contando o triste sucesso com verdade, mais ordenadamente do que o temos” (Andrada, 1627: 457).

Meio século depois, também Faria e Sousa (1680) faria acompanhar a sua edição do poema de 26 glosas (uma abarcando um sintagma inteiro), e reportando-se as três primeiras (rouzam, cava e imprio) ao verso inicial, em falta no seu texto, o que nos convida a atribuir a sua ausência a eventual falha tipográfica, mas também faz adivinhar, ou o uso de fonte diferente, ou amplas liberdades na transcrição do texto, já que essas formas, tal como as próprias glosas, oferecem algumas divergências relativamente às de Leitão d'Andrada, para além da desigualdade do seu número, que antes deveria haver aumentado (sublinhados meus):

Para que se entienda esto, declararémos los vocablos ya no conocidos: rouzam, vale forçador: cava, manceba, por la Florinda hija de Iulian: imprio, inchió: Saa, suya: daminhos, dañadores: sembra, junta: fornecinhos [fornezinhos no poema], hijos de muger fornicaria: atimar, fenecer: prasmada, admirada: juso, baxo: sina, insinias, estandartes: Prestes, Prelado: aduxeron, truxeron: Adarvefoçado: fortaleza con foço: Casteval, Alcayde: comunal, comun; increos, incredulos: onjudos, ungidos por bautizados: a pres', afuero: hu, donde: medès, misma: por voltos de algo sayoẽs, despues bueltos sayones de hijos dalgo, de cavalleros: mandoẽs, mandadores: folia, fiesta: maleza, maldad: sia, estava. (Faria e Sousa, 1680: 379)

Quando, em 1685, surgem postumamente as suas Rimas varias, as glosas que oferece da primeira oitava republicada são já algo diferentes, e, de novo, nem todas correctas, o que indicia uma vez mais a medida da incompreensão do léxico do poema:

Las vozes de rouzom [mas editando rouçom no texto] que vale forzador; de emprio [mas imprio no texto] que vale lloró [mas inchió na obra de 1680]; de fornezinhos que vale engendredados de ilegítima cópula; de atimarom que vale emprendieron [fenecer na obra de 1680]; de prasmada que vale abominable [mas admirada em 1860], de juso que vale debaxo; de sina que vale insignia o vandera; de aduxerom que vale truxeron; se ve claramente ser este escrito de la antigüedad que ya dixe. (Faria e Sousa, 1685, II: 82)

No final do século XVIII, António das Neves Pereira, na “Continuação do Ensaio Critico, Sobre qual seja o uso prudente das palavras, de que se servíraõ os nossos bons Escritores do Seculo XV, e XVI; e deixáraõ esquecer os que depois se seguíraõ até ao presente”, publicada no tomo V das Memorias de litteratura portuguesa, refere-se no ponto V, Reflexoens sobre as épocas da Lingoa Portugueza, e dos seus Authores, à “penúria, e pouca estimaçaõ” dos escritos e da própria lingoagem dos princípios da Monarquia, à semelhança do que sucedia por toda a Europa, esquecida a língua latina e não havendo outro idioma senão o romance, “Lingoa Romana corrupta” (Pereira, 1793: 177-178). É como bom exemplo dos parcos méritos desses escritos e do carácter “velho e rançoso” da sua linguagem, já ininteligível pelos falantes e leitores setecentistas, que reproduz Neves Pereira (1793: 179) precisamente um retalho do Poema sobre a perda de Espanha, ou seja, a sua primeira estrofe conhecida:

E pelo que respeita á lingoagem naõ poderiamos esperar, que ella fosse hoje mais bem entendida entre nós, do que seria entre os Romanos na Corte de Augusto a Lingoa dos Oscos, e dos Sabinos, dos Annaes dos Pontifices, a frase das Leis das Doze Taboas, ou dos Hymnos dos Salios, que nem os mesmos Sacerdotes já sabiaõ entender capasmente.

Tal he a idéa, que podemos formar daquella nossa velha, e rançosa Lingoagem no Poema da Alquimia escrito por ElRei D. Affonso, e no Poema sobre a perda de Espanha, os primeiros sobre assumpto grave, que se viraõ naquelles tempos. Sirva de mostra o seguinte retalho do Poema sobre a perda de Espanha...

O autor traslada de seguida a primeira oitava, contudo, sem indicação da fonte (ao contrário do que lhe é hábito para outros textos citados), e com variação que é, de novo, bem elucidativa das divergências de decodificação manuscrita e das liberdades de trasladação, tendo em conta que todos poderão reportar-se ao mesmo antiquíssimo manuscrito, já que coincidem em conferir-lhe tal antiguidade.

Mas qual teria sido, afinal, a fonte manuscrita das versões conhecidas do Poema da Perda de Espanha? Teófilo Braga (1885: 139-140) reproduz a referência de António Ribeiro dos Santos, no final do séc. XVIII, à presença do poema num manuscrito que vira na posse de Gualter Antunes, no Porto, e de onde o Elpinio Duriense trasladara então esse e os demais textos literários antigos, tendo depois perdido o rasto ao códice, por morte do seu proprietário:

Vimos em tempos passados um Codigo Ms., que parece letra do seculo XV, em que se tratavam louvores da Lingua portugueza, em que vinha esta Canção de Hermingues, o Fragmento do Poema da Perda de Hespanha, e as duas Cartas de Egas Moniz com as Cantigas de Goesto Ansur (...): este Codigo era da escolhida Livraria do Doutor Gualter Antunes, erudito cidadão da cidade do Porto, que nol-o mostrou e d'elle copiámos as ditas obras.

Embora tenha voltado a aflorar em 1855 na cidade de Barcelona, onde D. Mariano Soriano Fuertes o identifica como o Cancioneiro de D. Francisco Coutinho, dele editando a Reina groriosa (“para dar alguma ideia da poesia portugueza no seculo XII e princípios do seculo XIII”), e ainda a Canção do Figueiral, depois disso, perdeu-se-lhe o rasto (Braga, 1885: 140). Indica ainda Teófilo Braga (1885: 139) que este cancioneiro fora mencionado pela primeira vez no final do século XVI por Frei Bernardo de Brito, na Monarchia Luzitana, como fonte da Canção do Figueiral: “porei parte d'aquelle cantar velho que vi escripto em um Cancioneiro de mão, que foi de Dom Francisco Coutinho, Conde de Marialva”. Terá sido, pois, deste cancioneiro que Miguel Leitão de Andrada trasladou as oitavas da Perda de Espanha, incluindo-as, sem qualquer indicação a esse respeito, no meio de uma novela.

Ora, a forma imprecisa e rodeada de “romance” como surgem esses textos literários, dados como pioneiros relativamente à literatura espanhola e italiana, aliada a certo hibridismo linguístico e ao estado geral da própria língua, considerada mais recente, levou numerosos filólogos a concluir que, no geral, terá havido uma tentativa de mistificação, com o aproveitamento de textos poéticos não tão antigos para se fazerem passar por pré-trovadorescos e ainda com o forjar de poesias que se fizeram passar por antigas (seria este o caso do Poema da Cava, ao menos nas versões que se conhecem).[3] Fazendo eco das dúvidas de João Pedro Ribeiro, o primeiro a pronunciar-se sobre a provável apocrifia dos textos, também Carolina Michaëlis renega veementemente as peças pré-trovadorescas, após uma radiografia filológica que as faz aparecer como desprezíveis mistificações compostas de um aglomerado de formas linguísticas cronologicamente incompatíveis (Vasconcellos, 1897: 162-163; 1904-1990: 267-269). Em 2009, Carlo Pulsoni ainda preencheu quarenta e oito páginas de rigorosa prosa intercalada de amplas transcrições dos pretensos “mais antigos textos literários em português”, grandemente devedoras de Faria e Sousa, só para poder concluir, uma vez mais e melhor, que as famosas poesias pré-trovadorescas em língua portuguesa não passam de peças apócrifas, forjadas com interesse nacionalista e de exaltação patriótica, meras mistificações e mitificações relacionadas com os movimentos em louvor da língua vulgar, burlas mal conseguidas que visavam restaurar a imagem pátria após o domínio espanhol e relegar para segundo plano o pioneirismo italiano e castelhano no cultivo do verso de arte maior, e em particular da oitava. Ou seja, pelo menos um trio de portugueses de seiscentos arreigadamente dedicados às letras e à filologia, e um deles de fôlego e recursos acima de qualquer dúvida, não teriam, pois, passado de burlões capazes de forjar concertadamente textos antigos em galego-português por amor ao português e a Portugal: Bernardo de Brito, Leitão de Andrade e Faria e Sousa. De qualquer modo, a caminho do último quartel do século XIX, Morel-Fatio (1873: 127) já fazia o ponto da situação e dava a questão como arquivada:

Lobeira e publicados em 1598. Faria e Sousa edita-os em 1624, em Divinas y humanas flo- res..., Prólogo, e sublinha que os Portugueses foram os primeiros a imitar os provençais. João Pedro Ribeiro já no início do séc. XIX tinha concluído que não existia prova da antiguidade dessas 5 obras ou “relíquias da poesia portuguesa”; que não colocava fé nas edições de Brito e de Andrade e que as palavras de várias idades que encerram traduzem um todo afectado e que mais parece artifício estudado; a seu ver, a canção de Gonçalo Hermigues e as cartas de Moniz, em especial, mostram claramente a sua afectação quando comparadas com autên- ticos documentos antigos (Ribeiro, 1810: I, 181, apud Braga, 1867: 2, 197; Vasconcellos 1990: 161 n. 2). Herculano pronunciaria o julgamento definitivo (apud Vasconcellos, 1990: 162, nota 1). Teófilo Braga (1885: 142) acabou por concordar que as canções atribuídas a Egas Moniz Coelho não são medievais nem de um cavaleiro da corte de Afonso Henriques, como evidenciam a forma estrófica/métrica e a linguagem, mas do séc. XV, e aproveitou o pretexto de as relíquias se acharem no Cancioneiro do Conde de Marialva para as transfe- rir nas suas antologias para o século que se lhe atribui, o XV. Apesar de ter voltado várias vezes ao assunto dos primeiros textos poéticos, procurando reanalisá-lo, e protestando que o hibridismo linguístico pode ter a ver com o contributo de vários escribas, todos se foram concertando em torno da teoria da mistificação seiscentista, como forma de afirmação diante da Espanha (Braga, 1867: 1, 142; 2, 197-201; 1909: 416-425).

La valeur de ces compositions (...) a été appréciée par Ribeiro, Bellermann, F. Wolf et enfin M. Diez dont les arguments philologiques ont confirmé l'opinion de ses prédécesseurs. Il est desormais acquis que ces divers poèmes, dans leur forme actuelle du moins, ne remontent pas au-delà du XVIe ou tout au plus de la fin du XVe siècle; aussi est-il superflu d'examiner les arguments par lesquels M.B. cherche à refuter Ribeiro.

Formuladas e reformuladas as hipóteses, quanto ao Poema ou Lamentação da Cava, ou da Perda de Espanha, Pedro Ribeiro data-o do séc. XIII e Teófilo Braga acaba por transferi-lo obliquamente, nas suas antologias poéticas, do séc. VIII para o XV, juntamente com as demais relíquias, por se acharem incluídas no Cancioneiro do Conde de Marialva, e, no caso do Poema..., também porque este tipo de oitava “em que rimam o primeiro, quarto, quinto e outavo verso, emparelhando o segundo e o terceiro, sexto e septimo, só apparece pela primeira vez usado em Hespanha por Affonso o Sabio, e em Portugal no século XV”; por outro lado, concede, “o emprego de palavras archaicas revela-nos uma intenção artificial”. Em suma, conclui Braga (1885: 141): “O facto de andar no Cancioneiro do Conde de Marialva um Elogio da Lingua portugueza, bem revela um intuito philologico da parte de quem simulou estas outavas”. Michaëlis (1990 [1ª ed. de 1904]: 269, nota 1) partilha esse argumento para propor uma datação ainda mais recente, já que o pretendido códice “era um opúscolo em prosa, em louvor da língua portuguesa, entremeado de documentos illustrativos, entre os quaes avultava uma das cinco relíquias prehistóricas! Nada mais é preciso para o caracterizar como producto do séc. XVII”. A autora já antes se referira ao poema de modo tão sucinto como esmagador, no artigo intitulado “Estudos sobre o romanceiro popular”, a propósito da Penitencia de D. Rodrigo, o último rei godo, e das alusões ao mesmo no romanceiro peninsular (Vasconcelos, 1890-92: 174):

O apocrypho Poema da Cava, indigesto producto da fabrica Leitão & Brito, só falsissimamente se póde allegar como «hum romance feito em memorial daquelle caso» [Leitão de Andrada]. Se houve romances portugueses sobre D. Rodrigo, resta ainda descobri-los; por ora só pôde provar-se que o assumpto foi uma vez popular n'esta terra, e que a poesia palaciana se apoderou do argumento.

Quanto aos reflexos das lendas de D. Rodrigo nas composições de poetas palacianos do Cancioneiro Geral, procura-lhes uma origem em obras distantes desse poema, como a Crónica Sarracina, o Sumario historial, a Crónica do Mouro Rasis ou as traduções galego-portuguesas da Crónica General:

Tanto a alusão ao preságio de Dom Rodrigo (III, 381) como a outra à pendença (=poenitentia) de el-rei no moimento sepulcral, com a cobra roedora (III-196), podiam derivar da Crónica Sarracina. A terceira, porém, relativa aos amores funestos com a filha de D. Julião (II, 4), reconduz-nos a textos mais antigos, pois apresenta o nome dela na forma arcaica La-Taba. Mas quais seriam? As escrituras antigas de um convento de Coimbra, citadas pelo arcipreste Rodríguez de Almela no Sumario historial? A Crónica do Mouro Rasis, na tradução de Gil Pérez, que ainda foi utilizada no século XVI por André de Resende e Gaspar Barreiros? Qualquer das traduções galego-portuguesas da Crónica General (...)? (Vasconcelos, 1980: 37-38)

Em 1904, renova o julgamento sumário das relíquias da literatura portuguesa na Adverténcia Preliminar à edição do Cancioneiro da Ajuda, no entanto, não inclui na lista das citadas a quinta, a Lamentação ou Poema da perda de Espanha:

Não conseguiria vulgarizar a noção exacta do que foi na realidade a poesia dos antepassados. Nem extirpava a falsíssima fé nas pretenciosas e artificiosas canções apócrifas de Egas Moniz, Gonçalo Ermíguez, e Mem Vásquez de Briteiro a Violante, Ouroana e Ximena. Não chegaria a substituir no ensino das jerações novas aqueles monstruosos aleijões que dizem Tinherabos — Fincaredes bos embora — Ajuso da querida Mendo jases — e falam de um coraçom morto ós çocos, pelas trovas sinjelas em português perfeitamente orgánico e elegante, metrificadas e assonadas por D. Sancho I, cantadas provavelmente antes do ano 1200... (Vasconcelos, 1990: XII)

Em 1907-1909, tampouco alude à eventual recriação do poema da Cava por algum poeta ou erudito do período clássico, ou barroco, quando atribui origem culta, e muito posterior ao século VIII, aos próprios romances velhos relativos ao rei Rodrigo, à Cava (ou La-Taba), e a D. Julião — no que a estes diz respeito admite, contudo, que a sua forma métrica se tornou irrecuperável no interior da cadeia de transmissão, com suas numerosas alterações, o que também poderia servir de explicação para o estado compósito, menos antigo (e revelando variação) do Poema da perda de Espanha (Vasconcellos, 1980: 33-34):

Conquanto haja não só indícios, mas provas conjecturais claríssimas, da existência de cantares de gesta relativos ao último rei godo1, as lendas que lhe dizem respeito entraram na tradição por via erudita, ao que parece2. Os romances velhos sobre D. Rodrigo, a Cava e D. Julião3 foram derivados por algum poeta letrado, com mais ou menos fantasia e habilidade, da novelesca Crónica Sarracina de Pedro de Corral (c. 1434)4.

[2. As prosificações dos cantares supostos passaram por tantas e tais alterações, perdendo-se a que foi feita directamente sobre o original, que não é possível reconduzi-las à forma métrica.]

2. Da tradição manuscrita

Tamanha polémica assente apenas em dois testemunhos impressos do século XVII, extraviada a própria fonte manuscrita quatrocentista de onde teria jorrado tal preciosidade, não terá provavelmente, decorridos quinhentos anos, mais lenha por onde arder. Seria estéril retomar os mesmos parcos elementos, os dois únicos testemunhos antigos, impressos, sem que antes se procure interrogar a tradição manuscrita. Não que a palavra do manuscrito não possa igualmente ser forjada, mas provavelmente porque há demasiadas palavras em falta para que se possa reconstituir a anunciada tradição.

Continuando a primar pela ausência o arquetípico testemunho manuscrito ensanguentado (previsível topos do discurso dos forjadores, recorda Pulsoni, 2009: 643), poderá ser de alguma utilidade observar a lição do poema da Perda de Espanha num códice seiscentista nem apodrecido nem ensanguentado de sangue godo, apenas algo rasgado, o Addittional 20922 da British Library, do qual pude transcrever, durante a minha pesquisa de doutoramento, em 2007, um testemunho dessa mesma poesia, composto apenas pelas primeiras três estrofes, mas, neste caso, oitavas perfeitas.

Tal como nas fontes impressas, também na manuscrita o texto é acompanhado de uma epígrafe genética que dá conta da sua antiguidade e das condições em que se achou o documento original: “Estas trɨs trouas co' outras muitas q' se não podião ler se acharão em hu' liuro do Codego em lingoagem pertuguez q' ha 280 Annos q' he ɨscritto e trattão da perdição d' Espanha em tempo dɨl Rey Dom Rodrigo” (fl. 32). Regressando à antiguidade da língua, ponto relativamente ao qual todos são unânimes, também o copista do testemunho manuscrito Add 20922 deixa evidências do estranhamento que muito do léxico utilizado no texto já causava a um falante e letrado do século XVII ou anterior a ele; o texto trasladado é o único que, nesse códice, surge acompanhado de glosas a vários dos seus vocábulos, colocadas na entrelinha por cima da palavra respectiva, pela mesma mão e com a mesma tinta:[4]

O rouso[a força] da Caba imprio[encheo] de tal sanha

Juliane, e Orpas a ssa[sua] grey[natureza] daninhos

que sembra[iuntam.te] cos Netos de Agar fornesinhos[bastardos]

hua' atimaram[acabarão] prasmada pacanha[façanha]

Ca Muga e Tarife[capitais do Miramolim] com basta[junta] companha

de jusso[bayxo] da Sina[bandr.ª] do Cinta Almancor[nome del Rey]

o falso infancom[fidalgo], e o preste tredor[o clerigo Bpo' do' Orpas]

per Cepta adusserão[trouxerão] o filhar[tomar.] despanha

E porque era forca[fortaleza] adarue[muro] e fossado[caua]

da betica[Andaluzia] almina[hua' parte de Ceita], e o seu Casteual[Alcayde Mor]

o Conde p' ença[emenda da perda q' hu' home' perde na guerra], e prol[prou.to] comunal[comu' e geral]

en terra os increos[infieis] pojarão[5][sairão] a seu grado[prazer]

E Gibraltar Macar[ainda] que adarvado[murado]

e como[co' tudo] o compridouro[o q' compria] para defensão

pello juso[abayxo] ditto se algo[algum] de afam[trabalho]

toste[asinha] foy delles entrado e filhado[tomado]

E os ende[a hi] filhados[tomados] leais ha verdade

os hostes[imigos] sedentos[sequiosos] do sangue dos Gudos[6]

meterom a cutello apres[depois] de rendudos[rendidos]

sem esguarde[terem risguardo] apres[depois] a sexo nem idade

estando atimada[acabada] a tal crueldade

a caza orada[sagrada] de Deos profanarão

voltandoa em Mesquita hu[onde] logo adorarão

sa[sua] besta Mafoma que medes[a mesma] maldade

Este testemunho revela duas pistas equívocas, mas com algum interesse. Por um lado, trata-se, ao que tudo indica, de uma fonte diferente, de ramo genealógico não aparentado com o de Andrade e Faria e Sousa, já que, neste caso, o leitor e copista só conseguiu trasladar três das trovas, de entre as muitas que, segundo menciona, encerrava o referido livro de código em língua portuguesa — informação genética dada numa epígrafe por copista distinto do autor e ainda com o adjectivo (lingoagem) pertuguez como uniforme, como era típico do galego-português, tendo-se generalizado o acrescento analógico de -a apenas no século XVI (Castro, 2006: 162-167). Na hipótese de o texto ter sido forjado no século XVII, ou nos séculos anteriores, poucas razões explicariam que não corressem manuscritas as parcas quatro estrofes, que fazem todo o sentido juntas. Por outro lado, a datação — 280 anos “precisos” — é bastante específica mas só funciona relativamente ao ano em que se fez a trasladação (inicial) das trovas, e que pode nem sequer corresponder ao desta cópia concreta, o da constituição deste códice português.

O manuscrito, cópia limpa de uma só mão, de letra bonita e cuidada, inclui documentos vários, todos anteriores ao século XVI, e a maioria deste mesmo século, e ostenta na lombada o título da primeira e mais longa peça que integra, em prosa não literária, acompanhado do apelido do autor: Monterroyo. Memorias de Portugal, Reynado de João 3. De facto, do fl. 1 ao 31 pode ler-se a narrativa de factos da história de Portugal, registados de modo fluente e agradável, incluindo nomes, datas e outros pormenores investigáveis. Assim se introduz esta parte: Memorias dos Sucessos de Portugal. Compiladas por Fernão Duarte de Monterroyo. Contém 110 fólios (109 pela numeração antiga patente no manuscrito), muitos dos quais se acham rasgados, tendo sido objecto de recuperação pela biblioteca. Nos fólios 31v-32 surge o Traslado de hu' contratto Antigo de dote..., sem data, mas deixando cimentar a ideia de que o compilador destes textos miscelâneos — eventualmente o próprio Fernão Duarte Monterroyo[7] — valorizava as fontes antigas e procurava preservá-las, neste caso provavelmente coligindo vários tipos de documentos pretéritos. Logo de seguida surge o poema que aqui nos ocupa. Ora, por um lado, o par de poesias que o acompanha é igualmente bem conhecido no âmbito da polémica relativa aos primeiros textos literários em português, e as personalidades neles referidas, e nos seus títulos ou notas genéticas, fáceis de situar no tempo. Trata-se do famoso soneto de incipit “Bom Basco de Lubeyra, e de gram sem”, aí atribuído ao Infante D. Pedro, tal como se refere na respectiva epígrafe: “Soneto Antigo do Inf.te Do' P.º das sette carreyras a Vasco de Lubeyra portuguez q' compos Amadis”. Acompanha-o, como era costume, a resposta do interpelado, o soneto de incipit “Vinha Amor pello campo trebelhando”, anunciado no códice como “Reposta de Do' Vasco de Lobeyra” (ambos no fl. 33v). Por outro lado, a datação calculável pelo decurso de 280 anos pode socorrer-se da data provável do códice seiscentista, que encerra numerosos documentos anteriores ao final do século XVI; todavia, as epígrafes, costumando embora variar bastante de manuscrito para manuscrito (o que parece apontar para a redacção das suas próprias notas genéticas por parte de cada coleccionador de poesia), também poderiam ser, noutros casos, trasladadas directamente de uma fonte do texto em questão, o que malograria a tentativa de cálculo de datas a partir da do códice que alberga o testemunho conhecido.[8]

Sistematizamos em seguida a variação mais relevante entre o testemunho manuscrito (com as três primeiras estrofes) e os testemunhos impressos de Leitão de Andrada (1629) e de Faria e Sousa (1680; 1685). Acrescenta-se alguma informação etimológica e histórica relativamente a cada uma das formas mais significativas ou caídas em desuso, começando-se por apresentar todas as glosas disponíveis em cada um dos testemunhos:

v. 1 O rouso da Caba imprio de tal sanha ms.

O rouço da Caua imprio de tal sanhaLeitão d'Andrada (1629)

*[O rouzom da caua imprio de tal sanha] Faria e Sousa (1680)

O rouçom da Cava imprio de tal sanha Faria e Sousa (1685)

rouço-roussar/rouçar

Glosas: Ms., o rouso [a força]; Andrada (1627): rouço: forçar molher; Faria e Sousa (1680), rouzam, vale forçador; Faria e Sousa (1685), rouzom [mas rouçom no texto] que vale forzador.

Machado (1995, s.v. roussar; rousso) faz derivar o substantivo rousso (lat. rapsu-) do verbo rapsāre, sinónimo de raptāre. Tanto do verbo (raussar, rossar, rousar) como do substantivo (raussum, rauso, rouso), oferece ampla documentação desde o século XI. Na última atestação que conhece, do séc. XV, considera-se o verbo arcaico e carente de glosa, que explicasse o apodo de “Maria Roussada, molher casada com seu marido, que dormira com ella per força, a que estonçe chamavom rousar, por a qual cousa el merecia a morte” (Machado, 1995, s.v. roussar). Alonso (1986) data rosso dos séculos XIII e XIV, no sentido de ‘rapto violento o robo de mujer (casada, soltera o viuda)', com base em atestações no Fuero de León. Segundo Corominas (1980),rozar significou primeiramente ‘roturar, arar un campo por primera vez', mas foi agregando outras, como ‘podar' ou ‘limpar, cortando as ervas', ‘pastar', ‘lavar, esfregar', até ao significado clássico, ainda actual, de ‘pasar una cosa tocando levemente la superficie de otra'), etc. < lat. vg. *rŭptiare, derivado de rumpere ‘romper', 1ª doc. roçar, 1282 (com ç surdo em cast. antigo); s. roça (< *ruptia) ‘tierra roturada' já em docs. do séc. X. Refere roçar em port.; rouçar — minhoto rouça-me (ms. nortenho, 1661, Leite de Vasconcellos, Opúsc. II, 509); rôço “o acto de limpar qualquer árvore, sobretudo pinheiros”, “herva das vinhas, etc., que cortam para o ganado e para estrume” (ibid., 508), mas sem qualquer referência à acepção de ‘forçar', ‘violar' e ‘violação'. Alonso (1986, s.v. rozar) oferece uma atestação de roçar, ‘limpar as terras de ervas inúteis', no século XI.

caba/cava

Glosas: Andrada (1627), caua: manceba; Faria e Sousa (1680), cava, manceba, por la Florinda hija de Iulian.

Teófilo Braga (1909: 421-422) refere a este respeito: “O nome de Cava (do arabe Cabha, rameira), filha de D. Faldrina, irmã de D. Opas, muda-se no de Florinda na Verdadeira historia de D. Rodrigo, por Miguel de Luna. A forma de expressão “o forçar da manceba, ou meretriz” revela bem que o poema foi escrito de um prisma hostil, clerical ou bíblico, e que não era o dos relatos árabes. Apodo atribuído à filha de D. Julião pela primeira vez na Crónica de 1344, cuja visão geral se revela mais condenadora da jovem do que do rei (Fogelquist, 2007: 14-15). O nome representa Lataba, com variante Lacaba, Alataba, Alacaba. Veja-se referência de Carolina Michaëlis ao t de haste curta da grafia antiga, muitas vezes confundido com um c direito, ao tratar das três alusões à lenda de D. Rodrigo no Cancioneiro Geral:

A terceira [alusão], porém, relativa aos amores funestos com a filha de D. Julião (II, 4), reconduz-nos a textos mais antigos, pois apresenta o nome dela na forma arcaica La-Taba* (Vasconcelos, 1980: 37-38)

* O erro Letabla no Cancioneiro Geral (f. 64 f.) deve ser emendado para Lataba, conforme disse Pidal; e não para La Caba, como eu julgara. - Na impressão fragmentária da Crónica de 1457 (pelo Dr. Nunes de Carvalho), a filha de D. Julião chama-se ora Alataba, Allataba, ora Lataba (pág. 165), ora Allacaba (pág. 160), por confusão entre c e t curto da antiga caligrafia. Cfr. Leyendas, pág. 122 s. [Nota de rodapé, Vasconcelos, 1980: 37]

No próprio manuscrito que aqui editamos também parece ler-se acimaram no v. 4 (mas atimada no v. 21), surgindo sempre t nos demais testemunhos (atimarom); reproduz-se o mesmo t curto da grafia antiga, ou erra-se na transcrição? Tal seria prova da existência de fontes antigas.

emprir/imprir

Glosas: Ms., imprio [encheo]; Andrada (1627), imprio: encheo; Faria e Sousa (1680), imprio, inchió; Faria e Sousa (1685), emprio [mas imprio no texto] que vale lloró [mas inchió em 1680].

Machado (1995) refere o lema emprir, de implēre, divergente semiculta de encher, com a única atestação deste poema da Cava (já em Morais). Alonso (1986) documenta implir, nesse mesmo sentido de ‘llenar', nos séculos XIII (Aragão) e XIV.

sanha

Corominas (1980), que considera incerta a sua origem, mas provavelmente de insanĭa, ‘loucura furiosa', refere ser substantivo “muy frecuente en la Edad Media y en los clásicos (Nebr.: “s.: furor; s. envegecida: iracundia”). “No es menos vivo, arraigado y antiguo en portugués, donde Cortesão ya señala un ej. de 1202, y Moraes da muchos desde el s. XV”. Assim, “o forçar da manceba encheu de tal fúria”.

v. 2Juliane, e Orpas assa grey daninhos ms.

A Iuliani et Horpas a saa grej daninhos Leitão d'Andrada

A Iuliam et Horpas a saa grei daminhos Faria e Sousa

A Iulianni e Horpas a sagrei daninhos Faria e Sousa (1685)

[encher] / [encher] a

Ao contrário da lição manuscrita, nas obras impressas surge o complemento directo precedido de preposição a, estrutura característica do castelhano.

Juliam e Orpas

D. Julião, vassalo de D. Rodrigo, cuja filha (depois chamada a Cava) era dama de companhia da rainha; o bispo D. Orpas, seu cunhado (irmão de sua mulher), que o aconselha e ajuda a concretizar a invasão e perda do reino godo.

sa (vd. tambémvv. 14, 24)

Glosas: Ms., ssa [sua]; Faria e Sousa (1680), Saa, suya.

Forma átona do determinante possessivo, característica dos inícios do galego-português, alternou com a forma divergente tónica sua, que será a única a prevalecer (Williams, 1994: 159-169). São igualmente proclíticas as 5 formas do mesmo determinante possessivo que surgem registadas nos sonetos “Bom Basco de Lubeyra, e de gram sen” e “Vinha Amor pello campo trebelhando”, trasladados sequencialmente a este poema, no fl. 33v do mesmo manuscrito.

grei

Glosa: Ms., grey [natureza].

Corominas (1980) oferece atestações do substantivo cast. grey (< lat. grex, grĕgis, ‘rebaño') a partir de inícios do séc. XIII (1ª doc. Fuero de Guadalajara, 1219; Berceo). “Palabra nada rara en la Edad Media” (...). Pero la ac. ‘congregación de los fieles cristianos bajo las autoridades eclesiásticas', que ya se halla en Berceo, tiende pronto a generalizarse, y sólo por influjo latino se vuelve ocasionalmente a la primitiva”. Na acepção de ‘rebanho', Lorenzo (1977) dá atestações de grey/gree em galego-português a partir do mesmo século (gree douellas, 1262). No texto, corresponde antes a ‘gente', ou seja: A D. Julião e D. Orpas, à sua gente/povo nocivos/traiçoeiros.

daninho

Glosa: Faria e Sousa (1680), daminhos, dañadores.

Corominas (1980) oferece atestação de dañino apenas no séc. XV [em APal., de 1490; cf. dañoso, 1241], s.v. Daño, < lat. damnum:“como el sufijo -ino es poco frecuente en derivados de este tipo, quizá se deba al influjo de los antiguos benino y malino ‘benigno, maligno'. “Dañar [Berceo], como en la ac. ‘causar daño', es innovación del portugués y del castellano (...) y parece ser derivado denominativo de daño y no continuación del lat. damnare ‘condenar', que por lo demás vive como cultismo en el it. dannare, fr. damner, cat. damnar, y en castellano se halla en esta ac. (y a menudo en la forma culta damnar) en toda la Edad Media y aun en el S. XVI”. As formas danar, danar-se, danado surgem nas Cantigas de Santa Maria na acepção de ‘danificar, estragar' (Mettmann, 1972: s.v. danar).

v. 3que sembra cos Netos de Agar fornesinhos ms.

q́ em sẽbra co os netos de Agar fornezinhos Leitão d'Andrada

Que em sembra cò os netos de Agar fornezinhos Faria e Sousa

Que em sembra cos netos de Agar fornezinhos Faria e Sousa (1685)

sembra/ensembra

Glosas: Ms., sembra [iuntam.te]; Andrada (1627), sẽbra: juntamente; Faria e Sousa (1680), sembra, junta.

Alonso (1986) documenta o adv. semble (l. simul), ‘juntamente, en uno', nos séculos XIII e XIV, e ainda em Nebrija (1492).Corominas (1980), s.v. Ensamblar, ‘unir, juntar', especialmente ‘ajustar piezas de madera', tomado del fr. ant. y med. ensembler ‘ juntar, reunir', derivado de ensemble ‘juntamente' (procedente este del lat. ĭnsĭmul íd.) [mas ensamblar, a entrada em Corominas, só em 1570]. “Antiguamente se empleó el galicismo ensemble ‘juntamente' en la Rioja y Aragón (en textos de 1212 [...] 1519 [...]), y ensembla en León (en docs. de 1233-1270 [...]), extendido por los comerciantes y por la colonia francesa de Sahagún; ensembra aparece también en Toledo (1212 [...]) en Guadalajara (en su fuero de 1219) y aun en la Gram. de Nebrija (VRom. X, 304), quizá por otras colonias locales de francos; una huella aislada del mismo figura en Nebr. (“semble: simul, una, pariter”)

Agar

A serva egípcia que foi concubina do Patriarca Abraão, casado com Sara; esta, vendo-se estéril por longo tempo, poderá ter concordado com essa estratégia para que o marido tivesse filhos. Tendo sido mãe de Ismael, Agar e o filho acabam por ser expulsos de casa por Sara (Bayle, 1740-1995: 87-89). Nome hebraico que significa ‘peregrina, fugitiva' (à letra ‘voo, emigração'; cf. ár. Hijrâ, donde Hégira), segundo Machado (1993: s.v. Agar), que refere atestação na versão grega do Velho Testamento, na forma indeclinável Agar, depois também em latim. Em português oferece documentação do séc. XV, na Biblia Medieval Portuguesa. A perífrase “netos de Agar”, de composição paralela à de “filhos de Eva”, significa, pois, o mesmo que o cultismo Agareno, ‘descendente de Agar, árabe', documentado nas Partidas e n' Os Lusíadas (apud Machado).

fornezinho

Glosas: Ms., fornesinhos [bastardos]; Andrada (1627), fornezinhos: bastardos; Faria e Sousa (1680), fornecinhos, hijos de muger fornicaria; Faria e Sousa 1685), fornezinhos que vale engendrados de ilegítima cópula.

Alonso (1986) oferece atestações do adj. fornecino, -na (l. fornicinus) no séc. XIII, desde as Sete Partidas de Afonso X. “Decíase del hijo bastardo”. Corominas (1980: s.v. horno) faz radicar o termo no latimfŏrnix: “fŏrnix. -ĭcis, significaba ‘bóveda (muchas veces subterránea)', ‘túnel', ‘roca agujereada', y parece derivar del mismo radical de fornax (porque los hornos de cal o de alfarero suelen construirse en forma de bóveda); los dos vocablos se confunden parcialmente en romance en cuanto a la forma, pero vienen semánticamente de fornix los siguientes. (...). Hornecino”.Acrescenta, a propósito de horno, < lat. fŭrnus: “Junto con los derivados de horno o del lat. fŭrnus (A) coloco los de fŏrnax (B) y de fŏrnĭx (C), palabras latinas probablemente emparentadas entre sí y procedentes de una misma raíz; ya en latín hubo confusiones entre los dos radicales, pues furnax aparece desde el S. II d.C., y fornus se halla en manuscritos clásicos...”. Hornecino ‘bastardo, adulterino' [“forneçino, porque fue hecho en forniçio y no de legitimo matrimonio”, vocabulario de med. S. XV, RFE XXXV, 335; “hornezino, hijo de puta: fornicarius”, Nebr., de ahí el antiguo costilla fornacina ‘costilla falsa', y el arag. fornecino ‘vástago sin fruto'; fornecino en el Alex., 1016, y en los Castigos de D. Sancho, p. 213, significa ‘fornicador', ‘fornicario'], derivado de fornix, -ĭcis, en el sentido de ‘lupanar', que tomó este vocablo por la forma de los lugares donde estaban las prostitutas.*[Éste parece haberse conservado, al menos esporádicamente, en gallego-portugués, pues lo emplean en una tenzón a med. S. XIII dos trovadores poco conocidos, Pero Martins y Don Vaasco (que parece ser el Vaasco Gil que tenzonó con Alfonso el Sabio en la ctga. 422, fechable en 1252-55: “dizede-mi quen é comendador / eno Espital, ora da escassidade, / ou na franqueza, ou quen no fornix / ou quen quanto mal si faz e diz”, a lo cual replica Martins: “eno fornix éste Don Roi Gil/ e Roí Martiiz ena falsidade” (CEsc. 423.5, 10)].

v. 4hua' acimaram prasmada pacanha ms.

Hua atimarão prasmada facanha Leitão d'Andrada

Hũa atimarom prasmada fazanha, Faria e Sousa (1680)

Hua atimarom prasmada façanha Faria e Sousa (1685)

atimar(v. 4)-atimada(v. 21)

Glosas: Ms., atimaram [acabarão]; Andrada (1627), atimarão: acabarão; Faria e Sousa (1680), atimar, fenecer; Faria e Sousa (1685), atimarom que vale emprendieron [fenecer em 1680].

Corominas, s.v. timar, ‘quitar o hurtar con engaño', voz familiar y casi jergal, de origen incierto, quizá del antiguo y portugués atemar, atimar, ‘acabar', ‘cumplir', que viene del ár. tamm íd. 1.ª doc.: 1896, Salinas. “Recordaré el judesp. atemar ‘terminar', cast. ant. atamar o tamar íd. (documentados en J. Ruiz, Canc. de Baena, Torres Naharro y en las Leyes de Moros de los SS. XIV-XV); atemar se encuentra ya en las Coplas de Yóçef (1.ª mitad S. XIV), en otros textos judíos medievales, en la Biblia de Ferrara, y sigue hoy siendo bien vivo en judeoespañol (...), a veces con el matiz de ‘cumplir, perfeccionar' (...), y hay también variante atimar en la Biblia de Constantinopla. El vocablo procede del ár. tamm ‘terminar', y para explicar la variante atemar no es menester más que partir de la pronunciación vulgar temm, regular segun todas las normas, y ya documentada por PAIc. (...) En cuanto a atimar existe también, con el mismo sentido, ya en port. antiguo, en Gil Vicente, en el poema apócrifo da La Cava, y en Bluteau, y hoy persiste dialectalmente: en los Azores “atimar: concluir, encerrar, ultimar” (RL V, 217), y en el Minho ‘hacer algo acertadamente' (foge daí que não atimas nada “não tens desembaraço”, Leite, Opúsc. II, 474)

prasmado

Glosas: Andrada (1627), prasmada: admirauel; Faria (1680), prasmada, admirada; Faria (1685), prasmada que vale abominable.

Machado (1995: s.v. plasmar, prasmar) remete para o ant. fr. blasmer (hoje blâmer), e este do lat. pop. blastemāre, alteração de blasphemāre, e oferece atestação de prasmados apenas no séc. XV. Corominas y Pascual (1980, s.v. aplastar) referem o asturiano plasmar ‘pasmar' e o cast. plasmar (med. S. XVI, Villalobos), do lat. plasmare, de origem grega.

façanha

Glosa: Ms., pacanha [façanha].

Corominas (1980: s.v. hazaña, “voz hermana del port. façanha íd., de origen incierto”) coloca dúvidas quanto à sua origem em fazer/hacer < facere; como na Idade Média era corrente na acepção de ‘exemplo, modelo', e existe a variante hazana, considera provável que proceda do ár. ḥásana (vulgar ḥasána), ‘boa obra', ‘acção meritória', com influência do verbo facere. Data do século XII a primeira atestação que oferece: fazaña, h. 1150; Berceo. Lorenzo (1977: s.v. façaya) dá conta da utilização ampla do termo em galego-português desde o século XIII. Fazanna é comum também na prosa castelhana de Afonso X , tanto no sentido de ‘acção ou feito ilustre, assinalado, heróico', mas também nas de ‘sentença, refrão' e ‘prodígio, coisa extraordinária' (Kasten e Nitti, 2002: s.v. hazaña). Corominas (1980) não refere qualquer variante com p (paçanha...), embora ande em torno da possibilidade de façanha ter sido influenciado por patraña, ainda que considere esta forma de uso posterior.

v. 5Ca Muga e Tarife com basta companha ms.

Ca muça et Zariph com basta companha Leitão d'Andrada

Ca Muza, et Zariph com basta campanha Faria e Sousa (1680)

Ca Muza, e Zariph com basta companha Faria e Sousa (1685)

ca

Alonso (1986) oferece abundantes atestações da conjunção causal, do l. quia, depois qua, ‘porque, pois',nos sécs. XII-XV, sendo habitual na poesia trovadoresca(veja-se Machado, 1995: s.v. ca) e extremamente abundante em La Traducción gallega de la Cronica General y de la Cronica de Castilla (Lorenzo, 1977). Perdurou até à época clássica em galego-português e castelhano.

Muça/Muza

Glosa: Ms., Muga e Tarife [capitais do Miramolim].

Muça ben Nusayr, capitão, chefe ou general do exército invasor, tal como Tarif ou Tariq ben Ziyad, cujo soberano era o Miramolim. Muça/mussa/mussá, do ár. mūsā, éantr. correspondente a Moisés, segundo Machado (1995), que refere a sua presença na História dos Godos (“...Rex Azum frater eius Rex Hecic Aben Muza”), fornecendo outras atestações dos sécs. XV e XVI.

Tarife

“...nome do capitão berber Tarif que, em Julho de 710, desembarcou na pequena ilha hispânica fronteira da cidade de Júlia Traducta, ilha que pouco depois, e em memória daquele feito do dito general, passou a denominar-se Tarifa (em ár. jazīra Tarifi, isto é, «ilha de Tarife»)”, segundo Machado (1993, s.v. Tarifa, ‘ponta e cidade de Espanha').

basto

Glosas: Ms., basta [junta]; Andrada (1627), basta: muyta.

Alonso (1986) faz derivar o adjectivo de bastir e oferece atestações dos sécs. XIV-XV para a acepção de ‘abastecido'. Do lat. *bastus, ‘tapado, cheio', segundo Machado (1995), que apenas acha documentação do séc. XVI, de Morais. Corominas (1980) radica basto, cujo significado inicial foi ‘provido, abastecido',em bastar, na acepção de ‘abastecer', que relaciona com bastir, na mesma acepção, distinta de bastir, ‘construir'(‘do germ. bastjan, ‘tecer', pelo provençal).No sentido de ‘abastecer, equipar', é comum nas Cantigas de Santa Maria (Mettmann,1972) e em todo o século XIII (Lorenzo, 1977)

companha

Alonso (1986) regista compaña do séc. XII ao XV no sentido de ‘tropa, mesnada o conjunto de caballeros que van al servicio de un señor'. Walter Mettmann (1972) refere nas Cantigas de Santa Maria várias atestações de companna, na acepção de ‘companhia, multidão, séquito', e ainda de compannia/compania, este mais vezes relativo à acepção de ‘acompanhante, que acompanha ou faz companhia'.

v. 6 de jusso da Sina do Cinta Almancor ms.

Di iusu da sina do Miramolino Leitão d'Andrada (1629)

De juso da sina do Miramolino Faria e Sousa (1680; 1685)

(de) juso

Glosas: Ms., de jusso [bayxo]; Andrada (1627), iusu: debaixo; Faria (1680), juso, baxo; Faria (1685), juso que vale debaxo.

‘Debaixo'. Do adv. juso, do lat. tardio jūsu-, ‘em baixo, por terra', Machado (1995) oferece atestações desde o século XIII (e no século IX, em latim tardio, iuso). Fernão de Oliveira dá-o como antiquado em 1536, tal como o par de sentido oposto suso (apud Machado, 1995).

sina

Glosas: Ms., Sina [bandr.ª]; Andrada (1627), sina: bandeira; Faria (1680), sina, insinias, estandartes; Faria (1685), sina que vale insignia o vandera.

Forma divergente de senha, do lat. signa, pl. de signu-, surgindo atestada na acepção de ‘bandeira, estandarte', desde o séc. XIII, nas Cantigas de Santa Maria: “como Aboyuçaf foi desbaratado en Marrocos pela sina de Santa Maria” (Machado, 1995; Mettmann, 1972). Freire (1842: 53) define-a como ‘bandeira real' e refere a sua presença nessa acepção nos Regimentos del-Rei D. Diniz.

Cinta Almançor

Glosa: Ms., Cinta Almancor [nome del Rey].

Miramolim [na glosa do ms., vd. v. 5]/Miramolino

miramolim, título de ‘Califa, ou chefe dos crentes, entre os muçulmanos'; < ár. amīr al-mu'minīn, ‘emir dos crentes', tal como a variante culta miralmuminim. O cultismo pode ler-sen' Os Lusíadas (III: 78): “Entraua com toda esta companhia / O Miralmomini em Portugal” (apud Machado, 1995: s.v. Miramolim). Refere Machado (1993: s.v. miramolim): “Título que tomaram os califas sucessores de Mafoma, os Omíadas e os Abácidas.” O título de amir ul-muminin, um dos atributos do califado, data dos tempos dos primeiros califas, tendo começado com Omar I (581?-644, reinou entre 634 e 644). Refere as variantes miramolim, Amyraamolym (na Crónica Geral de Espanha de 1344), Almiramolim, Mirabolim, Mirabolino, Miralmomino, miralmuminim, miramolino. Ramón Lorenzo (1972: I, 959; 962) alinha, contudo, um leque mais amplo em La Traducción gallega de la Crónica General y de la Crónica de Castilla: Miramamolim, Miramalim, Miramolim, Miraamolim, Muramalym, Muramolim..., em numerosas variantes gráficas, para designar o rei de Marrocos. A forma miramolim, no testemunho manuscrito, é a autóctone, soando miramolino a italiano (Corominas, 1980). Pode ter acontecido que a mudança do texto (de jusso da Sina do Cinta Almancor/Di iusu da sina do Miramolino) tenha tido a ver com o facto de a forma popular portuguesa, Miramolim, não rimar com malino/maligno? Será, pois, um aperfeiçoamento posterior, sobretudo tendo em conta que Miramolim continua presente “no texto manuscrito”, a nível paradigmático, já que se inclui no verso anterior, na glosa aclaradora das formas Muga e Tarife? O Miramolim de Marrocos era designação repetida nos relatos históricos quinhentistas e seiscentistas da conquista do reino visigótico pelos árabes e da Reconquista Cristã, como a Monarchia Lusitana e as Chronicas dos reis de Portugal (de Duarte Nunes de Leão, 1774).

v. 7 o falso infancom, e o preste tredor ms.

Co falso infançon et praestes malino Leitão d'Andrada (1629)

Com falsa infançom, et Prestes maligno Faria e Sousa (1680)

Co falso infançom e Prestes malino Faria e Sousa (1685)

infançon

Glosas: Ms., infancom [fidalgo]; Andrada (1627), infançon: fidalgo.

Alonso (1986) regista infanzón, -na (b. l. infantio, -onis, y éste del l. infans, -antis, infante) em castelhano desde o séc. XII, e até ao XV, no sentido mais específico de “individuo perteneciente a la segunda clase de la nobleza, colocada bajo la de los ricos omnes y sobre la de los simples fijosdalgo. Todo caballero era hidalgo, pero no infanzón”.

preste

Glosas: Ms., o preste tredor [o clerigo Bpo' do' Orpas]; Andrada (1627), praestes: Bispo; Faria (1680), Prestes, Prelado.

Conforme documenta Alonso (1986), o s.m. preste (l. presbyter) esteve em uso do séc. XII ao XV, designando o ‘sacerdote que celebra la misa cantada asistido del diácono y el subdiácono, o el que con capa pluvial preside en función pública de oficios divinos'. Nas Cantigas de Santa Maria surgem cinco atestações de Preste, ‘sacerdote' (Mettmann, 1972).

v. 8 per Cepta adusserão o filhar despanha ms.

De Cepta add(d)uxerõ ao solar de E[s]panha Leitão d'Andrada (1629)

De Cepta aduxerom ao Solar de Espanha. Faria e Sousa (1680; 1685, solar)

per

Variante da preposição por (lat. pro), com a qual alternava já nos textos em baixo latim, no séc. X, e que estava praticamente fora de uso no séc. XVI (Machado, 1995). Alonso (1986) fá-la derivar do l. per, e documenta-a desde o século XIII.

aducer/aduxer

Glosas: Ms., adusserão [trouxerão]; Andrada (1627), add(d)uxerõ: trouxerão; Faria e Sousa (1680), aduxeron, truxeron; Faria e Sousa (1685), aduxerom que vale truxeron.

Corominas (1980) documenta pela primeira vez aducir, < lat. addūcĕre ‘conducir a (alguna parte'), derivado de dūcĕre, ‘conducir', no século XII (Cid). Aduxe ‘yo traje' 1107 (Col. Dipl. Oña, 113.35). “En la Edad Media tenía -z- sonora y fué palabra de uso popular, sinónima de traer o llevar (part. aducho), pero en la primera mitad del S. XV y aun a fines del XIV ya estaba anticuada”. Alonso (1986) oferece ampla documentação de aduxir e aduzir desde o século XI; no sentido seguro de ‘inducir, incitar', refere atestações do séc. XIII e de ‘conduzir' desde o XIV, contudo, vários dos seus exemplos soltos mais antigos apresentam acepções similares à deste poema (‘conduzir' ou ‘incitar').

filhar-filhado (v. 16)

Glosa: Ms., filhar [tomar].

Machado (1995) atesta o verbo (também) no sentido de ‘apossar-se de' no séc. X. Nas Cantigas de Santa Maria, fillar é muito frequente na acepção de ‘tomar, agarrar ou apanhar' (Mettmann, 1972). Freire (1842: 33) refere que “se acha em escripturas muito antigas” no sentido de ‘tomar', como prova Duarte Nunes de Leão.

solar

Glosa: Andrada (1627), solar: terras.

Machado documenta o s. solar, de solo, com o sentido de ‘terra(s)', desde o início do séc. XII.

v. 9 E porque era forca adarue e fossado ms.

E porque era força Adarue et foçado Leitão d'Andrada

Et porque era força, adarve, et foçado Faria e Sousa

força

Glosa: Ms., forca [fortaleza].

Alonso (1986) documenta o termo apenas nos sentidos de ‘vigor muscular...' (sécs. XIII-XV), ‘violencia' (XI-XV), ‘violencia que se haze a una mujer para gozarla', stuprum (Nebrija, XV) e ‘hueste, ejército, cuerpo de ejército' (XII). Substantivo com origem no lat. tardio fortĭa, plural neutro do adjectivo fortis (‘forte'), designava originalmente os ‘actos de força de coragem', e depois simplesmente ‘força'. Documentado por Machado (1995) desde o século XIII.

adarve (vd. adarvado v. 13)

Glosas: Ms., adarue [muro]; Andrada (1627), Adarue: fortaleza; Faria e Sousa (1680), Adarvefoçado: fortaleza con foço.

Substantivo do ár. ad-darb, na acepção hispânica de ‘caminho; desfiladeiro; rua, ruela', surge atestado desde o séc. XI, na variante addarbis, e mais tarde como adarve, ora tratado como masculino ora como feminino (Machado, 1995). Alonso regista-o do séc. XI ao XV, no sentido de “espacio en lo alto de un muro, sobre el cual se alzan las almenas; camino detrás del parapeto de una fortificación”, e ainda do séc. XII ao XV, na acepção de “muros de una fortaleza”, “obra del adarve”, no séc. XII, e ainda na de ‘bairro', no XIII.

fossado

Glosas: Ms., fossado [caua]; Andrada (1627), foçado: caua.

Com origem emfosso, surge documentado desde o séc. XI(Machado, 1995).

v. 10 da betica almina, e o seu Casteual ms.

Da Betica Almina et o seu Casteual Leitão d'Andrada

Da Betica Almina, et o seu Casteval Faria e Sousa

Bética

Glosas: Ms., betica [Andaluzia]; Andrada (1627), Betica Almina: alcaidemòr [sic].

Parte da Hispânia romana que corresponde aproximadamente à actual Andaluzia; do lat. Baetĭca, derivado de Baetis, o actual Guadalquivir, de origem pré-romana (Machado, 1995, s.v. Bética; Bétis).

Almina

Glosa: Ms., almina [hua' parte de Ceita].

Península marroquina onde se situa a actual Ceuta, muito citada por Zurara (Machado, 1995).

Casteval

Glosas: Ms., Casteual [Alcayde Mor]; Andrada (1627), Casteual: ira [sic]; Faria e Sousa (1680), Casteval, Alcayde.

Bluteau (1727) remete para Alcaide e cita precisamente este verso, na lição de Faria e Sousa (1760). Viterbo (1765) define-o como ‘alcaide, governador do castello'.

v. 11 o Conde p' ença e prol comunal ms.

O Conde per encha et pró comunal Leitão d'Andrada

O Conde por Encha, et pro comunal Faria e Sousa

ença/encha

Glosa: Ms., ença [emenda da perda q' hu' home' perde na guerra].

De encher/ cast. henchir, que possuía o segundo sentido de ‘cumular alguém de favores ou de danos e ofensas', bem presente na prosa de Afonso X (Kasten & Nitti, 2002). Machado (1995) refere para encher, < implēre, uma acepção que podia ser a deste derivado regressivo: ‘prover' / ‘provimento'.

pro/prol

Glosas: Ms., prol [prou.to]; Andrada (1627), pró: proueito.

Alonso (1986) data prol, no sentido de ‘aprovechamiento', dos sécs. XIII a XV, desde o Fuero Juzgo (1241), e pro (l. vg. prode, provecho, del l. cl. prodest, es útil; proficit, pro de facit) do séc. XII ao XV. Em galego-português, Machado (1995) oferece atestações do s. prol (do lat. prode, através de *prole), e da variante proe, no sentido de ‘proveito, utilidade, vantagem', igualmente desde o séc. XIII. Freire (1842: 47) refere: “É termo mui frequente em Escripturas antigas, e se acha na Ordenação do Reino...”.

comunal

Glosas: Ms., comunal [comu' e geral]; Andrada (1627), comunal: comum; Faria (1680), comunal, comun.

Adjectivo do lat. communāle, ‘da comunidade, comum', documentado na poesia trovadoresca (apud Machado, 1995). Alonso (1986: s.v. comunal e cumunal) fornece ampla atestação de comunal, na acepção de “común (...), que no siendo privativamente de ninguno, pertenece o se extiende a varios”, ou “lo que es del común del reino, ciudad, etc.”, do século XIII ao século XV.

v. 12 en terra os increos pojarão a seu grado ms.

Em terra os encreos poyarão a saa grado Leitão d'Andrada

Em terra os encreos poyarom a Saagrado, Faria e Sousa

increo

Glosas: Ms., increos [infieis]; Faria e Sousa (1680),increos, incredulos.

Forma popular de incrédulo, ‘não crente'. Machado (1995, s.v. incrédulo) oferece documentação apenas do séc. XVI.

poyar

Glosas: Ms., pojarão[9] [sairão]; Andrada (1627), poyarão: desembarcarão.

Alonso (1986), poyar (de poyo [“de podium, lugar elevado, tribuna, y éste del gr. pódion, de pous, podós, pie”]), ‘pagar la poya', nos séculos XIV e XV, nos Fueros de Aragón. Machado (1995) apresenta atestação do verbo pojar (de *podiāre) no século XIV e da variante poiar no XIII. Distingue-o, porém, de poiar, ‘colocar no pódio, reconhecer', que faz derivar de poio (< pŏdĭum, divergente de pódio), atestando o substantivo desde o século XII e o verbo somente na poesia trovadoresca.

grado

Glosas: Ms., grado [prazer]; Andrada (1627), grado: a vontade.

Alonso (1986) apresenta numerosas atestações de grado (l. gratus), na acepção de ‘voluntad, gusto', dos séculos XI a XV (mas nenhum com preposição a: de su grado, de grado, en grado). Machado (1995) documenta-o apenas na poesia galego-portuguesa.

v. 13 E Gibraltar Macar que adarvado ms.

E Gibraltar maguèr que adaruado Leitão d'Andrada

Et Gibaraltar, maguer que adordado, Faria e Sousa

macar/maguer

Glosas: Ms., Macar [ainda] (que); Andrada (1627), maguèr: inda que.

As formas macar e maguer, do grego makárie, são variantes arcaicas da conjunção com o valor concessivo de ‘ainda que, apesar', a primeira popular em galego-português, a segunda provavelmente proveniente do castelhano, como pretende Corominas (1980: s.v. maguer).Significou primeiramente ‘ojalá'. Primeira atestação nas Glosas silenses, n.º 281, 2.ª metade do séc. X (macare ke siegat); maguer, Cid, etc. — macar en gallego antiguo, en un fragmento de traducción de las Partidas (RL XIV, 71) y R. Lapa, CEsc. 19.3, 23.9, 26.44; mákkar ‘por lo menos' y ‘aunque' en mozárabe (PAIc.): ambas se explican teniendo en cuenta la etimología”. Menciona ainda que o português antigo maguer “ha de ser castellanismo”, “lo castizo es el gall. ant. macar”. Num longo verbete em que também rebate uma pretensa origem turca, conclui que “maguer-makkâr existía así en el Norte como en el Sur de España desde la Alta Edad Media: en Burgos (Glosas de Silos) a mediados del siglo X; en el habla cordobesa ya a primeros del siglo XII; en gallego macar a med. del S. XIII (Ctgs 9.88, 11.3, 64.68 y otros 10 pasajes) y en doc. de Monforte a. 1255 (Sarm. CaG. 137v)”. O testemunho manuscrito poderá reproduzir uma fonte mais antiga que encerra as formas originais e autóctones, enquanto os impressos do século XVII se acharão compreensivelmente castelhanizados? Conclui Corominas (1980): “J. Vallejo, Homen. a M. P. II, 68-71 estudió la progresiva decadencia del vocablo, debida al carácter plebeyo que fué tomando a fines de la Edad Media: el primero en evitarlo fué D. Juan Manuel, que con su fina sensibilidad aristocrática, introduce el neológico como quiera que; (...) en el S. XVI se había enrarecido hasta el punto de que Juan de Valdés apenas lo recuerda...”

adarvar-adarvado (vd. adarve, v. 9)

Glosas: Ms., adarvado [murado]; Andrada (1627), adaruado: murado.

Alonso (1986) documenta adarvar (de adarve [e este “do ár. darb, camino de montaña”]), ‘fortificar con adarves', no séc. XV, mas de adarve (“do ár. darb, camino de montaña”) oferece numerosas atestações do séc. XI ao XV, na acepção de ‘espacio en lo alto de un muro, sobre el cual se alzan las almenas; camino detrás del parapeto de una fortificación', e do séc. XII ao XV, no sentido mais geral de ‘muros de una fortaleza'.

v. 14 e como o compridouro para defensão ms.

E co compridouro pera saa deffensaõ Leitão d'Andrada

Et co compridouro per saa defensaõ, Faria e Sousa

como

Glosa: Ms., como [co' tudo] o compridouro [o q' compria].

compridouro

Glosa: Ms., compridouro [o q' compria].

Aquilo que cumpre, que ‘é preciso, necessário'. Machado (1995: s.v. comprir/cumprir) documenta compridoiro, de comprir (e este de cumplēre) no séc. XIV. Alonso (1986) regista a forma cumplidero nos sécs. XIV-XV.

sa (vd. vv. 2, 24)

defensom-defensão

Alonso (1986) dá atestações de defensión (l. defensio, -onis), na acepção de ‘resguardo, defensa', do séc. XIII ao XV. A terminação analógica defensão aparenta ser interferência clássica, e a rima com afam/afão torna-se suspeita. Na eventualidade de ser texto contrafeito, porquê a escolha de uma rima pobre, e em -ão, sendo relativamente fácil achar qualquer outra melhor, e em -om?

v. 15 pello juso ditto se algo de afam ms.

Pello suso dito sem algo de afaõ Leitão d'Andrada

Pello susodeto sem algo de afaõ Faria e Sousa

juso/suso (vd. v. 6)

Glosa: Ms., juso [abayxo].

Deveria ler-se suso neste passo do ms., pois remete para o v. anterior, “com o que era preciso para sua defesa”.

algo (de)

Glosa: Ms., algo (de) [algum].

afam-afão

Glosas: Ms., afam [trabalho]; Andrada (1627), afaõ: fadiga.

Alonso (1986) apresenta atestações de afán (de afanar) nos sécs. XII a XV, na acepção de ‘trabajo excesivo, solítico y congojoso, fatiga'. Corominas (1980) discute a origem de afanar precisamente tendo em conta a grande antiguidade de afán, com variante antiga afaño, e em port. afão desde o séc. XV, hesitando diante da hipótese de afanar ser provençalismo recebido por via trovadoresca.

v. 16 toste foy delles entrado e filhado ms.

Presto foy dlles entrado et filhado Leitão d'Andrada

Presto foy delles entrado et filhado. Faria e Sousa

toste/presto

Glosa: Ms., toste [asinha].

Nas Cantigas de Santa Maria surge frequentemente o advérbio toste ‘cedo, depressa', enquanto prestes se usa uma só vez: “Prestes estamos” (Mettmann, 1972). Quanto ao adjectivo presto (do l. praestus, de praestare, ‘estar antes'), Alonso (1986) oferece atestações dos sécs. XII a XV na acepção de ‘aparejado, preparado o dispuesto para ejecutar una cosa', e dos sécs. XIII a XV no sentido de ‘pronto, diligente, ligero en la ejecución de una cosa').

deles

Introdução arcaica do complemento agente da passiva pela preposição de, que seria substituída pela actual preposição por sobretudo a partir do séc. XVII.

filhado (vd. filhar no testemunho ms., v. 8)

Glosa: Ms., filhado [tomado].

v. 17 E os ende filhados leais ha verdade ms.

E os ende filhados leais a verdade Leitão d'Andrada

E os ende filhados leaes a a verdade Faria e Sousa

ende

Glosa: Andrada (1627), ende: ali.

‘Dali', ‘disso', ‘por isso', do lat. ĭnde. Atesta-o Alonso (1986) do séc. XIII ao XV. Foi saindo de uso no séc. XV em castelhano e em português, juntamente com o adv. i (‘aí'), que, tendo desaparecido antes, se viu ainda, em alguns casos, substituído por aquele (Corominas, 1980).

v. 18 os hostes sedentos do sangue dos Gudos ms.

Os hostes sedentos do sangue de oniudos Leitão d'Andrada

Os hostes sedentos do sangue de onjudos Faria e Sousa

(o) hoste (vd. a hoste, v. 27)

Glosas: Ms., os hostes [imigos]; Andrada (1627), hostes: inimigos.

Com um traço morfológico antigo, já que ainda se acha no masculino, como em latim; de hoste-, ‘estrangeiro; inimigo (de guerra), inimigo público; inimigo em geral', tomou no latim vulgar o sentido colectivo de ‘exército inimigo' e de ‘exército, em geral', com o qual surge no séc. XIII na poesia trovadoresca, já como substantivo feminino (Machado, 1995; Corominas, 1980: s.v. hueste). Como refere Corominas (1980), estava generalizado em toda a Idade Média e era comum a todos os romances, registando-se desde o séc. VI na acepção vulgar de ‘exército'. Acrescenta ainda que, na nova acepção, “el vocablo se hizo femenino casi en todas partes, aunque en francés antiguo es todavía masculino muchas vezes”.

sedentos

Glosa: Ms., sedentos [sequiosos].

Alonso (1986) documenta o adj. e s. sediento (de sed), ‘que tiene sed', do séc. XIII ao XV. Viterbo (1799) refere apenas o arcaismo sederento, ‘sequioso'.

onjudo (ongir)

Glosas: Andrada (1627), oniudos: Christãos; Faria e Sousa (1680), onjudos, ungidos por bautizados.

A variante ongir surge documentada nas Cantigas de Santa Maria em alternância com ungir, esta com 3 atestações, aquela com duas: 54.43 Os frades, que cuidavan que mort' era, / porque un dia sen fala jouvera, / cada un deles de grado quisera / que o ongessen como convĩia; 93.38 do seu santo leite o corpo ll'ongiu (Mettmann, 1972: 214). As formas participiais em -udo são as esperáveis num texto medieval, tendo já desaparecido quase completamente no século XVI (Barros, 2000), mas o complemento determinativo “de onjudos” não convence nos testemunhos impressos, para mais resultando em duas preposições seguidas, oferecendo a versão manuscrita um verso mais límpido, de melhor ritmo e maior precisão histórica.

Godos

Refere Machado (1995) que entrou cedo na linguagem vulgar, fornecendo atestações desde o séc. X (de gothu-). Alonso (1986) só documenta o adj. e s. patronímico, relativo ao ‘pueblo establecido en Escandinavia tres siglos antes de Jesucristo (...) y fundador de reinos en España y Italia”, no séc. XV.

v. 19 meterom a cutello apres de rendudos ms.

Meterão a cutelo a pres de rendudos Leitão d'Andrada

Metero a cutelo a pres de rendudos Faria e Sousa

aprés de (logo a seguir, no ms., aprés a)

Glosas: Ms., apres [depois]; Andrada (1627), pres: logo; Faria e Sousa (1680), a pres', afuero.

Alonso (1986) faz derivar o adv. aprés de “ad pressum, apretadamente, de pressus, p.p. de premere, oprimir”, e oferece atestações na acepção de ‘próximo' (cerca), do séc. XII ao XV, e de ‘depois', do XII ao XIII. Não apresenta atestações de aprés a, como no v. 20, apenas de aprés de ou simplesmente aprés.

rendudo (vd.v. 30, sabudo; v. 31, teúdo)

Glosa: Ms., rendudos [rendidos].

Rendido, particípio medieval de render, sendo as formas em -udo já residuais no século XVI. Vejam-se os documentos notariais editados por Martins (1994; 2001), dos sécs. XIII a XVI, e cuja evolução das formas participiais foi estudada por Barros (2000).

v. 20 sem esguarde apres a sexo nem idade ms.

Sem esgoardarem a seixo nem idade Leitão d'Andrada

Sem que esguardassem nem seixo ou idade. Faria e Sousa

esguarde (s.) /esguardar

Glosa: Ms., (sem) esguarde [terem risguardo].

Freire (1842: 32) define esguardar como ‘considerar' e oferece atestação em Fernão Lopes. Corominas (1980: s.v. guardar) regista as formas ant. esguarde e esguardar, ‘mirar', que faz derivar do catalão esguardar. Alonso (1986) oferece atestações de esguarde e esguart, ‘acción de esguardar, consideración', apenas no séc. XV, tal como as do verbo esguardar. “Sem olhar a sexo ou idade”, pois.

apres

Glosa: Ms., apres [depois].

Corominas (1980) recenseia pela primeira vez a forma proclítica aprés (de ad pressum, ‘apertadamente', de pressum, particípio de premere, ‘apertar'), ‘cerca', ‘después', no Cid, achando-o ainda em uso Juan de Mena e Nebrija. Dá-o como “bien conservado en los romances del Este y Norte (cat. aprés, després, fr. après, près) y perdido en fecha muy temprana en castellano”. Considera difícil apurar se seria autóctone ou de influência galorromânica, embora se incline para a primeira hipótese.

v. 21 estando atimada a tal crueldade ms.

E tendo atimada a tal crueldade Leitão d'Andrada; Faria e Sousa

atimar-atimado (vd. v. 4)

Glosas: Ms., atimada [acabada]; Andrada (1627), atimada: acabada.

É medieval a concordância do particípio passado, acompanhado de ter, com o Complemento Directo (“a tal crueldade”).

v. 22 a caza orada de Deos profanarão ms.

O templo et orada de Deos profanarão Leitão d'Andrada

O Templo Eorada de Deos profanarom Faria e Sousa

orada

Glosa: Ms., orada [sagrada].

Machado (1995) regista orada (< orāta, ‘orações, preces') como topónimo no séc. XIII. Alonso (1986) documenta somente oradero (sécs. XIII-XV). Freire (1842: 42) define-a, no verso, como “logar em que se ora a Deus”.

v. 23 voltandoa em Mesquita hu logo adorarão ms.

Voltando em mesquita hu logo adorarão Leitão d'Andrada

Voltando em mesquita hu logo adorarom Faria e Sousa

voltar-voltos (vd. v. 26)

Em Machado (1995) com atestação somente no séc. XVI (do lat. *voltāre, calcado em *voltu-, por volutu-, de volvere). Lorenzo (1977)dá conta, única e abundantemente, de uoluer, embora registe volta como s.f. e particípio romance de volver.

u

Glosas: Ms., hu [onde]; Andrada (1627), hu: onde; Faria e Sousa (1680), hu, donde.

Forma medieval do advérbio de lugar, ‘onde', do lat. *ūbi, em vez de ŭbi, documentado em português desde o século XI (Machado, 1995).

v. 24 sa besta Mafoma que medes maldade ms.

Saa besta mafoma a medes maldade Leitão d'Andrada

Sa bèsta Mafoma a medès maldade. Faria e Sousa

sa (vd. vv. 2, 14)

Glosas: Ms., sa [sua]; Andrada (1627), Saa: sua.

Mafoma:

Forma divergente, ao lado de Maomé, para nomear o profeta. Do ár. Muhammad, ‘louvado', tornado em mahummad na Hispânia e Marrocos, com atestação de Mahomat desde o séc. X (Machado, 1995). No séc. XVI, refere Fr. Gaspar de S. Bernardino, falando da Arábia e regiões vizinhas: “Mafoma, a quem os Arabios, por estas partes chamão Mahamet” (Machado, 1995).

medês (vd. v. 29)

Glosas: Ms., medes [a mesma]; Andrada (1627), medes: mesma; Faria e Sousa (1680), medès, misma.

Corominas (1980: s.v. mismo) refere, de *medĭpse, o oc. ant. medis e mezis (segundo Millardet). Variante de meesmo, meísmo, mesmo, do lat. vulgar medĭpsĭmus, resultado da combinação do vulgar ĭpsĭmus (forma enfática de ipse, ‘o mesmo, o próprio') com -met, que se agregava aos pronomes pessoais para lhes reforçar o sentido. Embora refira formas do occitano antigo como medesme, do fr. antigo como me(d)esme, me(d)isme e do italiano medéṣimo, recusa a hipótese de Meyer-Lübke de que todas as formas romances sejam empréstimos do francês antigo. Refere Freire (1842: 41): “Acha-se tambem em muitos papeis do principio do reino”.

v. 25 O gazu et assalto que os da aleiuosia Leitão d'Andrada

O gazu, et assalto que os da alevosia Faria e Sousa

gazu

Glosas: Andrada (1627), gazu: matança.

Em Viterbo (1799), “carnagem, matança, segundo alguns. Neste sentido he o effeito da Gazûa, a qual he: ajuntamento da tropa, ou do exercito. Hoje entre os Arabes corresponde a Gazûa à nossa Cruzada: he o acto de convocar a gente para a guerra, que se faz em defensa da religião”.

v. 26 Tramarom. (pos voltos de algo sayoẽs) Leitão d'Andrada

Tramarom, por voltos de algoz sayoẽs Faria e Sousa

volto (vd. v. 23)

Glosas: Andrada (1627), pos voltos: tornados; Faria e Sousa (1680), por voltos de algo sayoẽs, despues bueltos sayones de hijos dalgo, de cavalleros.

Corominas (1980) refere o galego-português volto (con), ‘revuelto, mezclado”, nas Cantigas de Santa Maria, de que deriva o frequentativo voltar. O particípio forte resultante de volŭtum > volto, de volver, < vŏlvĕre, é o esperável num texto em galego-português, já que a substituição pelas formas fracas (à época quase exclusivamente -udo) se desenvolve progressivamente até ao português clássico.

(de) algo

Glosa: Andrada (1627), algo: fidalgos.

saiões/saiom

Glosa: Andrada (1627), sayoẽs: algozes.

Alonso (1986) documenta sayón do séc. XIII ao XV. Do “gót. sagjis, del germ. sagjan, decir, notificar. Fué latinizado en sagius y sagio, -onis”. “En la Edad Media, ministro de justicia que tenía por principal oficio hacer las citaciones y ejecutar los embargos”. Como indica Machado (1995), tendo-se disseminado pelos romances hispânicos por intermédio do lat. saĭōne-, ‘carrasco, verdugo', ‘porteiro, bedel, beleguim', surge em textos latinos desde o séc. X como sagion, sagione, e com saioni, no séc. XI, parecendo anunciar a nova forma. Refere ainda que o vocábulo “entrou em desuso na linguagem vulgar, vencido por carrasco”, mas falta averiguar quando terá deixado de ser corrente. Kasten e Nitti (2002) oferecem quatro atestações de sayones na prosa castelhana de Afonso X, no sentido de ‘ministro de justicia'.

v. 27 Co os dous Almirantes da hoste mandoẽs Leitão d'Andrada

Cò os dous Almirantes de Hoste mandoẽs Faria e Sousa

hoste (vd. v. 18)

Glosa: Andrada (1627), hoste: exercito.

mandões

Glosa: Faria e Sousa (1680), mandoẽs, mandadores.

Alonso (1986) regista mandón, -na só no séc. XV e como adjectivo (“que ostenta demasiado su autoridad y manda más de lo que le toca”).

v. 28 Quedarom com farta soberba et folia; Leitão d'Andrada; Faria e Sousa

farto

De fartu-, ‘amplo, cheio, guarnecido', etc., documentado por Machado (1995) a partir do séc. XIV; Alonso (1986: s.v. harto), contudo, fornece atestações de farto no séc. XII e harto no XIII.

folia

Glosas: Andrada (1627), folia: oufania; Faria e Sousa (1680), folia, fiesta.

Do occitano antigo folia, ‘loucura', derivado de fol, ‘louco, com origem no lat. fŏllis; atestado desde o século XIII nessa acepção antiga (Corominas, 1980). Alonso (1986: s.v. folía e follía) documenta amplamente folia/follia, ‘loucura, desvario', do séc. XIII ao XV.

quedar

Como indica Corominas (1980, s.v. quedo), “de uso general desde el S. XIII; mozárabe quedarse en h̬arğa trasmitida por un poeta del S. XI o XII; do lat. tardio quietare ‘aquietar, hacer callar'. Alonso (1986) documenta-o do séc. XII ao XV como intransitivo, na acepção de ‘subsistir, permanecer o restar parte de una cosa' e do XIII ao XV como transitivo ou intransitivo, no sentido de ‘cesar, terminar, acabar, convenir definitivamente una cosa'.

v. 29 E Algezira que o medes temia Leitão d'Andrada

Et Algezira que o medès temia Faria e Sousa

Algezira:

Machado (1993: s.v. Aljazira) documenta o nome da actual Algeciras, no estreito de Gibraltar, desde os sécs. XI (Algeiara) e XII (Aljazira); do ár. al-jazirâ, ‘a ilha', ‘a península', ‘planície fluvial'.

medês (vd. v. 24):

Glosa: Andrada (1627), medes: mesmo

v. 30 Por ter a maleza cruenta sabudo Leitão d'Andrada

Per ter a maleza cruenta Sabuda Faria e Sousa

maleza:

Glosas: Andrada (1627), maleza: maldade; Faria e Sousa (1680), maleza, maldad.

Divergente popular do culto malícia, de malitia (de malus, ‘mau'), atestado por Alonso (1986) desde o séc. XIII, em alternância com maldad (XIII-XV). Freire (1842: 39) refere que “é termo antiquissimo (...) e tem exemplos nos poetas mais antigos”.

cruento:

Glosa: Andrada (1627), cruenta: cruel.

‘Sanguinário, sangrento'. Corominas (1980) fornece uma primeira atestação do adjectivo, do lat. cruĕntus, ‘sangrento' (derivado de cruor, -ōris, ‘sangue', apenas no séc. XVI, mas Alonso (1986) regista o verbo cruentar (l. cruentare), ‘ensangrentar', no séc. XIII. O Dicionário da Real Academia Española refere a acepção de “sanguinario y cruel”, mas, segundo Corominas, embora ela já se ache em latim, a interpretação do vocábulo culto nesse sentido resulta da confusão “disparatada” com cruel.

sabudo:

Glosa: Andrada (1627), sabudo: sabida.

Sabido, particípio passado medieval de saber. Vd. v. 19, rendudo; v. 31,teúdo.

v. 31 Mandou mandadeiro como era teuda Leitão d'Andrada

Mandou mandadeiro come era teuda Faria e Sousa

mandadeiro:

Forma divergente popular de que restou em português contemporâneo a culta mandatário; em castelhano, mandadero, -ra, do l. mandatarius, atestado desde o séc. XII e até ao XV no sentido de ‘embajador o comisionado para un negocio' (Alonso, 1986) ou seja, ‘enviado'.

teúdo:

Glosa: Andrada (1627), teuda: obrigada.

Tido, particípio passado medieval de teer > ter. Vd. v. 19, rendudo; v. 30,sabudo.

v. 32 Ao roucom do Rey que em Toledo Leitão d'Andrada

Ao rouzom do Rey que em Toledo sia. Faria e Sousa

roussom:

Glosa: Andrada (1627), roucom: forçador.

Corominas (1980) limita-se a registar o derivado rozón, s.v. rozar, sem mais. Machado (1995) refere e documenta apenas rousador/roussador, de rousar/roussar, e atestado desde o séc. XI.

sia-seer:

Glosas: Andrada (1627), sia: estaua; Faria e Sousa (1680),sia, estava.

‘Estava', forma do imperfeito do indicativo de sedere > seer, etimologicamente ‘estar sentado', comum até à primeira metade do séc. XIV, mas tendo sobrevivido até meados do XV (Corominas, 1980). Como acontecia derivar o seu sentido no de ‘estar colocado', e devido à sua proximidade fonética com essere, acabou por ganhar os sentidos de ‘estar' e, por fim, de ‘ser', que surgem também atestados desde o séc. XIII. Verbo documentado do séc. XIII ao XV (Alonso, 1986), com atestações no sentido de ‘estar' e de ‘ficar' no séc. XIII, e de ‘estar sentado' nos sécs. XIII-XIV.

Nas meras três estrofes comuns a manuscrito e impressos, a variação textual já é curiosa: embora mantenha o mesmo esquema rimático abbaccb dos testemunhos em letra de forma, o testemunho manuscrito apresenta rima diferente nos versos 6-7, “de jusso da Sina do Cinta Almancor / o falso infancom, e o preste tredor”, enquanto nos impressos se lê “Di iusu da sina do Miramolino / Co falso infançon et praestes malino” (citando Leitão, mas em lição bastante próxima da de Faria e Sousa).

Em termos lexicais, podem ainda identificar-se divergências com interesse, como juso ditto (‘abaixo...')/suso dito (v. 15) (‘acima...'), de significados opostos[10]; toste/presto (v. 16); “do sangue de oniudos a caza orada” / o templo e orada (v. 22); “os hostes sedentos do sangue dos Gudos” / “Os hostes sedentos do sangue de oniudos” (v. 18), mas sem variação quanto ao tratamento do substantivo hoste como masculino. Observa-se igualmente alguma variação morfossintáctica: sem esguarde apres a sexo nem idade / Sem esgoardarem a seixo nem idade / Sem que esguardassem nem seixo ou idade (v. 20).

Desde a publicação do poema (Andrada, 1627) que lexicógrafos e filólogos como Bluteau, Viterbo, Francisco José Freire, Morais, Machado ou Corominas o têm usado como fonte, mas sem que se pronunciem quanto à sua autenticidade ou datação, pelo que se limitam a admitir os seus vocábulos, devido à sua evidência histórica nas obras seiscentistas. No século XVIII, Francisco José Freire menciona repetidamente o poema ao definir formas “dos nosso livros antigos” (1842: 6) no terceiro volume das Reflexões sobre a Lingua Portugueza (editadas pela Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis sob supervisão de Cunha Rivara, apenas em 1842), Reflexão 1.ª, “Em que se dá a ler um copioso Catalogo de antigas palavras portuguezas, para instrucção do principiante no estudo da nossa historia e litteratura dos primeiros seculos da Lingua”. Assim, a respeito de rouço e rouçom, que faz preceder de rouçar, cita o primeiro e o último versos — “Rouçar: O mesmo que forçar; e assim diziam mulher rouçada. Rouço: a acção de forçar uma mulher. Leitão na Miscellan. pag 456. «O rouço da cava imprio de tal sanha» &c. Rouçom: o forçador da mulher. Leitão na Miscellan. pag. 457. «Ao rouçom do rei, que em Toledo sia» &c.” (Freire, 1842: 51); o primeiro, porém, já antes o incluíra para exemplificar Cava: “o mesmo que manceba de algum homem. Leitão, Miscellanea, pag. 456...” (23). Mas ainda antes inclui e define adarvado e adarve por recurso ao verso 13, aludindo à grande antiguidade do poeta: “Adarvado: o mesmo que murado; e adarve o mesmo que fortaleza ou castello. Neste sentido os usou um nosso antiquissimo poeta, dizendo: «E Gibraltar maguer que adarvado» &c.” (9); a propósito de emprir,alude desta vez à grande antiguidade do poema:“o mesmo que encher, segundo Faria na Introducção ás Odes de Camões, pag. 81, interpretando um verso de um nosso antiquissimo poema” (29); volta a repetir-lhe um verso, e a identificar a sua fonte antiga, nos lemas aduxar, “o mesmo que trazer. Acha-se nos antigos versos que transcreveu Miguel Leitão na sua Miscellanea: «De Cepta aduxeron ao solar de Espanha»” (10) e sayão: “o mesmo que algoz, segundo Leytão na sua Miscellan. pag. 457, onde transcreve uns antigos versos onde vem esta palavra” (52); refere ainda o verso “Emsembra co os netos de Agar fornezinhos” como exemplo do lema emsembra (29),entre outros, nem sempre coincidentes com as glosas conhecidas, como atimar, casteval/castival, imprir, medes, orada, pres, prestes, etc.

Em 1765, Fr. Joaquim de Santa Rosa de Viterbo também considerou necessário incluir alguns dos termos aqui presentes no seu Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram e que hoje regularmente se ignoram..., por vezes citando o “antigo poema da perdição de Hespanha”. Assim, por exemplo, no Supplemento, que encerra o tomo segundo (Viterbo, 1799), incluiu fornizio, “Concubinato, adulterio, mancebía, vida torpe, e deshonesta”, e fornazinho, “Nascido do concubito illegal, e torpe, bastardo, illegitimo, e que não he favorecido pelas Leis em quanto ás honras, e herança, em abominação do peccado de seus Pais. E se tal Guete nom ouverem, nom casaróm com ellas nenhuums Judeos: e casando, se ouverem algums filhos, serom fornezinhos. Cod. Alf. L. II. Tit. 72. in princ. V. Guete. Na segunda edição do tomo primeiroemendou, contudo, fornazinho para fornezinho e subdividiu os lemas em fornezinho, citando o texto que aqui nos ocupa (“Fornezinho. I. O espurio, illegitimo, gerado de torpe ajuntamento. Vem à fornicibùs, in quibus scortu prostabant. Acha-se no antigo Poema da perdição de Hespanha”) e Fornezinho ou Fornozinho. II, que corresponde ao verbete da primeira edição. Quanto ao substantivo fornizio, “O mesmo que fornicio”, perde a primazia na segunda edição, surgindo no verbete principal o lema fornicio, “Concubinato (...)”. Outras referências ao seu vocabulário, por parte de outros autores, foram supracitadas no aparato crítico. Em suma, existiram vocábulos no português de que pouca ou nenhuma evidência ficou nas obras lexicográficas, se não contarmos com o contributo deste poema.

3. Conclusão

Tendo em atenção que, desde o início da polémica em torno dos textos literários “mais antigos”, têm sido editados numerosos manuscritos em galego-português e em português clássico ainda sem aproveitamento na lexicografia histórica e etimológica, e que muitos mais se acham inéditos, seria contraproducente pronunciarmo-nos “já” (quatro séculos depois da eventual “contrafacção” do poema, sete ou mais séculos depois da sua redacção ou cópia) sobre a sua pretensa hibridez lexical e linguística. Muito mais impróprio me parece, por isso mesmo, rotular desde já o texto de apócrifo, como tem andado, e os seus copistas de mistificadores e falsários, quando, afinal, nada há de mais legítimo em qualquer filólogo ou historiador do que o impulso e paixão de trasladar textos velhos — venham eles de fonte segura ou de fontanários incógnitos e eventualmente impróprios para consumo. Cabe aos vindouros receber essa herança com humildade de cientista e investigá-la pacientemente sem ideias ou julgamentos demasiado definitivos.

Um poema que, apenas desde o eventual século XVII da sua “manufactura”, já se viu privado de uma estrofe, segundo a tradição manuscrita, e de um verso, segundo a tradição impressa, que apenas em três testemunhos desse século já tem a oferecer ampla variação sintáctica, morfossintáctica, lexical, fonética, gráfica e, naturalmente, de conteúdo, como poderia não mostrar características híbridas? É invariavelmente esse o resultado da transmissão manuscrita, e mesmo impressa, das obras antigas. Basta, aliás, observarmos as lições que das mesmas fontes se têm oferecido do poema, do século XVII ao XX, para se poder concluir que houve elementos perdidos, acrescentados e deturpados em todos os seus testemunhos.

A simples retoma com várias discrepâncias textuais do poema publicado em 1680 por Faria e Sousa, por parte de Bouterwek, Sismondi, Balbi e Marugán, deixa bem evidente como se há-de haver deturpado e mudado a sua lição desde logo ao longo da tradição manuscrita – vejam-se, por exemplo, em Bouterwek,1823: 8-9, Solar Espanha por Solar de Espanha ou tarra por terra; ou, em Balbi, 1822: Appendix, I-II, e Marugán, 1833: 34-35, impria por imprio, atimaron por atimarom, da Espanha por de Espanha, perque em vez de porque, per em vez de por, afom por afam, rimando com defensom (emenda de defensão feita sem aviso pelos editores, como todas as demais), “leaes à verdade” por “leaes a a verdade”; “Sem esguardarem a seixo nem idade” por “Sem que esguardassem nem seixo ou idade”,“de algòs sayoms” por “de algoz sayoẽs” , “da Hoste mandoms” por “de Hoste mandoẽs” , Algesira por Algezira, por Ao, etc.). Até mesmo Neves Pereira, na única estrofe que reproduz, se afasta das duas fontes impressas: “O Roucom da Cava emprio de tal sanha; A Julianni, e Orpas a saa grey daninhos; Huũa atimaron prasmada façanha”. Apenas a título de exemplo, o próprio Faria e Sousa é o único a registar adordado [Gibraltar] no v. 13, e sem sequer ter considerado necessário apresentar o significado desse inusitado termo, que nos demais testemunhos corresponde a adarvado, ou seja, ‘murado', achando-se no texto também adarve, ‘fortaleza ou castelo'.

É tudo isto prova irrefutável de contrafacção? Seria arrogância e desocupação responder “já”; deixemos a palavra ao manuscrito e à tradição manuscrita. A mera revelação futura de tudo o que os arquivos ainda encerram de anterior ao século XVII poderá vir a responder à pergunta sem tanto afã filológico. Na verdade, ao contrário do que se tem argumentado, a grafia muito limpa, claramente mais recente do que a dos primeiros textos escritos, nada próxima da galego-portuguesa inicial, sem duplas vogais evidenciando hiatos ou representando a sílaba tónica, por exemplo, ou já com os dígrafos para representação de sons novos relativamente ao latim, não casa bem com a teoria da falsificação, pois qualquer bom historiador ou filólogo do séc. XVII tinha ideia da grafia variável e alatinada dos primeiros textos; pelo contrário, ao apresentarem grafias menos antigas, terminações em -om e -am já grafadas como -ão, etc., parecem revelar uma despreocupação que não evidenciariam se o objectivo fosse fazer passar um texto do séc. XVII por obra dos inícios do galego-português. Isso mesmo parece evidenciar a necessidade de colocar glosas, e, mais do que isso, o facto de elas divergirem de testemunho para testemunho ou, mais do que tudo, a evidência de nem sempre os editores e copistas terem conseguido acertar nas explicações ou acepções das palavras. Veja-se, por exemplo, como Faria e Sousa, nas duas edições que publicou da primeira estrofe, faz tentativas nem sempre bem-sucedidas para definir ou oferecer equivalentes: para imprio (que grafa emprio na glosa), passa de inchió para um equivocado lloró; para atimar-atimarom, começa com fenecer e corrige depois para emprendieron; para prasmada, propõe admirada e emenda depois em abominable. Aparentemente, não seguiu Andrada, não aproveitou todas as suas glosas nem se socorreu daquelas que são comuns (no v. 28, por exemplo, define folia como ‘fiesta', sentido geral que não se adapta ao contexto, quando tão bem se lhe adequava oufania, já indicado pelo editor de 1627), e revela erros lexicais e hermenêuticos que evidenciam alguma honesta falta de domínio da língua do texto, que não seria esperável num falsário que escolhe e maneja (bem) palavras que sabe serem antigas.

Na generalidade dos casos, o que observamos no texto é característico do português arcaico e poderia não ocorrer a “mistificadores” que não tivessem feito um excelente trabalho de casa: logo na epígrafe, ainda se lê “lingoagem pertuguez” com adjectivo uniforme; os particípios de verbos da segunda conjugação acham-se todos em -udo; surgem as esperáveis formas proclíticas do determinante possessivo; é ainda a preposição de a introduzir o complemento agente da passiva; a forma hoste continua a surge como masculina... Enfim, estes e outros traços são coerentes num texto em galego-português e é duvidoso que alguns historiadores e filólogos tivessem conseguido atentar artificialmente em todos eles. E, tendo-o conseguido, por que não se teria posto o mesmo cuidado na trasladação, em códices que invariavelmente revelam interesses em coligir e valorizar documentação antiga, correndo o poema com menos estrofes, ou porquê fingir erros nas glosas ou definir por recurso a acepções menos antigas? Poderemos admitir que também esse desleixo fizesse parte do plano de engrandecimento pátrio através da falsificação de poesia muito antiga?

Pode observar-se ainda que alguma variação e algumas glosas dão evidência da sucessão de camadas vocabulares ao longo da história, fenómeno que novos testemunhos poderão vir a confirmar e amplificar. No v. 16, “toste foy delles entrado e filhado”, o advérbio toste, que corresponde a presto nos impressos, foi explicado no testemunho manuscrito como asinha, sendo este igualmente advérbio antigo (Machado, 1995, atesta-o do séc. XIII ao XV; Freire, 1842: 17, diz ser “mui frequente assim na prosa como no verso do seculo 16.º”). Este facto, aliado às glosas equivocadas, leva a crer que o trabalho de trasladação do texto e de acrescentamento de equivalentes ou explicações (ou de cópia de ambos a partir de fontes anteriores) resultou de um trabalho filológico honesto. Por outro lado, no manuscrito da British Library, a existência de glosas apenas nesse texto, bem como a referência ao mesmo, e aos dois sonetos que o seguem, como “antigos”, no meio de outros dos séculos XV e XVI sem a mesma classificação, levam a crer que se consideram anteriores a isso, e a sua língua menos compreensível. Aliás, assim se entende a informação acerca dos 280 transcorridos desde a sua criação ou cópia.

De entre as várias fontes que relatam a perda de Espanha, somente algumas se detêm no episódio da violação da filha do conde D. Julião pelo rei D. Rodrigo, e destas, a Crónica de 1344 (ca. 1400) é a primeira conhecida a introduzir o nome de Cava a ela aplicado, com uma carga depreciativa que se justifica no âmbito do relato marcadamente clerical e de recorte bíblico que atribui à jovem a responsabilidade por haver tentado o rei e por ter sido gananciosamente complacente com os seus intentos, vindo a ser a desencadeadora da perda de Espanha, já que seu pai, D. Julião, viria a tirar desforço de D. Rodrigo entregando o reino nas mãos dos mouros. Isso mesmo se pode concluir do estudo comparativo feito por James Donald Fogelquist (2007) da forma como é narrado e interpretado o episódio entre a filha de D. Julião e o último rei godo nas principais fontes conhecidas. Alguma das versões ou traduções antigas da Crónica de 1344 poderia, pois, haver servido de inspiração para quem pretendesse recriar, em período posterior, um poema de maior antiguidade, e no qual a filha de D. Julião é claramente julgada como ‘mulher de má conduta, meretriz”, e responsabilizada pela perda de Espanha pelos godos, o que não sucede nas fontes árabes, nas relacionadas com o rei D. Rodrigo ou noutros manuscritos que tratam o assunto de forma mais amena, ou conferindo-lhe bem menor relevância (Fogelquist, 2007, 14-15; 18-22, passim). Todavia, o facto de, até esta data, não se conhecer ainda uma fonte mais antiga na qual já lhe fosse atribuído este nome de Cava, e que tenha veiculado a mesma visão clerical do episódio, não significa que ela não tenha existido.

Não existe História da Língua sem Ecdótica ou Edição de texto antigo, pois é dos factos linguísticos concretos que cada um deles encerra que aquela ciência se vai compondo e enriquecendo. Enquanto, para cada texto editado, não for possível determinar uma datação, um autor, uma localização, de pouco servirão os textos para a descrição da história da língua portuguesa. Na verdade, mais de dez séculos depois da perda de Espanha, numa altura em que vamos progredindo na edição de manuscritos antigos, que os dicionários etimológicos e os glossários vão disponibilizando, consequentemente, datações mais precisas e cada vez mais antigas, ainda é cedo para conclusões. Limitámo-nos, pois, neste trabalho a restaurar a tradição manuscrita do poema — se esta vier futuramente a completar-se com outros testemunhos, sobretudo mais antigos, então, estes falarão por si, pelo que a discussão continuaria, por enquanto, a ser tão estéril como no passado. Deixemos a palavra, pois, ao manuscrito, e à tradição manuscrita que venha eventualmente a desenterrar-se, ainda que ensanguentada, apodrecida, diluída pela humidade, rasgada... ou não.

 

Referências

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Notas

[1] Obra de 1813, remontando a 1819 a segunda edição revista e corrigida.

[2] Com equívoco na estrofe 2, por se haver assinalado com c. Betica Almina e com d. Casteual, mas fazendo equivaler o c a alcaidemòr e o d a ira, e ainda na 3ª, por se haver assinalado filhados, e não ende, como ali.

[3] Vitali (2010: 192-193) refere que o primeiro dos dois sonetos atribuídos ao Infante D. Pedro de Portugal foi transcrito por Faria e Sousa nas Rimas varias (e já antes mencionado em Fuente de Aganipe..., 1646, Prólogo § 8-9) reproduzindo fielmente o soneto presente na edição dos Poemas Lusitanos de António Ferreira, de 1598, onde figuram os dois, e, como se refere no manuscrito, foram redigidos em linguagem antiga. O primeiro soneto surge igualmente no Cancioneiro de corte e magnates e no Cancioneiro do Padre Pedro Ribeiro, uma das fontes onde Faria e Sousa pode ter ido achar a atribuição do texto. Quanto ao segundo, Faria e Sousa refere ter achado num manuscrito a sua atribuição ao próprio Lobeira (“agora hallé en un manuscrito, que el Soneto es del mismo Lobeyra”. Contudo, em nenhum desses códices se lhe atribui o soneto, o que já sucede no ms. Add. 20922 da British Library. Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1897: 165) considera que o motivo das invenções literárias de Bernardo de Brito, quatro anos mais tarde, hão-de ter sido esses dois sonetos atribuídos a Lobeira e publicados em 1598. Faria e Sousa edita-os em 1624, em Divinas y humanas flores..., Prólogo, e sublinha que os Portugueses foram os primeiros a imitar os provençais. João Pedro Ribeiro já no início do séc. XIX tinha concluído que não existia prova da antiguidade dessas 5 obras ou “relíquias da poesia portuguesa”; que não colocava fé nas edições de Brito e de Andrade e que as palavras de várias idades que encerram traduzem um todo afectado e que mais parece artifício estudado; a seu ver, a canção de Gonçalo Hermigues e as cartas de Moniz, em especial, mostram claramente a sua afectação quando comparadas com autênticos documentos antigos (Ribeiro, 1810: I, 181, apud Braga, 1867: 2, 197; Vasconcellos 1990: 161 n. 2). Herculano pronunciaria o julgamento definitivo (apud Vasconcellos, 1990: 162, nota 1). Teófilo Braga (1885: 142) acabou por concordar que as canções atribuídas a Egas Moniz Coelho não são medievais nem de um cavaleiro da corte de Afonso Henriques, como evidenciam a forma estrófica/métrica e a linguagem, mas do séc. XV, e aproveitou o pretexto de as relíquias se acharem no Cancioneiro do Conde de Marialva para as transferir nas suas antologias para o século que se lhe atribui, o XV. Apesar de ter voltado várias vezes ao assunto dos primeiros textos poéticos, procurando reanalisá-lo, e protestando que o hibridismo linguístico pode ter a ver com o contributo de vários escribas, todos se foram concertando em torno da teoria da mistificação seiscentista, como forma de afirmação diante da Espanha (Braga, 1867: 1, 142; 2, 197-201; 1909: 416-425).

[4] Para maior clareza e facilidade de apresentação, coloco as glosas em expoente, adiante de cada forma explicada, e entre parênteses rectos, que não possuem no original, de forma a prevenir qualquer acidente tipográfico que pudesse redundar na sua inclusão indevida no texto poético. Edita-se o texto em versão semidiplomática, com separação de palavras (assa, enterra, entradoe) e sem a distinção gráfica que no manuscrito assinala a elevação da vogal palatal de preste (a tónica), despanha, delles (ambas), hostes, apres (nas duas atestações), esguarde (a pré-tónica), mesquita, besta e eventualmente medes (com pequeno borrão de tinta obscurecendo a vogal tónica, em questão); trata-se de i cortado por traço no lugar do ponto, prolongando-se até à letra seguinte, que nas epígrafes citadas represento por ɨ.

[5] No lugar do eventual j (ou y), de que pode ver-se apenas o ponto, existe actualmente um orifício no papel, queimado pela tinta.

[6] Aparentemente, escreveu-se primeiro Godos, depois emendado em Gudos.

[7] A ele se refere muito parcamente Diogo Barbosa Machado (1747: 25) na Bibliotheca Lusitana:

Fernando Duarte de Montarroyo natural da Villa de Proença a nova do Bispado da Guarda filho de Christovaõ Lopes de Montarroyo, e de Maria Lopes Themuda. Foy muito applicado à liçaõ da Historia profana, e grande investigador dos successos mais memoraveis, que aconteceraõ neste Reyno escrevendo Memorias Historicas do tempo d'ElRey D Joaõ III. atè ElRey D. Sebastiaõ. fol. M.S.

[8] Logo a seguir aos três textos supracitados surgem trasladados documentos em prosa não literária dando conta de estatísticas relativas à população de Lisboa em meados do séc. XVI, bem como das medidas da Ribeira, do Rossio, e de outros pontos da cidade, ou ainda do terreiro de Vila Viçosa, e de Évora. O primeiro, intitulado “Cazas, e vezinhos de Lx.ª anno de 1552”, inclui uma data que se repete no incipit do texto: “Em fimdo o Anno de 1552 em tpo' del Rey Don João o 3.º forão contadas as cazas E vezinhos de Lx.ª istando S.A. em Almeyrim e a Corte co' elle forão achadas 10000 - moradas de cazas E vezinhos 18000”. Seguem-se elencos de Cheas, uma delas em 1505, no Douro. Apresenta-se mais adiante o “Rol das rendas do Arceb. de Lx.ª em 1465”, entre outros, um deles de 1479. A epígrafe da composição poética de incipit “Ya se te viene llegando” (fl. 42-42v, cosido na ordem inversa), menciona a morte de D. João III: “Trouas q' se acharão em hum cofre de Nunaluz' Pereyra jrmão do Marquez de Villa Real Dom Perdro [sic] de Menezɨs, o qual falleceo noue ou dez Annos dipois da Morte dɨl Rey Dom João o 3.º E do Princepe seu filho. A El Rey; Aos priuados; A Raynha; Ao Princepe; Ao Conde da Castanhr.ª”. Inclui ainda o livro um texto em prosa que apresenta, logo na primeira linha, a mesma data dos primeiros documentos — “No Anno de 1552. aos 3. dias do mez de Dezembro chegou a Princesa Dona... —, com a seguinte nota introdutória: “Lembranca das Fɨstas q' se fizerão em Lx.ª ao recebim.to do Princepe Dom João f.º delRey Dom João o 3º q' cazou com a Princeza Dona Joana fª do emperador Carlos quinto” (fl. 43). Trasladam-se também cartas de D. João 3.º.

[9] No lugar do eventual j (ou y), de que pode ver-se apenas o ponto, existe actualmente um orifício no papel, queimado pela tinta.

[10] De jussu refere Freire (1842: 37): “o mesmo que abaixo. Foi adverbio mui usado até o reinado del-Rei D. Fernando”. E de suso: “adverbio, que significava o mesmo que acima, e era o contrario de jussu.

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