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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.29 no.1 Braga  2015

 

RECENSÕES

REIMANN, D. (Ed.) (2014). Kontrastive Linguistik und Fremdsprachendidaktik Iberoromanisch – Deutsch. Tübingen: Narr. (291 pp.)

 

Rute Soares

*Universidade de Coimbra, Portugal.

rute.soares@fl.uc.pt

 

Daniel Reimann, especialista em Didática de Língua Estrangeira com enfoque na didática do multilinguismo, editou Kontrastive Linguistik und Fremdsprachendidaktik Iberoromanisch – Deutsch [Linguística contrastiva e didática das línguas ibéricas: espanhol/português/catalão-alemão]. O volume é composto por um capítulo de introdução e cinco partes que correspondem à distribuição dos treze estudos contrastivos por temas diversos. O texto introdutório bem como cinco dos estudos estão redigidos em alemão (al.) e os restantes em espanhol (esp.).

A introdução, muito útil para contextualizar os restantes textos, é assinada pelo editor e retoma o conceito de Linguística Contrastiva, analisando o seu contributo para a Linguística e Didática de Língua Estrangeira (doravante LE). Fica claro como se alterou a perceção do contraste entre línguas e da sua importância para o ensino de LE – do histórico-comparativismo do séc. XIX cujo contributo não é considerado relevante para o ensino de LE, passando pelos primórdios da linguística contrastiva, inspirada no estruturalismo europeu de raiz saussuriana e apostada na profilaxia do erro, evitando interferências e valorizando o transfer positivo de L1 para L2, até às modernas didáticas do multilinguismo, que reabilitam a necessidade e a utilidade da comparação entre diversas línguas, desta feita deslocando o foco para as relações entre L2 e L3, tendo em mente os dados provenientes da investigação em aquisição de LE. Reimann sublinha, aliás, o alargamento da noção de contrastividade através do conceito de interlíngua (p. 26).

Na primeira secção, incluem-se dois estudos de morfossintaxe – Prieto (39-52), sobre os tempos verbais do Indicativo em Mirandês, Luxemburguês e Macedónio, e Vicente (53-67), sobre construções com verbo-suporte (CVSup) em al. e esp. Prieto reflete sobre três línguas minoritárias que se afirmaram, por razões políticas, em situações de contacto e através de planeamento linguístico (Ausbausprachen), evidenciando divergência da norma em relação à qual pretendem afirmar-se e eventual aproximação de variedades vizinhas na definição do seu próprio standard. De acordo com o autor, em cada caso foi adotada uma solução distinta (cf. p. 50) para atingir o mesmo objetivo – a afirmação de um novo standard perante variedades/línguas vizinhas. Vicente examina o grau de fixidez de CVSup em al. e esp. e as tabelas-síntese dos dados observados (pp. 63-65) – listas de CVSup com menção de (in)aceitabilidade de modificação do núcleo nominal e possibilidades de colocação do Adj qualificativo – são úteis para aplicar na produção oral/escrita em LE, embora a autora reconheça a necessidade de ampliar o corpus estudado para validar conclusões utilizáveis em didática de LE e na lexicografia bilingue.

Na secção de pragmática contrastiva, figuram Plötner (71-81), um esboço de classificação semântica dos usos dos numerais em fraseologias e provérbios esp. e al. (uso real, exageros e subestimações, usos metafóricos) e Sieberg (83-109) sobre a comunicação verbal de proximidade em pt. e al., com ênfase nos operadores que permitem juntar informação ao segmento discursivo anterior, evitando a integração/subordinação, com poupança de esforço de codificação por parte do falante e facilitando a descodificação pelo ouvinte (p. 86). Sieberg exorta os romanistas a usarem o mesmo modelo de análise e espera que os estudiosos da oralidade passem a encarar o pt. falado como dotado de uma gramática que merece ser estudada autonomamente e não vista como desvio em relação à gramática da escrita. Termina com a apresentação esquemática do “modelo da fala de proximidade e à distância” em pt. e al. que inclui a lista exaustiva dos itens observáveis em comunicação de proximidade, considerando os cinco parâmetros de descrição; trata-se de um instrumento útil para investigadores que queiram estudar as particularidades deste fenómeno.

A secção de Lexicografia e didática de LE no ensino superior comporta três estudos que visam a melhoria da competência comunicativa dos aprendentes – Meliss (113-137) analisa as falhas de alguns dicionários de al. e esp., refere as exigências que se colocam à nova lexicografia destinada à produção de texto em LE e defende a criação de instrumentos mais completos como os dicionários concebidos em dupla perspetiva (consulente = falante nativo ou não nativo), permitindo acesso semasiológico e onomasiológico. Estes devem inserir-se em portais bilingues, que permitam ligar virtualmente toda a informação disponível, inclusive as abonações e possibilidades de coocorrência, de modo a que consulentes com necessidades distintas possam aceder, a partir de um mesmo ponto, à informação necessária para a produção de texto oral ou escrito. Sabater (139-157) e Casteele (159-179), ambos sobre marcadores discursivos (MD), adotam perspetivas distintas – no primeiro estudo propõe-se e exemplifica-se a elaboração de instrumentos de consulta completos (entradas de dicionário) para estimular um uso informado e consciente dos MD, no segundo descreve-se uma experiência de ensino de linguística espanhola que visa a consciencialização da polivalência dos MD, através da observação e análise de dados, individualmente e em grupo, e da reflexão conjunta sobre esses dados (um corpus de tradução, entradas de dicionário e um corpus on-line), etapas precedidas de enquadramento teórico. O trabalho faseado sobre os dados favorece a interiorização de conhecimento que desejavelmente se tornará ativo, configurando um melhor desempenho. Os resultados obtidos poderiam, a meu ver, conduzir à elaboração de entradas de dicionário com as características que Sabater preconiza.

A secção sobre linguagem dos média e comparação entre línguas apresenta dados interessantes, mas de difícil aplicação na aula de LE – a comunicação não verbal pode e deve ser objeto de reflexão no ensino de LE, mas as práticas observadas em programas televisivos alemães, espanhóis e portugueses (Gebhardt 183-198) talvez não sejam generalizáveis à comunicação do quotidiano, noutras situações. Será necessário alargar o âmbito de observação para retirar conclusões válidas e interculturalmente pertinentes, aplicáveis na aula de LE. O mesmo se passa com as reflexões de Frutos (199-219) sobre a dobragem alemã de um filme bilingue (esp. e catalão); trata-se, no entanto, de observações muito pertinentes do ponto de vista da teoria da tradução – a dobragem transmite ideias erradas no que toca à realidade histórico-cultural retratada no filme.

Os estudos incluídos na última secção – observação contrastiva de línguas e ensino de LE – contemplam (i) uma análise da apresentação dos tempos verbais do passado nos apêndices de gramática de alguns manuais alemães usados no ensino de francês, espanhol e italiano (Michler 223-240), (ii) uma reflexão sobre a utilidade dos conceitos de transfer e contraste na didática de LE exemplificada com a oposição entre al. sein e esp. ou pt. ser/estar[1] (Berschin 241-257), (iii) uma análise de padrões estilísticos em textos utilitários do alemão e do espanhol, com recurso a software elaborado para o efeito (Sánchez 259-273), e (iv) o relato de uma experiência de formação de professores em que a tradução é visada quer como destreza quer como instrumento para desenvolver a competência intercultural (Davies 275-291). O fio condutor destes textos é a reflexão sobre a LE a partir de conhecimento prévio (língua materna ou outras LE). Do contraste interlinguístico em diversos formatos surgem sugestões de aperfeiçoamento de materiais e estratégias de ensino-aprendizagem.

Concluindo, esta coletânea tem início com uma resenha histórica sobre a presença da comparação/contrastação nos estudos linguísticos e na didática de LE e os diversos capítulos demonstram que subsistem, até aos nossos dias, formas diversas de encarar teoricamente e na prática este conceito. Pela diversidade de temas abordados, pela quantidade de desafios que lança à investigação no domínio genérico da comparação entre línguas, partindo do alargamento da investigação aqui desenvolvida a outras línguas ou replicando o estudo dos mesmos temas noutros pares ou conjuntos de línguas, recomendo vivamente a leitura deste volume a todos os que desenvolvem a sua atividade “entre línguas”, mormente aos especialistas de linguística contrastiva e aos professores e especialistas em didática de LE, incluindo os autores de manuais. Esta obra pode, igualmente, ser útil aos lexicógrafos que têm nos aprendentes de LE o seu público-alvo, pois encontram nesta compilação muito boa matéria prima para enriquecerem os novos dicionários ou para aplicar no âmbito de projetos de maior dimensão como os portais eletrónicos de acesso a um conjunto vasto de informação sobre um par de línguas referidos num dos estudos acima apresentados.

 

Notas

[1]A alternância entre estar e ficar com Adj predicativo (estar cansado vs ficar cansado), referida na p. 253 – tabela 2, implica uma diferença aspectual que o autor não refere (ficar assinala mudança de estado e, nessa medida, não é sinónimo de estar nesta construção). O mesmo se aplica à alternância entre estar e ficar nas construções resultativas referidas na tabela 1a (p. 252) – “A janela está aberta” vs “(…) a cabana ficou destruída.” Já no que toca à alternância entre estar e ficar na construção com VInf ligado pela preposição a, na tabela 1b (p. 253), não se trata, mais uma vez, de uma verdadeira alternância – estar a ler descreve um estado de coisas associado ao sujeito do enunciado e ficar a ler reporta-se a um contraste de atividades desenvolvidas por dois ou mais indivíduos (Eu fico a ler e tu vais ao cinema), mesmo que a atividade contrastante não esteja expressa. Alguém ficar a Vnf implica sempre que outrem faz algo distinto, num espaço diferente e num tempo pelo menos parcialmente coincidente.

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