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Revista Diacrítica

Print version ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.30 no.1 Braga  2016

 

A configuração do ensino da Gramática nos novos manuais de Português do 9.º ano

The configuration of Grammar teaching in Portuguese language textbooks of the 9th grade

 

António Carvalho da Silva*

*Universidade do Minho, Portugal.

acsilva@ie.uminho.pt

 

RESUMO

Em 2012, os textos programáticos de Português adotaram o termo "gramática" para designar a área do conhecimento explícito da língua. Esta mudança de designação desse domínio central do ensino do Português sugere um reforço do conhecimento linguístico formal. Assim, aprender gramática significará conhecer melhor uma dada língua natural, utilizando esses conhecimentos na melhoria das habilidades comunicativas do falante. Na sequência desses textos oficiais,foi também concretizada a publicação(desde 2013) de novos manuais escolares de Português para o Ensino Básico, que terão incorporado algumas alterações. É a partir desta hipótese inicial que se desenvolve a discussão deste ensaio: investigar, primeiro em teoria, como se redefine a natureza da gramática na escola, para, de seguida, numa análise empírica, verificar se alguns livros de Português do 9.º ano concebem novas atividades de aprendizagem da gramática, tendo por base metodologias de ensino inovadoras.

Palavras-chave: ensino do Português; educação linguística; conhecimento explícito da língua; gramática; manuais escolares.

 

ABSTRACT

In 2012, Portuguese language syllabi adopted the term "grammar" in order to refer to language awareness. This change of terminology for a central area of Portuguese language teaching suggests a reinforcement of formal linguistic knowledge. Thus, learning grammar will mean not only a better knowledge of a given natural language, but also making use of that knowledge for the improvement of the communicative skills of speakers. As a consequence of the official guidelines, since 2013 new Portuguese language textbooks have been adopted for Primary Education which may already have introduced some modifications. It is from this assumption that the aim of this paper develops, first in a theoretical way, to establish how the nature of grammar is redefined at school and, then, by means of an empirical analysis, to check if 9th grade textbooks conceive new activities for grammar learning, by the implementation of innovative teaching methodologies.

Keywords: Portuguese language teaching; linguistic education; language awareness; grammar; textbooks.

 

0. Introdução

A principal motivação desta pesquisa prende-se com o interesse em investigar a habitual renovação das práticas de ensino do Português e, também, uma eventual (re)configuração da gramática escolar, na sequência da aprovação das Metas Curriculares de Português (MCP) do Ensino Básico (Buescu, Morais, Rocha & Magalhães, 2012) e da subsequente adoção de novos manuais no 3.º ciclo, a partir do ano letivo de 2013/2014.[1]

No campo do ensino do Português, os domínios da leitura e da gramática eram, habitualmente, considerados os mais representativos da aula de língua materna.[2] No caso específico da gramática, ela foi mesmo considerada um "ritual gerado e alimentado na tradição" (Sousa, 2000, p. 536) que tem permanecido nas aulas de Português. Se, genericamente, tal domínio está bem patente e de diversos modos nos manuais escolares (MEs) e nas práticas pedagógicas do Português, convém definir, por isso mesmo, as dimensões específicas em que, neste caso, podemos estudá-lo.

Não apenas por ser um conteúdo de valor intrínseco e um instrumento relevante para as restantes competências verbais, o saber gramatical surge como domínio "omnipresente" nos programas e, por consequência, quer nos manuais quer nos exames nacionais. Em suma, a gramática é um conhecimento declarativo e uma condição importante (mas não única) para o sucesso na leitura, na escrita e, inclusive, na comunicação oral formal.

A discussão teórica deste texto vincula-se, então, à hipótese de a gramática constituir um saber linguístico que convém explicitar na escola e nos manuais, sendo um instrumento verbal que potencia o desenvolvimento de capacidades de comunicação. O objetivo desta pesquisa tem, igualmente, a ver com a análise dos MEs, no sentido de aferir até que ponto eles propõem atividades de aplicação e de explicitação do conhecimento linguístico (implícito)[3], seguindo o percurso da aprendizagem pela descoberta (Hudson, 1992; Duarte, 1992, 1998).

É neste contexto que se pode dizer que ensinar e aprender Português fará sentido quando, nas aulas, se trabalhar a linguagem, a comunicação, a língua e a literatura, conduzindo os alunos ao que se designa atualmente "educação linguística" (Castro, 2000). Outra dimensão essencial deste estudo será a de compreender se o documento regulador instituído (as MCP) alterou o ensino da gramática e explicar de que forma abordagens renovadas possibilitarão uma nova forma de conhecimento linguístico e melhores capacidades verbais dos alunos.

Feita esta introdução e em termos de estrutura, este artigo expõe, nas secções 1. e 2., uma síntese sobre o ensino do Português e os fundamentos do ensino explícito da língua, explorando o conceito de gramática, as razões da sua aprendizagem e os percursos para a sua aplicação escolar. É particularmente na secção 3. que se discutem as metodologias de ensino da gramática, destacando posições teóricas sobre o "método da descoberta".

Por sua vez, na secção 4., apresenta-se uma panorâmica sobre os textos programáticos, descrevendo como se verificou a evolução dos Programas até às Metas (1991 a 2012), numa história de duas décadas sobre o ensino da gramática na escola: do "funcionamento da língua" (em 1991) até ao retorno à "gramática" (em 2012).[4]

Na secção 5., discutem-se os resultados da análise de diversas dimensões relacionadas com o domínio da gramática em três MEs, em particular ao nível da aplicação e da explicação dos conteúdos gramaticais. De facto, esta análise de MEs do 9.º ano tem como objeto esse domínio e as suas aplicações, procurando responder à questão sobre o seu ensino na aula de Português, a partir das atividades sugeridas nos manuais e estudando as operações de reconhecimento, de produção e de explicitaçãodos conteúdos de gramática.

Na última secção (6.), apresentam-se, em síntese, as conclusões sobre as teorias e as práticas de ensino da gramática visíveis sobretudo nestes MEs do 9.º ano e verifica-se, ainda, que operações (meta)linguísticas e que conteúdos gramaticais estão presentes nessas atividades.

Sublinhe-se que, ao estudar alguns MEs, a perspetiva do investigador não poderá ser a de um observador demasiado crítico, que distingue o melhor do pior manual, mas o de um observador atento que pretende, dentro do possível e numa perspetiva descritiva, compreender as propostas dos manuais, verificando as que se aproximam mais de estratégias adequadas para uma aprendizagem significativa e autónoma da gramática explícita.

1. Definição do âmbito de ensino do Português

Ao definir o alcance do ensino do Português (língua materna), costumam ser duas as propostas sugeridas: a da aprendizagem de conhecimentos declarativos sobre a língua e a da promoção de conteúdos processuais para o uso da mesma, relacionados com a leitura, a escrita ou a oralidade. Nesta secção, veremos como se definem os domínios do Português e, em particular, de que forma se integram os conhecimentos (meta)linguísticos na vertente comunicativa que alguns teóricos associam à língua materna.

Neste ponto, é, assim, crucial responder à questão sobre o objeto (e os objetivos) da aula de Português. Acerca disso, Fonseca (1994, p. 120) sugere: "Como instituir pedagogicamente a língua em objecto de ensino-aprendizagem é, a meu ver, a pergunta fundamental que se impõe à didáctica da língua materna." Delimitar a aula e o ensino de Português será, então, fazer da própria língua o seu objeto (como conhecimento declarativo e como competência) e avaliar que espaço ocupa a gramática no âmbito dos vários domínios. Como se respondesse à pergunta anterior, Castro (2000, p. 196) sublinha que "o objectivo central da educação linguística é o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos."

Por seu lado, na qualidade de linguista, Lopes (2005, p. 148) refere, como "objectivo central da disciplina de Língua Portuguesa", o de "promover o desenvolvimento da competência linguístico-comunicativa dos alunos". Isto traduz-se em espaços de "ensino-aprendizagem dos géneros formais e públicos do oral, da expressão escrita e da leitura", assim como na promoção efetiva da "competência metalinguística dos alunos." Daqui resulta que o ensino da língua materna possui a dupla finalidade de promover o conhecimento formal sobre a língua e de desenvolver competências de comunicação. Um outro autor (Travaglia, 2003, p. 77) defende que os "objetivos do ensino de língua materna" serão: "ensinar a língua, o que resulta em habilidades de uso da língua" e "ensinar sobre a língua, o que resulta em conhecimento teórico (descritivo e explicativo) sobre a língua".[5]

Colocado, assim, o problema central do ensino do Português - o dos conteúdos a ensinar e dos objetivos a atingir - questiona-se agora como ensinar a língua. Segundo Ferraz (2007, p. 27), é à Escola que cabe desenvolver saberes linguísticos, relativos a "conhecimentos de vocabulário, de conjugação verbal, de domínio das estruturas gramaticais da língua, de processos de argumentação, das regras a observar quando se escreve um texto", ou seja, conhecimentos que promovem as capacidades verbais de leitura, escrita e oralidade.

Compreende-se que a gramática desempenha um papel fulcral no ensino do Português, pese embora as dúvidas que sobre ela habitualmente se levantam: "a) Porque ensinar gramática? b) Que lugar para a gramática no ensino da língua materna? c) Como ensinar gramática? d) Que gramática ensinar?" (Ferraz, 2007, p. 39) Na verdade, são questões desta natureza que se nos colocam ao abordar o ensino da língua também na perspetiva dos MEs.

Assumindo, então, que, na aula de Português, a língua é objeto (de conhecimento) e objetivo (da comunicação), é imprescindível procurar uma resposta para estas questões sobre a gramática e a língua, descobrindo percursos a seguir na sua abordagem. No quadro da sua proposta, Fonseca (1994, p. 121), por exemplo, sustenta que "Explorar as potencialidades da flexão da língua sobre si própria representa, além disso, para o sujeito falante, a via por excelência para uma (re)flexão que lhe propicia o contacto com a espessura cultural da língua".

Tendo por base estas considerações, importa agora verificar como é articulado o conhecimento gramatical com a vertente da competência comunicativa dos usos da língua. Diversos são os autores que sustentam haver uma relação forte entre o saber gramatical e as competências de oralidade, de escrita e de leitura, destacando a competência comunicativa, como "capacidad de usar el lenguaje apropiadamente en las diversas situaciones sociales que se nos presentan cada día" (Cassany, Luna & Sanz, 1998, p. 85). Em consequência, seria tão importante para o aluno conhecer a gramática quanto saber como integrá-la no seu discurso, isto desde o nível da "consciência linguística" até ao "estádio de conhecimento explícito" (Duarte, 2008, p. 18), em que o falante já é capaz de refletir sobre os diversos usos da língua.

Ao destacar o papel do saber gramatical nos desempenhos de escrita e de leitura dos alunos, Duarte (2008, p. 9) explica também que "Parte substancial das aprendizagens escolares [se faz] através da leitura e uma parte muito significativa da avaliação exige textos escritos", pelo que o conhecimento explícito é mesmo "um factor de sucesso escolar". Costa (2009, p. 36) sublinha também que "Vários estudos mostram que há correlações positivas fortes entre trabalho sobre consciência linguística, conhecimento explícito da língua e desempenhos na leitura, escrita e oralidade", pelo que as habilidades verbais estarão ancoradas em conhecimentos formais sobre a língua.

Carvalho (2011), discutindo a relação da escrita com os outros domínios do Português, sugere a sua articulação com o conhecimento explícito, com a leitura e com a oralidade, posto que "A implicação desse conhecimento [gramatical] no processo de escrita contribuirá para um texto melhor" e "a leitura potencia o desenvolvimento de competências de escrita" (p. 96).

Em suma, ao definir o âmbito do ensino do Português, no qual se transforma o conhecimento implícito (e intuitivo) em consciência e conhecimento explícito sobre a língua, é preciso reconhecer, claramente, a existência de duas dimensões didáticas a desenvolver nas aulas: a dos conteúdos declarativos sobre língua, cultura e literatura[6] e a das capacidades verbais ou comunicativas, materializadas nas competências de leitura, de escrita e de oralidade. O mais vantajoso, para a aprendizagem significativa dos alunos, pelo menos em teoria, é assumir uma visão integrada da aprendizagem da gramática e das outras habilidades linguísticas, sem, todavia, perder a noção da complexidade da aula de língua materna, em que a própria língua é instrumento ou meio de aprendizagem, objeto e objetivo, tal como defendeu Fonseca (1994, p. 131): "na aula de Português a língua é simultaneamente o meio, o objecto e o objectivo."

2. Fundamentos do ensino da Gramática na escola

Tendo, anteriormente, discutido os contornos da disciplina de Português e verificado quais os fins que a orientam e os domínios que a delimitam, inicia-se, nesta secção, uma síntese de alguns argumentos que fundamentam o ensino escolar da gramática.

Vilela (1993), num artigo em que se interrogava sobre "o sentido da gramática na escola" (p. 143), sistematiza razões que validam a presença explícita da gramática na aula de Português e que funcionam como princípios para o seu ensino:

A gramática ensina o uso correcto da língua, ensina a pensar de modo lógico, forma o espírito, fornece um conjunto de conceitos para se compreender o fenómeno ‘linguagem', problematiza a norma linguística, melhora a capacidade de expressão escrita, serve de muleta para compreender textos difíceis, aprofunda e aperfeiçoa a capacidade de comunicação. (Vilela, 1993, p. 144)

Estas razões justificam a integração do ensino formal da gramática em todo o currículo de Português. O autor sublinha que "a gramática dá ao estudante a capacidade de agir linguisticamente - comunicar -, de analisar textos e suas normas, sensibilizando o aluno para a língua: como meio de vida e de actuação" (Vilela, 1993, p. 144). Todavia, apesar de mudanças programáticas, não foi esse o sentido que se propagou nos MEs nem nas práticas pedagógicas, já que "o conceito mais corrente de gramática" continuava a ser, nas palavras do autor, "o sistema objetivo de regras ensinado normativamente nas escolas" (Vilela, 1993, p. 146).[7]

Ao discutir o contexto do ensino da gramática, Duarte (1992, p. 165) também já ressalva que "a reflexão sobre a estrutura e o funcionamento da língua tem sido subalternizada nas aulas de Português", sendo-lhe atribuído "um papel secundário ou meramente instrumental". Desta forma e mesmo aceitando, na aula de língua, o trabalho com as diferentes modalidades verbais (ouvir/falar e ler/escrever), a autora defende a gramática como "componente autónoma", propondo uma nova abordagem para a trabalhar nas aulas - a "oficina gramatical".[8]

Ora, o domínio da gramática, sendo um conteúdo específico da aula de Português, permite desenvolver no aluno competências verbais e capacidades associadas à linguagem. Daí os sentidos de "gramática" como "estudo do conhecimento intuitivo da língua" e como "conhecimento explícito", que traduz o "conhecimento reflexivo e sistemático do sistema intuitivo que os falantes conhecem e usam, bem como o conhecimento dos princípios e regras que regulam o uso oral e escrito desse sistema" (Duarte, 2008, p. 17).

Duarte (1998, pp. 110-111) apresenta algumas razões que justificam o ensino da gramática nas aulas de Português e questiona o facto de ela ser considerada "um objectivo e um conteúdo subalterno". No seu entender, há três razões que conduziram a essa situação: a reação ao "ensino da gramática tradicional"; o domínio das "pedagogias comunicativas ‘radicais'"; e a desorientação causada pelas "más aplicações da Linguística".

Neste enquadramento, a desvalorização do saber gramatical torna-se visível nas menores capacidades linguísticas dos estudantes, sendo necessário repensar a essência da gramática, e os objetivos que fazem dela um domínio central do ensino de línguas. Duarte (1998, p. 112) assume que "o conhecimento explícito da língua é uma competência nuclear a desenvolver na disciplina de Português", resumindo, deste modo, o estatuto do ensino da gramática: "ensinar gramática é desenvolver a consciência linguística dos alunos, através de um trabalho de sistematização do conhecimento da língua que, partindo do nível de desenvolvimento linguístico já atingido pelos alunos, os prepare para novas aprendizagens."

Por fim, relativamente aos objetivos que suportam o ensino da gramática, Duarte (1998, pp. 113-118) organiza-os em três categorias: objetivos instrumentais (domínio do Português padrão, aperfeiçoamento e diversificação do uso da língua, etc.); objetivos atitudinais-axiológicos (desenvolvimento da autoconfiança linguística dos alunos e da tolerância cultural e linguística) e objetivos cognitivos gerais e específicos, como o ensino do raciocínio típico do método científico, desde a observação de dados até à confirmação (ou não) de hipóteses. Verifica-se que, não apenas em termos instrumentais, mas também ao nível cognitivo e atitudinal, é efetivamente relevante a aprendizagem escolar da gramática de uma língua.

Também Castro (2000, p. 198) se interroga sobre objetivos da educação linguística, referindo três dimensões em que eles se organizam: "desenvolvimento de capacidades", "aquisição de conhecimentos" e "promoção de atitudes", as quais se materializam, por exemplo, em atitudes positivas perante a leitura ou a escrita.

Posteriormente, Duarte (2008, pp. 10-16) retoma os mesmos objetivos instrumentais, atitudinais-axiológicos e cognitivos já discutidos, acrescentando apenas um novo item aos objetivos instrumentais - "Domínio de estruturas linguísticas de desenvolvimento tardio". Na verdade, estes múltiplos objetivos comprovam a pertinência do ensino da gramática, isto se a olharmos como uma competência transversal ou competência nuclear, assim designada por Sim-Sim, Duarte & Ferraz (1997, p. 26), subjacente ao desenvolvimento de conhecimentos, de habilidades e de atitudes perante a língua e a linguagem.

Em síntese, ao mesmo tempo que se indicam consequências do não ensino da gramática, evidenciam-se fins e razões que justificam um ensino formal da língua e o desenvolvimento das competências verbais, as quais apontam no sentido de encontrar metodologias para uma aprendizagem integrada da gramática na aula de Português, que de seguida se discutem.

3. Propostas didáticas para o ensino da Gramática

Enunciados os argumentos que explicam o estatuto da gramática na aula de Português, apresentam-se, agora, percursos didáticos para ensinar gramática.[9] Referindo, primeiro, o "método natural" da gramática de Freinet (1978), discutem-se as orientações da abordagem de Duarte (1992, 1998, 2008), para além das de outros autores (Fernández, 1987; Camps, 2006). Conclui-se, por fim, como tais sugestões se aproximam do método científico, sendo, hoje em dia, aplicadas a diferentes disciplinas e a diversos domínios do conhecimento.

Freinet (1978) sugeriu uma proposta, a seu tempo inovadora, de ensino da gramática. Discutia a utilidade da gramática, questionando a sua função instrumental: "é ou não preciso conhecer as regras de gramática para se poder escrever correctamente?" (p. 9). Ressalvando não "afirmar que o estudo da gramática seja absolutamente inútil", considerava "que se pode aprender a escrever perfeitamente sem conhecer as regras gramaticais" (Freinet, 1978, p. 13).

O pedagogo contrapunha a "aprendizagem tradicional da ortografia" à "tentativa experimental da língua" (Freinet, 1978, p. 19), sendo o método natural aproximado ao princípio da aprendizagem prática (ou seja, do "learn by doing"), em que "é falando que se aprende a falar, é escrevendo que se aprende a escrever" (Freinet, 1978, p. 53). Concordando-se embora com este princípio, é importante, apesar de tudo, que o aluno desenvolva uma certa consciência da estrutura e das regras do funcionamento da língua pelas práticas de uso.

Fernández (1987), ao discutir alguns contributos das ciências da educação para a didática da gramática, refere que "El método de descubrimiento es una forma de aprender eminentemente activa" (pp. 67-68), podendo seguir duas vias: a indutiva (que parte da manipulação de dados) ou a dedutiva (que se inicia com uma hipótese, a verificar entretanto).

Há mais de duas décadas que Duarte (1992) defende a gramática como componente autónoma da aula de língua, propondo um modelo específico para a aprender - a "oficina gramatical" (p. 165). Um percurso didático desta natureza exige a preparação sistemática do docente e uma participação contínua dos alunos, que assumiriam, deste modo, um papel muito mais ativo na explicitação do seu conhecimento linguístico (implícito). As etapas deste percurso didático são as seguintes: "(a) apresentação dos dados, (b) descrição e compreensão dos dados, (c) exercícios de treino e (d) avaliação" (Duarte, 1992, p. 166). Tais procedimentos podem aplicar-se, com vantagem em relação ao método tradicional, a atividades de descoberta da estrutura e do funcionamento de uma língua.

Retomando a proposta anterior, Duarte (1998) defende um percurso faseado e ativo, que pode ser seguido na aula de Português e adotado nos MEs: "O ensino da gramática como actividade de descoberta" (p. 119). Neste processo, a primeira fase, de que o professor é responsável, consiste na organização de dados linguísticos em paradigmas relevantes; de seguida, os alunos observam e descrevem esses dados, apontando regularidades e fazendo generalizações que os conduzem ao conhecimento explícito de um dado fenómeno linguístico; na terceira etapa, realizam exercícios de aplicação das descobertas, tendo como objetivo a consolidação do conhecimento; na etapa final, realiza-se a "avaliação dos conhecimentos aprendidos sobre o tópico gramatical estudado" (Duarte, 1998, pp. 119-120).[10]

Nestes processos, pratica-se a "aprendizagem por descoberta", definida por Lomas (2003a, p. 292) como aquela "em que os estudantes constroem o seu conhecimento de maneira autónoma e sem a intervenção do professor. Esta maneira de aprender exige uma atitude de busca activa através de métodos indutivos ou hipotético-dedutivos." Há, então, neste modelo, duas condições fundamentais a cumprir: a construção autónoma (mas guiada) do conhecimento e uma postura (ativa) de descoberta pelos alunos. Se este percurso didático for bem executado, haverá sempre vantagens em continuar a alargá-lo a outras disciplinas. Como refere Duarte (1998, p. 120), o próprio estudo da gramática promove "nos alunos a utilização de processos cognitivos e da metodologia envolvidos nas atividades de descoberta e resolução de problemas recrutados em muitas outras disciplinas curriculares."

Entretanto, tese idêntica é defendida por Lopes (2005, p. 150), ao discutir o papel da linguagem na definição do que é especificamente humano ("conhecer, pensar, agir, argumentar e sentir") e ao precisar a função cognitiva do conhecimento metalinguístico, pois "Também do ponto de vista cognitivo geral e de aplicação transversal se justifica a reflexão metalinguística, já que ela exercita processos mentais usados em qualquer área científica: observação de dados, detecção de regularidades, resolução de problemas, validação de hipóteses."

Assim, quer o percurso da descoberta quer o da resolução de problemas podem, com vantagens para a aprendizagem dos alunos, ser utilizados não só no quadro do conhecimento gramatical em Português, mas também nas aprendizagens de diferentes áreas científicas e nas mais diversas disciplinas escolares. Em Duarte (2008), reforça-se precisamente que um dos objetivos fundamentais do ensino da gramática está relacionado com a "aprendizagem do método científico", isto se a "reflexão sobre a língua, [for] orientada pelo professor como uma actividade de descoberta" (p. 16). A autora insiste na proposta de atividades que sigam o método do "laboratório gramatical" e que desenvolvam nos alunos um "‘olhar de cientista'" (p. 18).

Camps (2006, p. 31) também propôs uma metodologia de ensino da gramática, as "Secuencias didácticas para aprender gramática (SDG)", que se desenvolve em três fases: definição da tarefa centrada na descoberta; desenvolvimento do trabalho através da observação e recolha de dados; relatório e avaliação - conclusões. O percurso das SDG é, simultaneamente, "una actividad de investigación" e "una actividad de aprendizaje", as quais auxiliam na construção do conhecimento dos alunos (Camps, 2006, pp. 33-34).

Poderá dizer-se que o mais significativo destas propostas é o facto de a aprendizagem se basear na pesquisa e implicar a participação ativa dos alunos, numa forma distinta do ensino tradicional, assente na realização de exercícios de treino de uma gramática repetida e memorizada. Verifica-se, ainda, que estas propostas, com algumas adaptações, podem ser aplicadas nos manuais e nas aulas de Português,[11] desde que as atividades gramaticais não se limitem às duas últimas etapas da descoberta (aplicação e avaliação dos itens), numa lógica didática que não possibilita a compreensão da estrutura e do funcionamento da língua. Mesmo adotando aqui a proposta da aprendizagem pela descoberta, convém ressalvar que, no ensino das línguas e no caso da gramática, é fundamental que não se assuma uma "metodologia única", pois "o ensino de gramática é plural" (Travaglia, 2003, p. 9).

Em síntese, nestes percursos de aprendizagem, pretende-se, acima de tudo, que os alunos exercitem a sua capacidade de reflexão linguística. Nessa medida, os novos MEs do 9.º ano deveriam incorporar (já) atividades que contribuíssem para a explicitação de conhecimentos sobre a língua e para a sistematização das diferentes competências verbais.

4. Conceções sobre Gramática nos programas oficiais

Verificou-se, até aqui, como, em resposta a dois objetivos nucleares (cognitivos e instrumentais), a aprendizagem da gramática tem sido associada, em termos teóricos, a percursos fundados no método da descoberta e de iniciação à pesquisa científica.

Nesta secção, analisando, globalmente, os programas oficiais de Português dos últimos anos, define-se de que modo aparece integrada a gramática entre os outros domínios do ensino do Português. No sentido de decifrar visões sobre o conceito de gramática e de explorar princípios do seu ensino, percorrem-se os textos reguladores de Português, do 3.º ciclo, publicados em 1991, 2001, 2009 e 2012, sendo este o texto das MCP.

No primeiro dos documentos, o Programa de Língua Portuguesa de 1991, salienta-se um objetivo relativo ao Funcionamento da Língua: "Apropriar-se, pela reflexão e pelo treino, de conhecimentos gramaticais que facilitem a compreensão do funcionamento do discurso próprio e de outros discursos" (Ministério da Educação, 1991, p. 54). Neste sentido, a aprendizagem da gramática resulta de processos de conhecimento que conduzem, naturalmente, a um saber sobre a organização de discursos, orais ou escritos. Institui-se, assim, uma perspetiva mais prática de contacto direto com os usos da língua, distinta da visão tradicional de memorização de regras.

Na identificação dos "conteúdos nucleares" do ensino da língua, referem-se as competências de "Comunicação oral", "Leitura" e "Escrita" (Ministério da Educação, 1991, p. 55), às quais se associa a dimensão transversal do "Funcionamento da Língua". Sendo este "um módulo autónomo", segundo Duarte (1991, p. 57) ele "Esgota-se na listagem de conteúdos gramaticais, que surgem completamente desarticulados dos restantes módulos e que não são acompanhados de quaisquer propostas de actividades."

Uma década depois, o Currículo Nacional do Ensino Básico de 2001[12] emerge como documento orientador para todo o Ensino Básico, definindo as competências a desenvolver no currículo. No caso do Português, é de destacar o princípio de que "o domínio da língua portuguesa é decisivo no desenvolvimento individual, no acesso ao conhecimento, no relacionamento social, no sucesso escolar e profissional e no exercício pleno da cidadania." (Duarte, Sim-Sim & Ferraz, 2001, p. 31)

Estas razões confirmam o papel crucial da aprendizagem da língua e, por inerência, do conhecimento gramatical. De facto, a disciplina de língua materna tem um cariz especial, pois está implicada no sucesso escolar e profissional dos alunos. Para tal, contribuem as cinco competências específicas incluídas nesta disciplina: compreensão do oral, expressão oral, leitura, expressão escrita, conhecimento explícito. É de destacar o facto de, na definição da expressão oral e da expressão escrita, se referir que as produções linguísticas (orais e escritas) devem estar "conformes à gramática da língua". A gramática é entendida como um "conhecimento reflectido, explícito e sistematizado das unidades, regras e processos gramaticais da língua" (Duarte, Sim-Sim & Ferraz, 2001, p. 32). Sublinhe-se ainda que o conhecimento explícito, o qual carece de reflexão e de instrução formal, se complementa com o conhecimento implícito, este resultante do processo natural de aquisição da linguagem.

Em 2009, foram publicados os novos Programas de Português do Ensino Básico. Da sua introdução, destacam-se dois aspetos marcantes para o ensino do Português: um apelo a "uma presença efetiva dos textos literários no ensino da língua" e uma referência à "necessidade de se acentuar, no ensino do Português, uma componente de reflexão expressa sobre a língua, sistematizada em processos de conhecimento explícito do seu funcionamento" (Reis, 2009, p. 5). Este texto sublinha, pois, o papel primordial do texto literário e do conhecimento gramatical, sendo estas duas dimensões prioritárias no ensino da língua materna.

Destaca-se no programa, por outro lado, a importância de certas competências gerais (como o "conhecimento declarativo"), das competências linguístico-comunicativas (orais e escritas) e daquelas que mais interessam à aprendizagem da língua - "As competências específicas implicadas nas atividades linguísticas": a compreensão do oral, a expressão oral, a leitura, a escrita. Por fim, a gramática (ouconhecimento explícito da língua) "permite o controlo das regras e a selecção dos procedimentos mais adequados à compreensão e à expressão, em cada situação comunicativa" (Reis, 2009, pp. 15-16).

Ainda no âmbito destas orientações programáticas, sublinha-se "a exigência do chamado conhecimento explícito da língua, nos vários estádios de desenvolvimento do ensino e da aprendizagem da língua e tendo em vista o ensino da gramática" (Reis, 2009, p. 19). Em suma, de múltiplas formas e em diversos contextos, afirma-se nestes programas o valor intrínseco do conhecimento explícito e a importância de uma autonomia que o saber gramatical deve assumir enquanto objeto de ensino e de aprendizagem formal.

Um texto orientador recente - as Metas Curriculares de Português -foi aprovado em 2012 e passou a constituir referência do sistema de ensino, dos processos de avaliação (sobretudo externa), assim como da conceção de MEs. As MCP foram elaboradas, como se reconhece na sua introdução, a partir dos Programas de 2009 e com a intenção de auxiliar os professores na definição das "melhores estratégias de ensino". Ainda nessa introdução das Metas indicam-se as cinco dimensões de ensino da língua no 3.º ciclo: Oralidade, Leitura, Escrita, Educação Literária e Conhecimento Explícito da Língua, "agora designado Gramática". Na explicação da área gramatical, esclarece-se: "No domínio da Gramática, pretende-se que o aluno adquira e desenvolva a capacidade para sistematizar unidades, regras e processos gramaticais da nossa língua, de modo a fazer um uso sustentado do português padrão nas diversas situações de Oralidade, da Leitura e da Escrita" (Buescu, Morais, Rocha & Magalhães, 2012, pp. 4-6).

Sendo este o princípio orientador do ensino e da aprendizagem da gramática, porque assim definido nas MCP, seria normal que os MEs, que se dizem elaborados "de acordo com as Metas", já evidenciassem as marcas destas mesmas orientações, como a seguir se procurará verificar. Todavia, reconhecendo ter havido, a nível nacional, "um sério problema com o ensino da gramática", Costa (2009, p. 34) salienta que uma das causas do mesmo teve a ver com o facto de "o ensino da gramática, quando feito, não ter sido feito de forma articulada ou interagindo com outras competências." Há, pois, que verificar atentamente se tal (não) aconteceu nas atividades dos MEs que passamos a analisar seguidamente.

5. Perspetivas de análise dos manuais de Português

Foram, até este momento, realizados movimentos de exploração mais teórica, no sentido de enquadrar esta investigação: descrever o ensino do Português e os seus domínios; analisar os fundamentos do conhecimento gramatical nas aulas de Português; sistematizar propostas sobre métodos de ensino da gramática; verificar os conceitos e objetivos do ensino da gramática, presentes nos textos oficiais.

Analisando um ME, Castro (1999, p. 189) considera que "Os manuais escolares são objectos particularmente complexos, característica para que contribuem decisivamente a rede de relações intertextuais em que estão posicionados". Sabendo dessa complexidade e da sua diversidade de recursos, há que definir algumas perspetivas de análise. Inicia-se, pois, o estudo exploratório de um corpus de MEs de Português do 9.º ano, nestas etapas: justificação da análise de manuais; apresentação de dimensões de análise; delimitação do corpus; identificação dos objetivos e das operações analíticas; síntese e discussão dos resultados, relativos aos discursos, contextos, operações linguísticas e conteúdos de gramática. Em todas estas dimensões, os manuais foram estudados numa perspetiva descritiva, comparativa e explicativa, seguindo as três fases da análise de conteúdo de Bardin (2004, p. 89): "1) a pré-análise; 2) a exploração do material; 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação".

5.0. Justificação da análise de materiais didáticos

Os materiais didáticos assumem, quase sempre, uma função central no processo de ensino e de aprendizagem das diferentes disciplinas escolares. Por isso mesmo, os manuais constituem uma fonte válida de informação sobre conceções pedagógicas e opções didáticas.

Estabelecendo a ponte entre o currículo, o programa e as práticas dos professores, os MEs desempenham um papel relevante nas aulas de língua e na resposta às exigências dos exames. Tem, pois, sentido a chamada de atenção de Lomas (2003b, p. 271): "Frequentemente o que se faz na aula depende não só do que está enunciado no currículo e do que se escreve na programação didática mas também do uso (e abuso) de determinados materiais didáticos".

Num quadro assim definido, importa descobrir em que medida estão os professores - auxiliados por manuais adequados - habilitados a desenvolver com os alunos atividades nas quais estes pratiquem as dimensões processuais da educação linguística: comunicar oralmente e por escrito, saber ler criticamente textos e, como nesta análise se evidenciará, procurar refletir sobre o funcionamento da língua.

Nesse sentido, podendo analisar os manuais em duas perspetivas - com um olhar crítico, vendo neles um instrumento condicionador dos professores; ou numa visão compreensiva da função que desempenham na fixação de saberes e no apoio às práticas pedagógicas, seguir-se-á predominantemente esta última, sobretudo para compreender melhor como são organizados os processos de aprendizagem pela reflexão e pela descoberta.

O problema é que alguns MEs podem fazer passar uma conceção reprodutora do ensino e, no caso da aprendizagem da gramática, limitar os conteúdos a transmitir aos alunos àquilo que é proposto nos próprios livros escolares, tal como já sugerira Vilela (1993, pp. 158-159):[13]

A ideia que vigora entre os professores de língua é a de que a gramática a aprender e a ensinar é a que está nos livros de leitura ou nos compêndios de gramática e não mais. Professores e alunos pensam que esgotam o tema e o programa lendo ou dando o que os autores ‘servem' nos manuais.

Verifica-se, pois, que os conteúdos selecionados pelos MEs, cumprindo as orientações programáticas, serão os suficientes para atingir os objetivos do ensino explícito da língua, mesmo que a essência do trabalho pedagógico do professor seja o de selecionar conteúdos de ensino, preparar atividades de aprendizagem e realizar a avaliação formativa dos seus alunos.

Choppin (1992, pp. 18-21), ao analisar o estatuto dos MEs, assinala que eles podem ser vistos como produto de consumo, suporte de conhecimentos escolares, veículo ideológico e cultural, instrumento pedagógico, que reflete as tradições ou as inovações escolares. É precisamente nesta última perspetiva (a pedagógica) que se analisarão aqui os manuais selecionados. Se se tiver em conta a sua complexidade e, também, a sua natureza diversa em termos comerciais, científicos, culturais e pedagógicos, aceitar-se-á a pertinência da análise dos novos MEs, sobretudo os que marcam momentos de mudança, como estes, associados às MCP de 2012. Foi esse, naturalmente, o objetivo central da análise realizada.

5.1. Dimensões analíticas dos manuais de Português do 9.º ano

Dada a diversidade de possíveis abordagens dos MEs e justificada a sua escolha para objeto deste estudo específico, é de sublinhar que o manual pode revelar visões sobre o papel da linguagem e sobre o ensino da(s) língua(s) e, ao mesmo tempo, incluir atividades que denunciam conceções particulares acerca do ensino e da aprendizagem da gramática. De facto, "os materiais didáticos são também a expressão de uma determinada conceção do ensino e da aprendizagem, assim como, no nosso caso, de uma determinada conceção da linguagem e da educação linguística e literária" (Lomas, 2003b, p. 271).

Precisamente nesse sentido e para perceber melhor o que ocorrerá no domínio da gramática e em possíveis aulas de Português decorrentes destes manuais, analisam-se, de seguida, os discursos introdutórios (o que dizem) e as opções práticas (o que sugerem e o que fazem) de três novos MEs de Português do 9.º ano. Por serem novos os manuais e por resultarem de um processo de avaliação e certificação recente, verificar-se-á uma eventual transformação de algumas sugestões práticas para o ensino da gramática, cuja análise seria, naturalmente, mais completa se se comparassem versões anteriores de MEs.

Tal significa que as duas principais dimensões analíticas deste estudo dizem respeito, a primeira, à leitura dos textos de abertura dos manuais, e a segunda à análise sistemática ou por amostragem dos contextos, das atividades ou operações didáticas, e dos conteúdos gramaticais, que se podem identificar nas sequências didáticas dos diferentes manuais. Nesta segunda dimensão, serão usadas categorias emergentes orientadoras da análise ou, em alternativa, categorias já utilizadas em outros estudos (Silva, 2008).

5.2. Delimitação do corpus para análise: dos manuais às atividades de gramática

De nove MEs de Português do 9.º ano lançados em 2013/14, foram escolhidas três publicações desse nível escolar. Estes três manuais são de editoras diferentes e certificados por entidades distintas, sendo uma amostra seletiva dos manuais então adotados e dos de mais fácil acesso nas escolas nacionais. O corpus para esta análise de carácter qualitativo ficou constituído pelos seguintes exemplares, na sua versão do professor:

ME 01 - Diálogos 9 (Manual + Guia do Professor), Português, 9.º ano de Fernanda Costa, Olga Magalhães & Vera Magalhães. Porto: Porto Editora, 2013, 320 pp.;

ME 02 - Novas Leituras 9 (Edição do Professor), Português, 9.º ano de Alice Amaro. Porto: Edições Asa II, 2013, 287 pp.;

ME 03 - P9 (Manual do Professor), Português, 9.º ano de Ana Santiago & Sofia Paixão. Lisboa: Texto Editores, 2013, 297 pp..

Para além dos livros do professor (agora referidos como ME 01, ME 02 e ME 03), cada um destes manuais inclui também um caderno de atividades dedicado, quase em exclusivo, a exercícios sobre conteúdos gramaticais reportados às atividades do manual.

Além disso, nestes três manuais há apêndices finais, intitulados "A minha gramática" (ME 01), "Suporte gramatical" (ME 02), "Guia gramatical" (ME 03), que constituem gramáticas breves, isto é, exposições seletivas dos conteúdos gramaticais trabalhados nos MEs.

Estão, assim, identificados os três espaços em que é patente o ensino da gramática: ao longo do manual (nas secções específicas denominadas "Gramática"), nos apêndices do manual e nos cadernos de exercícios. O domínio da gramática ocorre, então, em três contextos distintos: de modo próximo, no quadro das atividades didáticas associadas aos textos, em que se procede à aplicação dos conteúdos gramaticais; de modo complementar, nos apêndices finais do manual, onde se explicam tais conteúdos; de modo autónomo, nos cadernos de atividades, em que se faz a sistematização e/ou aplicação dos itens gramaticais.

Apesar do natural interesse em analisar estas três formas de abordar o domínio da gramática nos MEs, neste estudo exploratório dedica-se uma especial atenção às atividades gramaticais existentes no corpo dos manuais. A opção por este estreitamento do corpus justifica-se não só pelos limites deste texto, mas também por, assim, se optar pela forma mais habitual de apresentar a gramática nos manuais. Entretanto, no sentido de precisar o modo como se organizam os manuais, convém sublinhar que eles estão divididos em capítulos (textos narrativo, dramático, épico e lírico) ou unidades didáticas (UDs), organizadas estas, por sua vez, em sequências didáticas (SDs), que correspondem a uma associação entre texto(s) e atividades sobre os domínios da língua (leitura, oralidade, escrita e gramática). A estrutura típica destas SDs indicia como estarão, normalmente, organizadas as aulas de Português.

5.3. Objetivos e operações de análise do domínio gramatical

Selecionado o conjunto de manuais que será analisado e definidos aí os espaços de gramática - por si só significativos - em que podem ocorrer operações de exposição (nos apêndices gramaticais) ou de aplicação gramatical (nos cadernos de exercícios), torna-se ainda necessário justificar a opção pelo estudo principal das atividades gramaticais (de aplicação gramatical) incluídas na estrutura interna dos manuais.

Acima de tudo, é no contexto das SDs que a gramática pode ocorrer de modo mais natural e de forma (dita) integrada, ou seja, associada (ou não) aos restantes domínios, cumprindo um dos objetivos que tanto os documentos reguladores quanto os textos teóricos referem - a função instrumental e o seu papel transversal. Falta saber, porém, se se constrói, efetivamente, uma relação de implicação entre o domínio da gramática e a leitura, a escrita ou a oralidade. A partir daí, será possível determinar a conceção e a forma da gramática nas propostas de aula de língua, concebidas e divulgadas pelos autores destes três MEs.

Partindo destes princípios e tomando por objeto os três livros de Português de 2013, a questão de investigação orientadora desta análise será: Que configuração apresentam os novos MEs de Português do 9.º ano em termos de discursos, contextos, atividades e conteúdos da gramática? Para responder à pergunta, os objetivos a considerar serão os seguintes:

(i) Apresentar os discursos introdutórios dos manuais sobre o ensino da gramática;

(ii) Confrontar os distintos contextos (aplicação ou exposição) da gramática nos MEs;

(iii) Definir a natureza das operações (meta)linguísticas (reconhecimento, produção ou explicitação) evidenciadas nas SDs destes manuais de Português;

(iv) Caracterizar, segundo as áreas gramaticais (morfologia, sintaxe, semântica, etc.), os conteúdos subjacentes às atividades propostas pelos manuais.

Mesmo que outras dimensões analíticas pudessem aplicar-se a estes manuais (por exemplo, avaliando como é associada a gramática complementar dos anexos à gramática autónoma dos cadernos), neste momento estas são as dimensões mais relevantes para a definição do estatuto e da natureza da gramática nos novos MEs de Português do 9.º ano.

5.4. Síntese de dados e interpretação dos resultados

Como foi referido, os MEs podem ser analisados em duas dimensões: nos seus discursos e quanto às suas práticas. Quer uns quer outras podem revelar aos professores novas teorias e novas abordagens de ensino da gramática para as suas aulas. Começando pelos discursos, verificou-se que estes manuais não incluem um texto de apresentação (introdução ou prefácio), pelo que só através de outros elementos é que se acede às conceções dos autores. Foi, por isso, analisando os documentos de publicitação do projeto ou de apresentação do manual que se chegou à caracterização do domínio da gramática e à indicação dos seus objetivos.

No ME 01 (p. II), na apresentação das atividades associadas aos textos, explica-se que o domínio da gramática inclui "exercícios gramaticais em articulação com a leitura e a escrita". No ME 02 (p. 3), na explicitação das sequências e sobre a gramática, pode ler-se: "Ao longo do manual encontras exercícios variados que, de forma gradual e sistematizada, te permitirão progredir no domínio de outras competências". Por fim, no ME 03 (p. I), ao enunciar as marcas do projeto integral, os seus responsáveis destacam: "A articulação cuidada dos diferentes domínios de referência das Metas Curriculares - leitura, escrita, oralidade e gramática".

Destas proposições, deduz-se que é intenção dos autores destes manuais realizar um ensino integrado da gramática, potenciador do desenvolvimento de competências verbais. Todavia, pela forma como estão ordenados, nos índices dos manuais, os itens das SDs, parece que os domínios programáticos (leitura, escrita, oralidade, gramática) surgirão isoladamente, sem interdependência, até porque os títulos das secções (correspondentes aos diferentes domínios) distinguem-nos e separam-nos.

É, pois, nas sequências de textos e de atividades dos manuais que se confirmará se a conceção didática do ensino integrado é (ou não) aplicada. Neste parâmetro, os três MEs parecem semelhantes, já que incluem as mesmas formas de abordar a gramática: nas SDs, na estrutura interna do manual (como aplicação); num anexo final (de exposição); e no caderno de atividades (novamente de aplicação). Nestes manuais, com os mesmos espaços de gramática, ocorrem idênticas abordagens da mesma, ou seja, pela aplicação e pela exposição. Os seus autores sugerem sempre a consulta dos anexos de informação gramatical, ou do caderno de atividades, para "exercitar e aprofundar os conteúdos gramaticais" (ME 02, p. 3). Tal associação entre as atividades centrais e as exposições anexas traduz uma necessidade de explicar aos alunos os conteúdos que foram (previamente) aplicados ou, igualmente, a remissão para sínteses que os podem auxiliar no seu estudo.

Perante estes factos, convém indagar os dois princípios que os autores dos MEs enunciaram nos seus discursos: o papel do saber gramatical no desenvolvimento das competências verbais e a articulação entre os diferentes domínios do ensino da língua. Será, assim, possível verificar metodologias que se aproximem da aprendizagem pela descoberta.

O ME 01 inclui, nas SDs, uma secção autónoma de atividades de gramática, após as questões de leitura, oralidade ou escrita. Tem um anexo intitulado "A minha gramática" (pp. 271-320), no qual predomina a exposição de conteúdos e um Caderno de Atividades (96 pp.), com exercícios de gramática. Ao longo do manual, as secções de gramática estão identificadas (pelo seu título) e as questões gramaticais não surgem associadas à escrita nem à leitura, constituindo identificação ou revisão de conteúdos, os quais são explicados no anexo final. No livro auxiliar,a gramática é objeto de aplicação, mas não de implicação com os outros domínios.

O ME 02 também integra três espaços dedicados ao mesmo domínio: uma secção de "Gramática", presente nas SDs; um anexo intitulado "Suporte gramatical" (pp. 242-287); e um Caderno de Exercícios (80 pp.).[14] Estes elementos servem, respetivamente, para fazer a aplicação, a explicação e, de novo, a aplicação das categorias gramaticais. Desta forma, parece seguir-se, normalmente, um percurso de aprendizagem não habitual, pois os conteúdos de gramática aplicam-se primeiro,[15] depois explicam-se (no apêndice) e, por fim, aplicam-se ou aprofundam-se (no caderno de atividades), quando já foram trabalhados no corpo do manual.

O ME 03 apresenta os mesmos três espaços: uma secção do domínio gramatical, existente ao longo do manual; um anexo intitulado "Guia gramatical" (pp. 251-297); e um Caderno de Atividades (103 pp.). Estes vários contextos servem, igualmente, para realizar a aplicação, a explicação e uma nova aplicação dos conteúdos gramaticais.

Verificou-se, portanto, nestes três MEs, que as atividades de gramática (colocadas sempre em secções autónomas) não estão articuladas com os outros domínios, logo não resulta daí, como se esperaria, um ensino integrado da gramática.[16] O saber gramatical autónomo no seu espaço, não interage, de facto, com os outros domínios e não estará ao serviço do desenvolvimento das competências verbais. Deste confronto, também se pode concluir que os conteúdos gramaticais não são objeto de observação, de análise nem de descoberta ativa pelos alunos. Pelo contrário, o que eles fazem é a mera aplicação (ou avaliação), seguida da (eventual) consulta de uma "gramática breve", colocada mesmo no final do manual.

O sério problema é que, como refere Costa (2009, p. 37), este é um "falso ensino da gramática em contexto de uso", no qual "é apresentado um texto com um conjunto de perguntas de interpretação e uma ou duas perguntas de gramática, no final, que em nada contribuem para um melhor desempenho na leitura do texto." Se há vários contextos de ocorrência da gramática, o percurso didático que os une parece bastante ténue: isolamento da gramática; aplicação antes da sua explicação; reconhecimento sem descoberta; e um discurso que não se cumpriu - o de que a gramática estaria ao serviço das competências verbais.

Entretanto, para aprofundar a análise anterior, realizou-se um estudo das operações linguísticas implicadas nas diversas questões gramaticais. Refira-se, antes de mais, que, no ME 01, de um total de 42 SDs delimitadas, há 21 delas (50%) que apresentam uma secção de gramática. No ME 02, em 37 SDs, surgem 25 blocos de exercícios gramaticais (68%). Por fim, no ME 03, existem 28 (67%) secções de gramática num total de 42 SDs. Assim, ao todo, nestes três MEs e nas suas 121 SDs, encontramos um total de 74 secções gramaticais (61%), o que não deixa de ser significativo do relevo que à gramática se atribui nos manuais.

Importava, pois, verificar o tipo de operações linguísticas subjacentes às várias perguntas de gramática presentes nessas 74 secções. Partindo de três categorias já utilizadas (Silva, 2008, pp. 284-286) e que se traduzem em operações de reconhecimento (identificação ou classificação de dados), de produção (construção de enunciados, aplicando regras gramaticais) ou de explicitação (reflexão e explicação metalinguística de conhecimentos), procedeu-se, então, à identificação e à análise de todas as perguntas das SDs.

Verificou-se existir um total de 343 questões sobre conteúdos gramaticais. Os resultados obtidos, que se apresentam na Tabela 1, espelham em parte o que é a gramática escolar: muitas operações de reconhecimento (cerca de 74%), algumas de produção (17%) e raras de explicitação (9%), ou seja, das que estarão perto de uma aprendizagem mais ativa e exigente.

 

Tabela 1. Operações linguísticas subjacentes às questões gramaticais dos manuais

Operações linguísticas:

Reconhecimento

Produção

Explicitação

Total

ME 01

54

10

3

67

ME 02

74

24

3

101

ME 03

125

24

26

175

TOTAIS

253

58

32

343

%

73,8%

16,9%

9,3%

100%

 

Mesmo assim, há que relevar que os três manuais têm um número diferente de questões: o ME 01 inclui 67; o ME 02, 101; e o ME 03, 175, ou seja, quase o triplo do ME 01. Em termos quantitativos, estes manuais atribuem um valor distinto ao domínio da gramática e, no ME 01, haverá uma ocorrência demasiado reduzida de questões gramaticais.

Todavia, o resultado mais significativo tem a ver com um predomínio muito marcado das operações de reconhecimento (identificação de dados), que correspondem a um total de 73,8% das operações cognitivas implicadas nas atividades de gramática, em que se tende a realizar uma certificação da existência do conhecimento gramatical. Vejam-se estes três exemplos:

(1) "4. Indica a palavra que refere o todo (holónimo) relativamente às palavras de cada grupo." (ME 01, p. 27)

(2) "3. Divide e classifica as orações das frases a seguir apresentadas." (ME 02, p. 43)

(3) "1. Identifica os nomes e o adjetivo presentes na frase seguinte." (ME 03, p. 36)

Nestes situações, realmente muito repetidas ao longo dos três MEs, aquilo que o aluno terá de fazer é indicar, identificar, classificar ou selecionar (a partir dos seus eventuais conhecimentos prévios de gramática) dados que fazem parte da terminologia gramatical oficial.

No caso das operações de produção, o aluno já tem de utilizar ou de aplicar determinadas categorias e/ou regras gramaticais, transformando frases ou realizando uma produção linguística (escrita), normalmente de curta dimensão e de um grau de exigência médio.

(4) "2.1. Reescreve a última frase de modo a que o sujeito seja indeterminado." (ME 01, p. 63)

(5) "2.1. Transforma o discurso indireto em discurso direto, tal como no exemplo." (ME 02, p. 39)

(6) "3. Escreve uma frase sobre o conto em que utilizes os advérbios conectivos ‘primeiro', ‘depois' e ‘seguidamente'." (ME 03, p. 45)

Nas operações de explicitação, ao aluno é exigido que demonstre ou explicite um determinado fenómeno gramatical ou uma regra específica que está aplicada num certo texto ou em alguns enunciados. Deste modo, já se realiza a observação de dados e a explicitação de regularidades linguísticas, correspondentes a fases de trabalho laboratorial do percurso da aprendizagem pela descoberta. Vejam-se, pois, os exemplos que se seguem:

(7) "2. Nas segmentos [sic] seguintes do conto, os pronomes pessoais destacados encontram-se colocados antes das respetivas formas verbais. Justifica essa posição em cada caso." (ME 01, p. 49)

(8) "2.2. Conclui acerca da posição do pronome adjacente ao verbo, quando a frase se encontra na negativa." (ME 02, p. 29)

(9) "2.4. Explicita as regras quanto à flexão do adjetivo em género e número que tiveste de respeitar no exercício anterior." (ME 03, p. 36)

Em síntese, pela quantidade e pela qualidade das operações que os alunos realizam ao utilizar estes MEs parece perceber-se que o (dito) ensino tradicional da gramática, centrado na memorização de nomenclatura e na aplicação de regras, se manterá quase inalterado. A presença residual de operações de explicitação e de produção não será suficiente para comprovar uma necessária alteração de conceções e de práticas, que poderiam ser executadas através de atividades experimentais, de observação e de aprendizagem pela descoberta. Todavia, estas ilações, como referido, carecem de um confronto com versões anteriores de MEs.

Por fim, interessava caracterizar as áreas gramaticais que estão presentes nos mesmos manuais, no sentido de compreender se outra conceção tradicional de gramática (centrada em conteúdos morfossintáticos) se mantinha ou se, talvez nesse aspeto, teria havido alguma possível alteração quanto aos conteúdos gramaticais predominantes. Dessa segunda análise quantitativa resultou a Tabela 2.

 

Tabela 2. Áreas da gramática predominantes nas sequências didáticas dos manuais

Áreas da gramática:

Sintaxe

Morfologia

Semântica

Outras

Total

ME 01

11

04

02

04

21

ME 02

14

04

02

05

25

ME 03

10

10

01

07

28

TOTAIS

35

18

05

16

74

%

47,3%

24,3%

6,8%

21,6%

100%

 

Destes dados, evidencia-se, acima de tudo, que as atividades de gramática, como vem sucedendo, se centram nas áreas da sintaxe e da morfologia, ou seja, em operações de análise sintática e de classificação morfológica. São mais de 70% as secções nas quais predominam os exercícios morfossintáticos, que levarão os alunos a apreender uma visão reduzida da organização dos textos e dos discursos, pois só exercitam categorias como a palavra ou a frase.

Mesmo com diversos espaços dedicados à gramática, a verdade é que, nas SDs dos manuais analisados, é mobilizada uma visão menor da gramática escolar e uma proposta de gramática quiçá menos exigente, por levar à memorização e repetição de nomenclatura, em que o falante não treina a observação e a análise de dados linguísticos. Talvez um estudo mais diversificado destes MEs conduzisse a outros resultados, mas, nesta fase, as conclusões que se podem retirar foram sendo enunciadas e apresentam-se, em síntese, na secção subsequente. Em todo o caso, esta análise específica e os resultados obtidos não invalidam, de modo algum, a deveras relevante função escolar dos manuais, nem põem em causa a atualidade e as diversas qualidades científico-pedagógicas que os três MEs aqui analisados naturalmente evidenciam.

6. Algumas conclusões preliminares

Ao iniciar este texto, lançamos a hipótese de, a partir de 2012, o ensino da gramática na escola poder ter sido objeto de uma reconfiguração, em virtude da implementação das Metas Curriculares de Português e da adoção de novos livros de Português no Ensino Básico. Agora é o momento de, na sequência da discussão teórica e da análise específica de três MEs do 9.º ano, deduzir algumas conclusões preliminares que confirmem (ou não) tal princípio e que nos animem na busca persistente do "mito da gramática perfeita" (Silva, 2006).

Se, teoricamente, os autores sublinham a dupla função (cognitiva e instrumental) do ensino da gramática (cf. Duarte, 1998, pp. 113-118), destacam precisamente o objetivo de o saber linguístico dever ser, paulatinamente, explicitado e integrado em função das outras competências verbais, sobretudo nos casos da escrita e da leitura. Assim, defendem o postulado de que o conhecimento gramatical tem um valor em si mesmo (como conhecimento autónomo), mas também contribui para o desenvolvimento de múltiplas dimensões associadas à linguagem.

Além disso, ao defender o estatuto da gramática na escola e ao questionar o seu pendor normativo, gramáticos e linguistas referem o papel que o conhecimento explícito da língua pode desempenhar na compreensão da linguagem, nos usos comunicativos da língua ou, ainda, na educação linguística, nas ações de literacia e nos hábitos de investigação científica.

Com a intenção de descrever e de discutir métodos de ensino da gramática, identificaram-se alguns deles, os quais têm em comum o facto de apostarem na experimentação, na recolha e na análise de dados, na inferência de regularidades, enfim na descoberta de regras gramaticais. Seja o método natural, seja a método da descoberta, ambos implicam a participação ativa do aluno, uma boa supervisão do professor e, com exceção do método natural, uma aproximação às linhas da metodologia de índole científica.

Revisitando os documentos reguladores das últimas duas décadas, percebeu-se que se foram alterando as designações do domínio da gramática (funcionamento da língua, conhecimento explícito, gramática), mas que a ideia de que esse conhecimento declarativo e formal pode estar ao serviço das competências verbais (leitura, escrita, oralidade) foi sendo reforçada e aprofundada, desde os Programas de 1991 até às Metas de 2012, ressalvando-se que, nos Programas de 2009, já se sugere que o conhecimento explícito da língua também deve ser objeto de "momentos de trabalho autónomo" (Reis, 2009, p. 19).

Perante estes dados teóricos, dos quais se destaca o princípio de que a gramática promove e apoia as competências, desde que se realize um ensino integrado da língua e se adote uma metodologia próxima da aprendizagem pela descoberta, iniciou-se a análise de conteúdo de três manuais, em quatro dimensões principais: nos seus discursos introdutórios, nos contextos da gramática, nas operações linguísticas e nos conteúdos gramaticais.

Antes de mais, nos discursos introdutórios dos MEs, viu-se como os seus autores sugerem um ensino integrado dos diversos domínios, em que a gramática serviria de apoio e de fundamento aos outros domínios, isto um pouco à imagem do que referem os programas; porém, ao analisar o índice e a estrutura interna dos manuais, verificou-se que as atividades dos diferentes domínios são trabalhadas de modo tendencialmente isolado, pelo que não há um verdadeiro ensino integrado da gramática, nem a ocorrência de métodos de descoberta.

Quanto aos espaços dos manuais dedicados à gramática, foi possível concluir que as questões e os conteúdos de gramática ocupam um espaço significativo, numa secção própria ao longo do manual, num anexo final e num livro de exercícios gramaticais. Como se verificou, manifestaram-se assim três perspetivas de abordagem: a) a gramática questionada nas sequências(sem ter sido explicada); b) a gramática explicada nos apêndices finais (ou "gramática breve"); c) a gramática aplicada (ou consolidada), nos cadernos de atividades.

Deste modo, o percurso metodológico seguido nestes manuais organiza-se, como a análise dos MEs permitiu compreender, nessas três fases: aplicação e revisão (no manual); exposição ou explicação (no anexo); aplicação e consolidação (no caderno de exercícios). Parece estranho, todavia, que se faça, primeiro, a aplicação e só depois a explicação dos conteúdos, através de tarefas de mera identificação. Nestes procedimentos, não é visível, como referimos, a presença do método da aprendizagem pela descoberta, cuja ausência se confirma pelo tipo de operações linguísticas que predominam: muitas questões de reconhecimento (74%), algumas de produção (17%) e muito poucas de explicitação dos conhecimentos em construção (9%). Seria através da reflexão e da explicitação das questões gramaticais que os alunos poderiam chegar à descoberta de regularidades.

A visão de gramática retirada da análise destes manuais é a de que ela é objeto de reconhecimento, de repetição ou de revisão, como acontece muito nestes MEs do 9.º ano. Este modelo gramatical, que é (re)conhecido e de múltiplas formas repetido, poderia ser substituído pelo desafio da descoberta a realizar pelos alunos, num percurso defendido pelos teóricos. Só que não é isso que acontece e, portanto, os "novos"manuais não integraram uma (esperada e desejável) (re)configuração do ensino da gramática na escola, pois os seus autores só retoricamente afirmam uma articulação das várias competências, o que não se concretiza nas propostas destes MEs. Esta ideia verifica-se, igualmente, nas atividades dos manuais, onde predominam conteúdos relacionados com a morfologia e a sintaxe, o que, nesta análise preliminar, sugere uma conceção estreita e conservadora dessa mesma gramática escolar.

Todavia, nesta perspetiva de encarar o ensino da gramática, não é seguramente pela falta de perguntas e de aplicações, de exposição e de avaliação (em que estes MEs são extremamente ricos) que os alunos não conhecem a nomenclatura gramatical das MCP. O problema é que, como habitualmente se defende, a gramática aprendida (de cor) facilmente se esquece logo após as avaliações; pelo contrário, a gramática descoberta pelos alunos, não só não seria esquecida, como estes a conseguiriam mobilizar nos seus usos linguísticos, já que teriam aprendido a pensar sobre a língua e a gostar de descobrir os fenómenos extraordinários da linguagem.[17]

Afinal, como defendem muitos daqueles que estudam a linguagem humana e refletem sobre o ensino da língua materna (linguistas, gramáticos, didatas), é ao aprender a gramática (pela reflexão e pela descoberta) que se leva os estudantes a tomar consciência de que

a sua língua materna, como todas as línguas naturais, é uma realidade fascinante, de uma delicada complexidade, que é passível de ser observada, descrita nos elementos que a constituem, e compreendida no modo regular e regulado como eles se combinam para nos permitir, no quotidiano, comunicar, agir sobre os outros, exprimir o que pensamos, inventar e criar. (Duarte, 1992, p. 177)

 

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[Recebido em 28 de janeiro de 2016 e aceite para publicação em 15 de abril de 2016]

 

Notas

[1] Cf. http://www.dge.mec.pt/listas-dos-manuais-escolares-avaliados-e-certificados, acedido em 14/04/2016.

[2] Note-se que "os professores de Português […] já reconhecem que devem dar igual relevo às cinco competências (compreensão e expressão do oral, compreensão e expressão escrita e funcionamento da língua), não obstante a prática nem sempre ser conforme." (Lobo, 2002, p. 56)

[3] Sim-Sim, Duarte & Ferraz (1997, p. 30), referindo-se ao domínio gramatical, explicam precisamente que "Por conhecimento explícito [se entende] a progressiva consciencialização e sistematização do conhecimento implícito no uso da língua."

[4] Em 2015, foi introduzido o Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico, que retoma o essencial das MCP de 2012, em termos de domínios, metas, objetivos e descritores do desempenho. Este programade 2015 não influenciou a conceção nem a adoção dos MEs de 2013/2014, pelo que não será aqui comentado, pois tal não seria muito pertinente para a análise destes manuais.

[5] Crystal (1992, p. 8) também já estabelecera esta distinção, precisamente ao nível do conhecimento gramatical: "Everyone who speaks English knows grammar, intuitively and unconsciously. But not everyone who speaks English knows about grammar. ‘Knowing about' means being able to talk about what we know."

[6] Após a implementação das MCP de 2012, é preciso diferenciar a leitura (competência) do conhecimento de literatura (saber), já que estas dimensões do ensino da língua se conjugam na Educação literária, evidenciando-se, assim, que a literatura não é apenas um saber declarativo.

[7] Costa (1992, pp. 226-233) distingue três modelos de gramática: o normativo (que indica "quais as formas correctas de uso da língua"), o descritivo (cujo fim é "descrever o funcionamento da língua, independentemente da existência de uma norma") e o formal ou teórico, exemplificado, neste artigo, com "o modelo generativo de gramática, tal como proposto por Chomsky (1957, 1959)".

[8] Uma descrição detalhada das fases da Oficina gramatical será apresentada na secção seguinte (3.) deste texto.

[9] Neste artigo, por opção teórica e limitações de espaço, acabou por não se fazer referência à proposta metodológica da Pedagogia dos discursos, iniciada por Fonseca & Fonseca (1977) e aprofundada noutros trabalhos dos autores: Fonseca (1988-1989, pp. 63-77) e Fonseca (1994, pp. 107-115). Sobre uma proposta de articulação entre Pedagogia dos discursos e Laboratório gramatical, veja-se Silvano & Rodrigues (2010).

[10] Em Duarte (2008, pp. 18-19), este percurso de quatro fases é alargado, na perspetiva do Laboratório gramatical, num conjunto de sete etapas, que começa com a formulação de uma pergunta ou de um problema e termina com a avaliação das aprendizagens realizadas.

[11] Num livro de Português para o 3.º ano (Alfa. Português 3), a secção de gramática intitula-se "Laboratório gramatical" e o seu objetivo é a "Explicitação, sistematização e aplicação das regras do conhecimento explícito da língua de uma forma contextualizada" (Lima, Barrigão, Pedroso & Rocha, 2015, p. 3). De facto, em certas atividades, conduz-se o aluno à explicitação das regras gramaticais (cf. Duarte, 1992, 1998), como se vê numa sequência sobre os nomes: a) leitura e observação de palavras; b) caracterização de frases e organização de dados; c) identificação da categoria e das regras associadas; d) síntese da informação (Lima, Barrigão, Pedroso & Rocha, 2015, p. 84).

[12] O Currículo Nacional do Ensino Básico vigorou uma década (2001-2011), mas deixou de "constituir documento orientador do Ensino Básico em Portugal", na sequência do Despacho N.º 17169/2011, de 23/12, assinado pelo então Ministro da Educação e Ciência, Nuno Arrobas Crato.

[13] Reforçando a sua ideia sobre este tema, Vilela (1993, p. 166) considerava que "Os autores de manuais fazem mau serviço em fornecer uma gramática ‘menor': seria melhor não fornecer nenhuma gramática, obrigando os professores a procurar (ou elaborar) uma gramática adequada".

[14] No ME 02, no Caderno de Exercícios (p. 1), reafirma-se uma relação entre gramática e competências verbais: "Pretende-se a aplicação, sistematização e consolidação das aprendizagens dos alunos no domínio da Gramática, que lhes permitirão desenvolver e aperfeiçoar o seu desempenho na Leitura, Oralidade e Escrita".

[15] Neste manual, que inclui 25 SDs com questões de gramática, são aí intercaladas 16 caixas de texto com o título "Recorda" (cf. ME 02, por exemplo, pp. 25, 29, 39, 53, 61, 104, etc.) que servem para explicar conteúdos já aprendidos em anos anteriores e que estão a ser aplicados.

[16] As cinco únicas exceções a esta tendência acontecem no ME 03, em que, através de títulos combinados, a gramática surge associada a outros domínios: Leitura (pp. 96 e 238), Oralidade (pp. 100 e 237), Escrita (p. 111), mesmo que, quase sempre, as questões de cada um dos domínios não estejam realmente implicadas umas nas outras, persistindo, por isso, o seu carácter tendencialmente autónomo.

[17] De entre alguns estudos recentes que têm feito referência a aplicações do Laboratório gramatical, citamos o de Silvano & Rodrigues (2010, pp. 282-283), do qual se destacam dois objetivos importantes neste tipo de abordagem (sobretudo se articulada com a Pedagogia dos discursos): "desenvolver no aluno o conhecimento explícito e a consciência linguística a partir do conhecimento intuitivo da língua" e "promover o desenvolvimento das capacidades investigativas do aluno".

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