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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.30 no.1 Braga  2016

 

RECENSÕES

VALE, Andreia (2015), Puxar a Brasa à Nossa Sardinha. Lisboa, Manuscrito. ISBN 978-989-8818-08-9

 

Henrique Barroso*

*Universidade do Minho, Portugal.

hbarroso@ilch.uminho.pt

 

Apesar de o título em epígrafe (Puxar a brasa à nossa sardinha), com o subtítulo E outras 270 expressões que usamos no dia-a-dia (sic) sem saber a sua origem, só ter vindo a lume em julho de 2015, é já a 3.ª edição (de agosto, adquirida em outubro) que estou a recensear – e de todo me surpreenderia se agora (março de 2016) pudesse compulsar uma edição ulterior. Com efeito, a capa (esteticamente bem conseguida: cores quentes, em harmonia), o próprio título bem como o subtítulo (o público em geral tem curiosidade porque conhece/usa tais expressões na sua prática discursiva quotidiana), a autora (uma jornalista da TV, conhecida do grande público) e, ainda, o (poder do) marketing são chamarizes que só muito dificilmente é que não captam a atenção do(a)s potenciais interessado(a)s e até de muito(a)s outro(a)s.

Por conseguinte, esta nada despicienda fortuna na receção (desconheço, contudo, o número de exemplares por edição) está, sem desmerecimento de outras virtualidades – que as tem, é claro, como se assinalará –, fortemente ancorada no que acabo de afirmar, parece-me. É que não se está na presença nem de um tratado científico nem de uma apresentação didática do tema de que se ocupa (expressões idiomáticas do português) mas, antes, de uma recolha de duzentas e setenta e uma estruturas mais ou menos do mesmo tipo, seguidas dos respetivos significados e, cumprindo o objetivo a que se propôs a autora, da explicitação, com mais ou menos detalhe (entre três páginas, máximo, para OK, págs. 158-160, e um parágrafo de três linhas, mínimo, para É disto que o meu povo gosta!, pág. 201), da sua origem. Vale, portanto, por isto e é sobretudo disto que trata.

Estruturalmente (servindo também de orientação para o leitor), é esta a organização do livro: para além do Índice (págs. 7-15), da Introdução (págs. 17-19), onde se pode ler (objetivo) “Com este livro, gostava de dar a conhecer a origem destas expressões que fazem parte do património linguístico e cultural de todos nós. Não quero apenas explicar o significado das expressões, mas sim perceber de onde elas vêm.”, de uma espécie de conclusão, E para terminar… (pág. 216), onde apresenta e descreve a 271.ª expressão, Plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro, dos Agradecimentos (pág. 217) e da Bibliografia (págs. 219-220), desenvolve a matéria em questão ao longo de catorze “capítulos” ou, se calhar melhor, secções (págs. 21-215).

Coloco “capítulos” entre aspas porque, em rigor, não o são. Diria, antes, tratar-se, metaforicamente, de gavetas e/ou gavetões em que a autora “arruma” as restantes 270 construções pois, para além da etiqueta com que identifica cada um dos catorze grupos por si delimitados e de uma brevíssima apresentação, passa logo à sua descrição. Ilustremos este procedimento com o primeiro grupo (pág. 21): “1. As portuguesíssimas: São às centenas, milhares talvez. Porque há as que têm origem no Norte, no Sul, no litoral, no interior e nas ilhas. Há expressões regionais, locais, de uma determinada classe ou actividade (sic). Ligadas à nossa história, à nossa cultura, aos nossos hábitos. A riqueza do vocabulário impede-nos de, neste livro, falar de todas. Mas há algumas que se destacam mais que outras e que andam na boca de todos nós.” Depois, logo na página seguinte, começa por Puxar a brasa à sardinha, que dá o título ao livro, continuando por outras nascidas na capital, e por aí fora, até ao fim.

Discriminemo-las, agora, sob a etiqueta usada pela autora, indicando ao mesmo tempo as páginas em que são tratadas, bem como o seu número: 1. As portuguesíssimas, pp. 21-45 (28 construções): Puxar a brasa à sardinha; Resvés Campo de Ourique; Meter o Rossio na Rua da Betesga; Obras de Santa Engrácia; Cair o Carmo e a Trindade; Sepultar os mortos e cuidar dos vivos ou Soterrar os mortos e pensar dos feridos; Azar dos Távoras; Nem disse água vai nem água vem; Vai bugiar!; Vai chatear o Camões; É pior a emenda que o soneto; Brigada do reumático; Esperteza saloia; Trabalhar como um mouro ou Ser um mouro de trabalho; Noiva de Arraiolos; Passar as passinhas do Algarve; Anda mouro na costa; Amigo de Peniche; Ficar a ver navios; Maria vai com as outras; No tempo dos Afonsinhos; Mais velho que a Sé de Braga; Ver Braga por um canudo; Arraia-miúda; Uma lança em África; Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades; Dobrar o cabo das Tormentas; As moscas mudam mas a merda é a mesma. 2. Passe a publicidade, pp. 47-59 (14): Primeiro estranha-se, depois entranha-se; Há mar e mar, há ir e voltar; Aquela máquina; Carregada como o Preto da Casa Africana; O que é nacional é bom; Trigo limpo farinha Amparo; O algodão não engana; Mudasti; Tou xim? Ah, um momento... É para mim!; Cara de bebé Nestlé; Boneco Michelin; Blá-blá Whiskas saquetas; O cliente tem sempre razão; Vá para fora cá dentro. 3. O que é o almoço?, pp. 61-71 (13): Favas contadas; Até vir a mulher da fava-rica; Calhou-me a fava; Conhecer de ginjeira; Ao preço da uva-mijona; De partir o coco a rir; Feito ao bife; Em banho-maria; Farinha do mesmo saco; Ovo de Colombo; Sopinha de massa; Chá, café ou laranjada?; Coffee, tea, me?. 4. A mãe natureza, pp. 73-78 (8): Separar as águas; Chover a cântaros; Nem que chovam canivetes/picaretas; Balde de água fria; Quebrar o gelo; Calor de ananases; Tapar o sol com a peneira; Navegar à vista. 5. Expressões de sete e quinhentos, pp. 79-82 (4): Abrir os cordões à bolsa; Ter para os alfinetes; Cara ou coroa; Tempo é dinheiro. 6. Expressões para todas as partes do corpo, pp. 83-104 (41): A par e passo; Não ter pés nem cabeça; Passar a mão pela cabeça; Com a corda na garganta; Custar os olhos da cara; Atirar areia para os olhos; Ir para o olho da rua; Queimar as pestanas; Apanhado com a boca na botija; Não ter papas na língua; Trinta e um de boca; Beijinho à esquimó; Ter ouvidos de tísico; Surdo como uma porta; As paredes têm ouvidos; Ouvidos de mercador; Emprenhar pelos ouvidos; Levar um puxão de orelhas; Dar água pela barba; Pôr as barbas de molho; Com unhas e dentes; Unhas de fome; Dar a mão à palmatória; Dar de mão beijada; De mãos a abanar; Dar o braço a torcer; Dor de cotovelo; Falar pelos cotovelos; Com o rei na barriga; Jogo de cintura; Meter o rabo entre as pernas; Em cima do joelho; Entrar com o pé direito; Pé na tábua; Calcanhar de Aquiles; Saúde de ferro; Pau de virar tripas; Ossos do ofício; (Atchim!!!) Saúde! Santinho! Deus o abençoe!; Sangria desatada; Dar-lhe um amok. 7. É o fungagá da bicharada, pp. 105-132 (51): Não poder com uma gata pelo rabo; Gatos-pingados; Gato-sapato; Gato por lebre; Fazer uma vaquinha; Voltar à vaca fria; Mão de vaca; Nem que a vaca tussa; Tempo das vacas magras; Pensar na morte da bezerra; Tirar o cavalinho da chuva; Dose de cavalo; Cor de burro quando foge; Estar frio para burro; Dar com os burros na água; A pensar morreu um burro; A porca torce o rabo; Dar ou deitar pérolas a porcos; Bode expiatório; Questões de lana caprina; Ovelha negra; Ovelha ronhosa; Cair na boca do lobo; Carapau de corrida; Como sardinha em lata; Arrotar postas de pescada; Para quem é, bacalhau basta; Ficar em águas de bacalhau; Olha o passarinho; Ver passarinho verde; Arrastar a asa; Trazer água no bico; Cair que nem tordos; Ter macaquinhos no sótão; Cada macaco no seu galho; Elefante branco; Memória de elefante; Lágrimas de crocodilo; Engolir sapos; Dizer cobras e lagartos; Banha da cobra; A montanha pariu um rato; Com a pulga atrás da orelha; Amigo da onça; Bicho de sete cabeças; Olhos de lince; Sangue de barata; Dar trela; Não ser flor que se cheire; Mal e porcamente; Bicho-carpinteiro. 8. Deus e o diabo na boca de todos nós, pp. 133-150 (26): Andar ao deus-dará; Dá Deus nozes a quem não tem dentes; Deus te pague; Para os quintos dos infernos; Fazer o diabo a quatro; Comer o pão que o diabo amassou; Advogado do diabo; Esticar o pernil; Bater a cacholeta; Bater as botas; Ficar a fazer tijolo; Comer alfaces pela raiz; Discutir o sexo dos anjos; Do arco-da-velha; Paciência de Jó; Onde Judas perdeu as botas; Lavo daí as minhas mãos; Andar com o credo na boca; Jurar a pés juntos; Bom samaritano; Tirar o pai da forca; Dar o nó; Lua-de-mel; Cruz-credo; Afasta de mim esse cálice; Aquele que nunca pecou que atire a primeira pedra. 9. Um arco-íris de expressões, pp. 151-155 (5): Deixar preto no branco; Sorriso amarelo; Verde de inveja; Pintar tudo de cor-de-rosa e ter sonhos cor-de-rosa; Ouro sobre azul. 10. Expressões que vêm de fora, pp. 157-176 (30): OK; Vira-casacas; Correr ceca e meca (sic); De se tirar o chapéu; Ser cheio de salamaleques; Ver-se grego; Agradar a gregos e troianos; Cavalo de Tróia; Odisseia; Todos os caminhos vão dar a Roma; Em Roma, sê romano; Também tu, Brutus?; Erro crasso; Negócio da China; Santo do pau oco; Eles que são brancos, que se entendam; Forró e forrobodó; República das bananas; Em fila indiana; Casa da mãe Joana; Ir ou mandar para o manet a; Sair à francesa; À grande e à francesa; Verdade de La Palice; Foi assim que Napoleão perdeu a guerra; Dia D e hora H; Para inglês ver; Pontualidade britânica; Salvo pelo gongo; Do tempo da Maria Cachucha. 11. Vou contar até três, pp. 177-181 (8): Um é pouco, dois é bom, três é demais (sic); Chapa quatro; Estar nas sete quintas; Fechado a sete chaves; Oito ou oitenta; Ser cheio de nove horas; Fazer trinta por uma linha; São outros quinhentos. 12. O comando é meu, pp. 183-197 (23): Só me apetece é ganir; Isso agora não interessa nada; Você é o elo mais fraco; Ah e tal… eles falam falam e não dizem nada; Navegar na maionese; Deite, que lhe vou usar; Posso penetrar? Penetra, professor!; Tou (sic) certo ou tou (sic) errado?; Rebéubéu (sic), pardais ao ninho; Pomada; Vamos lá cambada (sic); O verdadeiro artista; A língua portuguesa é muito traiçoeira; Eu é mais bolos; Não havia necessidade; Eu é que sou o presidente da junta; Resmas e paletes de gajas; Onde é que estavas no 25 de Abril?; despeço-me com amizade; E esta, hein?; Não negue à partida uma ciência que não conhece; Firme e hirto como uma barra de ferro; Quinze minutos de fama. 13. Prognósticos só no fim do jogo, pp. 199-205 (10): Ripa na rapaqueca; Aguenta, coração!; É disto que o meu povo gosta!; Qué qué (sic) isso, ó meu?!; Chuta para canto; Troca de galhardetes; Muita forte, fortíssimos; Com tranquilidade; E o burro sou eu?; De manhã só é bom é na caminha. 14. Politicamente (in)correcto (sic), pp. 207-215 (9): Alea jacta est (os dados estão lançados); Sangue, suor e lágrimas; Sei muito bem o que quero e para onde vou; Nunca me engano e raramente tenho dúvidas; É fazer a conta; Aguenta, aguenta; Annus horribilis; Je suis Charlie; Yes, we can.

Pelo exposto julgo não restarem, pois, dúvidas de que se está na presença de matéria-prima excelente para eventuais didatizações, um pouco à semelhança (e só para referir dois casos: um do final do século passado e outro atual) de Dar à língua: da comunicação às expressões idiomáticas (de Jorge, Guilhermina & Jorge, Suzete, Lisboa: Cosmos, 1997) e de sayitinportuguese.pt (podcasts sobre expressões e provérbios do português, produção em curso), seja para o ensino-aprendizagem do português como língua materna e/ou língua segunda, seja (importantíssimo) enquanto língua estrangeira. É que, nestas expressões, para além do linguístico, há muito para explorar: o social, o cultural, o histórico, etc. Isto quer dizer que, ao mesmo tempo que se fica mais proficiente lexicalmente, também se fica mais competente comunicativamente.

Uma revisão gráfica mais cuidada (aqui e ali, encontram-se falhas na pontuação, no uso de maiúsculas e minúsculas, nos itálicos e ainda noutras situações) bem como, sobretudo, o uso da ortografia oficial teria sido ouro sobre azul. Ou seja: ao fazê-lo, teria indiretamente contribuído para que os seus leitores (e já são muitos) a fossem interiorizando, pelo simples facto de estarem a ler. Pelo menos, deveria ter dito, logo no início, que não seguiria as normas ortográficas em vigor, as que resultam do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. De todo o modo, fica aqui a sugestão de o fazer numa próxima edição.

É um livro que se lê com bastante proveito e agrado, seja numa consulta pontual para tirar uma dúvida, seja lendo-o na íntegra. É informativo. É instrutivo. E, mas nem sempre o conseguiu, jocoso quanto baste.

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