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Silva Lusitana

versão impressa ISSN 0870-6352

Silva Lus. vol.19 no.2 Lisboa  2011

 

Silvicultura de Povoamentos Mistos de Quercus pyrenaica e Quercus rotundifolia: O Caso da Tapada da Nogueira

 

Francisco Castro Rego*, Maria do Loreto Monteiro**, Altino Geraldes*** e Jorge Mesquita****

*Professor Associado c/Agregação

Centro de Ecologia Aplicada Prof. Baeta Neves. Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda, 1349-017 LISBOA

**Investigadora

Centro de Investigação de Montanha – CIMO. Instituto Politécnico de Bragança. Escola Superior Agrária. Quinta de Sta. Apolónia, Apartado 1172, 5301-855 BRAGANÇA

*** Engenheiro Florestal

Ordenflora Lda. Rua Emídio Navarro, 37-R/c, 5300-210 BRAGANÇA

**** Engenheiro Florestal

Silvidata. Av. Sá Carneiro. Rotunda Centro, Loja 18, 6120-734 MAÇÃO

 

Sumário

Com base nas parcelas do Inventário Florestal da Tapada da Nogueira, no concelho de Mogadouro, para elaboração do seu Plano de Gestão Florestal, procedeu-se à análise de povoamentos mistos de Quercus pyrenaica e Q. rotundifolia, as duas espécies mais abundantes nesta área e que aí constituem povoamentos de proporções relativas variadas.

Os resultados das medições efetuadas apontam para uma predominância de pequenas dimensões de diâmetros (tanto no carvalho como na azinheira), sendo a classe de 10cm de diâmetro à altura do peito (Dap) a mais frequente.

São muito raros, sobretudo no carvalho negral, indivíduos com um Dap superior à classe de 20cm, pelo que a área basal do povoamento se apresenta baixa quando comparada com valores de referência da ordem dos 20m2/ha apontados por CARVALHO (2005).

Modelos flexíveis de organização do espaço, em que a unidade poderá ser um indivíduo, um bosquete, ou um povoamento de maior dimensão, permitem que se possa prever uma multiplicidade de combinações interessantes na composição e no regime.

A estes modelos de silvicultura pensados para a produção de madeira de carvalho podem associar-se outros usos de produção não lenhosa, como por exemplo a da caça aos veados, neste caso possibilitada pelo espaço murado da Tapada.

Palavras-chave: Povoamentos mistos; modelos de silvicultura; Q. pyrenaica; Q. rotundifolia

 

Silviculture of Quercus pyrenaica and Q. rotundifolia Mixed Stands: the Case of Tapada da Nogueira

Abstract

Based on the Forest Inventory plots of Tapada da Nogueira, located in Bragança region, the analysis of mixed stands of Quercus pyrenaica and Q. rotundifolia was performed. In this zone, these two most abundant species have variable area stands.

The measurements' results indicate a predominance of small diameters (in both species), the class of 10cm diameter at breast height (dbh) exhibiting the larger frequency.

Especially in Quercus pyrenaica stands there are very few individuals with a Dbh higher than the class of 20cm, so the basal area of the stand seems low when compared with the 20m2/ha values presented by CARVALHO (2005).

Flexible models of space organization, in which the unit may either be an individual or a larger stand, allow the prediction of a variety of interesting combinations of composition and regime.

These models aiming forestry timber production may be associated with other uses of non-wood production such as deer hunting, in this case made possible by the walled area of the Tapada.

Key words: Mixed stands, forestry models; Q. pyrenaica; Q. rotundifolia

 

Sylviculture de Peuplements Mixtes de Quercus pyrenaica et Q. rotundifolia: Le Cas de Tapada da Nogueira

Résumé

Utilisant les donnés des placettes de l'Inventaire Forestier de Tapada da Nogueira, dans la municipalité de Mogadouro (région de Bragança), on a procédé à l'analyse des peuplements mixtes de Quercus pyrenaica et Q. rotundifolia. Ces deux espèces sont les plus abondantes dans ce domaine où il y a des peuplements de proportions relatives variées.

Les résultats des mesures présentent une prédominance de petits diamètres (dans les deux peuplements), où la classe de 10 cm de diamètre à hauteur de poitrine (Dhp) est la plus fréquente.

Surtout dans les peuplements de Quercus pyrenaica, les individus avec un Dhp supérieur à la classe de 20cm sont très rares, donc la surface terrière du peuplement est baisse par rapport aux valeurs de référence de l'ordre de 20m2/ha soulignés par CARVALHO (2005).

Dans des modèles flexibles d'organisation de l'espace, l'unité peut être un individu, un bosquet, ou un plus grand peuplement, ce qui permettra une variété de combinaisons intéressantes dans la composition et le régime.

 On peut associer à ces modèles de sylviculture pour la production de bois de chêne d'autres utilisations telles que la chasse au cerf, dans ce cas rendue possible par la zone murée de Tapada.

Mots clés: Peuplements mixtes ; modèles de sylviculture; Q. pyrenaica; Q. rotundifolia

 

Introdução

O interesse dos povoamentos mistos é já reconhecido há largas décadas na Europa por serem considerados mais estáveis (ASSMAN, 1970), mais "naturais" e com melhor equilíbrio bioecológico, fazendo com que ALVES (1988) considerasse que a criação e condução deste tipo de povoamentos fosse objetivo prioritário de investigação, por ser através dela que se poderiam resolver muitos dos conflitos entre silvicultura protetiva e silvicultura produtiva.

As vantagens dos povoamentos mistos em relação aos puros são atribuídas ao melhor aproveitamento da energia solar e dos diversos horizontes do solo, conduzindo a uma maior produtividade lenhosa, uma mais favorável regeneração natural, uma maior biodiversidade, e uma melhor resistência a perturbações (PERRIN, 1958; AUCLAIR, 1978; OLIVEIRA, 1985; MONTEIRO MAIA, 1988).

Com base nas parcelas do Inventário Florestal Nacional de 2005/6, GODINHO-FERREIRA et al. (2010) concluíram que os povoamentos florestais do Continente são pouco diversos ao nível do estrato arbóreo, dominados por uma ou duas espécies que são, no litoral, o pinheiro bravo e o eucalipto, muitas vezes em mistura, sendo que os mesmos autores apontam para a importância da utilização de modelos de silvicultura de povoamentos mistos baseados em combinações mais interessantes. No Nordeste Transmontano, estes modelos deveriam utilizar espécies aconselhadas no respetivo Plano Regional de Ordenamento Florestal (sub-região homogénea Miranda/Mogadouro) como sejam, entre outras, a Quercus suber, Q. rotundifolia, ou Q. pyrenaica, ou a Castanea sativa.

A execução do inventário florestal da Tapada da Nogueira, no concelho de Mogadouro, para elaboração do seu Plano de Gestão Florestal, possibilitou a análise de povoamentos mistos de Quercus pyrenaica e Q. rotundifolia, as duas espécies mais abundantes nesta área e que aí constituem povoamentos de proporções relativas variadas.

Feita a revisão bibliográfica sobre modelos de silvicultura para estas espécies em Portugal, concluiu-se que existem modelos disponíveis para povoamentos puros de Quercus pyrenaica com o objetivo de produção de lenho e para povoamentos puros de Q. rotundifolia para produção de lenho e bolota (CORREIA E OLIVEIRA, 2002; LOURO et al., 2002; CARVALHO, 2005).

Para complemento desta informação, e tendo em consideração a existência em Itália de uma área muito significativa de povoamentos mistos de folhosas, e nomeadamente de espécies do género Quercus, optou-se por recorrer à abundante bibliografia disponível para condições semelhantes em Itália (Figura 1), condensada em obras da Academia Italiana de Ciências Florestais (CIANCIO e NOCENTINI, 2002; 2004).

 

Figura 1- Indicação dos locais utilizados no estudo mostrando a semelhança de latitudes

 

Tapada da Nogueira

A Tapada (ou Quinta) da Nogueira tem uma história antiga associada à Casa dos Távoras, Senhores de Mogadouro do século XIV ao XVIII. Há indicações de que nessa altura existiu na Quinta de Nogueira (e na contígua Quinta Nova também da mesma Casa) importante criação de cavalos e uma grande coutada de caça murada, encontrando-se, ainda, vestígios arquitetónicos importantes (Figura 2) como o sobrevivente Portal de Entrada (PIMENTA DE CASTRO, 2002; BARROSO DA FONTE, 2003), ou o Monóptero de São Gonçalo, mandado erigir pela Casa de Távora, com possível influência italiana, e referido pelo padre de Azinhoso em 1720 como um "chapitel sobre colunas salomónicas" (RODRIGUES, 2001; MOURINHO, 2009).

 

Figura 2 - Portal de Entrada e Monóptero

 

Certo é que a história do local alimentou diversas lendas, como a do milagre associado à capela de Santo Amaro, em Sanhoane, que relata a história de um membro dos Távoras, fidalgo da Quinta da Nogueira, que conseguiu que o Santo curasse miraculosamente a perna partida do cavalo em que seguia. Mas as circunstâncias do acontecimento são descritas de formas muito diversas: enquanto algumas fontes indicam uma lenda em que o fidalgo terá tentado raptar o Santo de Sanhoane para o levar no seu cavalo para a igreja da Quinta da Nogueira e o milagre o terá feito desistir daquele intento (ANÓNIMO, s/data), outras apontam para que seria o elemento mais novo da Casa dos Távoras que, em 1758, ao fugir a cavalo dos perseguidores à ordem do Marquês de Pombal que o tentavam matar, teria conseguido escapar com vida por causa do milagre tendo, depois de voltar a Portugal, mandado construir a Capela de Santo Amaro (PEREIRA, 2005).

No relato desta lenda, o cenário da fuga é descrito por PEREIRA (2005) num ambiente de "matas virgens, que ao tempo por lá abundavam e agora já rareiam, que eram coito de lobos, javalis e outros animais selvagens" avançando o cavalo "através das veredas mal trilhadas que atravessavam as matas de carvalho e carrasqueiras". Ainda de acordo com o mesmo autor, a Tapada da Nogueira teria sido oferecida por D. João VI, ou alguém por ele, "em prémio pelo auxílio prestado durante as Invasões Francesas, ao duque inglês Wellington, quinta que aliás o duque utilizava apenas para a caça ao veado e ao javali, quando esses bichos ainda ali abundavam".

No que respeita à vegetação daquela Tapada descrições presenciais são feitas no Guia de Portugal de Raul Proença, com alguns tópicos de Vergílio Taborda, e ultimada por Sant'Anna Dionísio em 1970: "... entra-se na vertente do Sabor, voltada a Nordeste. Em breve avistamos a mais densa mata de carvalhos negrais (Cuercus toza) destes sítios, pertencentes à Quinta de Nogueira, vínculo, noutros tempos, dos Távoras" (SANT'ANNA DIONÍSIO et al., 1995).

Estas descrições coincidem na indicação da vegetação florestal nesta quinta, com dominância do carvalho negral e azinheira (carrasqueira no termo popular), bem como da sua utilização como coutada de caça para o veado e javali. A manutenção da vegetação natural pela proteção conferida pela sua utilização como coutada de caça sempre foi reconhecida nas diversas Tapadas (REGO, 2001). Na Tapada da Nogueira, a floresta atual continua a ser dominada pelas espécies originais (Quercus pyrenaica e Q. rotundifolia).

 

O Inventário Florestal da Tapada da Nogueira

O inventário florestal da área da Tapada da Nogueira foi realizado seguindo uma metodologia semelhante à do Inventário Florestal Nacional (AFN, 2009), utilizando uma grelha de pontos sistemática de 200x200m2 (Figura 3).

 

Figura 3 - Grelha dos pontos de inventário

 

Dos 77 pontos de amostragem da grelha, 58 corresponderam a situações associadas com povoamentos florestais puros de carvalho negral e de azinheira ou a povoamentos mistos das duas espécies. A diversidade de composição e estrutura das formações florestais pode ser verificada na Figura 4.

 

Figura 4 - Diversidade da composição dos povoamentos florestais na Tapada, desde os puros de carvalho negral aos puros de azinheira

 

Resultados

Os resultados das medições efetuadas apontam para uma predominância de pequenas dimensões de diâmetros (tanto no carvalho como na azinheira), sendo a classe de 10cm de diâmetro à altura do peito (Dap) a mais frequente. São muito raros, sobretudo no carvalho negral, indivíduos com um Dap superior à classe de 20cm (Figura 5).

 

Figura 5 -Distribuição de frequências dos diâmetros

 

As parcelas de amostragem medidas apresentam uma proporção importante de povoamentos puros de carvalho negral e alguns de azinheira, mas também um número significativo de situações de povoamentos mistos das duas espécies, como demonstra a repartição das áreas basais pelas duas espécies (Figura 6).

 

Figura 6 - Área basal medida nas parcelas de amostragem, organizadas por dominância decrescente de carvalho negral e crescente de azinheira

 

De notar que a área basal do povoamento foi sempre bastante baixa quando comparada com valores de referência da ordem dos 20m2/ha apontados por CARVALHO (2005).

Sabendo-se da importância da relação sempre existente entre o diâmetro das árvores e a sua densidade, verificou-se que, considerando todas as 58 parcelas de amostragem com carvalho negral e azinheira, os valores de Dap médio encontrados eram, para uma dada densidade, bastante inferiores aos indicados na bibliografia para o carvalho negral (CARVALHO, 2005). Esta constatação levou a que se ajustasse, com base nas melhores situações da Tapada, uma outra equação simplificada com uma densidade de metade da proposta por CARVALHO (2005):

Dap (cm) = 350 x Densidade (N/ha) – 0,5

A Figura 7 mostra a comparação dos valores observados com as curvas anteriormente descritas.

 

Figura 7 - Relação entre o diâmetro médio registado nas parcelas e o número de árvores por hectare (pontos) em comparação com as curvas do modelo de Carvalho (2005) e da equação proposta neste estudo

 

Considerando-se, por estar ajustada à realidade local, ser esta relação diâmetro/densidade a meta a atingir numa primeira fase de intervenção, o objetivo pode ser aproximado tanto pelo aumento da densidade (através do apoio ao recrutamento pela regeneração natural) como pelo aumento dos diâmetros médios (através de uma exploração adequada).

A comparação da qualidade da estação na Tapada da Nogueira com outras áreas semelhantes poderia fazer-se com o recurso a dados de crescimento em altura, ainda não existentes para esta área e sempre complexos de obter quando se está em presença de povoamentos jardinados e mistos. As distribuições de frequência das alturas de carvalho negral e azinheira apontam para que a classe de altura mais frequente para a azinheira seja a dos 5m, enquanto que para o carvalho negral é a dos 8m (Figura 8). Se admitirmos, com base em informação local, que a idade média das árvores será semelhante e não ultrapassará muito os 30 anos, concluímos que essa diferença de alturas corresponderá às diferenças fisiológicas e ecológicas entre as espécies.

 

Figura 8 - Distribuição de frequências das alturas

 

A comparação da altura média do carvalho negral e da azinheira com a de outras situações equivalentes no país e no estrangeiro poderá fornecer informação relevante sobre a qualidade relativa da estação da Tapada da Nogueira.

Assim, utilizámos como primeira referência as cinco classes de qualidade estabelecidas por CARVALHO (2005) para povoamentos de Quercus pyrenaica em Portugal, com tabelas de produção elaboradas a partir dos 19 anos de idade, para a classe de maior qualidade (Pt_I), ou a partir dos 49 anos, para a classe menos produtiva (Pt_V), apresentadas na Figura 9.

 

Figura 9 - Modelos de crescimento em altura para as diferentes classes de qualidade para Q. pyrenaica em Portugal (Pt) e Q. pubescens em Itália (It)

 

Para complementar esta informação recorremos a tabelas compiladas por CIANCIO e NOCENTINI (2004) para povoamentos italianos de talhadia (até 21 anos) de Quercus pubescens, Q. cerris e outras (MESCHINI e CALLIARI 1982a, 1982b), formações próximas na sua ecologia a povoamentos de Q. pyrenaica. Com esta base, foram escolhidos os modelos de classes de fertilidade boa e baixa no Monte Peglia, Perugia (designados por It_I e It_III) e as três classes de fertilidade em Pieve S. Stefano, Arezzo (It_II, It_IV, e It_V), apresentadas igualmente na Figura 9.

A informação das tabelas nacionais e italianas demonstra uma grande complementaridade, sendo visível uma grande correspondência entre os modelos nacionais, elaborados para um leque de idades típico de uma silvicultura de alto fuste, e os modelos italianos, pensados para as rotações curtas de regimes de talhadia. De acordo com as curvas estabelecidas os povoamentos de Q. pyrenaica da Tapada da Nogueira, com uma idade média aproximada aos 30 anos e uma altura média de 7,9m corresponderiam à situação de fertilidade baixa do Monte Peglia (It_III) e também à classe de qualidade intermédia (Pt_III) definida por CARVALHO (2005).

Quanto aos povoamentos dominados pela Quercus rotundifolia, também estes poderão ser comparados com os modelos estabelecidos nacionalmente para a Q. pyrenaica. No entanto, e utilizando a semelhança de situações, as comparações poderão igualmente ser feitas com a espécie próxima, frequentemente considerada a mesma, Q. ilex, em Itália. Neste caso, os modelos selecionados pela sua comparabilidade são os de fertilidade média-baixa e muito baixa de Bandite di Scarlino (It_IV e It_V) e as classes ótima e baixa da Comuna de Terni (It_IVa e It_Va), referidas nos trabalhos de HERMANIN e POLLINI (1990) e PODA (1982), respetivamente (Figura 10).

 

Figura 10 - Modelos de crescimento em altura para as diferentes classes de qualidade para Q. pyrenaica em Portugal (Pt) e Q. ilex em Itália (It)

 

Da comparação das curvas pode concluir-se serem os carvalhos negrais tipicamente mais altos para a mesma idade do que as azinheiras, o que está de acordo com a distribuição de alturas observada para as duas espécies na Tapada da Nogueira. Sendo de 5,9m o valor de altura média observado para uma idade estimada de cerca de 30 anos, poderia considerar-se a situação da azinheira como equivalente à classe de qualidade IV para o carvalho negral nacional (Pt_IV) ou à classe de fertilidade média-baixa para o Q. ilex de Bandite di Scarlino (It_IV).

Para além de tabelas com modelos de alturas em função da idade, que nos permitem avaliar a classe de qualidade da estação, importa sobretudo conhecer a evolução com a idade dos volumes de madeira, tanto em povoamentos puros de carvalho negral e de azinheira como em povoamentos mistos das duas espécies.

Mais uma vez faremos recurso, agora para estimativa de volumes, às referidas tabelas de Q. pyrenaica para Portugal para as classes de qualidade III e IV, associando-lhe ainda a estimativa de volumes para a classe de qualidade III ajustada para metade do número de árvores, como se equacionou anteriormente. A estes modelos nacionais associaram-se, para comparação no mesmo gráfico (Figura 11), os dois modelos selecionados para Q. pubescens (It_III) e para Q. ilex (It_IV), e ainda um modelo misto de Q. pubescens e Q. ilex proposto por PALTRINIERI (1982) para Goceano, Sassari (It_VI).

 

Figura 11 - Comparação dos modelos de produção de volumes totais para Portugal (Pt) e Itália (It)

 

A comparação dos resultados obtidos aponta para uma coerência geral entre os modelos propostos.

Na hipótese de exploração em talhadia, os valores do máximo acréscimo médio são obtidos aos 9 anos para o Q. pubescens de Perugia (It_III) com um valor de 3,9m3/ha/ano (MESCHINI e CALLIARI, 1982a), aos 45 anos para o Q. ilex de Scarlino (It_IV) com 3,1m3/ha/ano (HERMANIN e POLLINI, 1990) e, numa idade intermédia, aos 28 anos para povoamentos mistos das duas espécies em Sassari, com 3,3m3/ha/ano (PALTRINIERI, 1982).

Para as condições intermédias de povoamentos mistos como os da Tapada da Nogueira poderia considerar-se um modelo de silvicultura baseado num regime em talhadia com exploração aos 20 ou 25 anos, idade em que se poderia prever extrair, de acordo com o modelo Q. pubescens/Q. ilex It_VI um volume de madeira entre 54 e 81m3/ha, a que corresponde um acréscimo médio entre os 2,7 e os 3,2m3/ha/ano.

Na hipótese de exploração em alto-fuste, o modelo de silvicultura poderia considerar um corte final por volta dos 80 anos, altura em que o povoamento teria dado origem, para as classes III e IV, a um volume total entre 250 a 340m3/ha (110 a 150m3/ha de povoamento principal com diâmetros de 23 a 30cm e os restantes provenientes de desbastes), correspondente a acréscimos médios entre os 3,2 e os 4,3m3/ha/ano (CARVALHO, 2005).

De registar que, de acordo com a situação atual de sub-lotação dos povoamentos na Tapada da Nogueira, pode considerar-se que, numa primeira fase, se poderão atingir apenas valores da ordem dos 2,2m3/ha/ano, podendo este valor ser posteriormente aumentado quando a situação de sub-lotação for ultrapassada.

O modelo de silvicultura para o carvalho negral, baseado nas indicações de LOURO et al. (2002) e de CARVALHO (2005), deveria incluir um regime periódico de desbastes iniciado aos 20 anos de idade do povoamento em que se retirassem, em cada 5 anos, 20 a 30% das árvores em pé nos primeiros quatro desbastes e de 10 a 15% nos restantes.

Este modelo implicaria, até aos 20 anos, a limpeza mecânica da vegetação arbustiva e do povoamento, podas de formação e desramação das melhores árvores. A partir dos 20 anos deve prever-se o controle periódico dos matos com possibilidade de utilização do fogo controlado e do pastoreio por estarem já nessa altura as árvores suficientemente protegidas pela espessura da casca. Na altura do corte final de realização, deve fazer-se a proteção da regeneração natural para garantia da perpetuidade do povoamento (LOURO et al., 2002).

 

Conclusões

O exemplo da Tapada da Nogueira permite concluir que a combinação de dados de inventário florestal com modelos (neste caso os propostos para o carvalho negral em Portugal e para espécies equivalentes ao carvalho negral e à azinheira em Itália) pode conduzir à aplicação de modelos de silvicultura gerais com adaptação local.

De facto, a partir da análise dos diâmetros e densidades medidas e da sua comparação com o modelo para o carvalho negral, pode concluir-se facilmente que se está perante uma situação clara de sub-lotação, o que não permite que a floresta explore todas as potencialidades da estação do ponto de vista da produção de madeira. Este problema pode ser resolvido com um adensamento pelo melhor aproveitamento da regeneração natural para recrutamento de novas árvores com o simultâneo controlo dos cortes.

Entretanto é de notar que os maiores valores de área basal correspondem a povoamentos mistos, provavelmente por estes conseguirem a melhor ocupação do espaço aéreo e dos horizontes do solo que lhes é atribuída.

A comparação da distribuição das alturas de carvalhos e azinheiras na Tapada da Nogueira com os valores previstos em modelos, permite concluir que estamos perante uma estação de qualidade média a baixa tanto nos padrões nacionais como internacionais, conduzindo a acréscimos médios que, em situação de lotação adequada, poderão estar no intervalo entre 3 a 4m3/ha/ano.

Por terem características relativamente semelhantes, sobretudo na distribuição de diâmetros e apesar da diferença em alturas, parece ser de grande facilidade a gestão de povoamentos mistos de carvalho negral e azinheira, como é aliás prática tradicional em sistemas de talhadia com espécies semelhantes nalgumas regiões de Itália.

A possibilidade de que estes povoamentos, puros ou mistos, sejam bem aproveitados tanto em talhadia como em alto fuste, faz com que exista grande flexibilidade na sua gestão, com possibilidades de conversão nos dois sentidos, e criando alternativas diferentes, como as da talhadia composta em que os dois regimes se misturam no espaço com algumas vantagens.

Finalmente, modelos flexíveis de organização do espaço, em que a unidade poderá ser um indivíduo, um bosquete, ou um povoamento de maior dimensão, permitem que se possa prever uma multiplicidade de combinações interessantes na composição e no regime. Em associação a estes modelos de silvicultura pensados para a produção de madeira podem prever-se com facilidade outras atividades compatíveis na Tapada da Nogueira, incluindo uma reintrodução das utilizações históricas daquele espaço, em que se combinavam os carvalhos para produção de madeira com outros usos, como o da caça aos veados, possibilitada pelo espaço murado da Tapada.

 

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Agradecimentos

Os autores agradecem à Floresta Atlântica, Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, a disponibilidade da informação para suporte deste artigo.

 

Entregue para publicação em Outubro de 2011

Aceite para publicação em Novembro de 2011