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Revista Portuguesa de Clínica Geral

versão impressa ISSN 0870-7103

Rev Port Clin Geral v.27 n.3 Lisboa maio 2011

 

Tiotrópio versus salmeterol na prevenção das exacerbações da doença pulmonar obstrutiva crónica: Qual a melhor opção terapêutica?

 

Joana Barros* e Mara Galhardo**

*USF Maresia, ULS Matosinhos

**USF Dunas, ULS Matosinhos

 

Vogelmeier C, Hederer B, Glaab T, Schmidt H, Rutten-van Mölken MP, Beeh KM, et al. Tiotropium versus salmeterol for the prevention of exacerbations of COPD. N Engl J Med 2011 Mar 24; 364 (12): 1093-103.

 

Introdução

As exacerbações frequentes da Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) estão associadas a um aumento substancial da morbi-mortalidade, pelo que a prevenção das mesmas é um dos objectivos principais do seu tratamento.

As normas de orientação clínica sobre o tratamento das exacerbações na DPOC moderada a muito grave recomendam o uso de broncodilatadores inalados de longa duracao de accao: anticolinergicos e agonistas β2. Estudos comparativos demonstraram uma maior redução no risco de exacerbações com o uso de tiotrópio relativamente ao salmeterol. Contudo, estas diferenças não se revelaram estatisticamente significativas, sem evidência da superioridade na utilização de um tratamento em detrimento do outro.

O objectivo deste estudo foi comparar directamente os efeitos do tiotrópio com os do salmeterol no risco de exacerbações moderadas e graves da DPOC.

 

Métodos

POET-COPD (Prevention of Exacerbations with Tiotropium in COPD) é um estudo com 1 ano de duração, multicêntrico (725 centros), multinacional (25 países), aleatorizado, dupla ocultação, em grupos paralelos, que envolveu 7376 doentes distribuídos por dois grupos terapêuticos: um constituído por 3707 doentes tratados com tiotrópio 18λg (Spiriva®, dispositivo inalador HandiHaler®) uma vez por dia e outro constituido por 3669 doentes tratados com salmeterol 50λg (Serevent®, dispositivo inalador suspensao pressurizada) duas vezes por dia.

Os pacientes incluídos no estudo apresentavam idade igual ou superior a 40 anos, antecedentes de hábitos tabágicos (≥10 UMA), diagnóstico de DPOC moderada a muito grave (estádio II-IV da classificação da Global Iniciative for Chronic Obstructive Lung Disease) e história no último ano de pelo menos uma exacerbação com necessidade de terapêutica antibiótica/corticoterapia sistémica/hospitalização. Foi definida exacerbação como agravamento ou aparecimento de pelo menos um sintoma de DPOC, com duração igual ou superior a três dias e necessidade de tratamento em ambulatório (exacerbação moderada) ou hospitalização (exacerbação grave).

Após selecção dos doentes, decorreu um período runin com duração de 2 semanas, durante o qual se fez uma revisão da terapêutica de base do doente, tendo sido permitida ao longo do estudo a manutenção da terapêutica habitual, à excepção dos fármacos dos grupos terapêuticos em estudo.

Após aleatorização, no início da fase de tratamento do estudo foram agendadas visitas clínicas ao 2.o, 4.o, 8.o e 12.o mês assim como contactos telefónicos mensais, com aplicação de um questionário que avaliava os dados relacionados com as exacerbações da DPOC.

Neste estudo, os investigadores definiram como end-point primário o tempo decorrido até à ocorrência da primeira exacerbação. Como end-points secundários foram considerados o tempo decorrido até à primeira exacerbação moderada e grave, o número de exacerbações moderadas e graves e o número de eventos adversos e fatais.

 

Resultados

Neste ensaio, verificou-se que 36,5% dos doentes tiveram uma exacerbação da sua doença. Destes, 44% apresentavam DPOC moderada.

O tempo decorrido até à primeira exacerbação foi superior em 42 dias no grupo tratado com tiotrópio comparativamente ao grupo tratado com salmeterol, correspondendo a uma redução estatisticamente significativa de 17% do risco de desenvolver a primeira exacerbação.

O tiotrópio reduziu de forma significativa o risco de exacerbações moderadas em 14% e de exacerbações graves em 28%, em comparação com o salmeterol. A taxa anual de exacerbações no grupo tratado com tiotrópio (0,64) foi inferior ao grupo tratado com salmeterol (0,72), o que significa uma redução estatisticamente significativa de 11%, e um NNT (número de doentes necessário a tratar durante um ano para prevenir um exacerbação adicional) de 13. De acordo com a gravidade das exacerbações, o tiotrópio mostrou-se superior na redução da taxa anual de exacerbações quer moderadas quer graves, demonstrando nas primeiras uma redução de 7%, e nas segundas uma redução de 27% comparativamente ao salmeterol.

O tiotrópio permitiu uma redução significativa na taxa de exacerbações que necessitaram de tratamento com corticoterapia sistémica (18%), antibioterapia (10%) ou de ambos (20%) em comparação com o grupo tratado com salmeterol.

Foram reportados 14,7% de eventos adversos graves no grupo sob terapêutica com tiotrópio e 16,5% no grupo tratado com salmeterol. Ocorreram um total de 142 mortes durante o periodo de tratamento, 64 no grupo do tiotrópio e 78 no grupo do salmeterol.

 

Discussão

Este ensaio foi especificamente desenhado para avaliar as exacerbações moderadas e graves, associadas a instabilidade e progressão da doença, desenvolvimento de complicações e aumento da mortalidade, sendo a prevenção das mesmas um dos objectivos principais no tratamento de manutenção da DPOC.

As normas de orientação clínica existentes até agora não favorecem o uso de salmeterol ou tiotrópio, colocando- os no mesmo prato da balança em termos de terapêutica de longa duração de acção, consubstanciando esta recomendação na escassa evidência existente da comparação directa entre estes dois fármacos.

Neste estudo, a terapêutica com tiotrópio aumentou de forma estatisticamente significativa o tempo decorrido até à primeira exacerbação moderada ou grave (evidente a partir do 1.o mês de tratamento) e diminuiu significativamente a taxa anual de exacerbações, benefício consistentemente verificado em todos os subgrupos de doentes. As hipóteses para estas diferenças observadas, segundo os autores, poderão estar relacionadas com os diferentes sistemas de aerossóis utilizados, o tamanho das partículas de aerossóis e a distribuição do fármaco na árvore pulmonar.

Em análise post-hoc sugere-se que o benefício com o uso de tiotrópio foi independente do uso de corticoterapia inalada, pois a taxa de exacerbações no grupo tratado com tiotrópio que descontinuou a corticoterapia inalada de base não foi superior ao grupo que manteve a terapêutica corticóide de base, achado já verificado em estudos anteriores.

Este estudo permitiu demonstrar, nos doentes com DPOC moderada a muito grave e história de exacerbações, a superioridade do tiotrópio sobre o salmeterol em todos os end-points relativos a exacerbações da doença.

 

Comentário

Sendo a prevenção das exacerbações na DPOC um dos objectivos principais do tratamento de manutenção, este estudo mostra-se interessante por comparar os dois broncodilatadores de longa duração de acção de classes farmacológicas diferentes mais utilizados na prática clínica da DPOC, até então sem evidência estatisticamente significativa em estudos anteriores sobre o benefício de um fármaco relativamente ao outro.1,2,3

As normas de orientação clínica relativas à DPOC têm permitido uma estandardização dos cuidados, mas as recomendações para iniciar broncodilatadores de longa duração de acção em doentes com patologia moderada têm sido omissas relativamente a que medicação usar especificamente.4 Este estudo permite, então, clarificar as normas de orientação vigentes e optimizar a prática clínica quando perante um doente com DPOC.

Um dos pontos fortes deste estudo está relacionado com a definição das exacerbações da DPOC como end-point primário, focando-se num objectivo específico e relevante. O grande número de doentes incluídos assim como a informação detalhada obtida sobre as taxas de exacerbação são também aspectos positivos deste ensaio.

Permanecem por esclarecer alguns aspectos: este estudo, sendo de curta duração, não permite avaliar se a redução da taxa de exacerbações com o tiotrópio produziu um acréscimo na esperança média de vida; pelo facto de ser permitido o uso concomitante de terapêutica corticóide inalatória, outra classe terapêutica, os resultados do estudo poderão não reflectir exclusivamente a comparação entre o tiotrópio e o salmeterol na prevenção das exacerbações; não é claro que a superioridade do tiotrópio observada sobre o salmeterol na prevenção das exacerbações da DPOC se estenda a outros agonistas ..2 de longa duração de acção; este estudo não avalia, ainda, qual a combinação de fármacos que poderá ser a melhor para os diferentes fenótipos e gravidade da DPOC.

O facto de cinco dos oito autores do estudo receberem/ terem recebido apoios e/ou serem consultores das empresas farmacêuticas com produtos ensaiados no estudo, além de este ter sido financiado pela Boehringer- Ingelheim e Pfizer, deve fazer-nos olhar para estes resultados com a devida precaução na sua aplicabilidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Hurst JR, Vestbo J, Anzueto A, Locantore N, Müllerova H, Tal-Singer R, et al. Susceptibility to exacerbation in chronic obstructive pulmonary disease. N Engl J Med 2010 Sep 16; 363 (12): 1128-38.

2. Briggs DD Jr, Covelli H, Lapidus R, Bhattycharya S, Kesten S, Cassino C. Improved daytime spirometric efficacy of tiotropium compared with salmeterol in patients with COPD. Pulm Pharmacol Ther 2005; 18 (6): 397-404.        [ Links ]

3. Brusasco V, Hodder R, Miravitlles M, Korducki L, Towse L, Kesten S. Health outcomes following treatment for six months with once daily tiotropium compared with twice daily salmeterol in patients with COPD. Thorax 2003 May; 58 (5): 399-404.

4. Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease. Global strategy for the diagnosis, management and prevention of chronic obstructive lung disease (update 2010) 2010. Disponível em: http://www.goldcopd.com/Guidelineitem.asp?l1=2&l2=1&intId=989 [acedido em 10/05/2011].