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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica v.28 n.2 Lisboa abr. 2010

 

Transição para a idade adulta: Das condições sociais às implicações psicológicas

Cláudia Andrade (*)

 

RESUMO

Nas últimas décadas assistiu-se a um conjunto de alterações sociais que exercem influência sobre os modos como a transição para a idade adulta é efectuada. Se por um lado se perspectiva um período de transição cada vez mais extenso, por outro lado este envolve um conjunto de características próprias, adquirindo o estatuto de etapa desenvolvimental – a adultez emergente. O presente artigo explora o modo como as condições sociais se repercutem na transição para a idade adulta, no contexto internacional e, em particular, para o contexto Português. Pretende também reflectir sobre o conceito de adultez emergente do ponto de vista dos desafios e das oportunidades que esta encerra para os jovens.

Palavras-chave: Adultez emergente, Desenvolvimento psicológico, Transição para a idade adulta.

 

ABSTRACT

During the last decades major social changes have introduced some special features into the transition to adulthood. On one hand the transition to adulthood tends to occur in later ages. On the other hand it involves a set of particular specificities that allows it to be considered as a developmental phase – emerging adulthood. This paper explores how social constrains act in the transition to adulthood, taking into account the international and national context. It intends to give a global overview about the challenges and opportunities that emerging adulthood provides to young adults.

Key-words: Emergent adulthood, Psychological development, Transition to adulthood.

 

INTRODUÇÃO

Na fase do ciclo vital que corresponde à passagem da adolescência para a idade adulta, ocorrem transições traduzidas no desenvolvimento, realização e consolidação da identidade pessoal e social do sujeito, que culminarão com a aquisição do estatuto social de adulto. Este último é sustentado pelo alcance de uma posição social decorrente do desempenho de papéis profissionais e familiares, que simultaneamente assinalam o final da juventude e caracterizam a idade adulta.

Contudo, se classicamente, “ser adulto” era definido pelo exercício de uma actividade profissional e pela constituição de uma família, as mudanças sociais actuais dão novos contornos tanto à transição para a idade adulta, como ao assumir dos papéis de adulto por parte dos jovens. Por um lado, surge o prolongamento dos estudos e uma marcada instabilidade profissional que dificulta a inserção dos jovens no mercado de trabalho. Por outro lado, os processos de emancipação residencial em relação à família de origem tendem a ocorrer mais tardiamente em termos etários, o que se repercute na idade para a constituição de uma família própria. O papel parental parece, assim, também ser adiado.

De um modo geral, as mudanças sociais colocam novos desafios ao modo como os jovens vivem a transição para a idade adulta fazendo surgir uma nova figura de adulto “em transição”, o chamado adulto emergente.

 

O PROLONGAMENTO DOS ESTUDOS E AS DIFICULDADES DE INSERÇÃO PROFISSIONAL

Um dos aspectos que mais tem sido destacado na literatura sobre as novas configurações de transição para a vida adulta está relacionado com os investimentos prolongados dos jovens na formação escolar, originados pelo desenvolvimento do mercado de trabalho. De um modo geral, pode constatar-se, através dos indicadores sociológicos, que a melhoria generalizada das condições de vida e a modificação progressiva dos padrões culturais do país, associados à integração na União Europeia se, traduziram tanto no incremento dos níveis de formação escolar, como na ampliação das expectativas de realização profissional que lhe estão associadas. Os jovens são, assim, incentivados a investir na educação, a prosseguir os seus projectos vocacionais com vista à aquisição futura de uma profissão, que lhes possibilitará não só a realização pessoal, como a obtenção de autonomia económica. Isto implica, por si só, que a entrada no mercado de trabalho se faça mais tardiamente. Além disso, as modificações no mercado de trabalho vieram também introduzir alterações no tradicional processo de continuidade entre estudos e inserção profissional. A outrora previsível sequência de terminus dos estudos e posterior integração na vida activa vê-se hoje abalada por desajustamentos e fracturas, consequência sobretudo da instabilidade laboral. Geram-se, assim, percursos de transição para a vida activa mais diversificados, que evidenciam as transformações do sistema educativo e do mundo laboral como, por exemplo, opções de formação que não eram inicialmente desejadas pelos jovens ou dificuldades de encontrar um emprego compatível com a formação adquirida (Elejabeitia, 1997). Estas alterações afectam todos os jovens e, particularmente, os jovens licenciados, para os quais frequentemente as expectativas associadas ao investimento na formação académica não têm correspondência no mercado de trabalho, tanto em termos de estabilidade de emprego, como em termos de estatuto profissional (Elejabeitia, 1997). Apesar destas dificuldades, é cada vez maior o número de jovens de ambos os sexos que prossegue estudos universitários.

A par desta tendência generalizada, denota-se ainda a existência de algumas especificidades para os designados países do Sul da Europa, nos quais Portugal se inscreve. Estes tendem a apresentar percursos escolares extensos, durante os quais a maioria dos jovens está totalmente afastada do mercado de trabalho, contribuindo assim para o prolongamento do referido estatuto social de “não produtivo” (Cavalli, 1997). Para esta realidade, contribuem factores de natureza sociológica e cultural. Por contraste, no contexto norte-americano, o número de jovens a trabalhar em tempo parcial enquanto estudam é elevado. Contudo, os estudos indicam que estes o fazem para ter mais recursos económicos a fim de usufruir de actividades de lazer. Assim, na maioria dos casos estas actividades profissionais, não implicam o desenvolvimento de competências que possam ser transferidas para futuras actividades profissionais (Greenberger, Steinberg, Vaux, & McAuliffe, 1980). Apesar disto, mais tarde torna-se mais frequente o jovem procurar actividades que proporcionem experiências pessoais, como actividades de voluntariado ou actividades mais próximas daquelas que gostariam de vir a desempenhar no futuro, como, por exemplo, a realização de estágios.

De acordo com Arnett (2000), às vezes experiências profissionais em jovens adultos servem também para identificar áreas e actividades para as quais estes jovens se sentem ou não vocacionados. Reportando-se ao contexto social europeu, algumas diferenças tendem a surgir. Cavalli (1997) refere que muitas vezes os estudantes preferem instituições de educação/ /formação perto da residência dos seus pais, o que lhes permite evitar o confronto com custos de vida elevados, que os levariam, com maior probabilidade, a ter de se inserir, mesmo que temporariamente, no mercado de trabalho. Deste modo, estão também mais apoiados e incentivados para prosseguir a sua formação por períodos cada vez mais longos. Paralelamente, o estatuto de estudante é socialmente encarado como uma actividade à qual o jovem se deve dedicar “a tempo inteiro”, contribuindo a família de origem para que tal seja possível. A par deste processo, a escassez de oportunidades, em determinados países, para os jovens terem experiências profissionais como, por exemplo, programas de emprego a tempo parcial que fomentem o desenvolvimento de competências profissionais, contribui também para a dificuldade em abandonar este estatuto de estudante “a tempo inteiro” (Cavalli, 1997).

Outro aspecto documentado por Cavalli (1997) diz respeito ao facto de grande parte dos jovens ingressarem no mercado de trabalho após um período relativamente longo de emprego precário ou de desemprego. A estabilidade no mercado de trabalho só é alcançada progressivamente e tardiamente em termos etários (Cavalli, 1997; Arnett, 2001). A esta realidade acresce ainda a necessidade de realização pessoal através do trabalho. De acordo com Arnett e Tanner (2006) o trabalho é hoje visto pelos jovens não apenas como uma tarefa que lhes deve permitir a autonomia económica, mas também como um lugar de realização pessoal. Esta visão do trabalho pode também, de algum modo, exigir um período mais longo de “ajustamento” ao mercado de trabalho, ou seja, pode ser necessário mudar algumas vezes de trabalho, ou mesmo de profissão, até se encontrar uma actividade considerada gratificante (Arnett & Tanner, 2006).

Em resumo, existe algum consenso nos estudos, tanto no contexto norte-americano como no contexto europeu, quanto à individualização dos percursos de transição entre o sistema de ensino e o mercado de trabalho para os jovens, que envolvem muitas incertezas (Arnett & Tanner 2006; Cavalli, 1997; Elejabeitia, 1997). Para esta realidade contribuem, por certo, factores de natureza cultural, onde o incentivo para o prosseguimento de estudos e a manutenção do estatuto de estudante “a tempo inteiro”, suportado pela família de origem, mantêm os jovens afastados do mercado de trabalho por períodos cada vez mais longos. Paralelamente, as dificuldades do mercado de emprego também contribuem para a necessidade de investimento em formação cada vez mais extensa, prévia ao ingresso no mercado de trabalho. No seu conjunto, estes factores contribuem para percursos de inserção profissional tardios, onde as alterações nos projectos profissionais e de carreira, assim como a alternância entre períodos de emprego e desemprego, também tendem a surgir. Para esta realidade, contribui ainda a valorização do trabalho enquanto fonte de realização pessoal. Deste modo, os jovens estão mais disponíveis para procurarem empregos não só que se aproximem da sua formação, como aqueles que lhes proporcionarem realização pessoal. Esta busca contribui, de forma activa, para a existência de percursos de ajustamento ao mercado de trabalho, mais extensos e irregulares, em termos do exercício permanente de uma profissão.

 

DEPENDÊNCIAS EM RELAÇÃO À FAMÍLIA: ECONÓMICA, RESIDENCIAL E EMOCIONAL

As transformações estruturais dos sistemas de ensino e de formação e do mundo do trabalho induzem também a períodos mais longos de coabitação entre pais e filhos adultos (Cordon, 1997; Rossi, 1997), facilitados por mudanças culturais, que permitem, hoje em dia, aos jovens optar pela “coabitação entre gerações” (Rossi, 1997). Apesar desta ser uma realidade socialmente variável, vimos que, para os países do Sul da Europa, o prolongamento da educação não levou os jovens a sair de casa para frequentar o ensino superior. Pelo contrário, a descentralização e o alastramento das instituições de formação permitiu a permanência dos jovens em casa dos pais, enquanto realizam a sua formação (Rossi, 1997). Quando o jovem se desloca para prosseguir os seus estudos noutra cidade ou região, a situação não se modifica substancialmente, na medida em que o afastamento da habitação parental é temporário.

Nesta linha, Tang (1997) efectuou um estudo que versou a temática da saída de casa dos pais como factor de aquisição da independência social face à família de origem. O autor utilizou o critério etário, para comparar jovens que saíram de casa cedo (antes dos 17 anos), “na altura certa” (“on-time” no original), ou seja, entre os 18 e os 24 anos, e tardiamente, entre os 25 e os 30 anos. Verificou que, no que se refere aos jovens que saíram cedo de casa, as principais determinantes para essa saída estiveram associados a composições familiares que envolviam situações de recasamento ou de adopção, parecendo que tais situações promovem a saída de casa dos jovens ou a redução do apoio socio-económico que lhes é concedido (Tang, 1997).

Quanto aos jovens que saem na “altura certa”, o cumprimento do serviço militar, a constituição de sua própria família e a ruptura no casamento dos progenitores parecem ser os factores com maior influência. Já para os jovens que saíram de casa mais tarde, a idade apresenta-se como o principal desencadeador da saída. Neste estudo, destaca-se que factores externos à dinâmica familiar, como o prosseguimento de estudos ou a inserção no mercado laboral, numa área geográfica diferente da de residência da família de origem, nunca surgem como factores decisivos para a saída de casa dos pais. Importante é ainda o facto de que, para o grupo dos jovens que saem tarde, o factor idade ser o mais referenciado, e não qualquer outro como, por exemplo, o desejo de ser independente ou de constituir uma família. De facto, este último grupo personifica o fenómeno de permanência prolongada em casa dos pais, que parece definir uma nova categoria social de jovens adultos (Cordon, 1997; Rossi, 1997; Tang, 1997).

Esta situação de coabitação, encarada como fruto de circunstâncias sociais, não é alvo de “penalização social”, para o jovem adulto, sobretudo para as culturas da Europa do Sul. Num estudo efectuado sobre as diferenças culturais entre estes países e os chamados países da Europa do Norte, verificou-se que, apesar do desemprego ou do emprego precário, os jovens nos países da Europa do Norte mantêm a independência residencial, enquanto que o oposto se verifica nos países do Sul da Europa, onde a família partilha a sua residência com os filhos.

Mesmo assim, as dificuldades de emprego constituem um outro factor importante para o prolongamento da coabitação. Nos países europeus que partilham problemas de desemprego ou emprego precário, observa-se um aumento da dependência residencial dos jovens, relativa à família de origem (Cordon, 1997). Apesar deste estudo não ter incluído dados relativos a Portugal, pensamos que, no nosso país, a situação é muito semelhante à dos outros países da Europa do Sul. Rossi (1997) indica que os jovens preferem optar pelo estatuto e pelo bem-estar que a residência familiar lhes proporciona, em detrimento da autonomia, uma vez que, na maioria dos casos, o seu nível de vida fora de casa dos pais tenderia a ser consideravelmente inferior. De facto, tanto os pais como os filhos adultos sentem-se confortáveis num processo onde aqueles concordam em apoiar residencialmente os filhos, até que estes consigam atingir a independência económica que lhes permita uma vida autónoma. Deste modo, também a própria família de origem não assume um papel de incentivo para o abandono do lar familiar e para a aquisição da autonomia económica.

Um dos aspectos menos positivos da dependência residencial é, de acordo com Arnett (2000), o facto desta proporcionar aos estudantes universitários percursos educacionais muitas vezes demasiado extensos e instáveis, mudando de curso com alguma frequência ou deixando de estudar e retomando os estudos mais tarde. Esta situação pode, na opinião do autor, implicar um processo de exploração demasiado livre e mesmo “interminável”, dado que não apresenta qualquer custo para o jovem, retardando assim a definição do seu percurso académico, profissional e mesmo pessoal (Arnett, 2000).

No contexto nacional pensamos que existem, contudo, algumas diferenças. Apesar da independência residencial ser muito pouco frequente durante o ensino universitário, porque a maioria dos estudantes não exerce nenhuma actividade profissional que o permita, também as interrupções dos estudos não são muito frequentes. Mesmo que essa independência se verifique quando os jovens estudam em localidades distantes da residência dos pais, não se pode esquecer que ela serve apenas essa finalidade e que os jovens regressam a casa dos pais durante as férias escolares ou quando terminam os seus estudos superiores.

Neste quadro, Cavalli (1997) considera que a dependência residencial dos jovens reflecte uma escolha racional por parte destes e recorda que a melhoria generalizada das condições económicas, particularmente da classe média, consequência da modernização, repercute-se ao nível das condições habitacionais. Nesta classe social, os jovens têm frequentemente, no lar dos seus progenitores, um espaço próprio, muitas vezes personalizado ao seu gosto, onde a vinda de colegas e amigos se efectua sem criar tensões. Assim, podem beneficiar de uma “semi-autonomia” residencial, na medida em que têm um espaço que é considerado como seu, mas que não necessitam de suportar do ponto de vista económico.

Apesar de, no contexto norte-americano, a idade mais frequente de deixar a casa dos pais seja os 18/19 anos, a independência residencial é também muitas vezes efectuada de acordo com este estatuto de “semi-autonomia”, na medida em que tem um carácter temporário, ou seja, ocorre durante os estudos ou para viver uma relação afectiva. Mesmo no contexto norteamericano, os jovens que ingressam no ensino superior tendem a depender de bolsas de estudos e das suas actividades profissionais em tempo parcial, e também mantêm, na maioria dos casos, o apoio económico dos seus pais (Furstenberg, Kennedy, McCloyd, Rumbaut, & Settersten, 2003). No entanto, uma vez terminados os estudos ou após experiências mal sucedidas ao nível afectivo, tendem a regressar a casa dos pais. Este regresso pode ainda ser provocado por experiências de desemprego, emprego precário ou sub-emprego que impedem a manutenção da residência (Arnett, 2000). Estas flutuações ao nível da independência/dependência residencial reflectem também instabilidades decorrentes da exploração e experimentação ao nível educacional e até profissional. Uma vez concluídos os estudos, face às dificuldades do mercado de trabalho e à escassez de apoios sociais, os jovens acabam por perpetuar a sua dependência económica face aos pais, uma vez que a sua actividade profissional não lhes permite ter uma vida economicamente independente. Assim, a sua dependência é acima de tudo justificada por factores económicos.

Todavia, também existem jovens que, mesmo exercendo uma profissão que lhes poderia permitir viver de forma independente optam por continuar a ser apoiados pelos pais. Nestes casos, estes jovens vêem as principais despesas relativas à habitação, aos estudos e à alimentação, entre outras, ser garantidas pelos pais, o que lhes permite continuar a usufruir dos recursos económicos de que a família dispõe (e muitas vezes ainda lhes oferece sob a forma de mesada). Os seus recursos económicos próprios podem, assim, ser canalizados para actividades de lazer ou para bens mais diferenciados (férias, despesas pessoais, etc...), permitindo-lhes ter uma qualidade de vida muito superior à que teriam, se vivessem de forma economicamente independente, pois não há dúvida de que o estabelecimento e a manutenção de um lar independente implica, na maioria dos casos, um decréscimo significativo no nível de vida. É nesta sequência que se situa o paradoxo da dependência versus independência, que leva Cavalli (1997) a considerar que, nestes casos, os jovens tomam uma decisão racional, dado o valor que atribuem ao seu próprio bem-estar, em detrimento da autonomia: a decisão de serem apoiados economicamente pelos pais é perfeitamente racional e baseada numa perspectiva utilitária de vida.

É ainda importante salientar que o convívio residencial não implica necessariamente proximidade psicológica entre pais e filhos. Estudos efectuados no contexto norte-americano evidenciaram que os adultos que apresentavam uma proximidade física elevada com os pais, ou seja, que residiam em casa dos pais ou próximo da mesma, apresentavam indicadores muito fracos de ajustamento psicológico e de proximidade com os pais (Dubas & Pertersen, 1996). Já os dados relativos a estudos europeus indicam que os jovens que permanecem em casa dos pais, não só estão satisfeitos com a sua situação, como continuam a considerar os pais como uma fonte de apoio económico e emocional, embora manifestem elevados níveis de autonomia na sua vivência em família (Chisholm & Hurrelman, 1995).

A este nível, Cavalli (1997) argumenta que, apesar dos padrões de apoio económico e social terem sido mais marcantes para as chamadas famílias de classe média e alta, este modelo depressa se popularizou nas outras classes, pelo que se apresenta na actualidade como dominante. Na verdade, muitas vezes o facto dos jovens de famílias modestas terem um nível mais elevado de escolaridade do que os seus pais, leva-os a invocarem as suas responsabilidades escolares e profissionais para legitimar a necessidade de apoio por parte daqueles. De igual modo, quando negoceiam com eles as condições de coabitação demarcam o seu direito à “liberdade”, ou seja, à sua independência no seio da vida familiar. Esta situação gera, na opinião do autor, um aparente paradoxo, que se traduz no facto de que, quanto mais autonomia os jovens sentem em relação à sua família, mais dependentes da mesma aceitam tornar-se. Na realidade, as próprias alterações nos contextos familiares e nos processos de socialização, nomeadamente na relação pais-filhos, tem reduzido os conflitos entre gerações, limitando assim a necessidade de saída da família para procurar a autonomia (Cavalli, 1997).

Os valores culturais associados às famílias do Sul da Europa, que tendiam a exigir comportamentos semelhantes dos seus membros, através do exercício do poder paternal, está hoje a ser alterado, dando lugar a uma progressiva redução da autoridade parental e das clivagens associadas ao género e à idade. Esta transformação efectua-se sem que a família ponha em causa a sua função primordial de apoio emocional e económico aos jovens. Para além disso, as famílias podem constituir-se como recursos para os jovens em dois sentidos: por um lado, podem, quando dispõem de recursos económicos para tal, apoiar a escolha vocacional dos filhos, independentemente do curso ser leccionado numa instituição pública ou privada, nacional ou estrangeira. Por outro lado, no caso de pais com formação académica superior, podem não só disponibilizar aos filhos um leque mais alargado de informações relativas ao mercado de trabalho, mas ajuda-os a ponderar os benefícios e custos potenciais das suas escolhas vocacionais. Isto não significa que estes jovens vejam o apoio familiar como isento de “obrigações”. Não só respeitam os conselhos dados pelos pais, como tentam integrá-los nas suas decisões e opções educacionais, profissionais e mesmo pessoais. No nosso país, um estudo efectuado por Pappámikail (2004), revelou que, do ponto de vista dos jovens, a família funciona como uma rede de apoio, até que consigam posicionar-se no mercado de trabalho. Este apoio é não só de natureza instrumental, com forte incidência no apoio económico, mas também de natureza emocional, que apesar de ser de grande importância, não intervêm, de forma restritiva nas suas escolhas pessoais, educacionais e profissionais (Pappámikail, 2004).

Assim, o processo de transição para o estatuto de adulto parece hoje menos previsível e mais complexo (Pais, 1998; Pais, Caims, & Pappámikail, 2005). A condição de adulto parece passar essencialmente pelo desenvolvimento de competências pessoais que caracterizam a autonomia psicológica e a maturidade, sendo menos dependente de marcadores sociais, como

o exercício de um papel profissional ou familiar. Os pais contribuem também para este processo, já que preferem manter o apoio, de modo a garantir que os filhos invistam na aquisição de competências de natureza escolar, profissional e relacional, que lhes permitam “estar preparados para a vida de adulto” actuando enquanto rede de apoio instrumental e emocional dos filhos (Pappámikail, 2004).

 

O QUE SIGNIFICA “SER ADULTO?” CARACTERÍSTICAS E REPRESENTAÇÕES DA IDADE ADULTA

Apesar de no contexto das sociedades ocidentais a autonomia e a liberdade associadas ao período de transição para a idade adulta poderem influenciar o modo como os jovens representam e antecipam o que é ser adulto, a literatura sugere que as representações do papel de adulto adquirem hoje uma configuração própria, não isenta de aspectos negativos. Alguns autores que analisaram as representações dos jovens sobre o que significa “ser adulto” indicam que estas aparecem identificadas com aspectos menos agradáveis da vida adulta, nos quais se destacam as obrigações familiares e profissionais e a monotonia daí decorrente (Andrade, 2006; Nilsen, 1998). Como aspectos mais positivos do papel de adulto, os jovens do mesmo estudo referiram, acima de tudo, actividades que são essencialmente características da fase de transição para a idade adulta, como, por exemplo, conhecer novas pessoas, viajar, encontrar ocupações, com a condição de poder abandoná-las logo que se “tornem aborrecidas” ou quando aparece algo mais interessante, prosseguir os estudos em domínios interessantes e desafiantes, mesmo que não conduzam a um trabalho bem remunerado, ter um emprego onde se aprendam coisas novas e se enfrentem novas situações, seguindo sempre, em qualquer dos casos, os próprios desejos e aspirações. Para além destes aspectos, estes jovens destacaram ainda que a noção de “assentar na vida” é frequentemente associada à constituição de família com filhos, o que implica um emprego permanente para assegurar um rendimento fixo e, portanto, garantir a independência económica da família. Embora nenhum dos jovens desejasse o mesmo estilo de vida da geração anterior, ou seja, da geração dos seus pais, muitos pensam que, de algum modo, podem vir a acabar numa situação algo semelhante (Andrade, 2006; Nilsen, 1998).

Como consequência indirecta destas representações, destaca-se a coexistência de expectativas elevadas e de representações negativas, em relação ao papel de adulto. Todavia, se as representações da vida adulta continuam associadas a um emprego estável e a um aumento crescente do nível de vida, na actualidade, este critério não é considerado determinante para se “ser adulto” (Arnett, 1998). Já a parentalidade é considerada como um factor decisivo para se ser considerado adulto. Alguns autores indicam que os jovens, independentemente da idade e do género, assumem que ser pai ou mãe implica ter uma responsabilidade sobre outra pessoa e sobre si próprio, o que é característica da idade adulta (Andrade, 2006; Arnett, 1998; Greene & Wheatley, 1992). Também num estudo retrospectivo sobre as representações do papel de adulto, efectuado junto de jovens mães, Aronson, Kimberly, e Schaler (2001) confirmam que é determinante para se “ser adulto”, o facto de ter sido mãe, a par da independência económica. Estas jovens mulheres, aliás, não consideram nem o emprego, nem o casamento como marcos importantes para se verem a si mesmas como adultas. Outro estudo sobre o significado da vida adulta indicou que os jovens adultos distinguem categorias fundamentais para se analisar o significado de ser adulto: ao nível das relações familiares e com os amigos; do trabalho através do envolvimento na formação ou profissão; do bem-estar pessoal, associado a uma orientação individualista, com a procura hedónica do prazer e a manutenção da saúde (física e/ou mental); e da auto-realização, através da concretização de objectivos e do consequente desenvolvimento das competências psicológicas (Reitzle, 2006).

Apesar disto, na actualidade, as menores exigências de responsabilidade associada à assumpção destes papéis dominam a vida de muitos jovens, pelo que estes se encontram numa situação de “semi-adultos”, onde se perspectiva uma entrada na idade adulta progressiva, sem a pressão do compromisso com os tradicionais papéis de adulto nos domínios do trabalho e da família (Reitzle, 2006).

Com efeito, e de um modo consensual, os estudos mais recentes têm identificado características pessoais como sendo prioritárias para se ser considerado adulto, das quais se destacam ser responsável, ser capaz de tomar decisões e ser capaz de sustentar-se a si próprio financeiramente (Andrade, 2006; Arnett, 1998; Facio & Micocci, 2003; Greene & Wheatley, 1992). De facto, tais estudos apontam para a importância da percepção de “auto-suficiência”, do ponto de vista psicológico e instrumental, como característica fundamental da idade adulta (Arnett, 1998; Greene & Wheatley, 1992). Também o estudo comparativo efectuado por Gordon, Holland, Lahelma, e Thompson (2005) sobre representações da idade adulta, que inclui jovens mulheres inglesas e finlandesas, refere a independência do ponto de vista psicológico e social como a principal característica do “ser adulto”. A importância desta auto-suficiência foi também observada em outras culturas. Jovens universitários argentinos consideram que ser capaz de formar e sustentar uma família é o critério mais importante para que se seja considerado adulto, havendo diferenças de género, já que as raparigas valorizam mais este aspecto do que os rapazes (Facio & Micocci, 2003). Do mesmo modo, Mayseless e Scharf (2003), a partir de um estudo conduzido em Israel, consideraram que a responsabilidade sobre os seus próprios actos, a capacidade de decidir sobre as suas próprias crenças, o estabelecimento de uma relação igualitária com os pais são critérios mais importantes para se ser considerado adulto. Neste caso, verifica-se que o ser capaz de renegociar e reconstruir um relacionamento entre pais e filhos é um indicador de maturidade psicológica, que se reporta à conquista da autonomia.

É de salientar, no entanto que o “ser adulto” é algo de dinâmico que não corresponde a um estatuto estável (Reitzle, 2006). Mesmo os jovens que se consideram adultos continuam a achar que ainda não o são na sua plenitude, e que isto nem sempre depende de uma escolha pessoal, mas pode ser fruto de constrangimentos sociais. A posição dos jovens é marcada pela ambiguidade e pela ambivalência. Por um lado, os jovens assumem, facilmente, uma imagem idealizada da vida adulta, que passa por representações positivas da mesma. Arnett (2001) constatou, com base num inquérito nacional para o Estados Unidos, que 96% dos jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos afirmam que a vida adulta lhes iria proporcionar a possibilidade de “virem a obter aquilo que sonharam para as suas vidas”. Por outro lado, não parecem querer entrar rapidamente e totalmente na idade adulta, se as circunstâncias o permitirem e não se vêem a si próprios para já como adultos. Nesta linha, o estudo de Reitzle (2006), por exemplo, revelou que muitos jovens não se percepcionam a si mesmos nem, como adolescentes tardios, nem como jovens adultos, mas sim como estando numa fase situada entre estas duas categorias. A autora concluiu que a percepção subjectiva de ser adulto só estava associada aos papéis normativos de adulto para os jovens de classe baixa e pouco escolarizados. Para os restantes, as restrições no acesso ao emprego e a uma vida independente, bem como a instabilidade das relações afectivas fazem com que vivam o presente numa perspectiva de “hedonismo dos tempos modernos”, onde os papéis de adulto não têm um significado muito importante.

Para o contexto nacional, e no que se refere especificamente às transições para os papéis de adulto, de acordo com Guerreiro e Abrantes (2004) estas efectuam-se em dois tempos: um primeiro período, caracterizado pela liberdade, pelas experiências e pela ausência de compromissos; um segundo período, caracterizado pela responsabilidade, estabilidade e compromissos. A vivência de uma transição para a idade adulta “livre” contrasta com as atitudes relativas à vida adulta considerada rotineira, aborrecida e desinteressante (Guerreiro & Abrantes, 2004). Este estudo revelou ainda que, quando os jovens portugueses falam dos seus planos a longo prazo, revelam, de forma mais ou menos unânime, a intenção de aderir num primeiro momento, a esse modelo de vida hedonista, como “trajecto natural da vida”, onde os 30 anos parecem ser a fronteira para “assentar e assumir compromissos”.

Globalmente, os estudos apresentados parecem indicar que a representação partilhada pelos jovens sobre o que significa ser adulto está impregnada de alguma ambiguidade, dado que nela são integrados simultaneamente aspectos característicos da juventude e da idade adulta. Contudo, parecem assumir consensualmente que ser adulto implica entrar numa fase diferente daquela em que se encontram.

 

O ADULTO EMERGENTE: CONCEITO E IMPLICAÇÕES PSICOLÓGICAS

Numa tentativa de especificação desta etapa do ciclo vital, que se situa entre o final da adolescência e o início da idade adulta, surge, com alguma frequência na literatura psicológica, a designação de adolescência tardia. Falar em adolescência implica reportarmo-nos a um período desenvolvimental onde ocorrem mudanças tanto ao nível físico, como ao nível psicológico. Do ponto de vista do estatuto social, os adolescentes, na maioria dos casos, encontram-se a frequentar o sistema de ensino secundário e residem com os seus pais, de quem são dependentes do ponto de vista instrumental (dependência económica e social) e afectivo (mantêm relações de grande proximidade afectiva com os progenitores). Aliando os aspectos de natureza desenvolvimental aos aspectos de natureza social será, na opinião de Arnett (2000), pouco adequado chamar adolescentes tardios aos jovens universitários, ou mesmos àqueles que já exercem uma actividade profissional, por exemplo, na medida em que estes se encontram numa fase claramente distinta da adolescência. Se nos reportarmos ao desenvolvimento físico, as diferenças são notórias entre os adolescentes e estes jovens, na medida em que estes últimos se encontram numa fase de maturidade física ainda não alcançada pelos primeiros. Ao nível psicológico, a tarefa da construção da identidade faz-se agora com recurso à exploração, e muito menos numa óptica de reprodução de modelos ou de indecisão, que caracteriza a adolescência (Arnett, 2000; Arnett & Tanner, 2006). Por outro lado, na maioria dos casos, estes jovens são responsáveis pelas suas opções e decisões, tanto no domínio das relações afectivas como no domínio da educação e das escolhas profissionais. Ainda do ponto de vista da autonomia, e dado que são estudos que se referem ao contexto norte-americano, muitos destes jovens já não residem com a família de origem (por exemplo, porque estão a estudar ou trabalhar longe de casa dos pais) ou, quando o fazem, mantêm um estilo de vida independente. Por último, do ponto de vista social existem diferenças marcantes entre os adolescentes e estes jovens, como, por exemplo, a possibilidade de tirar a carta de condução ou mesmo de votar, para referir algumas que são tarefas socialmente construídas como indicadores do estatuto adulto. Com base nestes argumentos, parece inadequado tratar estes jovens como adolescentes tardios, visto que estão, em termos do desenvolvimento psicológico e do estatuto social, numa etapa claramente distinta da adolescência (Arnett, 2000).

Também comum na literatura psicológica é designar esta fase como transição para a idade adulta. Na perspectiva de Arnett (2000), é necessário especificar o que se entende por transição para a idade adulta, dado que esta designação assume que estes jovens estão ainda a transitar para a idade adulta, e não são adultos de facto, até alcançarem alguma das etapas que de modo mais ou menos normativo, são marcadores da entrada nessa fase de vida. Apesar da aceitação comum desta designação, tanto por parte dos estudos sociológicos como dos psicológicos, fica na opinião de Arnett (2000), por perceber, de facto, quais são as alterações e como se caracteriza o processo de desenvolvimento, que culmina com a aquisição do estatuto social de adulto. Na verdade, está-se a assumir-se que é uma etapa de passagem e não uma etapa da vida com características próprias. Do mesmo modo, a designação “juventude” para categorizar esta etapa do ciclo de vida encerra, numa mesma categoria, uma pluralidade demasiado abrangente de indivíduos com características muito diversificadas, tanto ao nível etário como ao nível do seu desenvolvimento psicológico e do seu estatuto social e consequentemente, difícil de analisar (Arnett, 2000, 2001). Essa designação reporta-se a um período da História em que eclodiram os movimentos juvenis, mais ou menos institucionalizados, pelo que, na opinião de Arnett (2000), será mais apropriada do ponto de vista sociológico, uma vez que permite estabelecer uma fronteira entre a infância e a idade adulta, mas inadequada do ponto de vista psicológico.

Mais recentemente, nos anos 90, este período foi popularizado como “Geração X”, designação inspirada na obra de David Coupland, de 1991, que tinha precisamente este título. Contudo, não parece corresponder a um fenómeno temporário. Esta etapa veio para ficar na vida dos jovens, sobretudo em determinadas culturas, e na opinião de Arnett (2001), mercê de uma designação própria, dado que apresenta também características específicas.

Para caracterizar este período de desenvolvimento, Arnett (2000) propôs a designação “adultez emergente”. A adultez emergente é a designação proposta para os jovens que se situam entre os 18 e os 24 anos (embora este critério etário possa ser variável, o que corresponderia a um período desenvolvimental com características próprias do ponto de vista psicossocial) (Arnett, 2000). Deste modo, a designação incorpora aspectos de natureza social, que se repercutem directamente ao nível do desenvolvimento psicológico.

A primeira característica da adultez emergente diz respeito ao facto de ser uma fase de exploração ao nível da identidade, onde se ensaiam opções, nomeadamente em relação aos domínios familiar e profissional. Para o domínio profissional, as crescentes exigências do mundo laboral implicam não só uma maior necessidade de investimento ao nível da formação, como são acompanhadas por períodos de trabalho em tempo parcial (trabalho e estudo), habitualmente em áreas diversificadas. Se bem que estes aspectos possam apresentar diferentes configurações, consoante o país/cultura a que cada um se refere, Arnett (2000) destaca o carácter exploratório destas actividades laborais, servindo sobretudo para a identificação de áreas e actividades em que os jovens sentem que a sua vocação não se iria concretizar. Estas experiências no domínio profissional são caracterizadas tanto por fracassos e frustração, embora orientadas pela ausência de pressão social, para que seja alcançada a estabilidade que caracteriza a idade adulta. Assim, este período de vida foi designado por Arnett (2000) de “idade da instabilidade”, pois as explorações na adultez emergente fazem com que este período seja dedicado à construção de um projecto de vida adulta. De facto, se este projecto acaba por se definir, na maioria dos casos, ainda está sujeito a múltiplas revisões, que se traduzem em alterações nas áreas de estudo ou no abandono temporário dos estudos, bem como no ingresso no mercado de trabalho, com alterações de actividade profissional, ou mesmo no retorno ao sistema educativo. Também no campo das relações afectivas podem surgir compromissos mais ou menos duradouros, com períodos de emancipação residencial relativa à família de origem, que nem sempre se estabilizam, podendo haver um regresso a casa dos pais ou o início de um novo período de coabitação com outro parceiro. Em qualquer dos casos anteriormente apresentados, estamos perante uma etapa clara de exploração, relativa aos papéis conjugais, familiares e profissionais e como salienta Arnett (2000), exploração e instabilidade são dois aspectos que estão intimamente associados.

A adultez emergente é também classificada como uma idade de “auto-centração”. Se bem que tanto a infância como a adolescência também apresentem esta característica, a verdade é que nestes períodos existe sempre o espectro da vigilância parental, familiar ou mesmo institucional, por parte da escola, por exemplo. Na adultez emergente, este controlo dissipa-se, sendo as opções mais dependentes de uma decisão individual e com consequências para o próprio, como, por exemplo, será “devo estudar e trabalhar?” ou “deveria deixar a casa dos meus pais e ir viver com colegas?” ou “vou trabalhar para fazer umas férias?”. Estas e outras questões, que se colocam na adultez emergente, fazem com que o jovem se torne mais centrado em si próprio. Esta auto-centração não deve ser entendida só como um período de insegurança e incerteza, na medida em que, embora isto possa acontecer em alguns casos, na maioria das vezes implica que o jovem efectue reflexões aprofundadas sobre as diferentes opções e as siga de modo autónomo (Arnett, 1999). Esta reflexão é mesmo um pressuposto para o desenvolvimento da autonomia que caracteriza a idade adulta.

Destaca-se ainda, na adultez emergente, o sentimento de estar parcialmente na adolescência e parcialmente na idade adulta, expresso por cerca de 60% dos adultos emergentes no estudo de Arnett (2000), que indicam, como principais critérios para se considerarem adultos, serem responsáveis pelos seus actos, serem capazes de tomar decisões de forma autónoma e serem economicamente independentes. Dentro destes critérios, o último é aquele que é assinalado como o principal responsável por não se sentirem completamente adultos.

Arnett (2000) faz alusão a um inquérito nacional para o contexto norte-americano, onde 96% dos jovens entre os 18 e os 24 anos afirmavam que esperavam um dia “vir a obter aquilo que sonharam para as suas vidas”. Como é notório, trata-se de um período onde as expectativas em relação à vida adulta são elevadas e positivas. Isto compreende-se pelo facto de estes jovens ainda não se terem confrontado, na maioria dos casos, com dificuldades ou responsabilidades que implicassem restrições dos possíveis desejos e uma visão menos optimista do futuro. É uma idade que se caracteriza por uma imagem idealizada do futuro e onde se acredita que várias possibilidades de sucesso estão em aberto. Contudo, de acordo com Tanner (2006), podem ser identificados estádios desenvolvimentais dentro da adultez emergente. Assim, existe um estádio em que os adultos emergentes estão a investir na sua formação académica onde existem explorações frequentes no domínio afectivo e profissional. Nesta etapa, eles questionam-se se devem tomar decisões, de acordo com as directivas dos seus pais, dado que, nesta fase, o seu apoio financeiro e residencial é necessário, o que poderá fomentar a tendência para respeitarem as directrizes parentais. Nesta etapa, as escolhas e os compromissos que efectuam têm dois tipos de efeitos: estão a dar-se os primeiros passos para futuros compromissos mais duradouros, que caracterizam a idade adulta e, por outro lado, estão a estabelecer-se fronteiras mais claras e definitivas em relação aos pais. Na etapa seguinte, a aproximação ao estatuto de adulto torna-se mais clara: surgem os compromissos, nomeadamente no domínio profissional. Os efeitos da entrada num dos papéis de adulto fazem-se sentir ao nível de uma identidade construída, que vai progressivamente substituir a identidade de moratória da etapa anterior da adultez emergente. Progressivamente, o envolvimento com as escolhas e os compromissos vai sendo crescente, dando lugar ao exercício dos papéis de adulto, assim como à criação da independência emocional e residencial em relação aos pais.

Contudo, como defendem alguns autores, este período de vivência sem grandes compromissos é visto pelos jovens de ambos os géneros como um período transitório, que é seguido por uma certa estabilização nos padrões de vida mais convencionais (Brannen & Smitson, 1998).

Já outros jovens caracterizam-se por um longo período pós-adolescente, destinado a viver a vida de forma descontraída, emocionante e sem grandes preocupações. A sua prioridade é conhecer novos locais e países, conviver com os amigos, sair à noite, procurar novas experiências, aprender e divertir-se, antes de assentar e assumir responsabilidades e compromissos duradouros. Estes jovens podem apresentar trajectos escolares longos, que incluem a frequência de cursos e de formação pós-graduada, com inserções precárias e/ou temporárias no mercado de trabalho. Estas transições estão marcadas pelo carácter lúdico e hedonista da vida.

Surgem ainda outros jovens incluídos num período que os autores designam por “transições experimentais” (Guerreiro & Abrantes, 2004). Estas caracterizam-se por uma sucessão de configurações de vida temporárias e imprevisíveis, como opção de vida ou como período de experimentação, antes de “assentar”, casar e ter filhos. Tal como acontece, de forma notória, em alguns países, viver sozinho, em coabitação ou com um grupo de amigos tornam-se modelos culturalmente valorizados, pelo menos até à parentalidade, sendo esta opção muito característica dos jovens mais escolarizados (Guerreiro & Abrantes, 2004; Nurmi & Poole, 1994). Todavia, de acordo com Guerreiro e Abrantes (2004), em Portugal, não só existe alguma resistência de natureza cultural, por parte da sociedade em geral e dos próprios jovens, como a insuficiência de apoio público e o desenvolvimento dos modelos de apoio familiar tornam esta opção minoritária.

Apesar destas características poderem ser encontradas em qualquer jovem que se situe no contexto de transição para a idade adulta, o conceito de “adultez emergente” reporta-se, na maioria dos casos, a uma “classe” de jovens urbanos, de classe média e a frequentar ou que frequentaram o ensino superior (Arnett, 2000). Para além disso, esta concepção deve ser analisada do ponto de vista da especificidade de cada cultura; sendo culturalmente construída não é, portanto, universal. Na opinião do autor, esta etapa, com as características que lhe foram apontadas, é mais visível nos países industrializados, nomeadamente na América do Norte, Europa, Austrália e nalguns países asiáticos, como o Japão e a Coreia do Sul e em contextos familiares de classe média e urbana (Arnett, 1998, 2000).

Em suma, a vantagem da introdução do conceito de adultez emergente prende-se com o facto de ser um período de exploração de opções, tanto no domínio afectivo como ocupacional, vivido longe do “controlo” das normas sociais relativas à vida adulta. Este período de transição, conforme vimos, implica sentimentos de insegurança e auto-centração que se manifestam em cenários de oportunidades e de desafios face ao futuro. São aquilo que Arnett (2000) designa por “anos voláteis”, no sentido em que são vividos com alguma instabilidade. Contudo, aspectos de natureza cultural têm influência no limitar ou prolongar da adultez emergente, ou de algumas das suas características, para a etapa seguinte. Mesmo já tendo alcançado alguma das tarefas desenvolvimentais que demarcam o início da idade adulta, vimos que factores de natureza cultural fazem com que muitos dos jovens adultos permaneçam ainda numa situação que não configura, na sua plenitude, o estatuto de adulto. De facto, como questiona Cavalli (1997), porquê antecipar a passagem para a vida adulta, com o esforço que esta requer, se é algo que pode ser adiado a favor de um bem-estar diário? Esta perspectiva é corroborada por mensagens do tipo “goza a juventude enquanto puderes”, que são muito frequentes na nossa cultura e traduzem um reforço evidente de que a vida adulta não irá ser tão satisfatória como a vida na juventude, perspectiva que traduz uma valorização extrema da etapa do ciclo de vida da adultez emergente. Isto é ainda reforçado por mensagens que indicam claramente aos jovens que os pais estão dispostos a efectuar sacrifícios pelos seus filhos e, por isso, irão certamente tentar corresponder às expectativas dos mesmos, enquanto estes permanecerem no seu domicílio. Deste modo, a adultez emergente constitui-se como uma etapa de exploração e expectativas em relação aos papéis de adulto e uma oportunidade de desenvolvimento psicológico e social.

 

CONCLUSÃO

Como destacam diversos autores, a “estrada para a idade adulta” é cada vez mais longa e a tarefa de “ser adulto”, do ponto de vista psicológico e social, aparece como sendo mais exigente na actualidade, passando muitas vezes por ser, ou adiada em termos temporais e a ser completada mais tardiamente, em termos etários (Arnett, 2001; Arnett & Tanner, 2006; Rossi, 1997). É assim que as chamadas mudanças “normativas” para a aquisição do estatuto de adulto, nas quais se inscrevem o desempenho do papel profissional e familiar, perdem progressivamente este seu carácter normativo, na medida em que o seu adiamento surge cada vez com uma maior frequência. Entre o final da adolescência e o início da idade adulta, são exploradas uma série de possibilidades, tanto ao nível das relações afectivas como ao nível das preferências profissionais, que apenas gradualmente se irão transformar em opções. Esta liberdade de exploração e de escolha faz com que esta etapa se caracterize por alguns paradoxos. Se, por um lado, é uma etapa de vida constituída por sonhos e desejos em relação à idade adulta, é também um tempo de incerteza e ansiedade, sendo assim simultaneamente um tempo de novas liberdades e novos receios (Arnett, 2001). Parece claro que as tomadas de decisão relativas ao desempenho dos papéis de adulto se inscrevem num processo mais amplo de desenvolvimento ao longo do ciclo vital, onde, seguramente, o desenvolvimento psicológico interage com as condições sociais e ambos propiciam diferentes opções de vida, que vão originar o desempenho dos papéis de adulto. É precisamente nesta articulação, entre o desenvolvimento psicológico e social dos jovens e alguns dos novos contextos em que os jovens se movem, que radica a problemática central deste artigo.

 

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NOTES

(*)  Equiparada a Profª Adjunta, Escola Superior de Educação de Coimbra, Praça Heróis do Ultramar, 3030-329 Coimbra, Telefone: 239793120, Fax: 239401461;

Investigadora de Pós-Doutoramento, Centro de Psicologia Diferencial, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Rua Dr. Manuel Pereira da Silva, 4200-392 Porto, Telefone: 226079700, Fax: 226079725, E-mail: perdigao.claudia@gmail.com

 

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