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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.31 no.4 Lisboa dez. 2013

 

Comportamento Organizacional Positivo

Miguel Pina e Cunha*; Arménio Rego**; Miguel Pereira Lopes***

* Nova School of Business and Economics;

** Universidade de Aveiro / UNIDE, ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa;

*** Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa

Correspondência

 

RESUMO

Na última década tem vindo a ganhar proeminência o movimento dos estudos organizacionais positivos. È uma corrente de investigação orientada para melhorar as organizações usando as respetivas forças — em vez de colmatar as suas falhas. Através desta lente positiva, seguimos, neste artigo, quatro níveis de análise: (1) consideramos o capital psicológico como atributo de indivíduos positivos; (2) discutimos as características das interações positivas; (3) exploramos o papel da segurança psicológica na criação de equipas positivas; (4) traçamos o perfil das organizações positivas. Discutimos, também, que (a) a positividade e a negatividade são parte de uma mesma dualidade, (b) a positividade pode gerar ou facilitar a negatividade e (c) a negatividade pode gerar ou facilitar a positividade.

Palavras-chave: Estudos organizacionais positivos, Capital psicológico, Segurança psicológica, Organizações autentizóticas, Virtuosidade organizacional, Liderança autêntica.

 

ABSTRACT

In the last decade, we have witnessed an increased prominence of the positive organizational studies (POS) movement. POS is a research stream focusing on the betterment of organizations via the use of its strengths — instead of accentuating the removal of flaws. Through this positive lens, we follow four levels of analysis: (1) considering psychological capital as an attribute of positive individuals; (2) looking into the characteristics of positive interactions; (3) exploring the role of psychological safety in building positive teams; (4) defining the profile of positive organizations. Finally, we discuss that (1) positivity and negativity are part of the same duality, (2) positivity may facilitate negativity and (3) negativity may facilitate positivity.

Key-words: Positive organizational studies, Psychological capital, Psychological safety, Authentizotic organizations, Organizational virtuousness, Authentic leadership.

 

INTRODUÇÃO

 

“Um dos problemas do mundo é haver excesso de objetivos e escassez de ideais.”

António Pinto Leite (in Queirós, 2012, p. 40)

 

Ensaiar uma visão panorâmica de qualquer subárea disciplinar é um exercício arriscado: a vastidão dos temas e a abundância de investigação garantem que amplo e relevante trabalho fica de fora. Como tal, neste artigo, assumimos a impossibilidade de uma cobertura exaustiva e olhamos a psicologia organizacional numa perspetiva deliberadamente parcial e enviesada: considerando o trabalho recentemente produzido no domínio dos “estudos organizacionais positivos”. O termo “positivo” representa uma abordagem assente em três aspetos (Cameron, Mora, Leutscher, & Calarco, 2011; Lopes, Cunha, Kaiser, & Muller-Seitz, 2009): (1) a obtenção de desempenhos excecionais (e.g., Cameron & Lavine, 2006); (2) um enviesamento afirmativo a favor das forças (e.g., Cooperrider, Whitney, & Stravos, 2008); (3) o foco no que é virtuoso (Rego, Clegg, & Cunha, 2012).

A nossa escolha decorre de diversas motivações. Primeira: nós próprios temos participado no trabalho realizado nesse domínio (e.g., Cunha, Rego & Cunha, 2007; Rego & Cunha, 2008, 2009). Segunda: os estudos organizacionais positivos (Cameron & Spreitzer, 2012) combinam riqueza concetual, rigor metodológico, ambição prática e uma componente aspiracional que nos seduzem enquanto académicos, formadores e interventores. Terceiro: os estudos organizacionais positivos retomam caminhos críticos da psicologia humanista (e.g., Rego, Cunha, & Oliveira, 2008) — por vezes secundarizados na literatura organizacional, a qual se tem tradicionalmente focado no que é negativo, problemático e debilitante. Do nosso ponto de vista, focar a atenção no que é excelente, abundante, genial, virtuoso, florescente e positivo ajuda a entender pessoas, equipas, organizações e a sociedade em geral como campos plenos de oportunidades de desenvolvimento ô em prol de melhores indivíduos, trabalhando em melhores organizações, que procuram contribuir para uma sociedade de maior bem-estar.

Três notas cautelares são necessárias antes de prosseguirmos. A primeira sugere que o foco no positivo não representa qualquer desdém pelo estudo do que é negativo. De facto, a positividade também se constrói mediante o combate ao que é negativo. Ademais, a negatividade pode ajudar a construir positividade. Pense o leitor em experiências negativas que o ajudaram a desenvolver forças e a ser melhor, como pessoa e como profissional. Ou pense em empresas que, após atravessarem momentos difíceis, ficaram mais resilientes (Clair & Dufresne, 2007). Finalmente, “nem tudo o que luz é oiro”. Por exemplo, o excesso de uma coisa boa como a perseverança pode transformar-se numa uma coisa má: a obstinação cega.

A segunda nota argumenta que os estudos organizacionais positivos não pretendem oferecer panaceias para os problemas. Antes proporcionam quadros de pensamento e evidência empírica com potencial de ação baseado numa lógica apreciativa. Assumem que é responsabilidade de cada humano melhorar o que pode ser melhorado, sem esquecer as dificuldades e os perigos ô em vez de neutralizar a ação positiva por causa dos riscos e das dificuldades. Atuar positivamente, neste sentido, é um exercício de desenvolvimento das virtudes humanas baseado em assunções positivas mas realistas (i.e., cientes da realidade). Não é um exercício de resignação conformista apresentado como realismo (no sentido em que a realidade comanda a vida). Os estudos organizacionais positivos consideram que o sonho pode comandar a vida. Mas também assumem (ou devem assumir) que a vida nem sempre é um sonho ô e que uma vida excessivamente sonhadora pode transformar-se em pesadelo.

Terceira nota: a investigação teórica e empírica no domínio dos estudos organizacionais positivos é vasta e complexa. Se o leitor tem dúvidas, consulte o monumental The Oxford Handbook of Positive Organizational Scholaship (Cameron & Spreitzer, 2012). È uma obra fundamental para quem pretende encetar uma abordagem aprofundada à matéria. Neste artigo, focamos apenas um subconjunto de temas ô que não representam todo o campo, apenas o ilustram. Começamos por explorar a importância das premissas frequentemente perfilhadas no mundo organizacional: muitos líderes organizacionais adotam assunções pretensamente “realistas” que dificultam o desenvolvimento de práticas positivas. Seguidamente, dirigimos a atenção para quatro níveis de análise (indivíduos; interações; equipas; organizações). Os níveis, naturalmente, sobrepõem-se e implicam-se mutuamente. Comunicam e interpenetram-se. A separação é aqui feita em nome da simplicidade. Na parte final do artigo, discutimos a dialética entre a positividade e a negatividade, e sugerimos que a positividade também se constrói prestando atenção à negatividade.

ASSUNÇÕES POSITIVAS VERSUS ASSUNÇÕES “NORMAIS”

As premissas que os humanos adotam influenciam o modo como atuam. O pensamento e as nossas “teorias” influenciam a nossa ação e o modo como agimos para com os outros. È assim também no mundo da gestão. Todos os gestores têm uma teoria da organização (Santos, 2000). Essa teoria, implícita ou explícita, influencia as premissas de que partem e a maneira como atuam. Daqui advêm consequências. De facto, contrariamente ao que ocorre noutros domínios (e.g., a nossa teoria sobre o funcionamento dos astros não influencia a atuação dos mesmos; Ghoshal, 2005), a teoria perfilhada pelos gestores influencia a realidade social e organizacional sobre a qual atuam. Por exemplo, o modo como encaram os colaboradores influencia a maneira como os tratam.

As consequências não se ficam por aqui: o modo de ação tenderá a confirmar as expectativas iniciais (Merton, 1948). Ou seja, os efeitos gerados pela teoria/premissa podem acabar por “comprovar” a teoria. Se um gestor perfilha uma teoria pretensamente realista que encara os humanos como entidades exclusivamente individualistas, é provável que crie espaços organizacionais dominados pelo individualismo feroz e a competição dura. Por conseguinte, gestores “realistas” criarão contextos “realistas”. Diferentemente, gestores com assunções positivas e focalizados nas forças dos colaboradores tenderão a criar condições para fazer florescer contextos organizacionais positivos. Eis a norma da reciprocidade, tal como explicada por Jerry Greenfield, o Jerry da Ben e Jerry’s, “Ben diria que se trata de uma lei espiritual: aquilo que dás é aquilo que recebes” (in Lucas, 2012, p. 10). Em suma: o realismo das assunções de partida de muitos líderes limita a capacidade de desenvolver boas teorias de gestão. O Quadro 1, adaptado de Heynoski e Quinn (2012), contrasta assunções positivas e “normais”.

 

 

Assunções positivas ajudam a criar ambientes mais positivos, ao passo que assunções “realistas” conduzem a espaços organizacionais “realistas” — ou seja, repletos de desconfiança, cinismo e défice cooperativo. Por exemplo, se acreditamos que o talento é um bem escasso, lutamos competitivamente por ele; se consideramos que o talento é abundante, fazemos esforços para desenvolvê-lo e multiplicá-lo (Wiseman & McKeown, 2010). No primeiro caso, as organizações envolvem-se em “guerras pelo talento” (Pfeffer, 2001). No segundo, desenvolvem práticas de gestão facilitadoras da criação de empresas extraordinárias com pessoas “normais” (O’Reilly & Pfeffer, 2000). As boas organizações são-no, não apenas porque contratam as pessoas certas, mas também, ou sobretudo, porque elevam pessoas “normais” ao patamar da excelência. Note-se o paradoxo: o excesso de “realismo” pode criar “realidades” organizacionais mais pobres do que abordagens menos “realistas” centradas nas forças e na elevação de pessoas “normais” a pessoas talentosas. Eis a lição: é necessário que as organizações e os gestores adotem teorias assentes nas forças e no que funciona bem — naturalmente, com “os pés assentes na terra” e cientes das dificuldades e dos problemas.

INDIVÍDUOS POSITIVOS

As características e ações individuais têm um impacto no funcionamento e na eficácia das organizações superior ao frequentemente assumido (Mollick, 2012). Um dos alvos de maior investigação nos estudos organizacionais positivos tem sido o capital psicológico positivo, construto que abarca quatro forças: autoeficácia, esperança, resiliência e otimismo (Quadro 2). As investigações (Avey, Reichard, Luthans, & Mhatre, 2011; Youssef & Luthans, 2012) sugerem que o capital psicológico dos colaboradores gera atitudes e emoções mais positivas (e.g., satisfação, empenhamento, felicidade), conduz a melhores níveis de desempenho (próprio do papel e extra-papel), e dificulta a emergência de atitudes e comportamentos negativos como o cinismo, os desejos de abandono da organização, e ações desviantes. A investigação também sugere que o capital psicológico, quando presente em larga escala, aumenta a competitividade das organizações (Luthans & Youssef, 2004) e o desempenho das equipas (Walumbwa, Luthans, Avey, & Oke, 2011).

 

 

A literatura sugere que o capital psicológico pode ser promovido através de diversas ações de gestão e liderança (e.g., Luthans, Youssef, & Avolio, 2007; Luthans, Avey, Avolio, & Peterson, 2010). A liderança autêntica (Avolio & Mhatre, 2012), outro construto emblemático dos estudos organizacionais positivos, é um antecedente importante (Peterson, Walumbwa, Avolio, & Hannah, 2012; Rego, Sousa, Marques, & Cunha, 2012a; Walumbwa, Luthans, Avey, & Oke, 2011). Por conseguinte, importa desenvolver, nos líderes, a sua ação ética e a sua capacidade de relacionamento transparente com os liderados. A possibilidade de influenciar o capital psicológico não deixa de ser um reflexo paradigmático de como o comportamento organizacional pode ser afetado pelas situações. O leitor desejoso de aprofundar a matéria pode consultar o livro de Luthans, Youssef e Avolio, publicado em 2007, intitulado precisamente Psychological Capital (veja, também, Youssef & Luthans, 2012).

Sublinhe-se que o foco aqui centrado no capital psicológico não deve ser interpretado como concessão de menor relevância de outros construtos. Sugerimos ao leitor que consulte as partes I, II e III de The Oxford Handbook of Positive Organizational Scholarship (Cameron & Spreitzer, 2012). Aí pode encontrar discussões atualizadas sobre inúmeras atitudes, virtudes, emoções e comportamentos individuais relevantes tanto para os indivíduos, como para as equipas e as organizações. Eis alguns exemplos: a vocação no trabalho, a proatividade, a criatividade, a curiosidade, a energia positiva, as emoções positivas, a paixão, a inteligência emocional, a coragem, o perdão, a humildade, a compaixão, a coragem e a integridade.

Do ponto de vista da construção da positividade organizacional, importa sublinhar três aspetos. Primeiro: as virtudes, traços e estados psicológicos positivos dos indivíduos constituem a unidade mais básica de criação de positividade em contexto organizacional. Segundo: algumas caraterísticas individuais são traços, pelo que são dificilmente mutáveis. O que as organizações podem fazer é adotar práticas de atração, seleção e retenção de pessoas com tais características. Terceiro: outras caraterísticas individuais (como o capital psicológico) podem ser consideradas estados, ou quase-estados. Por conseguinte, podem ser promovidos e desenvolvidos pelas práticas de gestão e liderança.

INTERAÇÕES POSITIVAS

As interações desempenham um papel crítico na criação de organizações positivas. Sem interações, muitas ações e caraterísticas individuais revelar-se-iam pobres e incapazes de edificar a positividade das equipas e das organizações. As interações entre líderes e liderados, já aludidas a propósito da atuação dos líderes autênticos, são cruciais na construção da positividade. Mas em todas as interações no seio das equipas e das organizações existe potencial construtivo — ou destrutivo. Uma pesquisa de Losada e Heaphy (2004) sugeriu que as equipas caracterizadas por interações com maior conectividade e nas quais preponderam as declarações positivas sobre as negativas, as inquiridoras sobre as advocatórias, as heterofocadas sobre as autofocadas, eram mais eficazes. Os resultados estão sumariados no Quadro 3. Mostram, por exemplo, que o rácio de declarações positivas sobre negativas é de 5,6 para 1 nas equipas de elevado desempenho e de 0,36 para 1 nas de baixo desempenho. Ou seja, enquanto nas equipas de elevado desempenho se encontraram quase seis declarações positivas para uma negativa, nas equipas de baixo desempenho foram encontradas quase três negativas para uma positiva.

 

 

Os resultados chamam a atenção para a importância dos relacionamentos de elevada qualidade (Stephens, Heaphy, & Dutton, 2012) no seio das equipas, os quais promovem a saúde e o bemestar dos indivíduos, fomentam as emoções positivas e a criatividade, melhoram os níveis de cooperação e fomentam o desempenho.

 

 

Estes resultados vêm corroborar alguns estudos pioneiros acerca das relações de “energização” que ocorrem nas organizações. Num desses estudos, Cross e Parker (2004) indagaram colaboradores de várias organizações acerca dos níveis de energia que sentiam depois de interagirem com cada um dos colegas de trabalho. Ao mapearem simultaneamente as redes de aprendizagem, de partilha de informação e de comunicação entre os diferentes membros dessas organizações (i.e., as escolhas que cada colaborador fazia sobre quem procurariam para interagir e comunicar), estes investigadores encontraram evidências de que: (1) o desempenho está positivamente relacionado com a centralidade da posição dos indivíduos na rede de energização; (2) os indivíduos que mais energizam os outros têm desempenhos muito superiores no trabalho; (3) os energizadores são melhores a atrair e engrenar os outros nas suas próprias ideias, incluindo atividades como obter apoio para as suas iniciativas e persuadir clientes para comprar produtos ou serviços; (4) além de melhores desempenhos, os energizadores estão também conectados a outros energizadores com melhores desempenhos.

Um trabalho de Alex Pentland (2012) apontou no mesmo sentido, ilustrando a importância das interações. O autor concluiu que as boas equipas se caracterizam pela presença de cinco características: (1) os membros da equipa falam e escutam na mesma medida, mantendo as suas contribuições curtas (isto é, o grupo pertence “a todos”); (2) as pessoas olham-se mutuamente, as conversações são ricas em energia, e o recurso ao e-mail como ferramenta de comunicação é secundário relativamente à comunicação cara-a-cara; (3) os membros da equipa contactam diretamente uns com os outros sem precisarem de intermediação do chefe da equipa; (4) as pessoas continuam as suas conversas fora das reuniões da equipa e, por vezes, mantêm conversas paralelas nas reuniões; (5) os indivíduos procuram informação fora da equipa e trazem-na para o seu seio.

Estas investigações vêm evidenciar que, além de indivíduos positivos e de equipas e organizações positivas, há um nível de análise relacionado com as interações positivas (Dutton & Ragins, 2007; Lopes & Cunha, 2011) que importa estudar e promover. O leitor desejoso de aprofundar o conhecimento da matéria poderá consultar a parte IV de The Oxford Handbook of Positive Organizational Scholarship (Cameron & Spreitzer, 2012). Aí poderá encontrar discussões sobre temas como a coordenação relacional, a reciprocidade, a intimidade relacional, a confiança e o humor.

EQUIPAS POSITIVAS E SEGURANÇA PSICOLÓGICA

A equipa é uma unidade de análise crucial para a compreensão e construção da positividade organizacional. Indivíduos positivos não geram, necessariamente, equipas positivas. Por exemplo, uma equipa constituída por indivíduos muito otimistas não é necessariamente (tão) otimista. Por conseguinte, há fenómenos associados às equipas que podem não estar refletidos nos estudos sobre fenómenos individuais e relacionais. O conceito central que aqui pretendemos sublinhar é o da segurança psicológica (Nembhard & Edmondson, 2012). Esta é a crença partilhada pelos membros de uma equipa de que é seguro correr riscos (Edmondson, 1999) e mesmo cometer erros honestos. Os erros honestos (isto é, não resultantes de desleixo ou falta de atenção) oferecem soberanas oportunidades de aprendizagem. Quando os membros da equipa experimentam segurança psicológica, diversos efeitos ocorrem (Cunha & Rego, 2013): (a) falam abertamente; (b) pedem ajuda e colocam questões, sem receio de parecerem ignorantes; (c) colaboram e ajudam os restantes membros da equipa, sem receio de serem alvo de condutas oportunistas da parte de quem recebe ajuda; (d) discutem abertamente problemas e preocupações; (e) procuram feedback sobre as suas ações e desempenho; (f) arriscam e experimentam novas soluções para problemas e oportunidades; (g) assumem os seus erros e desaires, e partilham-nos com a equipa, de modo que esta aprenda com os mesmos.

Diversos estudos têm demonstrado que a segurança psicológica é fundamental para o desenvolvimento dos processos de aprendizagem e melhoria dentro das equipas, bem como para o próprio sucesso dos projetos e a produtividade. Quanto mais seguros se sentem os membros da equipa para correr riscos (e.g., propor ideias ousadas, criticar uma ideia) sem que sejam alvo de embaraço, troça ou punição por parte do grupo, maior é a capacidade de inovação e avaliação de problemas, aumentando assim a probabilidade de sucesso da equipa.

A segurança psicológica tem-se revelado necessária para a criação de culturas de melhoria — graças, em parte, à criação de uma linguagem facilitadora da aprendizagem. No contexto médico, por exemplo, os termos ameaçadores (“investigações”, “erros”) acabam por ser substituídos por outros psicologicamente neutros (“acidentes”, “análises”; Vogus, Sutcliffe, & Weick, 2010). Diferentemente, em equipas deficitárias em segurança psicológica, as pessoas inibem-se de arriscar e de tentar novos modos de trabalhar — pois têm medo de cometer erros e serem, por isso, penalizadas. Quando cometem erros, ocultam-nos — o que impede os outros de aprenderem e evitarem essas mesmas falhas.

Importa notar que a segurança psicológica não é, per se, suficiente para a aprendizagem e o sucesso. Antes requer a companhia dos sentidos de responsabilidade e de responsabilização pela prossecução dos objetivos (Edmondson, 2012). Quando a segurança psicológica e a responsabilização dos colaboradores são pobres, a equipa opera sob a zona da apatia (Figura 1). As pessoas preocupam-se, acima de tudo, em manter o seu trabalho, fazendo favores a quem está em posições de poder. Neste contexto, a troca de ideias e a aprendizagem são mínimas. Quando a segurança psicológica é baixa mas a responsabilização é elevada, a equipa opera na zona da ansiedade. As pessoas receiam apresentar ideias, experimentar novas perspetivas ou mesmo pedir ajuda aos colegas. A troca de ideias e a aprendizagem são reduzidas. Quando a segurança psicológica é elevada mas a responsabilização reduzida, a equipa ingressa na zona de conforto. As pessoas apreciam o local de trabalho e os colegas, mas a equipa não se sente particularmente desafiada nem empenhada na aprendizagem e na prossecução dos objetivos. Por último, quando a segurança psicológica e a responsabilização são elevadas, a equipa opera na zona de aprendizagem. As pessoas sentem que o seu trabalho é desafiante e que têm espaço para discutir e apresentar ideias. O foco centra-se na colaboração entre colegas com o objetivo de aprender mais.

 

 

As organizações devem procurar aproximar-se o máximo possível deste último quadrante, de forma a otimizar o funcionamento das equipas e a potenciar a aprendizagem organizacional. Entre os fatores promotores (Cunha & Rego, 2013; Edmondson, 1999, 2008, 2012; Nembhard & Edmondson, 2012) de um tal modo de ação, pode citar-se o comportamento dos líderes. Líderes que convidam os membros da equipa a participar nas decisões (independentemente do seu status ou posição), que são abertos a novas ideias, que pedem ajuda e que assumem os seus próprios erros e desaires são promotores da segurança psicológica. Ao contrário, líderes que “matam o mensageiro da má notícia” destroem-na.

A segurança psicológica também é mais vigorosa quando há confiança e respeito entre os membros da equipa, e quando existem relacionamentos de elevada qualidade entre eles. Igualmente importantes são as políticas que promovem a experimentação. Por exemplo, empresas como a 3M e a Google permitem que as pessoas despendam uma percentagem do tempo de trabalho em projetos independentes. Nas equipas que promovem sessões de partilha e aprendizagem com os erros, a segurança psicológica também é mais vigorosa. Naturalmente, reiterando que antes foi referido, importa também instituir um forte sentido de responsabilidade, de exigência e de foco nos objetivos.

ORGANIZAÇÕES POSITIVAS

Trabalhos teóricos e empíricos sobre as organizações autentizóticas (correspondentes genericamente ao perfil das “melhores empresas para trabalhar”; Kets de Vries, 2001; Rego & Cunha, 2008) sugerem que as organizações que proporcionam maior riqueza humana aos colaboradores obtêm diversos ganhos, nomeadamente em termos de resultados económicofinanceiros (Fulmer, Gerhart, & Scott, 2003). Trabalho empírico no domínio da virtuosidade (Quadro 5) também sugere que as equipas e organizações virtuosas alcançam melhores desempenhos e que os seus membros são mais felizes e produtivos (Cameron, Bright, & Caza, 2004; Cameron, Mora, Leutscher, & Calarco, 2011).

 

 

Três tipos de efeitos (amortecedores, amplificadores e heliotrópicos) ajudam a compreender as razões para que tal aconteça (Cameron, Mora, Leutscher, & Calarco, 2011). Os efeitos amortecedores/protetores ocorrem porque a virtuosidade previne comportamentos e efeitos negativos. Por exemplo, ambientes virtuosos são um antídoto contra problemas de saúde nos colaboradores. E permitem às organizações enfrentar dificuldades e crises (e.g., processos de downsizing e despedimentos) de modo mais eficaz. Os efeitos amplificadores ocorrem porque as ações virtuosas estimulam outras ações do mesmo teor (e.g., atos de ajuda geram respostas recíprocas), dando origem a espirais positivas que se refletem em ambientes de trabalho mais saudáveis e produtivos. Os efeitos heliotrópicos são assim denominados devido à atração que os sistemas vivos revelam pela energia positiva (o que lhes dá vida) e à repulsa pela energia negativa (o que lhes empobrece a vida). As organizações virtuosas promovem a energia positiva entre os seus membros (e mesmo em stakeholders externos como os clientes ou a comunidade envolvente), essa energia elevando os níveis de desempenho.

Um tema crucial no domínio dos estudos organizacionais positivos é o da felicidade no trabalho — a investigação mostrando que a mesma prediz o sucesso e o desempenho (Huppert, 2009; Lyubomirsky, King, & Diener, 2005; Quick & Quick, 2004; Spreitzer & Porath, 2012; Wright & Cropanzano, 2004). A questão que então se coloca é a de saber que traços organizacionais a podem promover. Eis os traços gerais das “empresas felizes” (Fisher, 2010): (1) apresentam culturas apoiantes e baseadas no respeito; (2) proporcionam lideranças competentes a todos os níveis; (3) proporcionam aos seus membros um tratamento justo, segurança de trabalho e reconhecimento; (4) desenham o trabalho de forma que este seja interessante e motivador; (5) facilitam a aquisição e o desenvolvimento de competências; (6) selecionam as pessoas de acordo com a sua adequação ao trabalho e à organização; (7) trabalham essa adequação através de práticas de indução e socialização; (8) reduzem os pequenos incómodos diários e procuram aumentar os fatores de satisfação; (9) persuadem os seus membros de que é aceitável trabalhar em ambientes menos-queideais (isto é: todas as organizações comportam imperfeições); (10) adotam práticas de gestão de alto desempenho.

Em suma: as “organizações felizes” combinam práticas de boa gestão (gestão de alto desempenho; liderança competente a todos os níveis; Bloom, Genakos, Sadun, & Van Reenen, 2012) com uma orientação humanizada. Orientação “humanizada” sem boas práticas de gestão acaba por resultar em prejuízo económico-financeiro — assim ficando a organização menos capacitada para financiar práticas humanizadas (e.g., melhores salários e condições de trabalho). E “boas” práticas de gestão sem orientação humanizada acabam por gerar espaços organizacionais cínicos, pouco cooperativos, e pouco resilientes para enfrentar oportunidades, desafios e crises — o que, mais cedo ou mais tarde, se repercute negativamente no desempenho e na competitividade.

NEM TUDO O QUE LUZ È OIRO: TEMPERANDO (O ENTUSIASMO COM) A POSITIVIDADE

Os estudos organizacionais positivos não devem ser considerados uma panaceia para os problemas organizacionais e de gestão. As organizações são espaços de forças e de fraquezas, de positividade e de negatividade. O foco nas forças não é incompatível com a atenção às fraquezas. O que importa é não tomar a gestão como simples “loja de reparações” para os problemas organizacionais ô como tradicionalmente sucede, com frequência. O que os estudos organizacionais positivos sugerem é que as pessoas, as equipas e as organizações são repletas de forças que importa desenvolver. Essa é, aliás, uma boa maneira de enfrentar problemas e adversidades.

A relevância concedida à positividade também não significa que os fenómenos negativos (e.g., pessimismo, emoções negativas) são necessariamente disfuncionais. Por exemplo, o excesso de emoções positivas, sem a companhia de algumas emoções negativas, pode gerar irrealismo e incapacidade para prevenir problemas. Um elevado otimismo sem a companhia de algum pessimismo pode gerar irrealismo e quebras no desempenho e na criatividade (Rego, Sousa, Marques, & Cunha, 2012b). È esta realidade que tem emergido nos estudos sobre o denominado rácio de positividade (rácio entre emoções positivas e negativas; Fredrickson, 2009). Um rácio que ronda 3 pontos (3 emoções positivas para uma negativa) parece ser o mais apropriado. A partir de um determinado patamar, o efeito do rácio de positividade pode ser perverso. O excesso de positividade pode tornar os indivíduos irrealistas, excessivamente otimistas, e incapazes de prestar atenção devida aos riscos e aos problemas. A “ultra-felicidade” (Oishi, Diener, & Lucas, 2007) pode conduzir, a prazo, a quebras no desempenho e na própria felicidade.

Importa acrescentar que a experiência de negatividade pode edificar positividade. Por exemplo, uma má experiência de vida pode ser reconvertida em mais capacidade para lidar eficazmente com a vida. Tal como Peterson e Park (2011, p. 58) referiram, nem sempre é possível separar o positivo do negativo e “as crises podem ser cadinhos para o bom caráter”. Uma organização que enfrenta uma grave crise pode ficar mais resiliente, algo que parece ter ocorrido com empresas afetadas pelo ataque ao World Trade Center, em 11 de Setembro de 2001 (Clair & Dufresne, 2007).

Esta dialética positividade-negatividade começa agora a ser encarada com algum vigor, tanto do ponto de vista teórico como empírico. Na European Conferenceon Positive Psychology realizada em Moscovo em 2012, a intervenção da prestigiada Carol Ryff foi precisamente intitulada Contradiction at the core of Positive Psychology: The essencial role of the negative in adaptive human functioning.

Este reconhecimento provindo da Psicologia Positiva começa a frutificar também nos estudos organizacionais positivos (aliás inspirados naquela). Por exemplo, Judge, Piccolo e Kosalka (2009) mostraram que traços positivos dos líderes (e.g., conscienciosidade) podem surtir efeitos negativos (indivíduos muito conscienciosos podem tornar-se perfeccionistas “inveterados”) e que traços negativos (e.g., narcisismo) podem surtir efeitos positivos (os narcisistas podem gerar relações carismáticas mais fortes). Outro exemplo é o estudo de Lopes, Cunha e Rego (2011), que evidencia empiricamente como o positivo e o negativo se podem combinar numa complexidade muito menos linear do que os “convencionais” estudos organizacionais positivos geralmente sugerem. Os autores encontraram evidências de que expectativas otimistas podem coexistir com expectativas pessimistas, dando origem a um perfil denominado “otimistas paradoxais”.

Num estudo sobre o papel do otimismo e do pessimismo nas estratégias de coping, Lopes e Cunha (2008) também encontraram evidência empírica de que positivo e negativo podem desempenhar diferentes funções adaptativas. Enquanto o otimismo parece conduzir à ação (i.e., coping primário) quando os indivíduos sentem que controlam a situação, o mesmo otimismo conduz a um comportamento passivo (i.e., coping secundário) quando não existe perceção de controlo (e.g., quando a pessoa descobre que tem um cancro incurável ou que um despedimento é inevitável). Quando se sentem pessimistas, as pessoas adotam estratégias simétricas das referidas: ficam passivas quando sentem que controlam os acontecimentos (i.e., coping secundário) e apenas encetam estratégias comportamentais ativas (i.e., coping primário) quando sentem que estão a perder o controlo.

Estudos de Rego e colaboradores (Rego & Cunha, 2012; Rego, Leal, & Cunha, 2012) também sugerem que quando o rácio otimismo/pessimismo ultrapassa um dado patamar, a criatividade e o desempenho declinam. Ou seja: algum pessimismo é necessário, sob pena de as pessoas desvalorizarem riscos e baixarem níveis de esforço. Um estudo de Rego, Sousa, Marques e Cunha (2012b) também mostrou que um rácio de positividade (rácio de emoções positivas sobre as negativas) excessivo pode conduzir ao declínio da criatividade: as pessoas podem tornar-se irrealistas e propor ideias (novas) inúteis.

Este tipo de investigações sugere que os aspetos positivos e negativos se cruzam de formas complexas que vale a pena aprofundar e compreender melhor. Para que os investigadores desta área não venham a ser acusados de cometer a falta que atribuem às correntes “negativas” (o enviesamento em prol da negatividade, descurando a positividade), importa que aprofundem o estudo do modo como os fenómenos positivos e negativos interagem ô em vez de se focalizarem exclusivamente na positividade, negligenciado a negatividade (inclusive a que pode ajudar a construir positividade).

CONCLUSÃO

As práticas de gestão orientadas para a criação de ambientes organizacionais mais ricos do ponto de vista humano e gestionário traduzem-se, possivelmente, em maior músculo competitivo. Por conseguinte, pode ser bom ser bom. Mas o desafio encerra uma dificuldade: é mais fácil seguir pelo “caminho de baixo” (foco nas fragilidades, fraquezas e problemas; conceção das pessoas mais como um custo do que como um ativo) do que pelo “caminho de cima” (encarando as pessoas como potenciais talentos a desenvolver). Esta dificuldade ajuda a entender a raridade das organizações que adotam práticas genuinamente positivas e rigorosas.

Neste artigo, apresentamos diversos conceitos que têm ajudado a traçar os contornos de uma área que podemos denominar de “comportamento organizacional positivo”. O paradigma tem feito o seu caminho na teoria e na prática. Para os investigadores, um desafio a desbravar consiste em não esquecer que organizações mais competitivas devem sê-lo também no plano económico: práticas positivas não são sustentáveis na ausência de resultados. Como revela a investigação sobre liderança, organizações com chefes simpáticos não são necessariamente boas (Rego & Cunha, 2003). Para os profissionais da gestão, um desafio é o da conjugação do discurso habitualmente agressivo da linguagem gestionária com práticas humanistas e a ênfase nas virtudes (Rego & Cunha, 2011; Rego, Cunha, & Clegg, 2012), na teoria mas sobretudo na atividade prática diária: as virtudes desenvolvem-se sendo praticadas — do mesmo modo que a desonestidade se aprende observando a desonestidade em redor (Gino & Galinsky, 2012). A ideia de que o amor ao próximo deve ser um critério de gestão, como defendido por António Pinto Leite (2012), pode ser vista como revolucionária e com riscos: “Sim, sim sei que posso ser gozado. Podem atirar-me pedras. Já estou à espera disso, claro. Mas não me preocupo”, referiu o autor em entrevista ao Diáriode Notcias (Macedo, 2012, p. 11).

Antes de encerrar a discussão, retomemos uma questão anterior: as organizações contêm positividade e negatividade. Conhecer e dinamizar os caminhos que geram virtuosidade é relevante. Mas conhecer e inibir os caminhos que geram toxicidade é igualmente importante. A toxicidade faz parte da vida organizacional. Não pode ser erradicada, nem uma tal pretensão seria necessariamente positiva. Mas a atuação contra contextos marcadamente tóxicos é uma responsabilidade moral. Por conseguinte, os estudos organizacionais positivos devem ser complementados com “estudos organizacionais negativos” ou mesmo malignos (Clegg, Cunha, Rego, & Dias, 2013; Cunha, Clegg, Rego, & Lancione, 2012). Reconhecer a negatividade não significa que nos resignemos à sua presença intoxicante. E preconizar a positividade não significa ignorar os seus eventuais efeitos perversos: o excesso de uma coisa boa pode ser uma coisa má. Reiteramos, pois, o que argumentamos noutros textos (Rego & Cunha, 2011; Rego, Cunha, & Clegg, 2012): a virtude está no meio.

 

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Correspondência

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Miguel Pina e Cunha, Nova School of Business and Economics, Campus de Campolide, 1099-032 Lisboa. E-mail: mpc@novasbe.pt

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