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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.33 no.1 Lisboa mar. 2015

https://doi.org/10.14417/ap.918 

As casas de abrigo em Portugal: Caraterização estrutural e funcional destas respostas sociais

Ana Lúcia Correia1, Ana Isabel Sani2

1Agrupamento de Escolas de Almeida, Guarda

2Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Fernando Pessoa

Correspondência

 

RESUMO

Em Portugal existem diversas respostas sociais orientadas para o apoio a vítimas de violência doméstica e seus familiares, caracterizadas por estruturas de atendimento especializado e por estruturas de acolhimento. Atualmente, no nosso país existem 39 estruturas de acolhimento às vítimas designadas por casas de abrigo. Neste texto, firmada primeiramente a importância destas estruturas e descrita a sua emergência no panorama internacional e nacional, faz-se uma breve caracterização destas instituições, apoiados em dados de um estudo que procurou fazer uma caraterização estrutural e funcional deste tipo de resposta social. Os dados qualitativos foram recolhidos junto de uma amostra intencional, composta por 11 técnicos de nove casas de abrigo, através de uma entrevista estruturada preenchida em formulário próprio disponibilizada eletronicamente. Verificamos que há ligeira variabilidade quanto às características estruturais das instituições, as quais acolhem maioritariamente mulheres e seus filhos menores, com o objetivo funcional de assegurar a segurança e proteção destes. Concluímos, refletindo sobre o papel destas estruturas de resposta social na estabilização emocional, apoio à autonomia e restabelecimento de um projeto de vida de vítimas de violência doméstica.

Palavras-chave: Casas de abrigo, Crianças, Violência, Protecção.

 

ABSTRACT

In Portugal there are several social responses headed to support domestic violence victims and their relatives which are characterized by structures of specialized treatment and shelter. Nowadays there are, in our country, 39 reception structures to support the victims known as “shelter homes”. This essay aims to firstly enhance the importance of these structures; describe its importance on a national and international scale and to make a brief description of these institutions supported by the data provided by a study that seeked to structurally and functionally characterize this type of social response. The qualitative data were gathered by means of an intentional sample, composed by 11 technicians of 9 “shelter homes” through a structured interview filled out in a form which was made available electronically. We have verified that there is a slight variability concerning the structural characteristics of the institutions which shelter women and their young children with the main purpose of guaranteeing their safety and protection. We have concluded by reflecting on the role of these social response structures in the emotional stability, support to the autonomy and in the laying-out of a life plan and protection of these domestic violence victims.

Key-words: Shelters, Children, Violence, Protection.

 

Respostas sociais para vítimas de violência doméstica em Portugal

Em Portugal existem diversas respostas sociais que prestam apoio a vítimas de violência doméstica, tais como, serviços de atendimento, apoio, aconselhamento, linhas SOS, assim como serviços de acolhimento temporário (Coutinho & Sani, 2011). Estes organismos estão agrupados em dois tipos de estruturas, os centros de atendimento e as casas de abrigo. As primeiras caracterizam-se por unidades públicas e privadas, constituídas por uma equipa técnica pluridisciplinar que assegura o atendimento, apoio e encaminhamento de vítimas de violência. As segundas são estruturas de acolhimento temporário para mulheres e seus filhos, que foram encaminhados de outras entidades, por necessitarem de abandonar as suas casas por questões de segurança (Instituto da Segurança Social, 2009).

Para além das estruturas referidas anteriormente, estão ainda ao dispor das vítimas linhas de apoio telefónico, às quais podem recorrer sempre que necessitem de ajuda. A Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) tem à disposição um sistema de atendimento telefónico, através do número 800 202 148. Através deste número é oferecido às vítimas de violência doméstica, ajuda psicológica e informação sobre os seus direitos e recursos de apoio. Existe ainda a Linha Nacional de Emergência Social (LNES) – 144, que oferece também uma resposta social imediata e permanente a situações de emergência social (e.g., violência doméstica, menores em perigo, outros) e/ou de encaminhamento e informação, assegurando o apoio e as diligências necessários. Ambas as linhas estão disponíveis 24 horas por dia e 365 dias por ano.

Nos Órgãos de Polícia Criminal (OPC), designadamente na Polícia de Segurança Pública (PSP) e com a Guarda Nacional Republicana (GNR) foram criadas, em algumas esquadras gabinetes com profissionais desses serviços com formação especializada nas diversas problemáticas associadas à violência doméstica e que poderão fornecer apoio, informação e encaminhamento às vítimas. A PSP conta com Equipas de Proximidade e Apoio a Vítimas (EPAV) e com salas exclusivas para o atendimento das mesmas. A GNR possui desde 2002 núcleos especializados, atualmente com a designação de Núcleos de Investigação e de Apoio a Vítimas Específicas (NIAVE) e que visam prevenir, acompanhar e investigar as situações de violência exercida sobre as mulheres, crianças e outros grupos específicos de vítimas (Estrutura de Missão contra a Violência Doméstica Presidência do Conselho de Ministros, 2006).

Com o objetivo de consolidar de políticas de prevenção e combate à violência doméstica foram ainda criados com a Portaria n.º 220-A/2010 novos mecanismos de resposta para situações de emergência como é o caso da teleassistência (Diário da República, 2000). Trata-se pois de um meio específico criado a partir de um sistema tecnológico, que integra um leque de respostas que pretendem garantir proteção e segurança às vítimas e diminuir o risco destas de revitimização. A CIG é a organização governamental com responsabilidade e competência para instalar, assegurar e manter em funcionamento este sistema, socorrendo-se da ajuda de um conjunto de entidades públicas e privadas (e.g., Cruz Vermelha Portuguesa, a PSP a GNR ou o Ministério Público).

Assim, existem recursos especializados para atender às vítimas de violência doméstica, situando-se estes maioritariamente em zonas urbanas e litoral de Portugal, pelo que a preocupação tem sido a de expandir e tornar de mais fácil acesso estas redes de modo a atender a todos os pedidos de ajuda. Exemplo disso foi a criação do serviço de transporte de vítimas de violência doméstica e dos seus filhos para acolhimento na rede nacional de casas de abrigo.

 

As casas de abrigo enquanto resposta social

Como resposta às necessidades urgentes das mulheres vítimas de violência, as primeiras unidades de intervenção em crise e os abrigos de emergência surgiram na década de 70 no Reino Unido (Portugal, 2000; Roberts & Lewis, 2000). Durante essa década, na Europa, vários outros países criaram as primeiras casas de abrigo para vítimas de violência doméstica (e.g., Alemanha, Áustria, Noruega, Finlândia) (Alberdi & Matas, 2002). Nos finais da mesma década, os principais serviços disponíveis para mulheres agredidas eram as linhas diretas 24 horas, as habitações de emergência e a cedência de alimentos com duração de 1 a 8 semanas (Roberts & Lewis, 2000). Gradualmente foram emergindo vários serviços de assistência às vítimas, muito graças a diversas associações e movimentos feministas que foram surgindo um pouco por todo o lado, chamando a atenção para a inexistência de respostas institucionais para as vítimas de violência doméstica.

Inicialmente, as casas de abrigo tinham como principal função manter as mulheres em segurança, só depois em meados dos anos 90, é que muitos abrigos começaram a fornecer aconselhamento, colocação profissional, formação e emprego às mulheres, mas foi também proporcionado aconselhamento às crianças filhas das mulheres residentes nos abrigos (Graham-Bermann & Hughes, 2003; Magalhães, Morais, & Castro, 2011; Roberts & Lewis, 2000). Quando cessado o perigo, a vítima embora possa abandonar a casa de abrigo, geralmente continuava com acompanhamento tendo em consideração as necessidades individuais de cada caso (Roberts & Lewis, 2000).

Em Portugal, as respostas dadas às mulheres vítimas de violência doméstica para minimizar riscos e reduzir danos, incluindo a proteção e a segurança, surgem mais tarde comparativamente a outros países. Foi na década de 90 que surgiram as primeiras casas de abrigo no nosso país.

Neste momento, contam-se 39 casas de abrigo, tendo sido ainda criadas uma centena de vagas de alojamento para responder a situações de emergência enquanto decorre a avaliação das necessidades da vítima.

Nos últimos anos assistimos ao alargamento da rede de apoio para as mulheres em situação de violência doméstica, quer em termos de estruturas de atendimento, ajuda em situação de emergência e criação de uma rede de casas de abrigo. A lei nº 107/99 de 3 de Agosto estabelece o quadro geral da rede pública de casas de apoio a mulheres vítimas de violência doméstica, as designadas casas de abrigo (Diário da República, 1999). Estas estruturas constituem-se como respostas de fim de linha, cujo objetivo principal é o de proteger e dar segurança aos utilizadores nelas acolhidos e/ou quando o impacto da violência não lhes permite que de forma autónoma encontrem projetos de vida alternativos (Coutinho & Sani, 2010). De acordo com o Decreto Regulamentar nº1/2006, o período máximo de permanência nestas estruturas é de 6 meses (Diário da República, 2006), havendo sempre a possibilidade de prorrogação, que será determinado pelo relatório de avaliação e o parecer fundamentado da equipa técnica (Magalhães, Morais, & Castro, 2011).

As casas de abrigo são uma importante resposta para as mulheres vítimas de violência, bem como para os seus filhos, numa fase complicada das suas vidas (Campanón, 2008), em que o impacto da violência sofrida não lhes permite decidir e avaliar os recursos disponíveis, quer na rede familiar, quer na rede social de suporte. Estas instituições de acolhimento são um último recurso para situações de risco elevado, mas em que o objetivo é o acolhimento temporário das vítimas, oferecendo-lhes um espaço de segurança, tranquilidade, reflexão e início de uma nova vida. Para a preservação dessa mesma segurança existem regras que devem ser respeitadas pelas utentes acolhidas nestas instituições.

 

ESTUDO SOBRE A PERCEÇÃO DOS TÉCNICOS SOBRE A CASA DE ABRIGO

 

Objetivos

O presente estudo inseriu-se numa investigação mais ampla que teve por objetivo geral o de conhecer quais as práticas interventivas utilizadas pelos técnicos de casas de abrigo existentes em território nacional, junto da população residente. Para o efeito foram delimitados objetivos específicos, sendo um deles, e que estabelece a ponte com o propósito deste artigo, o de caracterizar as casas de abrigo em Portugal. Para tal foram contactadas, com a colaboração da CIG, várias casas de abrigo existentes em território nacional e solicitada a participação da equipa técnica para a realização do estudo.

 

Método

No que diz respeito à seleção da amostra foram definidos dois critérios fundamentais: (i) que as casas de abrigo nacionais alojassem, simultaneamente, mulheres e crianças vítimas de violência doméstica; (ii) os respondentes ao inquérito fossem técnicos a exercer funções em casas de abrigo há pelo menos 6 meses. Assim, a amostra intencional foi constituída por 11 técnicos, que exerciam funções em nove casas de abrigo distribuídas pelo território nacional (cf. Quadro 1). Os participantes do estudo tinham idades compreendidas entre os 28 e os 49 anos de idade, a maioria era do sexo feminino com um total de 10 participantes e um participante do sexo masculino. A área científica que mais se destaca nesta amostra é a psicologia, seguindo-se o serviço social, a educação e a sociologia. O tempo exercício de funções na respetiva casa de abrigo variava entre os 9 meses e os 14 anos.

 

 

A recolha de dados foi realizada através de inquérito por entrevista, tendo para o efeito sido contruído um guião, composto por duas grandes partes: (i) uma relativa a dados sociodemográficos; (ii) outra com questões direcionada para a caracterização da instituição (e.g., características, capacidade, população acolhida, etc.) e a atividade operativa dos técnicos. O instrumento composto por questões abertas e fechadas foi organizado em formulário e foi disponibilizado eletronicamente.

Em termos procedimentais importa referir que para levar a cabo este estudo foi necessário proceder a contatos prévios junto de cada uma das instituições. No âmbito desse contacto era dado conhecimento do estudo e solicitada informação ao diretor técnico sobre o modo como deveríamos proceder relativamente ao pedido de autorização. O conteúdo da carta que enviámos continha toda a explicação acerca da investigação, a natureza do estudo, a população a quem eram dirigidas as entrevistas, a menção à garantia de anonimato e confidencialidade dos dados obtidos, seguido de um pedido de consentimento informado e indicação sobre o modo como deveriam proceder para reencaminhar as respostas e para quem. Obtido consentimento informado para o estudo, cada técnico poderia avançar para o preenchimento da entrevista em formato digital. A recolha dos dados decorreu entre os meses de Abril e Outubro de 2012.

Uma vez que a devolução da entrevista foi, em alguns casos, mais moroso, houve a necessidade de se irem realizando telefonemas, no sentido de relembrar e sensibilizar as instituições para o preenchimento da entrevista. A CIG foi uma mais-valia para complementar este pedido de colaboração dos seus técnicos, reencaminhando a entrevista em questão para casas de abrigo a nível nacional, de modo a reforçar a urgência do estudo.

O conteúdo das entrevistas foi sujeito a análise de conteúdo (Bardin, 2006). Esta análise passou pelo estabelecimento de categorias capazes de agrupar, classificar os elementos retirados dos resultados das mensagens contidas nas entrevistas. A seguir far-se-á a apresentação dos resultados, os quais serão complementados, sempre que possível, de excertos das respostas dos técnicos relativamente às casas de abrigo.

 

Apresentação dos dados do estudo

 

Características estruturais das instituições. A lei nº 107/99 de 3 de agosto estabelece o quadro geral da rede pública de casas de apoio a mulheres vítimas de violência doméstica, as designadas casas de abrigo. Com a aprovação da Lei nº 1/2006 fica estabelecido um regulamento interno das casas de abrigo, acautelando-se a qualidade dos serviços prestados, as condições de abertura, de funcionamento e fiscalização.

Tendo por base a legislação supracitada procede-se a uma análise das características estruturais das instituições participantes neste estudo. Assim, no que diz respeito ao espaço de uso doméstico, os técnicos da amostra referem diversos equipamentos. Tratam-se de espaços comuns utilizados por todos os residentes da instituição. Algumas casas de abrigo são portadoras de “cozinha e lavandaria tipo industrial e cozinha multiusos de utilização exclusiva das utilizadoras: preparação de pequenas refeições/lanches e lavagem da roupa de uso pessoal” (S1); “uma cozinha, uma lavandaria, uma sala de refeições e de estar” (S7); “uma cozinha, uma lavandaria, uma sala de estar/sala de refeições (…). A cozinha e a lavandaria encontra-se equipada de modo as que as refeições e o tratamento de roupa seja feito pelas utentes com a supervisão das Ajudantes de ação direta” (S10).

Relativamente à capacidade de utilizadores nas casas de abrigo, essa varia dependendo da sua estrutura e das suas dimensões. Podemos verificar através das respostas obtidas dos técnicos, que a capacidade de utilizadores varia entre os 8 e os 45 utilizadores, incluindo mães e filhos, no caso de estes as acompanharem.

Quanto aos espaços de lazer, os técnicos das instituições (S1, S2, S3, S4, S5, S6, S8, S9, S10) referem existir espaços lúdicos, comuns a todos, para que possam conviver e relacionar-se, tais como “sala de convívio com televisão e dvd, espaço destinado apenas às crianças – sala de brincar (S1); “A nível de estruturas (…), temos salas de estudo, temos a sala de informática” (S3); “As zonas comuns são constituídas por uma sala de jantar e de estar (…) um quarto de banho de serviço (…) e uma sala de convívio para as crianças” (S5).

A nível de privacidade existem quartos com casa de banho privativa, onde são acolhidas apenas a mãe com os respetivos filhos, no caso de se fazer acompanhar dos mesmos. Existem ainda, em algumas destas instituições (S1, S2, S4, S5, S6, S7, S8, S9, S10), quartos adaptados para pessoas com capacidade motora reduzida – “As instalações da casa de abrigo são compostas por seis quartos, um dos quais adaptado a pessoa de mobilidade reduzida” (S6).

Existem nestas instituições espaços para utilização dos próprios técnicos, entre eles, sala de formação e o gabinete técnico (S1, S2, S4, S7, S9, S10). Tratam-se de espaços que podem ser utilizados para reuniões, consultas com as utentes, atividades em grupo ou individuais com as crianças, como o próprio nome indica, para dar formação às utentes e também para fazer atividades com elas – “e uma sala de formação para profissionais e utilizadoras” (S1); “um escritório para a equipa técnica (…)” (S6).

Segundo a análise das respostas relativas a esta categoria, é de salientar que as instituições que acolhem mulheres vítimas de violência, que se façam acompanhar dos seus filhos, cumprem o mínimo estipulado por lei, sendo capazes de responder às necessidades sentidas pelos utilizadores que ali chegam, no que diz respeito ao conforto, segurança e apoio/acompanhamento.

 

População acolhida. Todas as casas de abrigo que fazem parte da nossa amostra acolhem mulheres vítimas de violência doméstica – “As pessoas acolhidas na casa abrigo são mulheres vítimas de qualquer tipo de violência doméstica” (S4). A maioria dos técnicos (S1, S2, S4, S5, S7, S8, S9, S10) refere ainda que os filhos também acompanham as suas mães para estas instituições – “Mulheres e seus filhos vítimas de violência doméstica” (S10). Dois técnicos da nossa amostra (S7, S10) referem que a casa de abrigo onde exercem funções, exige idade limite para a permanência das crianças do sexo masculino na instituição. Segundo os mesmos, 12 anos é a idade máxima para o acolhimento das crianças – “Os filhos do sexo masculino apenas podem ser acolhidos caso tenham idade inferior a 12 anos, devido à partilha de diferentes espaços, nomeadamente WC e outros espaços” (S10); “Mulheres vítimas de violência doméstica e seus filhos, sendo que os filhos rapazes apenas podem ser acolhidos até aos 12 anos (derivado à necessidade de partilha do WC entre dois quartos)” (S7).

 

Objetivo funcional. Relativamente ao funcionamento da casa de abrigo, a maioria dos técnicos (S1, S3, S5, S6, S8, S9, S11) refere que “o objetivo primordial é o de proteção e segurança dos agregados nelas acolhidos” (S1); “Acolher temporariamente as mulheres vítimas de violência doméstica, acompanhadas ou não de filhos menores tendo em vista a sua segurança e proteção (…)” (S6); “Proporcionar todas as condições de segurança às mulheres e crianças vítimas de violência doméstica” (S5).

Outro objetivo, considerando importante pelos técnicos no acolhimento das mulheres vítimas de violência e dos seus filhos é a estabilização emocional – “O objetivo primordial é o de proteção (…) posteriormente estabilização emocional” (S1); “O objetivo funcional é acolhê-las (…) a estabilização emocional” (S3).

A reformulação do projeto de vida é outro dos objetivos a atingir, de acordo com técnicos. Após a entrada da vítima na instituição é traçado um plano com a intenção de apoiar a vítima no seu processo de autonomização e reconstrução da sua vida juntamente com os seus filhos menores. Assim segundo os técnicos “uma casa de abrigo tem como objetivo apoiar as vítimas na construção de um novo projeto de vida, bem como reconstrução de nova identidade como pessoa individual, bem como família” (S2); “auxiliando-as através de apoio e orientação no processo de mudança que desejam para as suas vidas” (S4); “assegurando-lhes o acompanhamento biopsicossocial e jurídico necessário a uma (re)construção ativa de novos projetos de vida pessoal e familiar, sem violência” (S7); “uma oportunidade para reconstruirem as suas vidas, através de um novo projeto de vida, incidindo nas competências pessoais e parentais (…)”; “Promover a autonomia (…) às mulheres vítimas de violência doméstica e seus descendentes acolhidos na instituição” (S11).

O acompanhamento referido pelos técnicos (S5, S7, S10) dentro da casa de abrigo, em que a mulher vítima de violência está inserida juntamente com os seus filhos é o que lhes vai dar alento para seguirem com as suas vidas – “assegurando-lhes o acompanhamento biopsicossocial e jurídico necessário a uma (re)construção ativa de novos projetos de vida pessoal e familiar, sem violência” (S7);“apoio psicossocial e jurídico para a construção de novos projetos de vida, sem violência” (S10).

 

Discussão e conclusão

As casas de abrigo são estruturas de acolhimento que têm como objetivo central o de manter em segurança as mulheres e seus filhos menores vítimas de violência. A qualidade dos serviços a prestar, as condições e o modo de funcionamento das casas de abrigo são aspetos regulamentados, mas existem algumas especificidades, só possíveis de constatar quando comunicámos com estas instituições. Os técnicos que trabalham em casa de abrigo poderão fornecer-nos importantes informações sobre as características estruturais, a população acolhida e o objetivo funcional de uma casa de abrigo. A possibilidade associarmos a essa análise, dados provenientes de várias estruturas congéneres, permite analisarmos divergências e convergências, que poderão ser úteis na hora de repensarmos modelos de funcionamento, estratégias, necessidades, objetivos e outros aspetos das estruturas analisadas.

Numa primeira análise denotámos haver ligeiras diferenças em termos das características estruturais. Algumas casas apresentam uma total partilha dos espaços e outras apresentam um modelo em “colmeia” em que existem espaços unifamiliares (quarto e casa de banho) e depois áreas de acesso comum (e.g., sala de convívio, sala de brincar, cozinha, dispensa, lavandaria, refeitório), além da zona dos técnicos. Outras diferenças estão relacionadas com as dimensões físicas dos espaços que poderão, por isso, propiciar a criação de áreas, por vezes inexistentes noutras casas (e.g., salas de estudo, sala de formação, quarto das máquinas, arrecadações e pátio exterior). Considerando o documento regulamentar do funcionamento das casas de abrigo, a estruturas analisadas parecem dispor dos espaços necessários e adequados ao número das utilizadoras e das crianças a acolher, garantido em termos estruturais as condições exigíveis para a garantia da qualidade da resposta social. Todavia, no respeita à capacidade de acolhimento, a lei refere que esta não deve exceder os 30 utentes, incluindo mulheres e os seus filhos menores e no estudo encontramos uma variação entre os 8 e os 45 utilizadores. Os 45 utilizadores correspondem apenas a uma casa de abrigo, as restantes cumprem os parâmetros estipulados por lei.

A população acolhida pela maioria das casas de abrigo deste estudo são mulheres e crianças. Dois técnicos pertencentes à mesma instituição referiram que esta acolhe mulheres e crianças, mas as crianças do sexo masculino devem ter idade inferior a 12 anos. De acordo com o artigo 2º do capítulo I, do decreto regulamentar nº1/2006, “as casas de abrigo são unidades residenciais destinadas a proporcionar acolhimento temporário a mulheres vítimas de violência, acompanhadas ou não dos seus filhos menores” (p. 594). A lei não refere qualquer distinção no que diz respeito à idade dos menores, supõe-se que se trata de um requisito definido pelo regulamento interno da Casa de Abrigo em questão.

Para os técnicos que realizam o seu trabalho em casa de abrigo, a segurança, proteção e estabilização emocional são uns dos principais objetivos da instituição aquando da entrada das vítimas na mesma. De acordo com o artigo 4º do capítulo I do decreto regulamentar nº1/2006 “as casas de abrigo constituem formas de apoio especialmente vocacionadas para a proteção de mulheres vítimas de violência (…) acolher temporariamente as utilizadoras e as crianças, tendo em vista a proteção da sua integridade física e psicológica” (p. 594). Assim, as casas de abrigo, enquanto estruturas de resposta social ao problema da violência doméstica, revestem-se de particular importância na estabilização emocional das vítimas que surgem fragilizadas física e psicologicamente, necessitando desse suporte dos técnicos. Sendo uma estrutura de apoio temporário importa conduzir esse apoio de modo a que se concretize, no período de tempo definido, o objetivo de autonomização e capacitação da pessoa para a utilização dos recursos pessoais e sociais que encontra disponíveis para a edificação de um projeto de vida sem violência.

Em Portugal, o número de casas de abrigo aumentou de forma significativa, mas está ainda aquém da capacidade de resposta necessária ao problema da violência no nosso país. Certamente que o alargamento das redes de acolhimento permitiria reduzir o tempo de espera dos utentes para integrar as instituições, embora tal pudesse iludir as estatísticas de combate ao fenómeno ao denunciar um maior número de vítimas a ser acolhidas. O objetivo último é, e será sempre, o combate um dos mais flagrantes fenómenos de vitimação e crime de violência doméstica.

 

Referências

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Ana Isabel Sani, Universidade Fernando Pessoa, Praça 9 de Abril, 349, 4249-004 Porto. E-mail: anasani@ufp.edu.pt

 

Submissão: 26/06/2014 Aceitação: 23/11/2014

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