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Análise Psicológica

Print version ISSN 0870-8231On-line version ISSN 1646-6020

Aná. Psicológica vol.37 no.2 Lisboa June 2019

https://doi.org/10.14417/ap.1524 

Frequência sexual e variabilidade da frequência cardíaca numa amostra não-clínica: Resultados preliminares

Sexual frequency and heart rate variability in a Portuguese non-clinical sample: Preliminary results

Sabrina Gomes1, Rui Miguel Costa2, Paula Mangia2, José Pestana1 Mafalda Pinto Coelho1, Catarina Correia1

1ISPA – Instituto Universitário, Lisboa, Portugal

2William James Center for Research, ISPA – Instituto Universitário, Lisboa, Portugal

Correspondência

 

RESUMO

Maior frequência coital tem-se associado a maior desvio padrão da frequência cardíaca, um parâmetro da variabilidade da frequência cardíaca (VFC) que pode expressar maior actividade simpática e parassimpática. No presente estudo examinaram-se associações de diversos parâmetros da VFC com a satisfação sexual e a frequência de vários comportamentos sexuais. Sessenta homens e 85 mulheres relataram a sua satisfação sexual com a respectiva subescala da LiSat (Life Satisfaction) scale e qual a frequência em dias no mês precedente de coito vaginal, sexo não coital e masturbação. Os parâmetros da VFC foram calculados a partir de cinco minutos de ECG em repouso (desvio padrão da frequência cardíaca, desvio padrão dos intervalos entre batidas cardíacas, potência de alta frequência, potência de baixa frequência e razão entre baixa e alta frequência). A frequência coital associou-se a maior desvio padrão da frequência cardíaca na amostra feminina, mas não na masculina. A frequência coital não se correlacionou com nenhum outro parâmetro da VFC. A satisfação sexual não se correlacionou com nenhum parâmetro da VFC. A frequência coital poderá ser facilitada por maior actividade parassimpática a par duma moderadamente elevada actividade simpática cardíaca.

Palavras-chave: Variabilidade da frequência cardíaca, Frequência sexual, Coito, Satisfação sexual, Sistema nervoso autónomo.

 

ABSTRACT

Greater vaginal intercourse frequency has been related to greater resting heart rate variability (HRV) as indicated by the standard deviation of the heart rate, which can express a combination of greater sympathetic and parasympathetic activity. The present study examined associations of several HRV parameters with sexual satisfaction and several sexual behaviours. Sixty men and 85 women reported their past month frequency of vaginal intercourse, noncoital sex, and masturbation, and completed the sexual satisfaction subscale of the LiSat (Life Satisfaction) scale. The HRV parameters were calculated from a five-minute recording period and include standard deviation of the heart rate, standard deviation of the NN intervals, low frequency power, high frequency power, and low to high frequency ratio. Vaginal intercourse frequency correlated with greater sexual satisfaction in both sexes, and with greater standard deviation of the heart rate in women. The other HRV parameters were uncorrelated with vaginal intercourse frequency. Sexual satisfaction was uncorrelated with all HRV parameters. Vaginal intercourse frequency might be facilitated by greater parasympathetic tone concomitant with a moderately greater tonic sympathetic activity.

Key words: Heart rate variability, Sexual frequency, Intercourse, Sexual satisfaction, Autonomic nervous system.

 

Introdução

A variabilidade da frequência cardíaca (VFC) refere-se ao grau de variação dos intervalos entre batidas cardíacas como resultado da acção do sistema nervoso autónomo. Uma extensa série de estudos transversais e longitudinais tem vindo a confirmar que maior VFC em repouso mediada pelo parassimpático se associa a diversos indicadores de saúde física e mental (Dekker et al., 1997; Kemp & Quintana, 2013; Masi, Hawkley, Rickett, & Cacciopo, 2007; O’Neal, Chen, Nazarian, & Soliman, 2016; Thayer & Lane, 2000, 2007; Thayer, Yamamoto, & Brosschot, 2010), incluindo indicadores de saúde sexual. Como tal, tem-se verificado que, em homens, maior VFC em repouso, exprimindo principalmente actividade do parassimpático, se associa com ausência de disfunção eréctil. Assim, num estudo que comparou 42 homens taiwaneses com disfunção eréctil sem causa orgânica identificada com 38 controlos entre os 40 e 69 anos, o grupo com disfunção eréctil apresentou menor VFC indicada por potência de alta frequência, a qual se correlacionou com a severidade da disfunção (Chen, Kuo, Tseng, & Yang, 2009). Num estudo que comparou 49 homens australianos com disfunção eréctil sem causa orgânica identificada com 50 controlos entre os 40 e 70 anos, o grupo com disfunção eréctil apresentou menor VFC indicada pela razão 30:15 (Stuckey et al., 2007). Num grupo de 59 jovens americanos sem queixas de disfunção eréctil (média de idades=21 anos), maior potência de alta frequência em repouso correlacionou-se com maior reposta eréctil a estímulos sexuais visuais (Harte, 2013). Um fenómeno semelhante parece acontecer em mulheres: num grupo feminino americano sem queixas de disfunção sexual de 72 participantes entre os 18 e os 39 anos, maior desvio padrão dos intervalos entre batidas cardíacas (ou intervalos NN) em repouso correlacionou-se com relatos de maior excitação durante a actividade sexual (Stanton, Lorenz, Pulverman, & Meston, 2015). Num estudo com outra amostra americana, desta vez de 33 mulheres sem queixas de disfunção sexual com idades entre os 18 e os 27, aumentos do desvio padrão dos intervalos NN durante a exposição a um estímulo visual emocionalmente neutro, gerados por uma sessão de treino autogénico, levaram posteriormente a maior excitação subjectiva em resposta a um estímulo sexual visual (Stanton & Meston, 2017). O desvio padrão dos intervalos NN exprime maior actividade parassimpática e/ou menor actividade simpática (de Oliveira, Alvarenga Mattos, da Silva, Rezende, & de Lima, 2013; Tuininga et al., 1995).

Uma explicação é que a maior capacidade de excitação sexual pode ser facilitada por um melhor funcionamento de processos cardiovasculares a que a VFC mediada pelo ramo parassimpático (ou expressando predominância do ramo parassimpático sobre o ramo simpático) em repouso se associa (Stuckey et al., 2007). Outra explicação (não mutuamente exclusiva) é que maior VFC em repouso reflecte maior facilidade na comunicação interpessoal de modo a permitir uma maior (e melhor) aproximação física e emocional, que poderá influir indirecta, mas beneficamente, na função sexual.

Esta última explicação parece congruente com vários estudos que demonstraram que a frequência de coito vaginal (ou frequência coital) se associa a maior VFC em repouso (Brody & Preut, 2003; Brody, Veit, & Rau, 2000; Costa & Brody, 2012a) em amostras não clínicas, pois maior facilidade em estabelecer uma comunicação íntima e maior vontade de aproximação a pessoas vistas como sexualmente atraentes muito plausivelmente facilita a frequência de actividade sexual. Contudo, a frequência coital tem-se correlacionado com maior desvio padrão da frequência cardíaca (Brody et al., 2000; Brody & Preut, 2003; Costa & Brody, 2012a), um parâmetro influenciado pelo simpático e pelo parassimpático (Moser et al., 1994), isto é, maior desvio padrão da frequência cardíaca pode reflectir maior actividade simpática e maior actividade parassimpática (Moser et al., 1994). Estes resultados foram obtidos num grupo maioritariamente britânico de 75 homens com média de idades de 26 anos (Costa & Brody, 2012a) e em dois grupos alemães de ambos os sexos: um com 51 participantes entre os 20 e os 47 anos (Brody et al., 2000), outro com 105 participantes entre os 19 e os 39 anos (Brody & Preut, 2003). Tanto quanto é do nosso conhecimento, apenas um único estudo mostrou que a frequência coital não se correlaciona com a potência de alta frequência (Costa & Brody, 2012a). Não há estudos a investigar uma possível relação entre frequência coital e DPNN. Suprir estas lacunas é um objectivo do presente estudo.

Também é plausível que maior VFC em repouso seja um resultado de maior satisfação sexual resultante de maior frequência coital; portanto, efeito e não causa de maior frequência coital. Tanto quanto saibamos, há apenas um estudo a mostrar que a satisfação sexual e a VFC em repouso (desvio padrão dos intervalos NN) não se correlacionam (Lorenz, Harte, & Meston, 2015). A exploração da relação da VFC em repouso com a satisfação sexual é outra lacuna que o presente estudo procura suprir.

Assim, é nosso objectivo examinar, separadamente para ambos os sexos, as relações de vários parâmetros da VFC em repouso com a satisfação sexual e a frequência de várias actividades sexuais, nomeadamente coital vaginal, sexo não coital e masturbação.

 

Método

 

Participantes

A amostra deste estudo foi constituída por 85 mulheres com idades entre os 18 e os 46 anos (M=23.93; DP=5.05) e 60 homens com idades entre os 18 e os 55 anos (M=24.28; DP=6.564). Os critérios de inclusão foram orientação heterossexual ou bissexual (pois há uma questão relativa à frequência de coito vaginal), sem problema de saúde ou medicações que podem interferir na função sexual e sem coabitação (pois a coabitação é um factor que pode influenciar grandemente a frequência sexual, independentemente de questões de personalidade e funcionamento do sistema nervoso). Trata-se duma amostra preliminar de um estudo que ainda está por concluir.

 

Procedimento

Antes de quaisquer procedimentos, o participante leu e assinou um consentimento informado onde é explicado todo o estudo e onde se assegura a confidencialidade e anonimato de todos os dados, dando a oportunidade ao participante de a qualquer momento poder abandonar a experiência sem algum prejuízo. Em troca da participação, foi oferecido um voucher no valor de 10€ ou créditos curriculares. Após a realização de um ECG em repouso, os participantes preencheram os questionários. O estudo teve a aprovação da Comissão de Ética local e foi publicitado através das pools de participantes, interna e externa, da universidade. O ECG foi realizado no laboratório de Psicologia da universidade pelos autores do estudo.

 

Medidas

Os dados demográficos incluem idade, profissão, habilitações literárias, estado civil, orientação sexual, estado de saúde (pergunta aberta), consumo de medicamentos e quais (pergunta aberta), existência de relacionamento e coabitação.

Para avaliar a frequência sexual, foram feitas três perguntas sobre frequência (em dias) no mês precedente em que ocorreu coito vaginal (frequência coital), masturbação, e sexo não coital (sem coito no mesmo dia, de modo a não incluir os preliminares) (Brody et al., 2000; Brody & Preut, 2003). A frequência de actividades sexuais medidas desta forma correlacionou-se com a frequência das mesmas, registada em diário (Brody & Preut, 2003).

A satisfação sexual foi avaliada pela escala respectiva da LiSat (Life Satisfaction) scale (Fugl-Meyer, Melin, & Fugl-Meyer, 2002), que consiste num só item cotado de 1 a 6 onde 1 corresponde a nada satisfeito e 6 a extremamente satisfeito. Esta escala tem sido frequentemente utilizada em investigação sobre funcionamento sexual, onde tem sido correlacionada positivamente com vários indicadores de melhor funcionamento sexual (Brody & Costa, 2009).

A frequência cardíaca foi medida com o sistema MP150 BIOPAC que utiliza o software AcqKnowledge 4.0 (BIOPAC Systems, Inc.). De modo a optimizar o ECG para o cálculo da VFC foram seguidas as linhas de orientação da BIOPAC Systems, Inc. A taxa de amostragem foi de 1,000 amostras por segundo. Aplicou-se um filtro passa-bandas entre 0.5 e 3.5 Hz com 8.000 coeficientes e utilizou-se a função correlação padrão. A seguir, criou-se um tacograma, isto é, a sequência dos intervalos de tempo entre batimentos cardíacos sucessivos. A inspecção visual do tacograma permitiu a eliminação de artefactos. Uma vez realizada esta tarefa, o tacograma foi analisado pelo programa HRV Analysis (http://kubios.uef.fi) e a partir dum tempo de gravação de cinco minutos foram calculados os domínios de tempo da VFC: desvio padrão da frequência cardíaca e desvio padrão dos intervalos entre batimentos cardíacos (intervalos NN), e os domínios de frequência da VFC através de modelagem auto-regressiva: potência de baixa frequência (.04 – .14 Hz), potência de alta frequência (0.15 – 0.40 Hz), e razão entre baixa e alta frequência; valores mais elevados neste último são comummente considerados indicativos de predominância do ramo simpático sobre o ramo parassimpático.

 

Análise estatística

Foram utilizadas correlações de Pearson para examinar as associações entre os parâmetros da VFC, a frequência de actividades sexuais e a satisfação sexual.

 

Resultados

As estatísticas descritivas são apresentadas na Tabela 1. As Tabelas 2 e 3 apresentam intercorrelações entre os parâmetros da VFC e a frequência cardíaca.

 

 

 

 

 

 

Como se pode ver na Tabela 4, maior frequência coital feminina correlacionou-se com maior desvio padrão da frequência cardíaca (r=0.22, p=.045). Também se verificou uma tendência não significativa para a maior frequência coital feminina se correlacionar com maior potência de alta frequência (r=0.19, p=.091). A frequência coital feminina não se correlacionou com o desvio padrão dos intervalos NN (r=.14, p=.202), nem com a potência de baixa frequência (r=.12, p=.287), nem com a razão entre baixa e alta frequência (r=-.01, p=.913). A satisfação sexual feminina não se correlacionou com nenhum parâmetro da VFC, mas correlacionou-se com a frequência coital (r=.61, p<.001).

 

 

Como se pode observar na Tabela 5, no grupo masculino, nem a satisfação sexual nem nenhum comportamento sexual se correlacionou com os parâmetros da VFC. As correlações da frequência coital com os parâmetros da VFC foram os seguintes; desvio padrão da frequência cardíaca: r=-.04, p=.796; desvio padrão dos intervalos NN: r=-.06, p=.664; potência de alta frequência: r=.02, p=.887; potência de baixa frequência: r=-.07, p=.552; razão entre baixa e alta frequência: r=-.03, p=.829. A satisfação sexual masculina correlacionou-se com a frequência coital (r=.68, p<.001).

 

 

Realizou-se uma regressão múltipla (método para trás) com a frequência coital como variável dependente e o desvio padrão da frequência cardíaca e a potência de alta frequência como variáveis independentes. O desvio padrão da frequência cardíaca foi o único preditor significativo (β=.22, p=.045) enquanto a potência de alta frequência perdeu a tendência para a significância que se verificou na correlação de ordem zero (β=.11, p=.366).

 

Discussão

No presente estudo foi possível confirmar que a frequência coital feminina se correlaciona com o desvio padrão da frequência cardíaca em repouso, ainda que com um efeito estatístico modesto. Isto é congruente com resultados previamente obtidos em homens (Costa & Brody, 2012a) e em amostras com ambos os sexos (Brody et al., 2000; Brody & Preut, 2003). Nenhum outro parâmetro de VFC se correlacionou com a frequência coital, o que é congruente com o que já havia sido observado previamente (Costa & Brody, 2012a). De acordo com investigação anterior, maior potência de alta frequência, maior desvio padrão dos intervalos NN e menor razão entre baixa e alta frequência parecem ser importantes para a excitação sexual (Chen et al., 2009; Dogru, Kocak, Erberk-Ozen, & Basar, 2008; Harte, 2013; Lee et al., 2011; Stanton et al., 2015; Stanton & Meston, 2017; Stuckey et al., 2007), mas o presente estudo vem confirmar que não parecem aumentar a probabilidade de contacto sexual com o sexo oposto. Tal parece ser mediado por maior desvio padrão da frequência cardíaca. Porque é este o parâmetro da VFC que consistentemente se associa com a frequência coital?

O desvio padrão da frequência cardíaca parece ser sensível, quer a maior actividade do sistema nervoso parassimpático na banda de alta frequência, quer a uma actividade moderadamente maior do sistema nervoso simpático (Moser et al., 1994). Uma maior predominância parassimpática em repouso, parece ser importante para a excitação sexual (Chen et al., 2009; Dogru et al., 2008; Harte, 2013; Lee et al., 2011; Stanton et al., 2015; Stanton & Meston, 2017; Stuckey et al., 2007) e para as competências sociais (Appelhans & Luecken, 2006; Beauchaine, 2001; Friedman, 2007; Porges, 1998; Quintana, Guastella, Outhred, Hickie, & Kemp, 2012; Thayer et al., 2009; Thayer & Lane, 2000). Todavia, para além de boas competências sociais e facilidade de excitação sexual mediadas por maior tónus parassimpático, uma maior frequência coital plausivelmente requererá também uma maior mobilização motora para a aproximação a potenciais parceiros ou parceiras sexuais e/ou maior receptividade, mobilização esta, mediada por um grau moderado de tónus simpático. Os resultados sugerem que esta dinâmica do sistema nervoso autónomo se expressa em maior desvio padrão da frequência cardíaca em repouso. O papel da actividade simpática na motivação sexual é confirmado por investigação revelando que estimulação moderada do sistema nervoso simpático pode facilitar os estágios iniciais da excitação sexual (Barlow, Sakheim, & Beck, 1983; Ende, Gertner, Hwang, & Kadi, 1989; Meston, 2000), o imaginário sexual (Dutton & Aron, 1974) e a atractividade de indivíduos do sexo oposto (Dutton & Aron, 1974; Meston & Frohlich, 2003), tudo isto a par da maior mobilização motora que o ramo simpático proporciona.

A potência de alta frequência apresentou uma tendência não significativa para se correlacionar com a frequência coital feminina, mas esta tendência desapareceu na regressão múltipla controlando o desvio padrão da frequência cardíaca, o que sugere que este parâmetro exprime as influências parassimpáticas que são relevantes para as competências sociais e excitação sexual a par de maior motivação e mobilização motora na aproximação a potenciais contactos sexuais, o que contribuirá para maior frequência coital.

Relativamente ao grupo masculino, não se verificaram correlações entre a frequência coital e o desvio padrão da frequência cardíaca, o que contradiz outros estudos que verificaram esta relação numa amostra masculina (Costa & Brody, 2012a) e em amostras de ambos os sexos (Brody et al., 2000; Brody & Preut, 2003). Talvez isto se possa explicar pelo facto de a frequência coital média assim como o desvio padrão da frequência coital nesta amostra terem sido mais baixas do que nos outros estudos e assim a ausência da variação na frequência coital pode ter interferido com a capacidade de detectar uma associação significativa. Enquanto o desvio padrão da frequência coital do presente estudo rondou os 4.50 dias do mês passado, o desvio padrão dos estudos que revelaram associações entre a frequência coital e o desvio padrão da frequência cardíaca variaram entre cerca de 6.50 e 7.50 (Brody et al., 2000; Brody & Preut, 2003; Costa & Brody, 2012a).

Outra explicação para a ausência de resultados significativos na amostra masculina reside em que talvez o desvio padrão da frequência cardíaca em homens tenha exprimido uma maior predominância simpática e não uma dinâmica mais equilibrada entre ambos os ramos. Esta interpretação baseia-se em que, enquanto nas mulheres não houve correlação entre frequência cardíaca e desvio padrão da frequência cardíaca, nos homens houve uma tendência para o desvio padrão se correlacionar directamente com a frequência cardíaca.

Maior frequência coital associa-se a maior satisfação sexual (Brody & Costa, 2009; Costa & Brody, 2012b; Higgins, Mullinax, Trussell, Davidson, & Moore, 2011; Philippson & Hartmann, 2009; Tao & Brody, 2011; Weiss & Brody, 2011), o que se confirmou no presente estudo em ambos os sexos. Pusemos a hipótese de que a frequência coital aumentando a satisfação sexual, por este meio aumentaria a VFC em repouso como reflexo do bem-estar proporcionado. Contudo, os resultados não apoiam esta hipótese: a satisfação não se associou a nenhum parâmetro da VFC, o que está em acordo com um outro estudo que não verificou relação entre VFC em repouso e satisfação num grupo feminino (Lorenz et al., 2015). Todavia, não é possível excluir que a actividade coital tenha efeitos no tónus parassimpático que não directamente pelo sentimento de satisfação, tais como o aumento do tónus parassimpático em mulheres devido à estimulação do nervo vago durante a penetração vaginal (Costa & Brody, 2012a, 2015).

É de notar que, em estudos anteriores, o grau de importância pessoal dada ao coito vaginal e o orgasmo através do coito vaginal também se correlacionaram com maior desvio padrão da frequência cardíaca em repouso (Brody & Preut, 2003; Costa & Brody, 2012a). Tendo em conta que a VFC em repouso se associa a melhor saúde e coping mais adaptativo (Appelhans & Luecken, 2006; Dekker et al., 1997; Kemp & Quintana, 2013; Masi et al., 2007; O’Neal et al., 2016; Thayer et al., 2010; Thayer & Lane, 2000; 2007), é possível que o desvio padrão da frequência cardíaca seja um mecanismo explicativo da relação entre saúde e coping adaptativo, por um lado, e frequência e prazer coital, por outro (Brody, 2010; Costa & Brody, 2012a,b, 2013; Ebrahim et al., 2002; Herbenick et al., 2010; Palmore, 1982; Weiss & Brody, 2011). A investigação futura poderá debruçar-se sobre esta questão. Assim terapêuticas que visem aumentar a o desvio padrão da frequência cardíaca poderão ter efeitos benéficos na função sexual a par de um bem-estar geral. Tais terapias poderão incluir biofeedback da VFC (Francis, Fisher, Rushby, & McDonald, 2016; van der Zwan, de Vente, Huizink, Bogels, & de Bruin, 2015), treino autogénico (Mitani, Fujita, Sakamoto, & Shirakawa, 2006; Stanton & Meston, 2017), mindfulness (Azam et al., 2015; van der Zwan et al., 2015), exercício físico (Beuchaine, 2001; Thayer & Lane, 2007; van der Zwan et al., 2015), massagem terapêutica (Zangrando et al., 2017) e exercícios de respiração lenta (Mejía-Mejía, Torres, & Restrepo, 2017; Van Diest et al., 2014). Pelo menos o treino autogénico já demonstrou ser eficaz a aumentar a excitação sexual feminina, aumento este mediado por aumento da VFC em repouso (Stanton & Meston, 2017).

As limitações do estudo são o facto de ter sido uma amostra de conveniência, com uma média de idades jovem, maioritariamente constituída por estudantes universitários e com uma grande percentagem sem parceiro sexual regular. Para além disso, a frequência coital reportada foi bastante baixa e as durações dos relacionamentos curtas. A este respeito, é de notar que estudos recentes com amostras representativas nos Estados Unidos e na Alemanha mostraram que a frequência de relações sexuais tem vindo a decrescer nas últimas duas décadas (Beutel et al., 2018; Twenge, Sherman, & Wells, 2017a,b), o que poderá tornar a investigação em terapias para aumento da VFC cada vez mais importante.

Em conclusão, os resultados confirmam estudos prévios que mostram o desvio padrão da frequência cardíaca é o parâmetro da VFC que consistentemente se relaciona com a frequência coital.

 

Referências

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CORRESPONDÊNCIA

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Rui Miguel Costa, William James Center for Research, ISPA – Instituto Universitário, Rua Jardim do Tabaco, 34, 1149-041 Lisboa, Portugal. E-mail: RCosta@ispa.pt

 

Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (bolsa FRH/BPD/76130/2011).

William James Center for Research, ISPA – Instituto Universitário, é financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (Ref. UID/PSI/04810/2013).

 

Submissão: 15/01/2018 Aceitação: 04/07/2018

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