SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.29 número1Qualidade do ar interior em estabelecimentos da restauração após a entrada em vigor da lei portuguesa de controlo do tabagismoImpacto do cancro do osso e tecidos moles no ajustamento emocional e qualidade de vida índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0870-9025

Rev. Port. Sau. Pub. v.29 n.1 Lisboa jan. 2011

 

Epidemiologia de Trichomonas vaginalis em mulheres

 

Maria José Alvesa, Rita Oliveirab, Jorge Balteiroc, Agostinho Cruzb

aLaboratório de Patologia Clínica, Centro Hospitalar de Trás–os–Montes e Alto Douro – E.P.E – Unidade de Chaves, Chaves, Portugal. Escola Superior de Saúde de Bragança, Instituto Politécnico de Bragança, Bragança, Portugal. mjose@serviconta.com.pt

bEscola Superior de Tecnologia de Saúde do Porto, Instituto Politécnico do Porto, Porto, Portugal

cEscola Superior de Tecnologia de Saúde de Coimbra, Instituto Politécnico de Coimbra, Coimbra, Portugal

 

Resumo

Introdução: A tricomoniose é uma das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) não viral mais comum em todo mundo, com uma incidência anual superior a 180 milhões de casos. A Organização Mundial de Saúde estimou que esta infecção explica quase 50 % de todas as DSTs com cura em todo o mundo. Em Portugal poucos têm sido os trabalhos de carácter epidemiológico realizados sobre parasitose. Assim, o objectivo deste estudo consistiu em determinar a prevalência da T. vaginalis em mulheres que frequentam a consulta de planeamento familiar nos CSN.º1 CSN.º2 e Hospital em Chaves, e estabelecer uma possível associação desta parasitose com as características sociodemográficas, a sintomatologia, o comportamento sexual e o tratamento anterior deste tipo de parasitoses, através da resposta a um inquérito. Material e métodos: Foi recolhida uma amostra de exsudado vaginal em 288 mulheres sintomáticas / assintomáticas para pesquisa de T. vaginalis recorrendo ao exame directo e cultural. Resultados: Das 288 mulheres que aderiram ao estudo 11 (3,8 %) encontravam–se com tricomoniose. Variáveis como a idade, estado civil, grau de escolaridade, uso de contracepção, não apresentaram resultados estatisticamente significativos relativamente ao número de casos positivos. De entre os casos positivos apenas 54, 5 % das mulheres eram sintomáticas sendo as restantes 45,5 % assintomáticas. Uma associação estatisticamente significativa foi encontrada entre tricomoniose e múltiplos parceiros sexuais. Conclusão: Em suma, há necessidade de se seguirem outros estudos com o intuito de reavaliar o quadro actual desta parasitose em Portugal. Finalmente parece fundamental informar a população acerca dos elevados casos assintomáticos desta parasitose, bem com das consequências que desta podem advir.

Palavras Chave: Tricomonas vaginalis. Epidemiologia. Prevalência. Parasitose.

 

Epidemiology of Trichomonas vaginalis in women

Abstract

Introduction: Tricomoniose is one of the most common not viral Sexually Transmitted Diseases (STDs) in the whole world, with an annual incidence superior to 180 million cases. The World Health Organization estimated that this infection explains almost 50 % of all the curable STDs in the whole world. In Portugal few epidemiologic studies have been carried out on parasitosis. Thus, the objective of this study consisted on determining the prevalence of the T. vagianlis in women who attended the consultation of family planning in the CS N.º1 CS N.º2 and the Hospital in Chaves, and on establishing a possible association of this parasatism with sociodemographic characteristics, symptomatology, sexual behaviour and previous treatment of parasitosis, through the reply to an inquiry. Materials and methods: A sample of vaginal smears was collected in 288 symptomatic and asymptomatic women for research of T. vaginalis appealing to the direct and cultural examination. Results: Of the 288 women who adhered to the study, 11 (3,8 %) were found to have tricomoniose. Variables such as age, marital status, degree of education, use of contraceptive, do not present significant statistical results relatively to the number of positive cases. Among positive cases only 54, 5 % of the women were symptomatic being the remaining 45,5 % asymptomatic. A statistical significant association was found between tricomoniose and multiple sexual partners. Conclusion: In result, there is a need for further studies with the intention to reevaluate the current picture of this parasitosis in Portugal. Finally it seems to be of the utmost importance to inform the population about the high number of asymptomatic cases of parasitosis, as well as about the consequences that may arise from that fact.

Keywords: Tricomonas vaginalis. Epidemiology. Prevalence. Parasatism.

 

Introdução

A tricomoniose é uma das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) não viral mais comum em todo mundo, com uma incidência anual superior a 180 milhões de casos; sendo nos Estados Unidos da América (EUA) a sua incidência estimada em 7,4 milhões de casos por ano 1. A Organização Mundial de Saúde estimou que esta infecção explica quase 50 % de todas as DSTs com cura em todo o mundo 2.

Em populações não consideradas de risco a prevalência pode variar até 5 % em países como Espanha 3, Viena de Áustria 4, Brasil 5, EUA 6 e a Nova Zelândia 7, até valores da ordem dos 12,9 % em mulheres de zonas rurais da China 8 e 16,1 % em mulheres do Norte da Austrália 9.

Epidemiologicamente a infecção por T. vaginalis geralmente está associada com outras DSTs e é um marcador de comportamento sexual de risco 10; como tal a maioria dos estudos são efectuados em populações consideradas de risco como prostitutas 11-13, toxicodependentes 14, reclusas com comportamentos sexuais de risco 15, populações com baixo nível sócio económico 16 e mulheres com HIV 17,18.

Que seja do nosso conhecimento poucos têm sido os estudos epidemiológicos realizados acerca desta temática em Portugal, um dos quais apresenta taxas de prevalência de tricomoniose de 31,2 % mas numa população considerada de risco (reclusas com comportamentos sexuais de risco e outras DSTs), não existindo nenhuma investigação acerca da prevalência desta infecção na população em geral 15.

A incidência desta parasitose depende de vários factores como a idade, actividade sexual, número de parceiros sexuais, outras DSTs, fase do ciclo menstrual, método de diagnóstico, condições sócio-económicas, uso de contracepção, raça, tipo de amostra, entre outros 19.

A prevalência elevada associada a graves complicações de saúde que a tricomoniose pode provocar como a transmissão do Vírus de Imunodeficiência Humana (HIV) 20 causa de baixo peso em bebés, nascimentos prematuros 21, doença inflamatória pélvica atípica 22, neoplasia cervical 23 e infertilidade 24, bem como a percentagem elevada de casos assintomáticos e a baixa sensibilidade dos testes usados no diagnóstico desta parasitose traduzem necessidade da compreensão do perfil epidemiológico na população em geral. Deste modo, é importante a realização de estudos em populações não consideradas de risco para existir uma ideia acerca da prevalência desta parasitose em Portugal.

Assim, o objectivo deste estudo consistiu em determinar a prevalência da T. vaginalis em mulheres que frequentam a consulta de planeamento familiar nos CSN.º1, CSN.º2 e Hospital em Chaves, e estabelecer uma possível associação desta parasitose com características sociodemográficas, sintomatologia, comportamento sexual e tratamento anterior desta parasitose.

 

Material e métodos

Tipo de estudo

Foi realizado um estudo transversal, analítico que decorreu de Fevereiro a Julho de 2005 na cidade de Chaves.

População em estudo e amostra

População em estudo

Mulheres que frequentavam a consulta de planeamento familiar entre Fevereiro e Julho de 2005 nos Centros de Saúde N.º 1, Cento de Saúde N.º 2 e Hospital Distrital de Chaves, na cidade de Chaves.

Amostra estudada

Foram sujeitas a diagnóstico 288 mulheres com idades compreendidas entre 17 e os 60 anos, sintomáticas e assintomáticas (Centro de Saúde N.º1: n = 190; Cento de Saúde N.º 2: n = 49; Hospital Distrital de Chaves: n = 49).

Fase preparatória

Para a realização do estudo foi necessário pedir autorização (anexo I) ao director do CSN.º1, CSN.º2 e Hospital. A todas as pacientes foi pedido o consentimento informado para participar no estudo, sendo aplicado um inquérito.

Inquérito

Foi aplicado pelos clínicos um questionário de resposta fechada, com a excepção das variáveis: grau de escolaridade, idade e estado civil, anónimo, onde se definiam as variáveis:

— Idade (expressa nas classes:17-30,31-40,41-50,51-60);

— Grau de escolaridade; Ensino básico, Ensino secundário, Ensino Politécnico/Universitário;

— Estado civil;

— Relações sexuais com frequência;

— Sintomatologia;

— Corrimento vaginal, corrimento abundante amarelo esverdeado, odor, vulvovaginite, prurido, dor durante o acto sexual, disúria, febre;

— N.º de parceiros sexuais;

— Uso de preservativo;

— Uso de DIU;

— Toma anterior de medicamentos para corrimento vaginal: Metronidazol, Fluconazol, Tinidazol, anti-inflamatórios, cremes, outros;

— Tratamento do parceiro sexual;

— Gravidez.

Recolha e processamento das amostras

As colheitas dos exsudados vaginais foram recolhidos pelos médicos depois da inserção do espéculo utilizando uma zaragatoa estéril. Esta foi inoculadas em meio de Stuart a 37 °C, seguido de exame directo e cultura em meio TYM 25 e incubadas a 37 °C. Após 24 horas e diariamente, durante 6 dias após a sementeira, foi feita novo exame microscópico 3,26. Todas as mulheres responderam a um inquérito apresentado pelo clínico.

Métodos estatísticos

A estratégia para o tratamento estatístico passa pela verificação da associação das variáveis descritas pelo método de independência do Qui-Quadrado ou pelo teste de Fisher, tendo-se adoptado o nível de significância de 0,05. Para o efeito utilizou-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 11.5.

 

Resultados

Frequência de tricomoniose

Das 288 mulheres que aderiram ao estudo encontravam-se com tricomoniose 11 (3,8 %). Dos casos positivos obtidos foram detectados 6 (55 %) no CSN.º1, 3 (27 %) no Hospital e apenas 2 (18 %) no CSN.º2. Não existe significado estatístico entre o número de casos positivos e os locais de recolha de amostras sendo o p = 0,624.

Idade

A média de idades na totalidade da população foi de 40,4 ± 10,3 anos com a amplitude entre os 17 e os 60 anos. Relativamente às mulheres parasitadas a média foi de 41,4 ± 7,6. Não foi observada qualquer relação estatisticamente significativa entre o número de mulheres parasitadas e a faixa etária (p = 0,554) (tabela 1).

 

Tabela 1 – Distribuição etária das mulheres parasitadas

 

Estado civil

Na tabela 2 é apresentada a distribuição das mulheres parasitadas relativamente ao estado civil. No que respeita ao estado civil (tabela 2) 8 (3,4 %) eram casadas, as restantes eram solteiras e viúvas não existindo nenhuma divorciada. Pela observação de p = 0,713 é visível a ausência de significado estatístico entre os casos positivos e o estado civil.

 

Tabela 2 - Estado civil das mulheres parasitadas

 

Grau de escolaridade

No que respeita à variável "grau de escolaridade" (tabela 3), 75,8 % das mulheres apresentavam apenas a escolaridade mínima obrigatória da totalidade da amostra. Somente 8,7 % tinham grau académico superior. Relativamente às parasitadas verifica-se a mesma distribuição semelhante à amostra em geral, com p = 0,363.

 

Tabela 3 – Grau de escolaridade das mulheres parasitadas

 

Sintomatologia

De entre os casos positivos apenas 54,5 % das mulheres eram sintomáticas sendo as restantes 45,5 % assintomáticas, contudo não se observaram diferenças estatisticamente significativas entre sintomatologia e número de casos positivos (Fisher; p = 0,217).

As mulheres com corrimento aparentemente apresentavam maior probabilidade (6,6 %) de ter tricomoniose relativamente às restantes (2,2 %), no entanto sendo o valor de (Fisher; p = 0,60), não há significado estatístico (tabela 4).

 

Tabela 4 - Sintomatologia das mulheres parasitadas

 

Dos 11 casos positivos apenas 3 (27,3 %) tinham corrimento abundante amarelo esverdeado (tabela 5) característico de infecção por T. vaginalis. As mulheres com este corrimento vaginal característico apresentavam uma probabilidade cerca de 3 vezes maior de terem tricomoniose relativamente aos restantes casos, no entanto não há significado estatístico com p = 0,073.

 

Tabela 5 – Comportamento sexual das mulheres parasitadas

 

Variáveis como o prurido, odor, disúria, vulvovaginite, dor, febre não apresentaram relação estatisticamente significativa com o número de casos positivos (p > 0,05) Tabela 4.

Comportamento sexual

No que diz respeito ao comportamento sexual da população (tabela 5) em geral trata-se de uma população na maioria sexualmente activa 214 (74,3 %). Não há significado estatístico entre o número de casos positivos e ter relações sexuais com frequência (p = 0,409). Mulheres com mais que um parceiro sexual (27,3 %) demonstraram um risco de cerca de 17 vezes superior de ter tricomoniose relativamente às mulheres com um só parceiro sexual (Fisher; p = 0,003). Variáveis como o uso de DIU e preservativo não apresentaram relação estatisticamente significativa com o número de casos positivos (p > 0,05) (tabela 5).

Histórico do tratamento para o corrimento vaginal

Dos casos positivos 54,5 % das mulheres já tinham sido medicadas para o corrimento vaginal, destas 18,2 % tinham sido medicadas com Metronidazol no passado (tabela 6). O uso de cremes vaginais parece predispor as mulheres a um risco cerca de 4 vezes superior relativamente às mulheres que não usam cremes vaginais (Fisher; p = 0,055), isto é o uso de creme poderá promover infecção por T. vaginalis nas mulheres (tabela 6).

 

Tabela 6 – Histórico do tratamento para o corrimento vaginal

 

Discussão

Pelo facto de a tricomoniose ser uma Doença Sexualmente Transmitida (DST) facilmente diagnosticada e tratada, recebeu pouco ênfase dos programas de controlo de doenças sexualmente transmissíveis em Saúde Pública. Contudo, o aparecimento de taxas de prevalência elevada, a associação da tricomoniose com resultados adversos na gravidez e com a transmissão do vírus HIV tem levado a uma reunião de esforços no controlo da infecção 27.

Praticamente todos os estudos que são realizados acerca da prevalência desta infecção utilizam populações muito dispersas e com sintomatologia ou outras DSTs. Acresce ao problema o facto de serem usadas diferentes metodologias com oscilantes graus de sensibilidade no diagnóstico da tricomoniose. Desta forma, ao fazer uma revisão epidemiológica desta parasitose a nível mundial é encontrada uma amplitude excessiva na prevalência desta infecção. Alguns estudos podem ser agrupados, outros há, que não seguem nenhum padrão específico sendo assim muito difícil retirar elações sobre a prevalência nos diferentes países.

No presente trabalho, em 288 mulheres submetidas a diagnóstico foram detectados 11 casos positivos (3,8 %) o que concede uma prevalência mais elevada que a descrita por outros autores para Espanha 3, EUA 28, Nova Zelândia 7, Brasil 5, Tanzânia 29, Nigéria 30, Arábia Saudita 31, mas inferior à encontrada noutros estudos como o Brasil 32, Estados Unidos América 33,34, Reino Unido 35, Austrália 9,36, Egipto 37, Turquia 38, entre outros.

De todos os estudos referidos anteriormente só alguns deles recorrem ao exame directo e ao exame cultural; um desses estudos foi realizado em Madrid (Espanha) em mulheres que frequentavam a consulta de planeamento familiar nos Centros de Saúde onde foi detectada uma prevalência de 1,2 %. Esta baixa prevalência relativamente ao estudo actual poderá ser devida ao melhoramento do acesso regular aos cuidados de saúde o que demonstra um melhoramento no controlo das DSTs em Espanha, tal como os autores referem 3.

Nos Estados Unidos, Swygard e seus colaboradores 39 recorrendo às duas metodologias de diagnóstico tal como no presente estudo demonstraram uma prevalência de 17,5 % em mulheres que consultaram clínicas para pesquisa de DSTs. Esta diferença de prevalência com o presente estudo poderá ser devida ao tipo de população estudada já que os autores recorreram apenas a mulheres que acederam a clínicas para tratamento de DSTs, enquanto no estudo actual a amostragem foi seleccionada aleatoriamente de entre as mulheres que recorreram às consultas de planeamento familiar (sintomáticas e assintomáticas).

Ao contrário de outras DSTs, que apresentam prevalências elevadas entre adolescentes e jovens, as taxas de tricomoniose são distribuídas uniformemente entre mulheres sexualmente activas de todos os grupos etários 10,40,41. Em concordância com o referido, a associação dos casos positivos à idade não é significativa (p = 0,554). Em contraste com o presente trabalho, alguns autores observaram que a tricomoniose é mais frequente em mulheres mais novas 42,43, ou que aumentava com a idade 6.

No que respeita ao estado civil, autores como Mason e seus colaboradores 42 e Arambulo e seus colaboradores 44 observaram maior prevalência em viúvas, divorciadas e solteiras que em casadas. No entanto, como mencionado na Tabela 2 não há relação estatística entre o estado civil e as mulheres com tricomoniose, dado observado por outros autores 40,41.

Mahdi e seus colaboradores 41 no Iraque demonstraram que os casos positivos se distribuem uniformemente pelos diferentes graus de escolaridade, dado concordante com os resultados obtidos no presente estudo (p = 0,363).

Já Petrin e seus colaboradores 19 observaram que das mulheres infectadas, entre 25 e 50 % eram assintomáticas, com pH e flora vaginal normal. Também no presente estudo a taxa de mulheres assintomáticas é elevada 45,5 %, tal como em estudos recentes que corroboram com uma percentagem de casos assintomáticos elevados 66,7 % 3, 34,9 % 15, 50,4 % 13. Assim, recorrendo à sintomatologia seriam diagnosticadas aproximadamente metade da totalidade das mulheres com infecção.

As mulheres com corrimento aparentemente apresentam maior probabilidade (6,6 %) de ter tricomoniose relativamente às restantes (2,2 %), no entanto sendo o valor de (p = 0,106), não existe significado estatístico. Outros estudos contrariam esta ausência de significado estatístico entre o corrimento vaginal e os casos positivos 31,40,42,45, no entanto Barrio e seus colaboradores 3 detectaram de entre as mulheres infectadas apenas 22,2 % com corrimento vaginal.

Das mulheres que apresentavam corrimento apenas 27,3 % tinha corrimento amarelo esverdeado que durante muito tempo foi usado para fazer diagnóstico de certeza acerca da infecção por T. vaginalis. Outros estudos demonstram esta baixa prevalência 40,46.

Outras variáveis relativas à sintomatologia como prurido, odor, disúria, vulvovaginite, dor durante o acto sexual não apresentaram relação estatisticamente significativa com o número de casos positivos sendo o p > 0,05. Outros estudos corroboram com o referido anteriormente 3,31,44.

Estes dados reforçam a percepção de que a sintomatologia que durante anos foi a base para o diagnóstico da tricomoniose, actualmente não deve ser usada isoladamente para fazer diagnósticos. Se das 288 mulheres que fazem parte do estudo fossem apenas recrutadas as sintomáticas teríamos detectado apenas 6 casos dos 11 positivos. As mulheres embora assintomáticas continuariam a ser um foco de infecção. Deve ser referido que o uso da sintomatologia para fazer o diagnóstico da tricomoniose ainda continua a ser usado no nosso país. Nos locais onde foi feita a colheita o diagnóstico ainda é efectuado com base na sintomatologia visto os centros de saúde não apresentarem meios complementares de diagnóstico imediatos e gratuitos, sendo as doentes obrigadas a recorrer a laboratórios privados, apenas quando sintomáticas.

Sendo a tricomoniose uma infecção cuja principal forma de transmissão é venérea, as mulheres com mais que um parceiro sexual apresentam um risco de cerca de 17 vezes superior relativamente às mulheres com parceiro único (p = 0,003). Esta relação estatisticamente significativa entre as mulheres com tricomoniose e parceiros sexuais múltiplos é visível em outros estudos 16,42,47. Outros autores referem a ausência de significado estatístico entre o número de parceiros e os casos positivos 15,40.

O uso de métodos anticoncepcionais como o preservativo (p = 0,672) e o DIU (p = 0,735) não apresentam nenhum significado estatístico com o número de casos positivos. Outros estudos são concordantes com os dados previamente referidos 15,44,47,48.

Pelo facto de a sintomatologia desta parasitose ser facilmente confundida com outras DSTs, muitas vezes baseados apenas na sintomatologia os clínicos medicam sem diagnóstico laboratorial. Este acto poderá explicar a taxa de 54,6 % de mulheres medicadas para o corrimento vaginal anteriormente e actualmente com tricomoniose. Destas, 18,3 % já tinham sido medicadas com Metronidazol no passado, no entanto não é claro se estas já apresentavam um histórico de T. vaginalis. Esta ausência de informação não permite pensar em possíveis reinfecções.

O uso de cremes vaginais parece predispor as mulheres a um risco cerca de 4 vezes maior relativamente às mulheres que não usaram cremes vaginais para cura do corrimento vaginal (p = 0,055). Mbizvo e seus colaboradores 49 demonstraram que as mulheres que usavam "cleansing e herbs" intravaginais tinham maior probabilidade de ter vaginose. Sendo a tricomoniose uma das principais causas de vaginose, poderá existir alguma associação entre estes factores. Uma hipótese a explorar em estudos futuros poderá traduzir-se no facto de os cremes matarem a flora normal facilitando a proliferação da T. vaginalis, no entanto outros estudos terão que ser efectuados para se poderem tirar elações acerca deste resultado.

De entre as não parasitadas a taxa de mulheres (13 %) que tomaram no passado Metronidazol para o corrimento vaginal, pode por um lado, explicar a baixa prevalência relativamente a outros trabalhos, por outro lado partindo do pressuposto que o Metronidazol em situações de corrimento vaginal só é usado para tratamento de tricomoniose demonstra a existência de uma taxa de tricomoniose elevada no passado.

Embora existam alguns estudos publicados acerca da prevalência da tricomoniose em outros países 3,5,7,28-31,38 em Portugal e que seja do nosso conhecimento, poucos têm sido os estudos epidemiológicos publicados relativamente a esta temática nos últimos anos 15. Este facto dificulta a avaliação da evolução da prevalência desta parasitose no nosso país. Tratando-se de um estudo cuja amostragem é pequena e de uma área geográfica restrita há que ser cauteloso nas extrapolações que poderão ser feitas. No sentido de obter dados com grau superior de validade acerca da temática em causa dever-se-ia seleccionar uma amostra mais numerosa e mais abrangente a nível etário e a nível sócio económico, bem como a outras áreas geográficas. Embora a prevalência determinada neste estudo não seja alarmante, pode-se concluir a partir dos resultados obtidos, que existem mulheres contaminadas completamente assintomáticas que funcionam como focos de infecção, que só foram diagnosticadas através do exame laboratorial. Assim, o diagnóstico laboratorial é essencial, sendo por isso necessário recorrer a metodologias laboratoriais de elevada sensibilidade.

Por outro lado tornam-se urgentes programas de rastreio efectuados em paralelo com os programas implantados para outras infecções como a Chlamydia na população em geral para diagnóstico da tricomoniose visto que segundo os dados resultantes deste trabalho, esta não é restrita a determinados grupos populacionais; por outro lado é imperativo diminuir a taxa de casos assintomáticos.

Em suma, é necessário olhar para a tricomoniose como uma DSTs com alguma importância de entre as outras DSTs e através de outros estudos à posterior perceber qual o seu impacto a nível Nacional com o intuito de tomar medidas no sentido de diminuir ou mesmo eliminar esta parasitose.

Este estudo representa apenas um contributo salientando a necessidade de outros estudos se seguirem com o intuito de reavaliar o quadro actual desta parasitose em Portugal, procurando identificar possíveis causas e focos de contaminação.

Mantêm-se ainda algumas questões em aberto quanto à sensibilidade da metodologia usada rotineiramente no diagnóstico laboratorial, diagnóstico tendo por base apenas a sintomatologia. Adicionalmente será importante compreender se o tratamento com metronidazol aplicado actualmente apresenta falhas podendo levar a reinfecções e se na prática comum o tratamento dos parceiros sexuais é sempre respeitado.

Finalmente parece fundamental informar a população, particularmente os clínicos, acerca dos elevados casos assintomáticos desta parasitose, bem como das consequências que desta podem advir.

 

Bibliografía

1. Weinstock H, Berman S, Cates W. Sexually transmitted diseases among American youth: incidence and prevalence estimates. Perspect Sex Reprod Health. 2004;36:6–10.         [ Links ]

2. Cates W Jr. ; American Social Health Association Panel. Estimates of the incidence and prevalence of sexually transmitted diseases in the United States. Sex Transm Dis. 1999;26(4Suppl):S2–S7.         [ Links ]

3. Barrio AG, Ruiz JN, Pereira DM, Gallego ER, Fernandez ER, Escario JA. Biological variability in clinical isolates of Trichomonas vaginalis. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2002;97:893–96.         [ Links ]

4. Stary A, Kuchinka–Koch A, Teodorowicz L. Detection of Trichomonas vaginalis on modified Columbia agar in the routine laboratory. J Clin Microbiol. 2002;40:3277–80.         [ Links ]

5. Andrea N, Ansell J. Management of thrombosis in the cancer patient. J Support Oncol. 2003;1:235–44.         [ Links ]

6. Miller WC, Swygard H, Hobbs MM, Ford CA, Handcock MS, Morris M, et al. The prevalence of trichomoniasis in young adults in the United States. Sex Transm Dis. 2005;32):593–98.         [ Links ]

7. Lo M, Reid M, Brokenshire M. Epidemiological features of women with trichomoniasis in Auckland sexual health clinics: 1998–99. N Z Med J. 2002;115:U119.         [ Links ]

8. Zhang T, Yang WF, Ni ZZ, Li F, Sun CT, Jin H, et al. Analysis on the relative factors of trichomonal vaginitis in married childbearing age women in rural impoverished area. Sichuan Da Xue Xue Bao Yi Xue Ban. 2005;36:101–4.         [ Links ]

9. Garrow SC, Smith DW, Harnett GB. The diagnosis of chlamydia, gonorrhoea, and trichomonas infections by self obtained low vaginal swabs, in remote northern Australian clinical practice. Sex Transm Infect. 2002;78:278–81.         [ Links ]

10. Lossick JG. Epidemiology of urogenital trichomoniasis. Em: Honigberg BM, editor. Trichomonads parasitic in humans. Nova Iorque, NY: Springer–Verlag; 1989. p. 311–22.         [ Links ]

11. Chen XS, Yin YP, Liang GJ, Gong XD, Li HS, Poumerol G, et al. Sexually transmitted infections among female sex workers in Yunnan, China. AIDS Patient Care STDS. 2005;19:853–60.         [ Links ]

12. Lee DM, Binger A, Hocking J, Fairley CK. The incidence of sexually transmitted infections among frequently screened sex workers in a decriminalised and regulated system in Melbourne. Sex Transm Infect. 2005;81:434–6.         [ Links ]

13. Nessa K, Waris SA, Alam A, Huq M, Nahar S, Chawdhury FA, et al. Sexually transmitted infections among brothel–based sex workers in Bangladesh: high prevalence of asymptomatic infection. Sex Transm Dis. 2005;32:13–9.         [ Links ]

14. Plitt SS, Garfein RS, Gaydos CA, Strathdee SA, Sherman SG, Taha TE. Prevalence and correlates of chlamydia trachomatis, neisseria gonorrhoeae, Trichomonas vaginalis infections, and bacterial vaginosis among a cohort of young injection drug users in Baltimore, Maryland. Sex Transm Dis. 2005;32:446–53.         [ Links ]

15. Garcia A, Exposto F, Prieto E, Lopes M, Duarte A, Correia da Silva R. Association of Trichomonas vaginalis with sociodemographic factors and other STDs among female inmates in Lisbon. Int J STD AIDS. 2004;15:615–8.         [ Links ]

16. Crosby R, DiClemente RJ, Wingood GM, Harrington K, Davies SL, Hook EW 3rd, et al. Predictors of infection with Trichomonas vaginalis: a prospective study of low income African–American adolescent females. Sex Transm Infect. 2002;78:360–4.         [ Links ]

17. Magnus M, Clark R, Myers L, Farley T, Kissinger PJ. Trichomonas vaginalis among HIV–Infected women: are immune status or protease inhibitor use associated with subsequent T. vaginalis positivity? Sex Transm Dis. 2003;30:839–43.         [ Links ]

18. Kissinger PJ, Dumestre J, Clark RA, Wenthold L, Mohammed H, Hagensee ME, et al. Vaginal swabs versus lavage for detection of Trichomonas vaginalis and bacterial vaginosis among HIV–positive women. Sex Transm Dis. 2005;32:227–30.         [ Links ]

19. Petrin D, Delgaty K, Bhatt R, Garber G. Clinical and microbiological aspects of Trichomonas vaginalis. Clin Microbiol Rev. 1998;11:300–17.         [ Links ]

20. Sorvillo F, Smith L, Kerndt P, Ash L. Trichomonas vaginalis, HIV, and African–Americans. Emerg Infect Dis. 2001;7:927–32.         [ Links ]

21. Cotch MF, Pastorek JG 2nd, Nugent RP, Hillier SL, Gibbs RS; The Vaginal Infections and Prematurity Study Group, et al. Trichomonas Vaginalis associated with low birth weight and preterm delivery. Sex Transm Dis. 1997;24:353–60.         [ Links ]

22. Heine P, McGregor JA. Trichomonas vaginalis: a reemerging pathogen. Clin Obstet Gynecol. 1993;36:137–44.         [ Links ]

23. Zhang ZF, Begg CB. Is Trichomonas vaginalis a cause of cervical neoplasia?: results from a combined analysis of 24 studies. Int J Epidemiol. 1994;23:682–90.         [ Links ]

24. Grodstein F, Goldman MB, Cramer DW. Relation of tubal infertility to history of sexually transmitted diseases. Am J Epidemiol. 1993;137:577–84.         [ Links ]

25. Diamond LS. The establishment of various trichomonads of animals and man in axenic cultures. J Parasitol. 1957;43: 488–90.         [ Links ]

26. Rivero LR, Peña MR, Pérez CS, Monroy SP, Sariego Ramos I, Nodarse JF. Frequency of Trichomonas vaginalis infection in couples with fertility problems. Rev Cubana Med Trop. 2002; 54:85–90.         [ Links ]

27. Schwebke JR, Burgess D. Trichomoniasis. Clin Microbiol Rev. 2004;17:794–803.         [ Links ]

28. Shrader S, Hernandez E, Gaughan J. Is there a seasonal difference in the detection of Trichomonas vaginalis by cervical cytology? ScientificWorldJournal. 2003;3:45–50.         [ Links ]

29. Kapiga SH, Sam NE, Masenga EJ, Manongi R, Shao JF. Risk factors for bacterial vaginosis among bar and hotel workers in Northern Tanzânia. East Afr Med J. 2005;82:85–91.         [ Links ]

30. Kehinde AO, Lawoyin TO. STI/HIV co–infections in UCH, Ibadan. Nigeria. Afr J Reprod Health. 2005;9:42–8.         [ Links ]

31. Alzanbagi NA, Salem HS, Al Braiken F. Trichomoniasis among women with vaginal discharge in Jeddah city, Saudi Arabia. J Egypt Soc Parasitol. 2005;35:1071–80.         [ Links ]

32. Lobo TT, Feijó G, Carvalho SE, Costa PL, Chagas C, Xavier J, et al. A comparative evaluation of the Papanicolaou test for the diagnosis of trichomoniasis. Sex Transm Dis. 2003;30:694–9.         [ Links ]

33. Madico G, Quinn TC, Rompalo A, McKee KT Jr, Gaydos CA. Diagnosis of Trichomonas vaginalis infection by PCR using vaginal swab samples. J Clin Microbiol. 1998;36:3205–10.         [ Links ]

34. Brown HL, Fuller DD, Jasper LT, Davis TE, Wright JD. Clinical evaluation of affirm VPIII in the detection and identification of Trichomonas vaginalis, Gardnerella vaginalis, and Candida species in vaginitis/vaginosis. Infect Dis Obstet Gynecol. 2004; 12:17–21.         [ Links ]

35. Adu–Sarkodie Y, Opoku BK, Danso KA, Weiss HA, Mabey D. Comparison of latex agglutination, wet preparation, and culture for the detection of Trichomonas vaginalis. Sex Transm Infect. 2004;80:201–3.         [ Links ]

36. Knox J, Tabrizi SN, Miller P, Petoumenos K, Law M, Chen S, et al. Practitioner–collected samples for detection of Chlamydia trachomatis, Neisseria gonorrhoeae, and Trichomonas vaginalis by polymerase chain reaction among women living in remote areas. Sex Transm Dis. 2002;29:647–54.         [ Links ]

37. Mahmoud MS, Abdel–Aziz SS, El–Sherif EA, Swidan KH. Diagnosis of symptomatic and asymptomatic Trichomonas vaginalis infection by applying one tube nested PCR to vaginal discharge. J Egypt Soc Parasitol. 1999;29:1031–46.         [ Links ]

38. Sakru N, Toz SO, Yetkin AC, Akinci PY, Kirca U. Increased sensitivity of Trichomonas vaginalis isolation from vaginal secretions by subsequent blind passage of preliminary negative cultures. Diagn Microbiol Infect Dis. 2005;52:75–6.         [ Links ]

39. Swygard H, Miller WC, Kaydos–Daniels SC, Cohen MS, Leone PA, Hobbs MM, et al. Targeted screening for Trichomonas vaginalis with culture using a two step method in women presenting for STD evaluation. Sex Transm Dis. 2004;31:659–64.         [ Links ]

40. Anorlu RI, Fagbenro Beyioku AF, Fagorala T, Abudu OO, Galadanci HS. Prevalence of Trichomonas vaginalis in patients with vaginal discharge in Lagos, Nigeria. Niger Postgrad Med J. 2001;8:183–6.         [ Links ]

41. Mahdi NK, Gany ZH, Sharief M. Risk factors for vaginal trichomoniasis among women in Basra Iraq. East Mediterr Health J. 2001;7:918–24.         [ Links ]

42. Mason PR, Fiori PL, Cappuccinelli P, Rappelli P, Gregson S. Seroepidemiology of Trichomonas vaginalis in rural women in Zimbabwe and patterns of association with HIV infection. Epidemiol Infect. 2005;133:315–23.         [ Links ]

43. Smith KS, Tabrizi SN, Fethers KA, Knox JB, Pearce C, Garland SM. Comparison of conventional testing to polymerase chain reaction in detection of Trichomonas vaginalis in indigenous women living in remote areas. Int J STD AIDS. 2005;16:811–5.         [ Links ]

44. Arambulo PV 3rd, Cabrera BD, Osteria TS, Baltazar JC. A comparative study of Trichomonas vaginalis prevalence in Filipino women. Southeast Asian J Trop Med Public Health. 1977;8:298–302.         [ Links ]

45. Wendel KA, Rompalo AM, Erbelding EJ, Chang TH, Alderete JF. Double–stranded RNA viral infection of Trichomonas vaginalis infecting patients attending a sexually transmitted diseases clinic. J Infect Dis. 2002;186:558–61.         [ Links ]

46. Lehker MW, Alderete JF. Biology of trichomonosis. Curr Opin Infect Dis. 2000;13:37–45.         [ Links ]

47. Rivero LR, Cirer AI, Pérez CS, Ramos IS, Nodarse JF. Behavior of vaginal trichomoniasis in a group of adolescents. Rev Cubana Med Trop. 2003;55:179–84.         [ Links ]

48. Agarwal K, Sharma U, Acharya V. Microbial and cytopathological study of intrauterine contraceptive device users. Indian J Med Sci. 2004;58:394–9.         [ Links ]

49. Mbizvo ME, Musya SE, Stray–Pedersen B, Chirenje Z, Hussain A. Bacterial vaginosis and intravaginal practices: association with HIV. Cent Afr J Med. 2004;50:41–6.         [ Links ]

 

Conflito de interesse

Os autores declaram não haver conflito de interesse.

 

Recebido em 23 de Outubro de 2009

Aceite em 23 de Março de 2011