Services on Demand
Journal
Article
Indicators
- Cited by SciELO
- Access statistics
Related links
- Similars in SciELO
Share
Revista Portuguesa de Saúde Pública
Print version ISSN 0870-9025
Rev. Port. Sau. Pub. vol.30 no.1 Lisboa 2012
https://doi.org/10.1016/j.rpsp.2012.02.001
Utilização de cuidados de saúde pela população idosa portuguesa: uma análise por género e classes latentes
Carlota Quintala,b, Óscar Lourençoa,b, Pedro Ferreiraa,b
aFaculdade de Economia, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal. qcarlota@fe.uc.pt
bCentro de Estudos e Investigação em Saúde, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
Resumo
Introdução: Num contexto de envelhecimento crescente da população, em que os indivíduos com 65 anos ou mais representam já 17,8% da população portuguesa, o objetivo do presente estudo é identificar as determinantes da utilização de cuidados de saúde por este grupo etário e estimar o seu impacto. Material e métodos: Os dados provêm dos inquéritos nacionais de saúde de 1998/99 e 2005/06, sendo a metodologia adotada os modelos de classes latentes, desagregandose ainda a análise por género. Resultados: A classe dos utilizadores frequentes tem maior representatividade entre as mulheres (14% que compara com 12% para os homens) mas o seu número médio de consultas é inferior (3,15 mulheres; 4,07 homens). Entre os fatores estudados, alguns revelaram ter um impacto significativo como a residência, o facto de viver só (mulheres/utilizadores ocasionais), trabalhar e parte das variáveis indicadoras do estado de saúde. Diferentemente, os resultados sugerem que o rendimento, a dupla cobertura de seguro e a idade não são estatisticamente significativos. Fatores de risco como a hipertensão e a obesidade parecem também não influenciar a utilização de cuidados de saúde pela população idosa. Conclusões: Algumas barreiras à utilização de cuidados de saúde parecem persistir no caso dos utilizadores pouco frequentes. Por outro lado, medidas de discriminação positiva devem ser ponderadas para certos cuidados preventivos, de modo a prolongar a autonomia e a qualidade de vida dos indivíduos mais idosos. Relativamente aos utilizadores frequentes, no geral e seguindo a tendência habitual, as variáveis estudadas revelaramse não significativas.
Palavras Chave: Utilização de cuidados de saúde. Idosos. Classes latentes. Portugal.
Health care utilization of the elderly Portuguese population: an analysis by gender and latent classes
Abstract
Introduction: In the context of an ageing population, in which the elderly already account for 17.8% of the Portuguese population, the objective of this study is to identify the determinants of health care utilisation by this group and estimate their impact. Materials and methods: Data come from the last two waves of the national health survey (1998/99 and 2005/06). Latent class models are used, being the analysis further disaggregated by gender. Results: The class of high users is relatively larger for women (14% which compares to 12% for the case of men) but their average number of doctor visits is lower (3.15 for women and 4.07 for men). Some independent variables appear as statistically significant such as region of residence, living alone, working and several need variables. On the other hand, income, double coverage and age are not statistically significant. The same happens to risk factors such as obesity and hypertension. Conclusions: In the case of low users, some barriers to utilisation of health care seem to persist. Positive discrimination should be considered for some preventive care in order to maintain the autonomy and quality of life of elderly people. Regarding high users, in general, the variables included in the study were not statistically significant.
Keywords: Health care utilisation. Elderly. Latent classes. Portugal.
Introdução
A população mundial está a envelhecer, incluindo a população portuguesa. Em Portugal, a esperança de vida aos 65 anos passou de 11,9 e 13,8 anos em 1950 para 16,3 e 19,8 anos em 2006, para homens e mulheres, respetivamente. Em 2010, a população idosa (65 anos ou mais) portuguesa correspondia já a 17,8% da população total, esperando-se atingir o patamar dos 30% em 20501. Para este envelhecimento tem sido historicamente determinante o declínio da taxa de fecundidade, contudo, uma vez atingidos baixos níveis nesta taxa, alterações na mortalidade e o consequente aumento da esperança de vida assumem também um papel relevante neste contexto.
O envelhecimento da população coloca vários desafios aos decisores de política e tem sido apontado como uma das causas, a par de outras, responsável pelo crescimento das despesas com os cuidados de saúde. Efetivamente, a utilização destes cuidados tende a aumentar com a idade, acompanhando a deterioração do estado de saúde dos indivíduos. Os indivíduos mais idosos tendem a apresentar mais doenças crónicas, bem como comorbilidades e incapacidade, o que faz aumentar a sua necessidade, e utilização, de cuidados de saúde (embora exista o argumento de que o impacto da idade sobre a utilização de cuidados de saúde vem diminuído, uma vez controlado o fator «proximidade da morte», e.g.2).
Neste contexto, torna-se assim importante conhecer as determinantes da utilização de cuidados de saúde pelos idosos. O objetivo deste trabalho é identificar essas determinantes e estimar o seu impacto. Em particular, dada a grande vulnerabilidade deste subgrupo da população a qualquer barreira no acesso aos cuidados de saúde, é pertinente investigar se persistem fatores, como o rendimento ou a educação, inibidores da utilização desses cuidados. Por outro lado, sendo a utilização de cuidados especialmente elevada entre os indivíduos mais velhos, e num quadro de restrições financeiras crescentes, é importante verificar se a dupla cobertura de seguro influencia a utilização de cuidados, criando situações que poderão ser enquadradas como correspondendo ao fenómeno do risco morali. Apesar da relevância e do interesse antigo e crescente pelo tema da utilização de cuidados de saúde pelos indivíduos idosos3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 não se conhecem à data outros estudos semelhantes para a população (idosa) portuguesa.
Uma das características dos grupos etários mais velhos face a outros é o desequilíbrio entre homens e mulheres, com as últimas a predominarem quanto mais se avança na idade. Este dado torna-se pertinente, na medida em que existem diferenças entre os géneros. O estado civil «viúvo», por exemplo, é muito mais frequente entre as mulheres (idosas) do que entre os homens (idosos), devido ao facto de aquelas tenderem a casar com homens mais velhos e a casarem segunda vez (na sequência de divórcio ou morte do cônjuge) menos frequentemente do que os homens11. Existem ainda diferenças no percurso profissional, na acumulação de ativos e no desempenho do papel de cuidadores11. Estes fatores poderão conduzir a diferentes comportamentos e barreiras na utilização de cuidados de saúde. Para melhor se apreender e compreender estas diferenças, procede-se, neste estudo, à análise da utilização de cuidados de saúde separadamente para a subpopulação dos homens e das mulheres.
Neste estudo identificam-se ainda duas classes de utilizadores de cuidados de saúde; os utilizadores frequentes e os utilizadores ocasionais. Para isso, recorre-se à metodologia das classes latentesii já utilizada na análise da utilização de cuidados de saúde da população em geral (e.g.12, 13).
Outra característica da população idosa é a elevada prevalência de indivíduos dependentes no que diz respeito às suas atividades básicas diárias, sendo assim extremamente relevante o acesso a cuidados preventivos de modo a evitar, ou adiar o mais possível, o aparecimento de determinadas condições mais, ou menos, incapacitantes. Estes cuidados preventivos serão, na generalidade dos casos, prestados através da rede de cuidados primários e compreendem serviços como a vacinação e rastreios para deteção precoce de determinadas doenças, nomeadamente, cancro, hipertensão, colesterol elevado e depressão11. A própria autoperceção da qualidade de vida relacionada com a saúde, dos idosos, aparece fortemente associada à utilização de cuidados preventivos15.
A utilização de cuidados de saúde depende da conjugação de diversos fatores relacionados, por um lado, com o estado de saúde do indivíduo e, por outro, com a disponibilidade da oferta de cuidados de saúde. Os estudos empíricos sobre a utilização de cuidados de saúde aparecem, por regra, ancorados no modelo comportamental proposto por Andersen16, em que as determinantes da utilização são classificadas em 3 grupos: (i) características sociodemográficas (variáveis de predisposição), como a idade, que conduzem a uma probabilidade de utilização de cuidados de saúde mais elevada; (ii) fatores que facilitam ou, pelo contrário, dificultam ou impedem o acesso aos cuidados de saúde (variáveis de capacitação), sendo o rendimento um exemplo; e (iii) fatores que refletem a necessidade de cuidados de saúde (variáveis de necessidade), que serão medidos através de variáveis proxy como, por exemplo, o número de doenças crónicas. As variáveis consideradas no modelo empírico e descritas mais adiante inserem-se nesta classificação. Os dados utilizados neste estudo provêm das duas edições mais recentes do Inquérito Nacional de Saúde, 1998/99 e 2005/06, fornecendo informação individual sobre o comportamento de cerca de 15 000 idosos portugueses.
A esta primeira secção introdutória segue-se a exposição da metodologia adotada, a descrição dos dados e variáveis, a apresentação dos resultados e, por fim, a conclusão.
Metodologia
Neste artigo, a variável indicadora do consumo de cuidados de saúde dos idosos é uma variável inteira e não negativa (y = 0, 1, 2, ), pelo que as especificações econométricas da família dos modelos de contagem são as adequadas nesta aplicação. São inúmeras as aplicações de análise de dados que utilizam modelos de contagem para estudar e analisar a utilização de cuidados de saúde12, 17, 18.
Dentro da classe dos modelos de contagem, são diversas as especificações disponíveis para analisar os dados em contexto de regressão. A adoção de umas especificações em detrimento de outras depende, entre outras considerações, dos objetivos estabelecidos na investigação, de aspetos conceptuais e comportamentais associados aos indivíduos e, ainda, das características da distribuição da variável dependente. Exemplos de modelos de regressão da família dos modelos de contagem frequentemente utilizados em aplicações empíricas em economia da saúde são o modelo de Poisson, o binomial negativo, o modelo de barreira ou modelo de duas partes (também denominado na literatura por modelo hurdle), modelos inflacionados no zero, modelos de classes latentes, entre outras possibilidades. Para um estudo detalhado e completo acerca da utilização de modelos de contagem em contexto de regressão consultar, entre muitos outros19, 20.
Combinando os objetivos estabelecidos nesta investigação com as características da variável dependente, que apresenta uma distribuição assimétrica positiva, uma cauda direita longa e sobredispersão, os modelos adotados neste artigo para analisar a utilização de cuidados de saúde dos idosos são os modelos de classes latentes. Estes tipos de modelos têm sido aplicados com frequência, e também com assinalável êxito, na análise de utilização de cuidados de saúde13, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30. Os modelos de classes latentes (MCL), também denominados de modelos de mistura finita (MFF), apresentam, entre outras características que os tornam relevantes para este tipo de análises, a particularidade de incorporarem a heterogeneidade individual não observada na especificação do modelo.
Assuma-se que a população dos idosos, na utilização de cuidados de saúde, é composta por M subpopulações latentes, não observadas a priori, em proporções (desconhecidas) π1, π2, ..., πM. Estas proporções são tais que . Admita-se ainda que, condicional a cada subpopulação latente, o modelo gerador da utilização de cuidados de saúde dos idosos é dado pela função de probabilidade que é uma função de probabilidade adequada para modelos de contagem.
Não condicional à classe latente a que o indivíduo pertence, a função de probabilidade da variável dependente yi é dada por,
em que as funções de probabilidade se denominam por distribuições componentes da mistura.
A especificação apresentada apenas fica completa após a determinação do número de classes latentes, assim como a escolha das distribuições componentes da mistura, ou seja, das distribuições que governam a utilização de cuidados de saúde em cada uma das M classes latentes que constituem a mistura. A função de probabilidade h (.) adotada mais frequentemente em aplicações em economia da saúde pertence à família das distribuições binomiais negativas com média condicional exponencial. A função de probabilidade é dada por:
onde representa a função Gamma, é a esperança matemática e , sendo c uma constante. O parâmetro é o parâmetro de dispersão do modelo, que converge para o modelo de Poisson quando α=0. A variância é dada por que, como se pode observar, é função da média e que, quando α=0, a média coincide com a variância. Impondo c = 0 ou c = 1, obtêm-se diferentes modelos da família das distribuições binomiais negativas. Para c = 0 temos o modelo binomial negativo tipo 2 (NB2) e para c = 1 temos o modelo binomial negativo tipo 1 (NB1). Nesta aplicação utilizámos modelos da família NB218, 21, 22, 23, 29.
A utilização do modelo MCL requer ainda que se escolha o número de classes latentes. Neste trabalho consideramos apenas modelos com duas classes latentes. Os resultados empíricos obtidos na literatura sugerem que duas classes são suficientes para um bom ajustamento estatístico21, 22, 23, 25, 26, 28. Para além disso, modelos com 3 ou mais classes são difíceis de estimar, devido ao elevado número de parâmetros envolvidos e ao facto de a forma funcional da função de verosimilhança logaritmizada que não apresenta boas propriedades matemáticas que facilitem o processo de otimização, por exemplo, ser uma função côncava. As especificações da família dos modelos de classes latentes fornecem uma representação natural e intuitiva da heterogeneidade não observada num número finito de classes latentes, em que cada uma delas pode ser vista como um grupo de indivíduos que partilham certas características não observadas19. A geração das classes, ou segmentos da população, é motivada por fatores que contribuem para explicar a utilização de cuidados de saúde, mas que não são observados.
Em suma, nesta aplicação empírica a utilização de cuidados de saúde dos idosos é analisada adotando o seguinte processo gerador de dados:
Condicional na classe latente, o modelo probabilístico que governa a variável dependente é dado pela seguinte função de probabilidade:
Para além disso, condicional a cada uma das classes latentes, a média da variável dependente é dada por:
Na aplicação desenvolvida neste artigo, admitimos que todos os parâmetros caracterizadores dos modelos que governam a utilização de consultas médicas em cada uma das classes latentes são diferentes. Em termos intuitivos, isto significa que estamos a admitir, entre outras coisas, que as variáveis independentes apresentam efeitos diferenciados na utilização de consultas por classe latente. Note-se que esta é uma especificação abrangente, pois não está a impor, a priori, quaisquer restrições aos parâmetros de cada uma das classes latentes.
Todos os modelos são estimados utilizando o método da máxima verosimilhança e recorrendo a programação do modelo em Stata 10. Todas as etapas pós-estimação, testes de especificação e de hipóteses, cálculo de valores marginais, etc. são efetuados recorrendo, igualmente, ao Stata 10.
Dados e variáveis
Os dados utilizados neste artigo são provenientes das duas últimas edições do Inquérito Nacional de Saúde (INS), realizados nos anos de 1998/1999 e de 2005/2006. O Inquérito Nacional de Saúde é um instrumento que recolhe informação demográfica e socioeconómica, que reflete o estado de saúde dos indivíduos, assim como informação acerca da utilização de cuidados de saúde, estilos de vida e de outros comportamentos relacionados com a saúde dos indivíduos.
Relativamente ao INS 1998/1999, a população abrangida é constituída por 21808 unidades de alojamento correspondendo a 48606 indivíduos. Por outro lado, a 4.º edição do INS, referente aos anos 2005/2006 recolheu informação acerca de 19 950 unidades de alojamento, o que corresponde a 41 195 indivíduos. A fusão da informação das duas bases de dados fornece informação individual de, aproximadamente, 89800 indivíduos. Neste artigo estamos interessados em investigar os fatores determinantes do consumo de cuidados de saúde da população idosa, definida como os indivíduos com 65 anos ou mais, pelo que a dimensão final da base de dados para análise estatística é de 15 680 observações.
A variável dependente adotada como indicadora do consumo de cuidados de saúde dos idosos é o número de consultas efetuadas nos 3 meses anteriores à administração do questionário (variável designada por y). Este número inclui todos os tipos de consultas médicas independentemente da natureza do prestador ou especialidade.
A Figura 1 apresenta a distribuição observada do número de consultas para toda a população idosa e por género. Cerca de 34% dos idosos do sexo masculino não consultou o médico nos últimos 3 meses. Essa proporção baixa para cerca dos 27% quando se considera a população das mulheres.
Figura 1. Número de consultas por género.
Um primeiro aspeto a notar nesta distribuição é que o comportamento de homens e mulheres na utilização de consultas médicas difere (utilização como sinónimo de acesso). Na Figura 1 observa-se com facilidade que a probabilidade de não consultar o médico num período de 3 meses é substancialmente maior para os homens, relativamente às mulheres, e que a proporção de mulheres que procuram o médico entre uma e 6 vezes é maior relativamente à utilização observada nos homens. Em suma, o que estes resultados preliminares sugerem é que o padrão de utilização de consultas médicas difere entre homens e mulheres idosos.
Para uma análise mais completa da utilização de cuidados médicos por género, a Tabela 1 resume algumas características da distribuição do número de consultas da população idosa.
Tabela 1 - Número de consultas nos últimos 3 meses da população idosa: estatísticas descritivas
Dependendo da população (masculina/feminina) e do período analisado, o número médio de consultas situa-se entre 1,5 e 1,9 por período de 3 meses. Em todas as situações consideradas, o número máximo de consultas é de 30 e o mínimo de 0. Das estatísticas descritivas apresentadas, é ainda possível constatar que, entre 1998 e 2005, o número médio de consultas diminuiu, sendo este padrão semelhante independentemente da população analisada. Relativamente à comparação entre géneros, que é um aspeto relevante neste estudo, os dados confirmam o padrão usualmente reportado pela literatura, que indica que os indivíduos do sexo masculino procuram o médico com menor frequência relativamente aos do sexo feminino.
No que concerne ao grau de dispersão das distribuições em causa, verifica-se que o desvio padrão se situa sempre acima de 2, o que equivale a uma variância acima de 4. Tendo em conta a relação entre a média e a variância, podemos concluir pela propriedade de sobredispersão da variável dependente, fenómeno que é indicador da presença de heterogeneidade não observada. Este é um indicador de que os modelos de classes latentes, tal como se observou na secção anterior, são os mais apropriados para modelar a procura de cuidados de saúde.
Os fatores determinantes da utilização de consultas médicas considerados neste estudo são apresentados na Tabela 2. Tal como se referiu na introdução, a decisão de utilizar cuidados de saúde é influenciada por uma multiplicidade de fatores relacionados, por um lado, com o estado de saúde do indivíduo e, por outro, com a disponibilidade da oferta de cuidados de saúde. Assim, e em função do modelo proposto por Andersen16, o modelo empírico inclui variáveis que refletem a região de residência do indivíduo, a idade, o estado civil, o nível de escolaridade, a situação de atividade e o rendimento do indivíduo. No conjunto de variáveis de controlo, incluímos ainda as indicadoras do estado de saúde dos indivíduos. É importante referir que não incluímos, ao contrário do que é comum neste tipo de análises, o estado de saúde autoavaliado, pois a inclusão destas variáveis em modelos econométricos desta natureza levanta preocupações de endogeneidade31. Consideramos que as variáveis para refletir o estado de saúde incluídas no modelo são suficientes para controlar a maior parte da heterogeneidade na saúde dos indivíduos. Por outro lado, o modelo adotado para analisar o fenómeno também apresenta uma especificação apropriada para incorporar explicitamente a heterogeneidade não observada.
Tabela 2 - Designação e definição das variáveis independentes
As variáveis que controlam para a «região de residência» do indivíduo são incluídas para captar o efeito de diferentes preferências e/ou diferenças na oferta de cuidados. A variável idade é incluída no modelo para controlo da taxa de depreciação do stock de saúde, que aumenta com a idade, e com o consequente aumento na utilização de consultas. A idade ao quadrado é incluída na lista de regressores para considerar a hipótese da existência de efeitos não lineares entre a idade e a utilização de cuidados de saúde.
Relativamente à variável rendimento, esta foi construída a partir das classes de rendimento de cada agregado familiar. Para cada agregado familiar, calculou-se o número de adultos equivalentes, utilizando a escala modificada da OCDE que atribui uma ponderação de 1 ao primeiro adulto do agregado familiar e de 0,5 aos restantes, sendo as crianças (< 14 anos) ponderadas com 0,3, o que nos permitiu calcular o rendimento por adulto equivalente. Considerou-se a marca da classe como representativa do rendimento do agregado familiar. O rendimento é considerado uma das variáveis de capacitação do modelo de Andersen16, esperando-se que, a ter impacto na utilização de cuidados de saúde, este seja positivo (rendimentos mais elevados representarão maior capacidade de pagar, logo, uma maior utilização de consultas). O estado civil pode afetar a utilização de cuidados de saúde pelas diferenças na taxa de depreciação de saúde e na quantidade e tipo de informação que se verifica entre os diferentes estados civis. Por exemplo, no caso de indivíduos casados, pode defender-se que há uma decisão conjunta partilhada pelos membros do casal, e também pelo facto de o consumo conter externalidades: as consequências de procurar, ou não, cuidados de saúde podem afetar significativamente o bem-estar do outro membro do casal.
O facto de viver só (variável «viveso») pode também ter impacto diverso, isto é, o facto de viver só pode funcionar como um incentivo para ir a uma consulta médica pelo contacto social que proporciona; já no caso dos indivíduos mais doentes, e sobretudo tendo em atenção que estamos a falar de indivíduos idosos, viver só pode mesmo funcionar como uma barreira à utilização.
O efeito esperado da educação é indeterminado a priori, isto porque, por um lado, mais escolaridade representa mais informação e eventualmente maior valor atribuído à saúde e, desse modo, esperar-se-ia um efeito positivo sobre a utilização de cuidados. Mas, por outro lado, mais educação pode também representar maior eficiência na produção de saúde e melhor aprendizagem em termos de gestão de doenças crónicas e, logo, menor necessidade de cuidados32.
Por outro lado, espera-se que variáveis que reflitam menores (maiores) custos de oportunidade da utilização de cuidados de saúde tenham um impacto positivo (negativo) sobre a utilização (por exemplo, ser reformado, em princípio, representa maior disponibilidade de tempo, logo, menor custo de oportunidade).
O efeito esperado de todas as variáveis indicadoras do estado de saúde e, desse modo, indicadoras da necessidade de cuidados, será positivo conforme se trate da presença de doenças ou da adoção de estilos de vida saudáveis (e.g. não fumar).
O efeito esperado do tipo de cobertura de seguro, neste caso, ter apenas a cobertura do SNS, é negativo. Dizê-lo é o mesmo que admitir que indivíduos com dupla cobertura de seguro (aqueles que, além do SNS, que é universal, também são cobertos por subsistemas, como ADSE, SAMS, entre outros) utilizam mais cuidados de saúde. Este fenómeno pode ser entendido como risco moral.
A Tabela 3 apresenta estatísticas descritivas das variáveis independentes que foram incluídas no modelo de regressão e que se consideram como potencialmente explicadoras da utilização de consultas médicas para a população idosa portuguesa.
Tabela 3 - Estatísticas descritivas das variáveis independentes
Relativamente à Tabela 3, uma primeira nota de relevo é o facto de as diferenças entre homens e mulheres serem estatisticamente significativas (p < 0,01), com exceção das variáveis Norte, Centro, Asma e IMC, que não apresentam diferenças estatisticamente significativas.
No que concerne aos valores sumários apresentados, confirma-se que o estado civil casado tem maior representatividade no grupo dos homens do que nas mulheres, ocorrendo o inverso com o estado civil viúvo. Talvez por esse facto, há uma maior percentagem de mulheres idosas que vivem só. O número médio de anos de estudo é de 3,4 para os homens, sendo inferior para as mulheres (2,2). Em termos de ocupação, também há diferenças significativas, verificando-se que a percentagem de mulheres trabalhadoras nesta faixa etária é, diferentemente dos homens, praticamente nula. O mesmo acontece aos homens no caso da ocupação «doméstica». SNS é o tipo de seguro preponderante entre os idosos. No respeitante a variáveis indicadores do estado de saúde, cerca de metade das mulheres sentiu-se doente ou sofre de dor crónica, sendo estas percentagens inferiores no caso dos homens. Há mais fumadores entre os homens idosos, mas estes apresentam um menor número médio de doenças crónicas (1,12 que compara com 1,38 para as mulheres). Por fim, o rendimento médio dos homens é superior ao das mulheres, sendo o rendimento médio para toda a população idosa igual a 377 euros.
Em resumo, todos os modelos estimados, cujos resultados são apresentados na secção seguinte, incluem uma componente linear do tipo:
O ano de referência é o ano de 1998. Dada a especificação exponencial da média é fácil concluir que o parâmetro da variável (logaritmo do) rendimento (β22,k) representa a elasticidade da utilização relativamente ao rendimento.
Resultados
Nesta secção, apresentam-se e discutem-se os resultados do modelo de classes latentes estimado (duas classes com distribuições componentes binomial negativa 2). Começamos por apresentar os resultados de alguns testes de hipóteses relativos a alguns parâmetros do modelo. De seguida, apresentamos estimativas de alguns parâmetros que nos ajudam a interpretar e a caracterizar as classes latentes, continuando com uma análise do efeito individual das variáveis independentes na utilização de consultas em cada uma das classes latentes.
A primeira hipótese testada foi para avaliar se, conjuntamente, o efeito das variáveis independentes na utilização média de consultas é estatisticamente igual em ambas as classes latentes, ou seja, o efeito conjunto das variáveis não difere entre as classes latentes. Estatisticamente, a hipótese é formulada da seguinte forma:
O teste efetuado foi um teste de Wald. Para ambos os géneros, a hipótese nula é rejeitada (Homens , p<0,01; Mulheres , p<0,01). De seguida, efetuou-se um outro teste, semelhante ao anterior na sua formulação, mas condicionando no tipo de variáveis incluídas no teste. Colocou-se a questão de saber se as variáveis de estado de saúde, quando consideradas conjuntamente, apresentavam igual impacto na utilização média de consultas em cada uma das classes latentes. As variáveis de estado de saúde consideradas no teste são IMC, Doente, Diab, Ht, NudCron e NaoFuma. Para ambos os géneros, a hipótese nula é rejeitada, o que significa que as componentes observadas do estado de saúde individual têm um efeito diverso em função da classe latente em que estão incluídas (Homens , p < 0,01; Mulheres , p < 0,01).A Tabela 4 apresenta uma estimativa, gerada pelo modelo, do número médio de consultas, evidenciando algumas diferenças entre os géneros. Para a população (idosa) em geral, a média nos homens (1,70) é ligeiramente inferior àquela estimada para a população das mulheres (1,83); contudo, é na divisão por classes latentes que as diferenças são mais notórias e com maior interesse económico. A repartição dos utilizadores segundo a frequência de utilização de consultas difere ligeiramente entre homens e mulheres, correspondendo a classe dos utilizadores frequentes a 12% da população, no caso dos homens, o que compara com 14% para as mulheres. No grupo dos utilizadores ocasionais, o número médio de consultas é superior no caso das mulheres, comparado com os homens. A utilização média dos utilizadores frequentes é, no entanto, inferior nas mulheres (3,15 consultas e 4,07 consultas para os homens). Os resultados que vêm sendo relatados na literatura indicam, de facto, que as mulheres utilizam mais cuidados do que os homens. Mas também se diz que os homens tendem a esperar mais até tomarem a decisão de procurar cuidados e que, quando o fazem, a sua necessidade entretanto aumentou22, 33. Assim, faz sentido que, no contexto de indivíduos mais saudáveis, a procura seja maior entre as mulheres, ocorrendo o inverso na classe dos indivíduos mais doentes.
Tabela 4 - Consultas por género e classe latente: média, mediana, primeiro e terceiro quartis
Em termos de diferenças de utilização entre classes latentes, dentro de cada género, no caso dos homens, os utilizadores frequentes apresentam uma média sensivelmente 2,95 vezes superior à média dos pequenos utilizadores, enquanto, no caso das mulheres, a média dos utilizadores frequentes é 1,94 vezes superior à média dos utilizadores ocasionais. Apesar destas diferenças entre classes, os valores obtidos por estudo anterior13 para a população geral são mais díspares: 4,29 e 1,13 para utilizadores frequentes e ocasionais, respetivamente. Ou seja, embora o modelo de classes latentes tenha gerado duas classes latentes (por género) que se distinguem quanto à frequência de utilização, as diferenças entre classes são menos acentuadas na subpopulação dos idosos, o que é compreensível por se tratar de um grupo da população com utilização relativamente mais elevada. Ainda assim, pela Tabela 4, constata-se que 50% dos utilizadores ocasionais do género feminino apresenta uma utilização entre 1,15 e 1,99 consultas, enquanto nos utilizadores frequentes, 50% destes apresenta uma utilização que se situa entre 2,04 e 4,02 consultas. Para os homens, o terceiro quartil relativo aos utilizadores ocasionais corresponde a 1,72 consultas, o que fica abaixo do primeiro quartil relativo aos utilizadores frequentes (2,38 consultas). Por fim, salienta-se a maior representatividade das mulheres (cerca de mais 30%) nesta amostra de indivíduos idosos, refletindo a maior prevalência deste género nas faixas etárias acima dos 65 anos.
A Tabela 5 apresenta o impacto de diversas variáveis sobre a utilização de consultas médicas por género e classe latente.
Tabela 5 - Impacto das variáveis independentes sobre utilização de consultas médicas, por género e classe latente
Dadas as diferenças encontradas, torna-se difícil extrair um padrão geral de utilização de cuidados de saúde a partir da Tabela 5. Ainda assim, constata-se que, em geral, as variáveis indicadoras da necessidade de cuidados de saúde tendem a apresentar coeficientes positivos, embora existam exceções, contudo, não significativas do ponto de vista estatístico.
O possível impacto do rendimento sobre a utilização de cuidados de saúde tem constituído uma das preocupações principais das autoridades de política e tem sido alvo de inúmeros estudos. Aqui, esta variável surge com três coeficientes positivos como esperado, mas nenhum se revela estatisticamente significativo, tanto no grupo dos utilizadores frequentes como nos ocasionais e independentemente do género, não se podendo assim concluir que o rendimento funcione como fator facilitador para a utilização de cuidados. Este resultado não nos deve surpreender, dada a organização do nosso sistema de saúde, baseado num Serviço Nacional de Saúde de acesso universal e praticamente gratuito no ponto de consumo, e dada a população em estudo, idosos que, pode-se defender, utilizam maioritariamente as consultas do SNS.
A região de residência, pelo contrário, parece ter alguma influência na utilização, surgindo quase todas as regiões com coeficientes positivos, indiciando maior utilização face à região excluída (Algarve). A idade e algumas outras variáveis relativas ao estado civil e situação profissional apresentam resultados mistos. O ano de inquérito, 2005, apresenta coeficientes negativos face a 1998, em linha com as diferenças no número de consultas médio, atrás referidas. Estes coeficientes não são, contudo, estatisticamente significativos. Globalmente, o conjunto dos pequenos utilizadores, homens e mulheres, apresenta a maior parte das variáveis estatisticamente significativas (17 num total de 29). Este resultado vai ao encontro de estudos anteriores que adotaram a metodologia das classes latentes, uma vez que se espera que, no caso dos utilizadores frequentes e dada a maior necessidade, as eventuais barreiras à utilização tendam a ser ultrapassadas, ainda que com maior ou menor esforço por parte dos indivíduos.
Feita esta leitura global, passemos então a analisar com maior detalhe os resultados, socorrendo-nos também da Tabela 6 que fornece informação sobre os efeitos marginais das variáveis independentes sobre a utilização de consultas. No grupo dos utilizadores ocasionais, o impacto da região de residência sobre a utilização é sempre positivo para homens e mulheres. Entre as várias regiões, é no Centro que aquele impacto é mais elevado, verificando-se também que os coeficientes para as mulheres são mais elevados do que para os homens. Excluindo o Norte e Alentejo/homens, todos os coeficientes são significativos; a residência aparece assim como um elemento mais ou menos facilitador da utilização. Quando se analisa o efeito desta variável no grupo dos utilizadores frequentes surgem três coeficientes com sinal negativo, contudo, deixam todos de ser estatisticamente significativos, tanto para os homens como para as mulheres.
Tabela 6 - Estimativas dos efeitos marginais médios das variáveis independentes para cada uma das classes
O efeito da variável idade, dependendo da especificação utilizada, tanto pode ser positivo como negativo. Desta multiplicidade de resultados ressalta o facto de esta variável não ser significativa em nenhum caso. Embora se espere um efeito positivo da idade sobre a utilização de cuidados de saúde, há que ter em conta que a amostra deste estudo diz respeito aos idosos, concluindo-se assim que, dentro desta subpopulação, a idade deixa de ser uma determinante da utilização; deverão ser as variáveis do estado de saúde a captar as diferenças na utilização decorrentes de diferentes níveis de necessidade entre os indivíduos.
O efeito do estado civil «viúvo», bem como «casado» é positivo, com exceção das mulheres no grupo dos grandes utilizadores. Estes coeficientes não são, todavia, estatisticamente significativos. Viver só tem impacto distinto sobre a utilização de cuidados consoante o género e a classe latente. Deste modo, no grupo dos pequenos utilizadores, o efeito de viver só é negativo para os homens e positivo para as mulheres, sendo sempre negativo na classe dos grandes utilizadores. Os coeficientes são significativos apenas para as mulheres no grupo dos utilizadores ocasionais, prevalecendo assim o efeito de motivação para consultar o médico.
A educação tem um efeito positivo na classe dos utilizadores pouco frequentes e homens grandes utilizadores e negativo na classe dos grandes utilizadores/mulheres. Apenas o coeficiente para os pequenos utilizadores do sexo masculino é significativo. Sobressai assim o efeito positivo da informação, nos indivíduos saudáveis, não se verificando o efeito negativo, atrás discutido, da eficiência na produção de saúde.
Os indivíduos que no inquérito afirmaram ter trabalhado nas duas semanas anteriores utilizam menos cuidados. É de realçar o facto de os coeficientes serem estatisticamente significativos para as mulheres, nas duas classes latentes, e ainda para os homens pequenos utilizadores. É de sublinhar também o valor elevado do coeficiente para as mulheres no grupo dos grandes utilizadores. No grupo dos utilizadores pouco frequentes (mais saudáveis), é aceitável que o custo de oportunidade de ir a uma consulta, o qual é maior para quem trabalha, exerça um efeito negativo sobre a utilização. Mas os resultados indicam que este efeito é ainda mais forte para o caso de indivíduos mais doentes, podendo tratar-se efetivamente de uma barreira à utilização, o que é pertinente num contexto em que se continua a discutir o alargamento da idade da reforma.
Ser doméstica tem sobretudo efeito negativo sobre a utilização de cuidados, sendo significativo para os indivíduos do sexo feminino, nas duas classes. Estranhamente, o valor é relativamente elevado na classe dos utilizadores frequentes. Ser reformado, e apesar de se esperar um efeito positivo sobre a utilização via menores custos de oportunidade, tem um efeito negativo. Provavelmente por se tratar de uma amostra de indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos, coincidente em muitos casos com o início da reforma, esta variável não é significativa em três casos.
A variável «doente», que diz respeito aos indivíduos que se sentiram doentes nas duas últimas semanas anteriores ao inquérito, não só apresenta coeficientes positivos nas duas classes e géneros, como também é significativa em todos os casos, sendo de resto a única variável da Tabela 6 em que tal acontece. O número de doenças crónicas tem um efeito positivo (com exceção das mulheres, na classe dos grandes utilizadores), sendo significativo para o grupo de utilizadores pouco frequentes. Sofrer de dor crónica tem um efeito inesperadamente negativo sobre a utilização de cuidados, no grupo dos utilizadores ocasionais, sendo mesmo significativo para os homens. No caso dos utilizadores frequentes, o efeito já é positivo, embora não significativo.
Sofrer de diabetes tem o efeito positivo, que era expectável, em três casos, embora o coeficiente nunca se afigure estatisticamente significativo. A asma e a hipertensão não têm impacto significativo sobre a utilização e aparecem até dois sinais negativos. Um IMC superior a 30 tem um efeito quase nulo em três situações, sendo curiosamente significativo num caso em que o sinal é negativo (homens/utilizadores frequentes). Não fumar apresenta três sinais positivos, contrariamente ao esperado, sendo significativo para homens no grupo de pequenos utilizadores e mulheres/utilizadores frequentes. Estes resultados sugerem a ausência de efeitos significativos de diversos fatores de risco (como hipertensão ou obesidade) sobre a utilização de consultas. Este dado é em certa medida preocupante face à relevância, referida na introdução, da prevenção veiculada através dos cuidados primários e destinada à população idosa.
Tal como já foi referido, o rendimento e o ano de inquérito não têm impacto significativo sobre a utilização, com o primeiro a apresentar coeficientes nulos. Ter apenas a cobertura do Serviço Nacional de Saúde apresenta o efeito negativo (como esperado) sobre a utilização, mas nenhum coeficiente é estatisticamente diferente de zero. Este resultado não permite, assim, concluir que a dupla cobertura de seguro tenha impacto sobre a utilização de consultas, ou seja, não permite concluir que se verifica o fenómeno de risco moral entre os idosos e para este tipo de cuidados médicos.
Conclusões
Neste estudo, procurou-se compreender o comportamento da população idosa portuguesa no que concerne à utilização de cuidados médicos, neste caso, medida através do número de consultas médicas.
A metodologia utilizada evidenciou algumas diferenças entre géneros e classes latentes de utilizadores, surgindo as mulheres com maior nível de utilização, embora na divisão por classes latentes, sendo os homens que aparecem com maior utilização na classe dos grandes utilizadores. Os efeitos das diversas variáveis independentes também diferem em muitas situações entre a amostra feminina e a masculina. Medidas de política de saúde destinadas a idosos devem assim ter em conta os diferentes impactos consoante o género e tipo de utilizador.
Das variáveis estudadas, destaca-se a predominância de efeitos significativos no caso dos utilizadores pouco frequentes, devendo ser dada atenção a este grupo, em que fatores como a residência, educação, estatuto profissional e viver só parecem ter impacto sobre a utilização, podendo assim constituir barreiras no acesso aos cuidados médicos. Ao invés, fatores de risco, relacionados nomeadamente com doenças cardiovasculares (que são a principal causa de morte em Portugal) parecem estar a influenciar pouco a utilização de cuidados preventivos. Neste caso, medidas de descriminação positiva dirigidas a indivíduos idosos devem ser ponderadas.
No caso dos utilizadores frequentes, no geral as variáveis revelaram-se não significativas, seguindo a tendência dos estudos que adotam a metodologia das classes latentes. Destaca-se o efeito negativo e significativo que se verifica no caso das mulheres que se encontravam a trabalhar aquando da administração do inquérito. Este é um resultado pertinente, tendo em conta a discussão sempre em aberto do alargamento da idade da reforma.
Os resultados sugerem a ausência de qualquer efeito do rendimento sobre a utilização de consultas, bem como a inexistência de risco moral resultante da dupla cobertura de seguro. A respeito destes dois últimos resultados, refira-se, no entanto, que o INS não distingue as consultas de clínica geral das consultas de especialidade, pelo que tanto o efeito do rendimento como o efeito da dupla cobertura poderão ser diferentes caso se considere o tipo de consultas. Existem também outras variáveis potencialmente relevantes para explicar a utilização de cuidados médicos pelos idosos mas que não são incluídas no INS, como, por exemplo, os cuidados informais que os idosos recebem de familiares e amigos. Além disso, pode fazer sentido tratar o agregado familiar (os dois cônjuges, quando se aplica) como a unidade de análise, dada a partilha de estilos de vida e efeitos cruzados do estado de saúde.
As políticas de saúde e sociais têm de ser redesenhadas num contexto de envelhecimento crescente da população e pressão contínua sobre os custos no setor da saúde, ao mesmo tempo que o Estado é confrontado com a necessidade de contenção da despesa pública. Torna-se assim relevante prosseguir esta linha de investigação, de modo a identificar-se pontos críticos para a atuação seletiva das autoridades.
Bibliografía
1. Bertino S, Sonnino E. A new technique for stochastic population projections. EUROSTAT/UNECE. Demographic Projections. Proceedings of the EurostatUNECE Workshop on Demographic Projections; 2007 Oct 1012; Bucharest, Romania. Luxembourg: Eurostat; 2007. p. 16175. [ Links ]
2. Werblow A, Felder S, Zweifel P. Population ageing and health care expenditure: a school of red herrings?. Health Econ. 2007; 16:110926. [ Links ]
3. Evashwick C, Rowe G, Diehr P, Branch L. Factors explaining the use of health care services by the elderly. Health Serv Res. 1984; 19:35782. [ Links ]
4. FernándezOlano C, Hidalgo JD, CerdáDíaz R, RequenaGallego M, SánchezCastaño C, UrbistondoCascales L, etal. Factors associated with health care utilization by the elderly in a public health care system. Health Policy. 2006; 75:1319. [ Links ]
5. Li X, Guh D, Lacaille D, Esdaile J, Anis AH. The impact of cost sharing of prescription drug expenditures on health care utilization by the elderly: ownand crossprice elasticities. Health Policy. 2007; 82:3407. [ Links ]
6. Bolin K, Lindgren B, Lundborg P. Informal and formal care among singleliving elderly in Europe. Health Econ. 2008; 17:393409. [ Links ]
7. Maurer J. Assessing horizontal equity in medication treatment among elderly Mexicans: which socioeconomic determinants matter most?. Health Econ. 2008; 17:115369. [ Links ]
8. Bonsang E. Does informal care from children to their elderly parents substitute for formal care in Europe?. J Health Econ. 2009; 28:14354. [ Links ]
9. Yam HK, Mercer SW, Wong LY, Chan WK, Yeoh EK. Public and private healthcare services utilization by noninstitutional elderly in Hong Kong: is the inverse care law operating?. Health Policy. 2009; 91:22938. [ Links ]
10. Hoeck S, François G, Van der Heyden J, Geerts J, Van Hal G. Healthcare utilisation among the Belgian elderly in relation to their socioeconomic status. Health Policy. 2011; 99:17482. [ Links ]
11. National Research Council. Preparing for an aging world: the case for crossnational research: Panel on a Research Agenda and New Data for an Aging World. New York: National Academies Press; 2001. [ Links ]
12. Sarma S, Simpson W. A microeconometric analysis of Canadian health care utilization. Health Econ. 2006; 15:21939. [ Links ]
13. Lourenço OD, Quintal C, Ferreira PL, Barros PP. A equidade na utilização de cuidados de saúde em Portugal: uma avaliação baseada em modelos de contagem. Notas Económicas. 2007; 25:626. [ Links ]
14. Pereira J. Economia da saúde: glossário de termos e conceitos. 4ª ed. Lisboa: APES; 2004. (Documento de Trabalho; 1/93). [ Links ]
15. GallegosCarrillo K, GarcíaPeña C, DuránMuñoz C, Mudgal J, DuránArenas L, SalmerónCastro J. Health care utilization and healthrelated quality of life perception in older adults: a study of the Mexican Social Security Institute. Salud Publica Mex. 2008; 50:20717. [ Links ]
16. Andersen R. A behavioral model of families use of health services. Chicago: Center for Health Administration Studies. University of Chicago; 1968. (Research Series; 25). [ Links ]
17. Bago dUva T, Jones AM. Health care utilisation in Europe: new evidence from the ECHP. J Health Econ. 2009; 28:26579. [ Links ]
18. Bago dUva T. Latent class models for utilisation of health care. Health Econ. 2006; 15:32943. [ Links ]
19. Cameron AC, Trivedi PK. Regression analysis of count data. Cambridge, UK: Cambridge University Press; 1998. (Econometric Society Monographs; 30). [ Links ]
20. Winkelmann R. Econometric analysis of count data. 4ª ed. Berlin: Springer; 2003. [ Links ]
21. Deb P, Trivedi PK. The structure of demand for health care: latent class versus twopart models. J Health Econ. 2002; 21:60125. [ Links ]
22. Deb P, Trivedi PK. Demand for medical care by the elderly: a finite mixture approach. J Appl Econom. 1997; 12:31336. [ Links ]
23. Deb P, Holmes AM. Estimates of use and costs of behavioural health care: a comparison of standard and finite mixture models. Health Econ. 2000; 9:47589. [ Links ]
24. Deb P. A discrete random effects probit model with application to the demand for preventive care. Health Econ. 2001; 10:37183. [ Links ]
25. Bago dUva T. Latent class models for use of primary care: evidence from a British panel. Health Econ. 2005; 14:87392. [ Links ]
26. Lourenço OD, Ferreira PL. Utilization of public health centres in Portugal: effect of time costs and other determinants: finite mixture models applied to truncated samples. Health Econ. 2005; 14:93953. [ Links ]
27. JiménezMartín S, Labeaga JM, MartínezGranado M. Latent class versus twopart models in the demand for physician services across the European Union. Health Econ. 2002; 11:30121. [ Links ]
28. Atella V, Brindisi F, Deb P, Rosati FC. Determinants of access to physician services in Italy: a latent class seemingly unrelated probit approach. Health Econ. 2004; 13:65768. [ Links ]
29. Gerdtham UG, Trivedi PK. Equity in Swedish health care reconsidered: new results based on the finite mixture model. Health Econ. 2001; 56572. [ Links ]
30. Lourenço OD. Unveiling health care consumption groups: a latent class approach in the Portuguese health data context. Coimbra: Faculdade de Economia. Universidade de Coimbra; 2007. Tese de Doutoramento. [ Links ]
31. Murteira J, Lourenço O. Health care utilization and selfassessed health: specification of bivariate models using copulas. Empir Econ. 2010; 41:44772. [ Links ]
32. Grossman M. On the concept of health capital and demand for health. J Polit Econ. 1972; 80:2235. [ Links ]
33. Acton JP. Nonmonetary factors in the demand for medical services: some empirical evidence. J Polit Econ. 1975; 83:595614. [ Links ]
Conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
Recebido em 3 de Fevereiro de 2011
Aceite em 24 de Fevereiro de 2012
i Trata-se de uma forma de comportamento racional que se observa quando os consumidores aumentam a sua utilização de cuidados devido ao facto de não terem de suportar o custo total dos tratamentos14.
ii O modelo de classes latentes permite incluir na especificação do modelo a heterogeneidade não observada. A geração das classes é motivada por fatores que contribuem para explicar a utilização de cuidados de saúde mas que não são observados e que corresponderão a aspetos do estado de saúde de longo prazo não refletidos de forma completa pelas variáveis de estado de saúde existentes nos inquéritos. No caso de duas classes latentes, uma delas será vista como a população dos doentes, caracterizada por conter indivíduos com um elevado consumo de cuidados, e a população dos indivíduos saudáveis, formada por indivíduos que apresentam, em média, uma baixa utilização de cuidados médicos13.