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Revista de Ciências Agrárias

Print version ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.34 no.2 Lisboa July 2011

 

Tratamento e valorização agrícola da casca de ovo

 

Mª Carmo Magalhães1,3, Andreia Ribeiro2, Margarida Quina2,4, Cristina Cameira1,5 e Micaela Soares1,6

 

1CERNAS - Escola Superior Agrária de Coimbra, Bencanta 3040-316 Coimbra;

2Departamento de Engenharia Química, Universidade de Coimbra, Pólo II- Rua Sílvio Lima; 3030-790 Coimbra – Portugal;

3mcsm@esac.pt;

4guida@eq.uc.pt;

5mccc@esac.pt;

6msoares@esac.pt

 

RESUMO

Este trabalho tem como objectivo avaliar a possibilidade de utilização da casca de ovo como correctivo alcalinizante, através de ensaios em vasos, bem como estudar o efeito da adição de quantidades significativas deste material (20 a 33% m m-1) quer no desenvolvimento do processo de compostagem, quer na qualidade dos compostos obtidos.

Os resultados obtidos sugerem que a aplicação de casca de ovo, com granulometria inferior a 2 mm, ao solo tem um efeito semelhante ao da aplicação de calcário agrícola, apenas o custo associado ao seu tratamento térmico inviabiliza a sua aplicação.

Nos estudos de compostagem, a casca de ovo (material inorgânico) foi combinada com outros materiais com elevada percentagem de matéria orgânica (aparas de relva, estrume de cavalo e estrume de galinha). O desempenho do processo não foi significativamente afectado pela casca de ovo, mesmo quando esta constituiu cerca de 30% do volume das pilhas, tendo sido sempre atingida a fase termofílica. Os compostos obtidos apresentaram propriedades adequadas para serem aplicados ao solo.

Palavras chave: casca de ovo, compostagem, solo, valorização agrícola

 

Treatment and agricultural valorization of eggshell

ABSTRACT 

This study aims to assess the possibility of using eggshell as a corrective alkalizing, through trials in pots, as well as studying the effect of adding significant amounts of eggshell (20 to 33% m m-1) in the development the composting process, and in the quality of the final composts obtained.

The results suggest that the use of eggshell with a particle size below 2 mm in soil has an effect similar to the application of lime, only the cost associated with its thermal treatment prevents its use for this purpose.

In studies of composting, the eggshell (inorganic material) was combined with other materials with high percentage of organic matter (grass clippings, horse manure and chicken manure). Process performance was not significantly affected by the egg shell, even when it constituted about 30% of the pile volume and thermophilic stage was always achieved. The final composts obtained were suitable to be applied in soil.

Keywords: eggshell, composting, soil, agricultural valorisation

 

INTRODUÇÃO

A indústria de produtos e derivados de ovo produz actualmente uma quantidade significativa de casca de ovo (CO) que é considerada como um sub-produto de origem animal (SPOA) não destinado ao consumo humano. Estima-se que, a nível Europeu sejam produzidos cerca de 30 mil t de casca de ovo por ano, e que em Portugal esse valor ascenda às 3600 t (Agra CEAS Consulting, 2004).

Devido à indefinição de estratégias adequadas para a gestão deste sub-produto que contém cerca de 94% (m/m) de CaCO3 na sua composição (Stadelman, 2000), a deposição em aterro tem sido tradicionalmente utilizada como destino final. No entanto, as possibilidades de reutilização deste resíduo podem incluir a preparação de alimentos para animais ou de materiais adsorventes para a remoção de corantes e a sua incorporação no solo (Park et al., 2007; Tsai et al., 2008; Mezenner e Bensmaili, 2009), opções estas que têm sido apenas testadas à escala laboratorial.

No enquadramento das actuais políticas da União Europeia que fomentam a reciclagem e valorização de resíduos e tendo em conta normas sanitárias para a eliminação e a transformação de resíduos de origem animal, desde 2002 que estão definidos pelo Regulamento (CE) n. º 1774/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, procedimentos de recolha, transporte, armazenamento, manuseamento, transformação, utilização e eliminação de diversos SPOA. De acordo com a referida legislação, a aplicação controlada destes subprodutos em solos agrícolas apenas é possível, após pré-tratamento por acção térmica ou por processo de compostagem, para eliminar o risco de propagação de microrganismos patogénicos para o ambiente e para a saúde humana.

Apesar destas recomendações legais, estudos sistemáticos acerca dos efeitos no solo da aplicação da CO, após tratamento térmico ou incorporada num composto orgânico são escassos, sendo de realçar o trabalho realizado por Kemper e Goodwin (2009) que avalia a compostagem da casca de ovo com outros SPOA, usando agentes inoculantes externos para activar o processo de compostagem.

Desta forma, os principais objectivos deste trabalho consistem na obtenção de resultados preliminares relativamente à: 1) utilização da casca de ovo, após tratamento térmico, como correctivo alcalinizante, em alternativa ao tradicional calcário agrícola; 2) incorporação de quantidades significativas de casca de ovo num processo de compostagem de outros resíduos de origem animal (estrume de cavalo, estrume de galinha) e vegetal (aparas de relva), utilizando a comunidade microbiana naturalmente presente nos resíduos e avaliar o grau de estabilidade, de maturação e a qualidade final dos compostos produzidos, com vista à sua utilização agrícola.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

O resíduo de casca de ovo (CO) utilizado neste trabalho foi facultado por uma indústria nacional de produção de ovo líquido pasteurizado e ovo cozido, situado na região centro de Portugal. Previamente à sua utilização, a casca de ovo foi sujeita a tratamento térmico (120ºC durante duas horas e à pressão de 3 bar), seguido de moenda e crivagem com o crivo de 2,0 mm de malha.

Utilização da casca de ovo como correctivo alcalinizante

Com o objectivo de estudar o comportamento da CO como correctivo alcalinizante do solo, foi efectuado um ensaio em vasos, com dois tipos de solos com diferente poder tamponizante, cujas características se encontram no Quadro 1.

 

Quadro 1 – Características dos solos utilizados.

 

Os correctivos alcalinizantes testados (Casca de Ovo e Calcário agrícola), cujas propriedades estão presentes no Quadro 2, foram aplicados a cada tipo de solo nas quantidades equivalentes a 3,5 e 7,0 t ha-1 (solo 1) e 5,0 e 10,0 t ha-1 (solo 2). As doses escolhidas basearam-se no poder tampão esperado de cada solo, e tiveram como referência as quantidades de calcário necessárias para corrigir a acidez até pH(H2O) de cerca de 6,5 (Santos,1996) O ensaio constou de quatro tratamentos para cada tipo de solo (dois tipos de correctivos e dois níveis de aplicação), com seis repetições, num total de 48 vasos. A humidade de cada mistura de solo foi mantida próxima da capacidade de campo. Durante 3 meses, foi monitorizada a evolução do pH (H2O) dos solos.

 

Quadro 2 – Características dos correctivos alcalinizantes.

 

O tratamento estatístico dos resultados (análise de variância, médias e desvios padrão e testes de comparação entre médias) foi efectuado com o programa STATISTICA 6.0-1997. Nos casos em que se verificaram diferenças significativas, utilizou-se o teste de Tukey (nível de significância de 0,05) para identificar as diferenças entre tratamentos.

Incorporação da casca de ovo num processo de compostagem

Quatro pilhas do tipo windrow (pilhas 1-4) foram preparadas conforme as composições descritas no Quadro 3, sendo utilizado estrume de cavalo (EC), estrume de galinha (EG), aparas de relva (AR) e casca de ovo (CO).

 

Quadro 3 - Composição de cada pilha testada no ensaio.

 

As misturas iniciais foram devidamente homogeneizadas e, ao longo do ensaio, as pilhas foram revolvidas por meios mecânicos, de modo a promover o devido arejamento das misturas.

O teor de humidade foi ajustado periodicamente para manter condições adequadas para o desenvolvimento do processo. A temperatura foi monitorizada com uma sonda de temperatura (Delta Ohm), a 56 cm de profundidade, em oitos pontos distintos de cada pilha. A evolução do pH e da condutividade eléctrica em cada pilha testada foi quantificada de acordo com a metodologia definida por FCQAO (1994). Os compostos finais obtidos foram caracterizados em termos físico-químicos e microbiológicos seguindo as metodologias estabelecidas no Quadro 4.

 

Quadro 4 – Parâmetros físico-químicos e microbiológicos avaliados.

 

A amostragem de cada pilha compreendeu a recolha de dez sub-amostras a 20 cm de profundidade, em 10 pontos da pilha igualmente distanciados ao longo do seu comprimento. As sub-amostras foram homogeneizadas manualmente, dividas em 4 partes sendo uma delas rejeitada. Este procedimento foi repetido até obtenção de amostras com 2-3 kg, para posterior análise.

A fitotoxicidade dos compostos finais obtidos em cada pilha de compostagem testada foi aferida por quantificação do índice de germinação (GI). A preparação dos extractos dos compostos foi realizada segundo a metodologia de Albuquerque et al. (2006). Para cada extracto, foram uniformemente distribuídas dez sementes de agrião de jardim num papel de filtro humedecido com 4 ml de extracto e incubadas a 27 ºC, no escuro, durante 48 h. Após este período, foi registado o número de sementes germinadas e medido o seu comprimento radicular. Todas as determinações foram realizadas com cinco repetições. O índice de germinação foi quantificado de acordo com a Eq. (1):

 

 (1);

 

sendo RSG, a percentagem relativa de germinação de sementes, Eq. (2), e RRG a percentagem relativa do crescimento das raízes, calculada pela Eq. (3).

 

 (2);

(3).

 

Nas Eqs. (2) e (3) NSG é o número de sementes germinadas em cada extracto, e LRC o comprimento das raízes das sementes germinadas no extracto de controle, constituído por água desionizada.

O grau de estabilidade biológica dos compostos foi determinado por testes de auto-aquecimento e por ensaios de respirometria. Os testes de auto-aquecimento foram realizados em vasos de Dewar preenchidos com 1,5 dm3 de amostra húmida (60%). A temperatura do conteúdo de cada vaso foi registada durante um período de 10 dias. O grau de estabilidade do composto foi estabelecido em função da diferença entre a temperatura máxima registada e a temperatura ambiente diariamente registada, no exterior. Nos ensaios de respirometria foi utilizado um sistema experimental constituído por uma sonda de oxigénio (WTW inolab Oxi 740 with StirrOx) acoplada a um frasco provido de agitação. A temperatura foi mantida a 30 ºC, por imersão num banho de água com temperatura controlada. A saturação após o decréscimo do oxigénio no conteúdo do frasco devido à actividade microbiana foi realizada com uma pequena bomba de aquário. A preparação da amostra seguiu os procedimentos definidos por Lasaridi e Stentiford (1998). A taxa do consumo máximo de oxigénio, SOUR (mg O2 g−1 VS h−1), foi calculado de acordo com:

 

(4),

 

onde 60 é o factor de conversão de minutos para horas, |S|max o declive das rectas obtidas experimentalmente (mg O2 L-1 min-1), V o volume da suspensão (L), m a massa do composto em base húmida (g), DS a fracção dos sólidos secos (0 a 1), e VS a fracção dos sólidos voláteis (0 a 1) por (Lasaridi e Stentiford, 1998).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Utilização da casca de ovo como correctivo alcalinizante

Os correctivos alcalinizantes são produtos cuja composição química é susceptível de corrigir a acidez dos solos (Santos, 1995). O correctivo que generalizadamente é usado para este efeito é o calcário e a sua aplicação deverá ser na quantidade adequada ao tipo de solo, clima e às culturas que nele vão ser instaladas. O poder tamponizante do solo e as características que mais o influenciam como a textura e o teor de matéria orgânica, determinam a quantidade de correctivo alcalinizante a aplicar.

Nas condições do ensaio efectuado, não se verificaram no Solo 1 (com menor teor de MO e textura ligeira), diferenças significativas no efeito sobre o pH, quer dos correctivos utilizados, quer das quantidades aplicadas (Figura1a). O maior acréscimo do pH verificado com a casca de ovo foi de 0,22 unidades e com o correctivo calcário foi de 0,66.

 

Figura 1 – Valor do pH dos solos 1 e 2, três meses após a aplicação dos correctivos casca de ovo e Physiolith (valores médios±desvio padrão). Letras diferentes indicam diferença significativa entre tratamentos, através da análise de variância seguida do teste de Tukey  (p<0.05)). SC: solo + casca de ovo (3,5 t.ha-1 (solo 1); 5 t.ha-1 (solo 2)); SCC: solo + casca de ovo (7 t.ha-1 (solo 1); 10 t.ha-1 (solo 2)); SP: solo + Physiolith (3,5 t.ha-1 (solo 1); 5 t.ha-1 (solo 2)); SPP: solo + Physiolith (7 t.ha-1 (solo 1); 10 t.ha-1 (solo 2)).

 

No que diz respeito ao Solo 2, com um teor elevado de matéria orgânica, a aplicação da quantidade equivalente a cinco toneladas por hectare do calcário agrícola teve um maior efeito no valor do pH do que a quantidade equivalente às 10 toneladas ou de qualquer dos tratamentos com a casca de ovo (Figura1b). A quantidade de correctivo agrícola aplicada, equivalente a 10 toneladas de calcário, pode ter constituído uma sobrecalagem e deste modo não produzir efeitos na redução da acidez devido ao poder tamponizante deste solo. O maior acréscimo do pH verificado, neste solo, com a casca de ovo foi de 0,35 unidades e com o correctivo calcário foi de 1,17.

Apesar de possuírem poder neutralizante semelhante, os resultados obtidos indicam que o correctivo calcário tende a ser mais eficaz na diminuição da acidez do solo do que a casca de ovo. Esta eficácia do correctivo calcário pode ser atribuída à sua menor granulometria (80% inferior a 0,16 mm), facto que poderá ser esclarecido com estudos mais prolongados e utilizando uma moenda mais fina da casca de ovo.

Incorporação da casca de ovo num processo de compostagem

As principais propriedades físicas e químicas das misturas inicialmente testadas nas 4 pilhas são apresentadas no Quadro 5. O teor de humidade e a razão C/N presentes na mistura inicial sujeita a compostagem são parâmetros determinantes para que este processo microbiológico seja bem sucedido e devem estar compreendidos entre 50-60% e 25-30:1, respectivamente (Liang, Das e McClendon, 2003; Huang et al., 2004; Zhu, 2007).

 

Quadro 5 - Propriedades físico-químicas das misturas iniciais das pilhas de compostagem testadas.

 

Neste estudo, o teor de humidade das misturas iniciais de cada pilha variou entre 43-49%. No que diz respeito à relação C/N, os valores baixos foram encontrados em todas as misturas iniciais (15,2-17,8), e este aspecto limitou a evolução do processo (resultados discutidos na secção 3.2.2). Na verdade, Huang et al. (2004) estudaram o efeito da baixa relação C/N (aproximadamente 15) na compostagem de estrume de animais misturados com serradura e concluíram que períodos mais longos de compostagem foram necessários para atingir a maturação/estabilização do composto, mas que o perfil de temperatura registada atingiu o valor máximo de 60 ºC, tendo a fase termofílica uma duração de 32 dias, o que é suficiente para promover a higienização do composto.

Os elevados teores de cálcio em todas as misturas iniciais testadas, traduzem a quantidade significativa de casca de ovo incorporada (20 a 33%). Outros elementos importantes e necessários para o crescimento microbiológico, como P, K, Na, e Mg, estavam presentes em concentrações suficientes nas matérias-primas testadas. Os metais pesados tóxicos (Cd, Cr, Pb, Cu, Ni e Zn) foram detectados em baixas concentrações, tal como esperado dada a natureza dos materiais.

Neste estudo, a monitorização de 4 pilhas do tipo windrow com elevados teores de casa de ovo (Quadro 3) teve a duração de 50 dias e contemplou a quantificação de pH, condutividade eléctrica, humidade e temperatura de cada mistura.

Na Figura 2 está representada a evolução da temperatura registada em cada uma das quatro pilhas, assim como a temperatura ambiente observada durante o período em análise. De facto, a temperatura corresponde a uma das variáveis de monitorização mais importantes no processo de compostagem, uma vez que determina a dinâmica da actividade microbiana, a velocidade das reacções biológicas e também a qualidade do composto final.

 

Figura 2 – Perfil de temperatura do processo de compostagem (linhas verticais representam a amplitude dos valores de temperatura medidos em diferentes pontos da pilha): a)- pilhas com 20% de CO; b)- pilhas com ~30% de CO.

 

Os perfis de temperatura registados evidenciam que as matérias-primas já tinham uma temperatura > 30 ºC quando as pilhas foram construídas, porque os materiais utilizados já estavam envelhecidos. Com efeito, o estrume de cavalo utilizado neste estudo foi armazenado por duas semanas num átrio, o que permitiu que a degradação microbiana da matéria orgânica facilmente biodegradável tivesse início. De acordo com Li, Zhang e Pang (2008) a compostagem de estrumes envelhecidos atinge picos de temperatura mais baixos, demora mais tempo a atingir a estabilidade e causa mais perdas de matéria seca e azoto. Portanto, poder-se-ia esperar que os perfis de temperatura apresentados na Figura 2 apresentassem uma fase termofílica mais acentuada, se estrume fresco de cavalo tivesse sido usado.

As pilhas 1 e 2 (com 20% de casca de ovo) apresentaram uma fase termofílica que durou cerca de 20 dias; foram necessários cerca de 6 dias para se atingir os 50 ºC, que foi a média da temperatura máxima registada, apesar de valores de temperatura superiores terem sido monitorizados em alguns pontos das pilhas, especialmente na região central (linhas verticais na Figura 2(a)). A fase de maturação do processo foi bem identificada, uma vez que a temperatura das pilhas diminuiu para valores próximos da temperatura ambiente, independentemente da correcção da humidade e do arejamento mecânico realizados.

A Figura 2(b) apresenta o perfil de temperaturas das pilhas 3 e 4 (com cerca de 30% de CO). Neste caso, a fase termofílica foi mais curta (durou cerca de 14 dias) e teve início 6 dias depois da fase termofílica das  pilhas com 20% de casca de ovo na sua composição. Para além disso, a temperatura média máxima registada foi ainda menor (45 ºC e 43 ºC na pilha 3 e 4, respectivamente), bem como a temperatura do núcleo pilha (49 ºC e 47 ºC na pilha 3 e 4, respectivamente). Este facto poderá ser explicado pela maior percentagem de ovo incorporada nas pilhas 3 e 4 em comparação com as pilhas 1 e 2, o que diminui, em termos globais, a quantidade de matéria orgânica inicialmente presente nas misturas.

Durante o processo de compostagem, a evolução do pH (Figura 3) apresentou um perfil semelhante para as pilhas testadas e seguiu um padrão indicado por outros estudos (Zhu et al., 2004; Yañez, Alonso e Díaz, 2009). Inicialmente, durante a fase termofílica, o pH da mistura tendeu a aumentar, contudo a estabilização em valores de pH mais próximos da neutralidade ocorreu quando durante a fase de maturação. A condutividade eléctrica não sofreu alterações significativas, tendo este comportamento sido consistente em todas as pilhas analisadas.

 

Figura 3 – Evolução do pH (linhas a cheio) e da condutividade eléctrica (linhas a tracejado) durante o processo de compostagem.

 

As principais características físicas e químicas dos compostos produzidos neste trabalho estão apresentados no Quadro 6, bem como os critérios para a atribuição do Rótulo Ecológico Europeu (Decisão da Comissão 2001/688/CE). Todos os compostos (C1 da pilha 1 a C4 da pilha 4) atingiram uma aparência escura típica da presença de húmus, não sendo evidente qualquer odor desagradável. Independentemente do conteúdo de CO nas misturas testadas encontraram-se visíveis nos compostos obtidos, pequenas partículas de casca de ovo. Os teores de humidade quantificados nos compostos finais estiveram de acordo com os critérios estabelecidos pelo sistema comunitário de atribuição de Rótulo Ecológico. No que diz respeito à condutividade eléctrica, os níveis quantificados foram próximos do valor máximo permitido (1,5 mS cm-1), provavelmente devido à utilização de estrumes de animais que tipicamente são caracterizados por possuírem elevados níveis de condutividade eléctrica (Ko et al., 2008).

 

Quadro 6 – Caracterização física e química dos compostos (C1-C4).

 

 

Em geral, o teor de metais pesados em compostos destinados a valorização agrícola pode ser considerado um parâmetro crítico, em termos de qualidade. Na verdade, apesar de algumas quantidades de metais pesados específicos serem essenciais para o crescimento da planta (por exemplo, Cu, Ni, Zn), outros, mesmo em pequenas quantidades são motivo de preocupação devido ao seu potencial impacte na biota do solo e na saúde humana. Ao comparar os teores de Cd, Cr, Pb, Cu, Ni e Zn presentes nos compostos produzidos, com os critérios estabelecidos para a obtenção de um rótulo ecológico não foram encontrados valores críticos. Os compostos finais obtidos são claramente materiais ricos em Ca e seu montante é quase duas vezes maior do que as matérias-primas (Quadro 5). Este facto é uma consequência da redução da massa total que tipicamente ocorre durante um processo de compostagem e à estabilidade química dos minerais de cálcio na casca de ovo (principalmente CaCO3). Na verdade, quando o pH assume valores ligeiramente básicos (7,6-8,3), a taxa de lixiviação do cálcio é muito baixa. Como já mencionado anteriormente, estes compostos podem ter um efeito positivo quando aplicados para aumentar o pH do solo ou para corrigir os níveis de solos pobres em cálcio.

Em termos microbiológicos, os valores de bactérias coliformes (CB), bactérias coliformes termotolerantes (TCB), E. Coli e clostrídios sulfito – redutores (SSRC) quantificados nos compostos analisados estão presentes na Figura 4(a). A contagem de microrganismos mesófilos totais, realizada nas misturas iniciais e nos compostos finais, está apresentada na Figura 4(b).

 

Figura 4 – Características microbiológicas dos compostos finais: a) total de bactérias coliformes (CB), bactérias coliformes termotolerantes (TCB), Escherichia coli (E. Coli), Esporos de clostrídios sulfito-redutores (SSRC); b) microrganismos mesófilos totais (MB) no início do processo (misturas iniciais) e nos compostos finais.

 

A presença de bactérias fecais é de especial interesse do ponto de vista higiénico, porque pode ser usada como bioindicador da presença de potenciais microrganismos patogénicos e do grau de higienização do composto. A caracterização dos compostos produzidos neste trabalho demonstrou que bactérias fecais estão presentes, independentemente das composições das misturas testadas: os resultados mostraram que os níveis de TCB e de E. coli variam entre 0,9-2,9 log NMP g-1 e 0,9 -2,7 log NMP g-1, respectivamente, contudo estes valores são inferiores aos definidos pela Decisão da Comissão 2001/688/CE (inferior a 1000 NMP g-1) para uso agrícola ou para a comercialização do composto.

O composto obtido na pilha 4 apresentou os níveis mais elevados de TCB e E. coli, indicando que provavelmente a duração da fase termófilica, não foi suficiente para assegurar a inactivação completa de patogénicos. Na verdade, o perfil de temperatura (Figura 2) para essa pilha atingiu a temperatura mais baixa registada durante a monitorização do processo de compostagem.

Os resultados obtidos pela técnica de tubos múltiplos para os esporos de clostrídios sulfito-redutores (SSRC) nos compostos finais (Figura 3)) são relativamente elevados, sendo o menor valor determinado para a pilha 1. A quantificação do SSRC é um parâmetro importante, uma vez que clostrídios são bactérias formadoras de esporos que podem, através deste mecanismo, resistir às altas temperaturas desenvolvidas nas pilhas durante o processo de compostagem (Bustamante et al., 2008). Ausência de Clostridium perfringens por grama de composto foi sugerida como uma exigência do produto final no segundo projecto da Comissão Europeia (Second draft of the European Commission working document on biological treatment of biowaste, 2001). Os resultados obtidos neste trabalho, levantam a suspeita de que a relação de tempo e temperatura não terá sido suficiente para destruir os esporos.

Os resultados também indicaram que os níveis de MB quantificados nas misturas iniciais rondaram os 8,9 log UFC g-1 e no final do processo de compostagem, a contagem bacteriana diminuiu para níveis em torno de 7,7-8,0 log UFC g-1. Esses valores eram previsíveis, pois os microrganismos mesófilos ainda estão presentes na fase de maturação, apesar da baixa actividade microbiana (Hassen et al., 2001).

A partir dos resultados apresentados, não foram observadas diferenças significativas na qualidade microbiológica dos produtos finais obtidos com diferentes níveis de resíduos de casca de ovo.É também de salientar que o grau de higienização dos compostos produzidos neste trabalho, pode não ter sido exclusivamente dependente do perfil de temperatura alcançado durante a compostagem, mas também influenciado por fenómenos de recontaminação associados à utilização do equipamento mecânico para misturar e arejar as pilhas. De facto, alguns autores (Hassen et al., 2001; Bustamante et al., 2008) referem a recontaminação ou "redistribuição" de coliformes fecais durante os revolvimentos de pilhas do tipo windrow. Por outro lado, as experiências apresentadas neste trabalho foram realizados numa zona agrícola, onde o equipamento mecânico também foi utilizado para misturar e arejar pilhas constituídas por estrumes de animais com diferentes níveis de higienização. Deste modo, será provável que o equipamento de revolvimento possa ter actuado como vector de re-colonização dos compostos por outras comunidades bacterianas.

O índice de germinação (GI) é um parâmetro usualmente quantificado para avaliar a toxicidade do composto, uma vez que compostos não maturados podem conter substâncias inibidoras da germinação de sementes e desenvolvimento radicular normal. Neste trabalho, os ensaios de germinação foram realizados com sementes de agrião de jardim e os resultados obtidos estão resumidos na Figura 5.

 

Figura 5 – Resultados dos ensaios de germinação (linhas verticais correspondem aos desvios padrão) para os compostos C1 a C4, usando sementes de agrião de jardim (n=5).

 

Independentemente da composição do composto, a percentagem relativa de germinação, RRG, foi sempre superior a 100%. Estes resultados significam que o desenvolvimento das raízes das sementes é favorecido por substâncias presentes nos compostos. O índice de germinação obtido, GI, foi superior a 60%, variando de 87% a 101%, o que indica que os compostos analisados não apresentam propriedades fitotóxicas capazes de inibir a germinação (Komilis e Tziouvaras, 2009). Índices de germinação inferiores que variaram entre 32,5% e 50% foram obtidos por Kemper e Goodwin (2009) em compostos produzidos a partir de resíduos da casca e estrume de galinha. Estes resultados indicam que as características fitotóxicas dos compostos produzidos a partir de resíduos de casca de ovo só podem ser atribuídas às propriedades do estrume animal utilizado na composição daquelas pilhas.

A estabilidade do composto representa o grau de decomposição da matéria orgânica expressa em função da actividade microbiana e pode ser avaliada, por exemplo, por metodologias respirométricas (Komilis e Tziouvaras, 2009). Neste estudo, a estabilidade dos compostos produzidos foi avaliada por testes de auto-aquecimento e por ensaios de respirometria.Independentemente do composto analisado, a temperatura máxima registada durante o teste de autoquecimento não ultrapassou os 29ºC, e o consumo máximo de oxigénio, SOUR rondou valores entre os 0,19 e 0,36 mg O2 g−1 VS h−1

Ambos os testes demonstraram claramente que todos os compostos apresentam uma estabilidade elevada, após 50 dias de compostagem e, portanto, a sua utilização como substrato orgânico irá manter a disponibilidade de oxigénio no solo ou meio de crescimento. Na verdade, o valor de SOUR obtido neste trabalho foi inferior a 1 mg O2 g-1 VS h-1, para todas as pilhas testadas, o que é indicativo de compostos estáveis (Lasaridi e Stentiford, 1998). Por outro lado, também as temperaturas mais elevadas alcançadas durante o teste de aquecimento foram inferiores a 30 ºC, permitindo classificar todos os compostos com um grau de estabilidade V.

 

CONCLUSÕES

Nas condições do estudo realizado em vasos, a aplicação da casca de ovo ao solo com baixo teor de matéria orgânica e textura arenosa, teve o mesmo efeito que a aplicação de igual quantidade do correctivo agrícola, podendo deste modo substituí-lo. Contudo, a exigência legal de um tratamento térmico antes da aplicação da CO ao solo, constitui uma desvantagem relativamente ao calcário agrícola. Relativamente a solos com elevado teor de matéria orgânica, e portanto com um maior poder tamponizante, o correctivo calcário apresentou um efeito significativamente maior na subida do pH do que com a casca de ovo, mas apenas no tratamento em que se aplicaram o equivalente a 5 t ha-1. Estudos de campo deverão ser efectuados para complementar e comprovar estas observações preliminares.

No que diz respeito ao processo da compostagem, os resultados experimentais indicam que quantidades significativas de casca de ovo (20 e 33%) podem ser utilizadas juntamente com outros resíduos de origem animal e vegetal, sem haver inconvenientes para o desenrolar do processo. Independentemente da formulação testada a fase termofílica foi observada em todas as pilhas, apesar da baixa razão C/N existente no início do processo. Do estudo da qualidade dos compostos finais, feito através da análise das respectivas características físicas, químicas e microbiológicas, pode-se concluir que apresentam propriedades adequadas a aplicações agronómicas. Apesar dos baixos teores de E.coli quantificados nos compostos finais, o aspecto sanitário do composto poderá não estar garantido devido a provável recontaminação ocorrida durante o processo de revolvimento e à pequena duração da fase termofílica.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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