SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.40 número especialPerfil do consumidor e hábitos de compra e consumo de produtos gourmet em Bragança, PortugalUtilização de plantas como ingredientes bioativos e aditivos naturais em queijo de ovelha índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.40 no.spe Lisboa dez. 2017

https://doi.org/10.19084/RCA16205 

ARTIGO

Perceção dos consumidores sobre as características sensoriais do Queijo de Cabra Transmontano de Cura Extra Longa

Consumers' perception about sensorial characteristics of the Extra Long Maturation Transmontano Goat Cheese

Título resumido: Queijo de Cabra Transmontano CEL

Álvaro Mendonça1,2, Fernando Sousa1,2, António Fernandes1,3,*, Marta Carvalho4, Inácio Neto5 e Sandra Gomes1

1 Escola Superior Agrária, Bragança, Portugal

2 Centro de Investigação de Montanha, Bragança, Portugal

3 Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento, Vila Real, Portugal

4 ALS Controlvet/Fullsense, Tondela, Portugal

5 Cooperativa de Produtores de Leite de Cabra Serrana, Mirandela, Portugal

(*E-mail: toze@ipb.pt)


RESUMO

Este trabalho baseia-se nos dados de um inquérito às preferências de consumo de queijo de cabra transmontana. O estudo teve como objetivos: identificar o perfil do consumidor, os seus hábitos de consumo de queijo e comparar a perceção dos consumidores face às características de queijos com diferentes tempos de cura (2, 7 e 12 meses). Para isso, desenvolveu-se um estudo baseado numa amostra de 157 consumidores que se deslocaram a um supermercado de Bragança nos dias 28 e 29 de maio de 2015. Para proceder à recolha de dados foi utilizado um questionário com questões acerca das características do consumidor, da frequência do consumo de queijo e das perceções sensoriais por parte dos consumidores (aspecto, aroma, sabor, perceção de teor de gordura, dureza, perceção de teor de sal) dos queijos. A maioria dos participantes consumia queijo mais de uma vez por semana, era do género masculino, tinha idade compreendida entre 25 e 64 anos, era casado, vivia em agregados familiares com duas pessoas e o rendimento líquido mensal do agregado familiar situava-se entre 1001 e 3000 €. Os resultados globais permitiram identificar diferenças, ao nível de significância de 1%, em todas as características consideradas com exceção da perceção do teor de sal. Relativamente ao aspecto, aroma, sabor, avaliação global e intenção de compra, o queijo com dois meses de cura foi o preferido. Os consumidores percecionaram um teor de gordura mais elevado no queijo com sete meses de cura. Finalmente, o queijo com 12 meses de cura foi considerado o mais duro. Verificou-se, ainda, que quando tido em consideração o género, a idade e a frequência do consumo, as diferenças foram encontradas no grupo dos indivíduos do género feminino, com idade entre 25 e 64 anos e que consumiam queijo mais frequentemente.

Palavras-chave: Queijo, Cabra transmontana, Cura extralonga, Estudo de mercado.


ABSTRACT

This research is based on data from a survey about consumers’ preferences on consumption of Transmontano goat cheese. The study aimed to identify the consumer profile and cheese consumption habits, and to compare the characteristics of cheeses with different maturations (2, 7 and 12 months). To achieve these goals it was developed a study based on a sample of 157 consumers who went to a supermarket located in Bragança on 28th and 29th May 2015. To collect the data, it was used a questionnaire with questions about the consumer characteristics, the frequency of the cheese consumption and sensorial characteristics perceived by consumers (appearance, aroma, taste, perception of fat content, hardness, perception of salt content) of the cheeses. Most participants consumed cheese more than once a week, were males, aged between 17 and 86 years, were married, lived in households with two people and the monthly net income of the household was between 1001 and 3000 €. The results showed differences, at a significance level of 1%, in all the characteristics considered except for the perception of the salt content. Regarding the appearance, smell, taste, overall evaluation and purchase intention, cheese with two months of maturation was preferred. Consumers perceived a higher fat content in cheese with seven months of maturation. Finally, the cheese with 12 months of maturation was considered the hardest. Also, it was verified that when gender, age and consumption frequency were taken into account, the differences were found in the group of female subjects aged 25-64 years who consumed cheese more frequently.

Keywords: Cheese, Transmontana goat, Extra-long maturation, Market research.


INTRODUÇÃO

Os produtos agrícolas e agroalimentares tradicionais estão hoje no centro das atenções enquanto instrumentos potenciadores de desenvolvimento agrícola e rural. Tais produtos são vistos como elemento fundamental no ordenamento do espaço, na preservação da paisagem e conservação da natureza e na luta contra a desertificação e despovoamento de territórios rurais particularmente desfavorecidos (Tibério et al., 2008). Efetivamente, segundo Murphy et al. (2003), estes produtos permitem que pequenos negócios agrícolas tenham a oportunidade de operar em nichos de mercado com grande potencial de crescimento uma vez que satisfazem a procura dos consumidores por alimentos artesanais de alta qualidade.

O queijo está presente na nutrição humana desde tempos imemoriais, representando um dos produtos alimentares mais consumidos em todo o mundo. Quando preparado com leite de cabra, o queijo é considerado como um produto de especialidade, sendo altamente apreciado e desempenhando um papel significativo nas economias locais (Bontinis et al., 2012; Soto-Barajas et al., 2013; González-Martín et al., 2017). O queijo de leite de cabra é muito apreciado devido a características organolépticas específicas e efeitos benéficos na saúde humana (Park, 2007).

No contexto dos produtos tradicionais têm surgido estratégias de valorização comercial dos produtos tradicionais, através da certificação e consequente atribuição de marcas coletivas, designadamente, Denominação de Origem Protegida - DOP, Indicação Geográfica Protegida - IGP, Especialidade Tradicional Garantida - ETG e Modo de Produção Biológico - MPB. As DOP caracterizam-se pelo compromisso dos seus produtores com certos termos de qualidade e quantidade no processo de produção e a sua submissão a alguns controlos rigorosos. Em contrapartida, estes produtores beneficiam de uma série de vantagens decorrentes da reputação coletiva da DOP. No entanto, as restrições quantitativas podem, por vezes, ser um obstáculo e significar uma perda de competitividade em mercados com elevada procura, que não é compensada pelo aumento da reputação, do valor acrescentado e da importância que a DOP poderia transmitir ao consumidor (Espejel et al., 2011).

Associada à raça Serrana existe, em Trás-os-Montes, a DOP do Queijo de Cabra Transmontano. Esta DOP abrange oito concelhos do distrito de Bragança e dois concelhos do distrito de Vila Real. O agrupamento de produtores que gere a DOP é a Cooperativa de Produtores de Leite de Cabra Serrana - LEICRAS (Barbosa e Teixeira, 2003; Barbosa et al., 2014). A LEICRAS recolhe e processa o leite de muitas das explorações leiteiras de Trás-os-Montes. Há, também, vários criadores que, por conta própria, elaboram queijo de cabra a partir do leite produzido nas suas explorações que comercializam de diversas formas. A quantidade de leite recolhido atingiu os valores mais elevados nos anos de 2006, com 341700 litros e em 2007, com 333588 litros (13892 kg e 20003 kg de queijo DOP produzido, respetivamente). A partir daí, veio a diminuir, embora com algumas oscilações, atingindo os 158251 litros no ano de 2013 (com 14215 kg de queijo DOP produzido) (Barbosa et al., 2014).

Segundo a LEICRAS (2015), o Queijo de Cabra Transmontano é um queijo curado semiduro a extraduro, com o teor de humidade de 25 a 35% referida ao queijo isento de matéria gorda, e com um teor de gordura de 45% a 60%, referido ao resíduo seco e obtido após coagulação do leite de cabra cru com coalho, coagulante de origem animal. Mantém a forma tradicional de fabrico e revela características atribuíveis ao leite e, portanto, à forma tradicional de maneio das cabras. O uso da DOP obriga a que o queijo seja produzido de acordo com as regras estipuladas no caderno de especificações o qual inclui, designadamente, as condições de alimentação e produção de leite da Cabra Serrana, higiene da ordenha, conservação do leite e fabrico do produto. A rotulagem deve cumprir os requisitos da legislação em vigor, mencionando também a DOP. O Queijo de Cabra Transmontano deve ostentar a marca de certificação aposta pela respetiva entidade certificadora. Este queijo é comercializado com uma cura mínima de dois meses (LEICRAS, 2015). Tradicionalmente, este tipo de queijo era quase exclusivamente consumido imediatamente após ser produzido (quando apresenta uma cor branca típica). No entanto, há uma tendência atual para refinar queijo de leite de cabra, submetendo-o a longos períodos de amadurecimento, de forma semelhante ao que é praticado em queijo obtido a partir de leite de ovelha. Espera-se que este processo de maturação cause alterações químicas e sensoriais, principalmente relacionadas com as diferentes reações de proteólise, lipólise e glicólise (Delgado et al., 2012). Em geral, estas reações modulam a textura e o aroma complexo do queijo (Delgado et al., 2012; Hayaloglu et al., 2013) que é, tipicamente, indicado como tendo um “sabor de cabra”. Exemplo disso mesmo é o Queijo de Cabra Transmontano Velho. De facto, trata-se de um queijo com cura mais prolongada, razão pela qual é duro ou extraduro. No mínimo, a cura é de três meses, podendo apresentar tempos de maturação de um ano ou mais, que fazem com que o aroma e o sabor sejam intensos. Pode ser comercializado untado com pasta de azeite e colorau com um peso compreendido entre 0,3 a 0,9 kg (LEICRAS, 2015).

Tibério et al. (2008) referem que os produtos apelidados de tradicionais estão e sempre estiveram no mercado, embora de forma não expressiva em termos quantitativos. Os produtores locais produzem-nos, essencialmente, para autoconsumo. Por seu lado, os consumidores locais usam-nos como produtos integrantes dos seus hábitos alimentares quotidianos. Mesmo que sejam considerados tradicionais, no sentido em que se produziam e elaboravam num determinado meio, com técnicas e saberes transmitidos de geração em geração, não são, na maioria dos casos, percebidos nestes termos. No entanto, os conceitos e referências associados a este tipo de produtos ganham importância ao nível do mercado e os produtores e distribuidores tendem a aumentar a produção, a diversificar a oferta e a melhorar a sua forma de apresentação. Efetivamente, segundo Dreyer et al. (2016), os produtos tradicionais têm alta qualidade, características únicas, são produzidos localmente, em pequenas quantidades. Geralmente têm certificação que pode ser DOP, IGP, ETG e MPB (Ribeiro e Fernandes, 2015a e 2015b).

As propriedades sensoriais têm sido reportadas como um dos aspectos mais importantes na escolha alimentar dos consumidores. Adicionalmente realça-se o papel cada vez mais crucial do consumidor no desenvolvimento de novos produtos, considerando-se este como o juiz de todo o processo de inovação e desenvolvimento. O lançamento de novos produtos capazes de satisfazer as necessidades dos consumidores torna-se um desafio para a indústria alimentar que tem de encontrar o equilíbrio entre as expectativas do consumidor face ao produto e o posicionamento face à sua concorrência no mercado (Rocha, 2014).

Van Hekken et al. (2006) concluem que a aceitação de um queijo pelo consumidor se baseia no seu sabor e textura e que, a compreensão da identidade sensorial do queijo proporcionará orientação crítica à medida que novas práticas são exploradas para melhorar o rendimento, a vida de prateleira e uniformidade de propriedades do queijo.

Assim, a análise sensorial surge como o elo de ligação entre a investigação e o desenvolvimento de produtos, onde os sentidos são usados para identificar as diferentes características de um alimento. Características sensoriais que descrevem um queijo são condicionadas por fatores relacionados com o tipo e origem do leite e processos de fabrico e maturação (Romo, 2007; Rocha, 2014).

Este trabalho integra-se no projeto PRODER – medida 4.1. – PA 49.481 – Cooperação para a Inovação – Desenvolvimento de queijo transmontano de cura extralonga de cabra Serrana em parceria com a LEICRAS e teve como objetivo identificar o perfil do consumidor, os seus hábitos de consumo de queijo e comparar a perceção das características de queijos com diferentes tempos de maturação (2, 7 e 12 meses) por parte dos consumidores. O estudo de mercado surge na sequência da Análise Sensorial levada a cabo por sete provadores qualificados (Gomes et al., 2015). Nesta fase do projeto, tornou-se necessário realizar um estudo exploratório sobre as características sensoriais do Queijo de Cabra Transmontano de Cura Extra Longa na perspetiva dos consumidores de forma a perceber qual a perceção do mercado potencial acerca das características dos queijos com diferentes tempos de cura e verificar a aceitabilidade destes por parte dos consumidores.

MATERIAL E MÉTODOS

Para atingir estes objetivos desenvolveu-se um estudo quantitativo, analítico, longitudinal e observacional. De acordo com Hoppen et al. (1996) e Jung (2004), este estudo assumiu uma natureza transversal, porque a informação foi recolhida apenas uma vez, proporcionando um "fotografia" das variáveis relevantes do estudo num determinado momento. Uma vez que o estudo se limita a observar o comportamento do consumidor face ao queijo de cabra transmontano DOP, de acordo com os mesmos investigadores, pode ser classificado como observacional. Por outro lado, o estudo pode ser classificado como quantitativo porque permite a representação do conhecimento adquirido na forma de gráficos, diagramas e cálculos. Finalmente, trata-se de um estudo analítico pois, para além do cálculo das estatísticas descritivas, procedeu-se à comparação da perceção dos consumidores acerca das características sensoriais de queijos com diferentes tempos de cura.

Para realizar o estudo, recolheu-se uma amostra aleatória constituída por 157 consumidores que se deslocaram a um supermercado de Bragança nos dias 28 e 29 de maio de 2015. Como pode ver-se no Quadro 1, a maioria dos inquiridos era do género masculino (51,6%), tinha idade compreendida entre 25 e 64 anos (67,9%), tinha habilitações literárias ao nível do ensino superior (40,6%), era casado (53,0%), vivia em agregados familiares com duas pessoas (30,3%) e o rendimento líquido mensal do agregado familiar situava-se entre 1001 e 3000 € (30,3%).



Para proceder à recolha de dados foi utilizado um questionário estruturado em três partes. A primeira parte continha questões acerca das características do consumidor, nomeadamente, idade, género, habilitações literárias, estado civil, número de elementos do agregado familiar e rendimento líquido mensal do agregado familiar. A segunda parte continha uma questão acerca da frequência do consumo de queijo. E, finalmente, a terceira parte do questionário continha questões acerca do aspecto, aroma e sabor avaliados numa escala hedónica estruturada de 1 a 9 (1 - extremamente desagradável, 2 – muitíssimo desagradável, 3 – muito desagradável, 4 – desagradável, 5 nem agradável nem desagradável, 6 - agradável, 7 – muito agradável, 8 – muitíssimo agradável, 9 - extremamente agradável). O questionário continha, ainda, questões acerca da dureza, perceção de teor de sal e de teor de gordura avaliados por meio de uma escala estruturada de 1 a 5 (1 – nada, 2 – pouco, 3 – nem pouco nem muito, 4 – bastante, 5 - muito). Da terceira parte do questionário constavam, ainda, questões acerca da intenção de compra medida numa escala estruturada de 1 a 5 (1 – de certeza que não compraria, 2 – não compraria, 3 – não sei se compraria, 4 – compraria, 5 - de certeza que compraria). Finalmente, a avaliação global dos queijos foi medida numa escala estruturada de 1 a 5 (1 – muito mau, 2 – mau, 3 – nem bom nem mau, 4 – bom, 5 - muito bom).

As três amostras de queijo foram apresentadas aos consumidores num prato plástico de sobremesa, estando o código do queijo inscrito no prato ao lado da fatia de queijo. Cada fatia tinha cerca de 4 milímetros de espessura. Foi, também, fornecido um prato contendo três tostas, um guardanapo e um copo de água. Os consumidores foram informados de que deveriam limpar o palato entre a degustação de cada uma das três fatias de queijo uma vez que as fatias eram fornecidas ao mesmo tempo. Para limpar o palato, os consumidores poderiam recorrer à água e/ou às tostas.

Previamente, foi levado a cabo o pré-teste recorrendo, para o efeito, a funcionários da LEICRAS. Verificou-se que a degustação dos queijos com diferentes tempos de cura e o preenchimento do questionário ocupavam cerca de 10 minutos do tempo dos consumidores. Procedeu-se a alguns pequenos ajustes no questionário, nomeadamente, no que diz respeito à codificação dos queijos.

Do total de inquéritos realizados, um foi invalidado devido ao facto do questionário estar incompleto e indevidamente preenchido. Os dados obtidos com este instrumento de recolha de dados foram, posteriormente, tratados recorrendo ao software SPSS 22.0 (Statistical Package for Social Sciences). O tratamento estatístico dos dados envolveu o uso de estatística descritiva com o objetivo de caracterizar a amostra e, consequentemente, definir o perfil do consumidor. Para isso, recorreu-se ao cálculo de frequências absolutas e relativas pois as variáveis eram qualitativas (Maroco, 2007; Pestana e Gageiro, 2014).

Devido ao facto de se tratar de um estudo analítico, recorreu-se à aplicação de um teste estatístico de localização para verificar se existiam diferenças, estatisticamente, significativas entre a perceção dos consumidores acerca das características sensoriais dos queijos com diferentes tempos de cura, bem como acerca da intenção de compra e avaliação global. Efetivamente, utilizou-se o teste de Friedman (também conhecido como ANOVA de Friedman) que se baseia nos números de ordem de cada caso (ISO 8587, 2006; Maroco, 2007; Pestana e Gageiro, 2014). A escolha do teste de Friedman (teste não-paramétrico) em detrimento do teste da ANOVA: desenho de blocos aleatórios (teste paramétrico) deveu-se ao facto dos dados não serem normais (ISO 8587, 2006; Maroco, 2007). A normalidade dos dados foi testada com recurso ao teste de Kolmogorov-Smirnov com a correcção de Lilliefors (N≥ 30) e com o teste de Shapiro-Wilk (N < 30) (Maroco, 2007). Assim, para implementar o teste de Friedman, para cada uma das características sensoriais dos três queijos, intenção de compra e avaliação global, os valores observados foram ordenados, por ordem crescente, de 1 a 3, pelas preferências de cada consumidor. Sendo que 1 correspondia a valores observados mais baixos, o 2 ao 2º valor observado mais elevado e o 3 ao valor mais elevado. Assim sendo, a média dos números de ordem só pôde variar entre 1 e 3. Segundo Maroco (2007) e Pestana e Gageiro (2014), sempre que houve empates (valores observados iguais, fez-se a média dos números de ordem que se atribuiriam caso não houvesse empates). Assim, o teste de Friedman permitiu testar a hipótese nula da igualdade de medianas contra a hipótese alternativa de nem todas as medianas serem iguais (Maroco, 2007; Pestana e Gageiro, 2014). Ou seja:

H0: η1 = η2 = η3

versus                                     em que η é a mediana

H1: $ i, j: η i ¹ η j

Para a execução do estudo analítico foi utilizado um grau de confiança (1-α) de 99% a que corresponde um nível de significância (α) de 1%. O nível de significância corresponde o Erro do Tipo I (rejeitar a hipótese nula quando esta é verdadeira) considerado razoável (Maroco, 2007). Segundo Maroco (2007), a regra de decisão estatística consiste em rejeitar a hipótese nula (H0) quando o p-value for inferior ou igual ao nível de significância, ou seja, quando p-value ≤ α. Probabilidade de significância ou p-value é o nível mais baixo de α para o qual é possível rejeitar H0 (Maroco, 2007).

RESULTADOS

Como pode ver-se na Figura 1, a esmagadora maioria dos consumidores consumia queijo mais de uma vez por semana (86,5%), 11,6% dos consumidores consumia queijo entre uma e quatro vezes por mês e, apenas, 1,9% dos consumidores consumia queijo uma vez por mês.



Como se pode ver no Quadro 2, foi possível identificar diferenças significativas em todas as características sensoriais consideradas (p-value < 0,01) com exceção da perceção de teor de sal (p-value > 0,01). Relativamente ao aspecto, aroma e sabor, o queijo 1 (2 meses de cura) foi o preferido pois apresenta uma média dos números de ordem mais elevada. Relativamente à avaliação global e intenção de compra registaram-se, igualmente, diferenças significativas (p-value < 0,01), tendo o queijo menos curado tido a melhor avaliação e intenção de compra. Relativamente à dureza, foi possível identificar diferenças significativas (p-value < 0,01), tendo o queijo 3, com 12 meses de cura, sido considerado pelos consumidores como o mais duro.

O Quadro 3 revela que o género é um fator diferenciador da perceção dos consumidores acerca das características sensoriais dos queijos com diferentes tempos de cura, da avaliação global e da intenção de compra. Efetivamente, foi possível encontrar diferenças significativas, ao nível de significância de 1%, quer no aspecto quer no sabor (p-value < 0,01). Os indivíduos do género feminino preferiram o aspecto e sabor do queijo 1 (2 meses de cura). Também no que diz respeito à avaliação global e intenção de compra se encontraram diferenças significativas (p-value < 0,01). De facto, o melhor aspecto e sabor do queijo 1 poderão ter contribuído para a melhor avaliação global e intenção de compra do queijo 1, uma vez que a média dos números de ordem é mais elevada nesse queijo. Não foi possível identificar diferenças estatisticamente significativas em algumas das características sensoriais consideradas, designadamente, aroma, perceção de teor de sal e perceção de teor de gordura, por parte dos indivíduos do género feminino (p-value > 0,01). Relativamente à dureza, verificou-se a existência de diferenças significativas (p-value < 0,01). O queijo 3 foi considerado o mais duro pois foi aquele que registou a média dos números de ordem mais elevada.

Já, no que diz respeito ao género masculino, verificou-se a inexistência de diferenças significativas nas características sensoriais, avaliação global e intenção de compra (p-value > 0,01). Apenas no que diz respeito à dureza foi possível encontrar diferenças significativas (p-value < 0,01). O queijo considerado mais duro foi, à semelhança da perceção dos consumidores do género feminino, o queijo 3 pois era o mais curado (12 meses de cura).

O Quadro 4 revela que a idade é um fator diferenciador da perceção dos consumidores acerca das características sensoriais dos queijos com diferentes tempos de cura. Efetivamente, foi possível encontrar diferenças significativas, ao nível de significância de 1%, nas características sensoriais (sabor, dureza, perceção de teor de sal e perceção de teor de gordura) bem como na avaliação global e intenção de compra (p-value < 0,01), no grupo dos adultos, segundo o INE (2012) indivíduos com idade compreendida entre 25 e 64 anos. Estes indivíduos preferiram o sabor do queijo 1 (2 meses de cura) e percecionaram teores de sal e de gordura mais elevados no queijo 3 (12 meses de cura) pois a média dos números de ordem é mais elevada nesses queijos. Neste grupo etário, não foi possível identificar diferenças significativas em algumas das características sensoriais consideradas, designadamente, aspecto e aroma (p-value > 0,01). Relativamente à dureza, verificou-se a existência de diferenças significativas em todos os grupos etários considerados (p-value < 0,01), tendo o queijo 3 sido considerado o mais duro (média dos números de ordem mais elevada).

Como foi referido, no grupo etário dos 25 a 64 anos (adultos) foram encontradas diferenças significativas quer na avaliação global quer na intenção de compra (p-value < 0,01). Globalmente, estes consumidores avaliaram melhor o queijo 1 (2 meses de tempo de cura), tendo a intenção de compra recaído no mesmo queijo (média dos números de ordem mais elevada).

O Quadro 5 revela que a frequência do consumo é um fator diferenciador da perceção dos consumidores acerca das características sensoriais dos queijos. De facto, foi possível encontrar diferenças significativas, ao nível de significância de 1%, no aspecto, aroma, sabor, dureza, perceção de teor de sal e perceção de teor de gordura (p-value < 0,01). Os consumidores que consomem queijo mais frequentemente preferiram o aspecto, aroma e sabor do queijo 1 (2 meses de cura) e consideraram que o queijo 3 (12 meses de cura) era o mais duro, mais salgado e com maior perceção de teor de gordura uma vez que a média dos números de ordem era mais elevada (Quadro 5).

Também se verificou a existência de diferenças, estatisticamente, significativas (p-value < 0,01) no que diz respeito à avaliação global e intenção de compra. É interessante constatar que o queijo 1 teve uma melhor avaliação global. No entanto, a intenção de compra recaiu no queijo 3, como pode ver-se no quadro 5 através da média dos números de ordem mais elevada. Este resultado é de destacar pois poderá vir a suportar uma eventual decisão futura da LEICRAS poder vir a produzir e comercializar o queijo com 12 meses de cura. Aliás, o projeto no qual se integra o presente estudo visa ajudar à tomada de decisão de produzir e comercializar queijo de cabra transmontano de cura extralonga. Para o efeito, este projeto inclui, ainda, o estudo das características físico-químicas e microbiológicas dos queijos com cura extralonga. Envolverá, ainda, o estudo das características sensoriais, avaliação global e intenção de compra de queijos com 14, 19 e 24 meses de cura (limite de maturação considerado, microbiologicamente, seguro) quer através de painel de provadores especializados, quer através de novos painéis de consumidores.

CONCLUSÃO

Relativamente ao perfil dos consumidores, verificou-se que a maioria era do género masculino, tinha idade compreendida, entre 25 e 64 anos, era casado, vivia em agregados familiares com duas pessoas, tinha habilitações literárias de nível superior e o rendimento líquido mensal do agregado familiar situava-se entre 1001 e 3000 Euros. Quanto aos hábitos de consumo, verificou-se que a maioria dos consumidores come queijo mais de uma vez por semana, isto é, consomem queijo frequentemente. Globalmente, os resultados revelaram que a preferência dos consumidores vai para o queijo com menor de tempo de cura. Efetivamente, o queijo com dois meses de cura teve melhor avaliação global e registou a melhor intenção de compra pois foi considerado como aquele que apresentou melhor aspecto, aroma e sabor. Consideraram, ainda, que o queijo com 7 meses tinha perceção de teor de gordura mais elevada e que o queijo com 12 meses era o mais duro. Finalmente, os consumidores não detetaram diferenças no que diz respeito ao teor de sal dos três queijos.

Verificou-se, ainda, que o género, a idade e a frequência do consumo são fatores diferenciadores da perceção dos consumidores acerca das características sensoriais dos queijos, da avaliação global e da intenção de compra. Relativamente aos fatores “género” e “idade”, os resultados obtidos foram similares aos da amostra global. De facto, na amostra dos indivíduos do género feminino e na amostra dos indivíduos com idade compreendida entre os 25 e 64 anos, o queijo preferido tinha 2 meses de cura. Da mesma forma, relativamente ao fator “frequência do consumo”, os consumidores que mais consomem queijo (mais de uma vez por semana), a avaliação global do queijo com 2 meses de cura foi melhor pois consideraram que tinha melhor aspecto, aroma e sabor. No entanto, a intenção de compra recaiu no queijo com 12 meses de cura pois os consumidores valorizaram a maior dureza, maior perceção quanto ao teor de sal e teor de gordura.

Como foi referido, este estudo exploratório baseou-se nos dados recolhidos no âmbito do Projeto PRODeER - Medida 4.1 - Cooperação para a Inovação. Nesta fase do projeto, os queijos tinham sido já avaliados por provadores qualificados. O projeto continuará a decorrer com a avaliação de queijo de cabra transmontano com 14, 19 e 24 meses de cura, sendo este último o limite de maturação considerado, microbiologicamente, seguro. No entanto, também esta questão está a ser investigada no âmbito do projeto. A avaliação futura continuará a ter duas fases distintas, nomeadamente, avaliação baseada em painel de provadores qualificados e avaliação baseada no mercado (perceção dos consumidores).

Os resultados do estudo exploratório mostraram que o queijo preferido dos consumidores com menos tempo de cura (2 meses de cura) é o queijo que atualmente é comercializado pela associação de produtores. No entanto, o queijo de cura extralonga com 12 meses apresenta-se como uma boa opção de comercialização, tendo em conta que este registou a melhor intenção de compra no grupo dos consumidores que consomem queijo mais frequentemente.

O objetivo final do projeto é aconselhar o agrupamento de produtores (LEICRAS) a enveredar ou não pela produção de queijo de cura extralonga de cabra Serrana. E, em caso afirmativo, indicar qual o tempo de cura que, potencialmente, será melhor aceite pelos consumidores, estando a qualidade físico-química e microbiológica asseguradas


Referências bibliográficas

Barbosa, J. & Teixeira, A. (2003) - Melhoramentos nas instalações de caprinos de leite no Nordeste Transmontano visando o desenvolvimento da actividade e da fileira produtiva. Simpósio Nacional de Engenharia Rural. Lisboa. <http://hdl.handle.net/10198/3238>         [ Links ]

Barbosa, J.; Pereira, F. & Neto, I. (2014) - Contributos para a caracterização das explorações leiteiras de caprinos de raça Serrana em Trás-os-Montes. III Reunião Nacional de Caprinicultura e Ovinicultura. Instituto Politécnico de Bragança-Escola Superior Agrária, Bragança.         [ Links ]

Bontinis, T.; Mallatou, H.; Pappa, E.; Massouras, T. & Alichanidis, E. (2012) - Study of proteolysis, lipolysis and volatile profile of a traditional Greek goat cheese (Xinotyri) during ripening. Small Ruminant Research, vol. 105, n. 1-3, p. 193–201.http://dx.doi.org/10.1016/j.smallrumres.2012.01.003        [ Links ]

Delgado, F.; González-Crespo, J.; Cava, R. & Ramírez, R. (2012) - Changes in microbiology, proteolysis, texture and sensory characteristics of raw goat milk cheeses treated by high-pressure at different stages of maturation. LWT - Food Science and Technology, vol. 48, n. 2, p. 268–275.http://doi.org/10.1016/j.lwt.2012.03.025        [ Links ]

Dreyer, H.; Strandhagen, J.; Hvolby, H.; Romsdal, A. & Alfnes, E. (2016) - Supply chain strategies for speciality foods: a Norwegian case study. Production Planning & Control, vol. 27, n. 11, p. 878-893. http://dx.doi.org/10.1080/09537287.2016.1156779        [ Links ]

Espejel, J.; Fandos, C. & Flavián, C. (2011) - Antecedents of Consumer Commitment to a PDO Wine: An Empirical Analysis of Spanish Consumers. Journal of Wine Research, vol. 22, n. 3, p. 205-225,http://dx.doi.org/10.1080/09571264.2011.622516        [ Links ]

Gomes, S.; Mendonça, A.; Neto, I.; Sousa, F.; Loforte, Y. & Carvalho, M. (2015) - Caracterização sensorial de queijo da cabra transmontano DOP com cura extra longa – Avaliação Preliminar. In: CAPRA 2015 – Reunião Nacional de Caprinicultura e Ovinicultura. p. 81-86.         [ Links ]

González-Martín, M.; Palacios, V.; Revilla, I.; Vivar-Quintana, A. & Hernández-Hierro, J. (2017) - Discrimination between cheeses made from cow’s, ewe’s and goat’s milk from unsaturated fatty acids and use of the canonical biplot method. Journal of Food Composition and Analysis, vol. 56, p. 34–40.http://dx.doi.org/10.1016/j.jfca.2016.12.005        [ Links ]

Hayaloglu, A.; Tolu, C. & Yasar, K. (2013) - Influence of goat breeds and starter culture systems on gross composition and proteolysis in Gokceada goat cheese during ripening. Small Ruminant Research, vol. 113, n. 1, p. 231–238.http://dx.doi.org/10.1016/j.smallrumres.2013.03.001        [ Links ]

Hoppen, N.; Lapointe, L. & Moreau, E. (1996) - Um guia para avaliação de artigos de pesquisa em Sistemas de Informação. Revista de Administração, vol. 2, n. 2, p. 42-46.         [ Links ]

INE (2012) - Censos 2011. Instituto Nacional de Estatística, Lisboa.         [ Links ]

ISO 8587 (2006) - Analyse sensorielle — Méthodologie — Classement par rangs.         [ Links ]

Jung, C. (2004) - Metodologia para pesquisa e desenvolvimento. Editora Axcel Books do Brasil, Rio de Janeiro.         [ Links ]

LEICRAS (2015) – [cit. 2015.11.12]. <http://www.leicras.com/index.php/produtos/quijo-de-cabra-transmontano.html>         [ Links ]

Maroco, J. (2007) - Análise Estatística com utilização do SPSS. Edições Sílabo, Lisboa.         [ Links ]

Murphy, A.; Meehan, H.; O'Reilly, S. & Bogue, J. (2003) - A Ten-Year Delphi Forecast of the Irish Speciality Food Market. Journal of International Food & Agribusiness Marketing, vol. 14, n. 1, p. 67-83.http://dx.doi.org/10.1300/J047v14n01_05        [ Links ]

Park, Y. (2007) - Rheological characteristics of goat and sheep milk. Small Ruminant Research, vol. 68, n. 1-2, p. 73–87. http://dx.doi.org/10.1016/j.smallrumres.2006.09.015        [ Links ]

Pestana, M. & Gageiro, J. (2014) - Análise de Dados para Ciências Sociais: A complementaridade do SPSS. Edições Sílabo, Lisboa.         [ Links ]

Ribeiro, M. & Fernandes, A. (2015a) - Perceção, conhecimento e hábitos de compra de produtos gourmet de marca branca: O caso de Bragança, Portugal. In: XVII Jornadas Luso-Espanholas de Economia Empresa. Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal. <http://hdl.handle.net/10198/12454>         [ Links ]

Ribeiro, M. & Fernandes, A. (2015b) - Perception, knowledge and buying habits of gourmet products by urban consumers from Bragança city, Portugal. In: International Conference Meanings of the Rural – between social representations, consumptions and rural development strategies. Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal. <http://hdl.handle.net/10198/12210>         [ Links ]

Rocha, C. (2014) - O consumidor como fonte de inovação: Ferramentas de avaliação sensorial para o desenvolvimento de novos produtos alimentares. Tese de Mestrado em Ciências do Consumo Alimentar. Universidade Aberta, Porto.         [ Links ]

Romo, L. (2007) - Evaluación sensorial: quesos de oveja y cabra. Cuaderno Tecnológico Nº 5 Lácteos. Instituto Nacional de Tecnología Industrial.         [ Links ]

Soto-Barajas, M.; González-Martín, M.; Salvador-Esteban, J.; Hernández-Hierro, J.; Moreno-Rodilla, V.; Vivar-Quintana, A.; Revilla, I.; Ortega, I.; Morón-Sancho, R. & Curto-Diego, B. (2013) - Prediction of the type of milk and degree of ripening in cheeses by means of artificial neural networks with data concerning fatty acids and near infrared spectroscopy. Talanta, vol. 116, p. 50–55.http://dx.doi.org/10.1016/j.talanta.2013.04.043        [ Links ]

Tibério, L.; Cristóvão, A. & Abreu, S. (2008) - Microproduções Agrícolas e Desenvolvimento Sustentável em Regiões Periféricas. Revista Portuguesa de Estudos Regionais, vol. 17, n. 1, p. 5-24.         [ Links ]

Van Hekken, D.; Drake, M.; Corral, F.; Prieto, V. & Gardea, A. (2006) - Mexican Chihuahua Cheese: Sensory Profiles of Young Cheese. Journal of Dairy Science, vol. 89, n. 10, p. 3729-3738.http://dx.doi.org/10.3168/jds.S0022-0302(06)72414-6        [ Links ]

Agradecimentos

Este trabalho foi financiado por: Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, na sua componente FEDER, através do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (COMPETE 2020) [Projeto nº 006971 (UID/SOC/04011)]; e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do projeto UID/SOC/04011/2013.


Recebido/received: 2016.12.22

Recebido em versão revista/received in revised form: 2017.04.24

Aceite/accepted: 2017.04.26

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons