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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.41 no.spe Lisboa dez. 2018

https://doi.org/10.19084/RCA.17072 

ARTIGO

Eficácia de fungicidas in vitro para Stemphylium vesicarium da pereira

Efficacy of fungicides in vitro for Stemphylium vesicarium of pear

João Pedro Luz*, Conceição Amaro, Raquel Isabel, Anamarija Jambrek e Dulce Barrios

Escola Superior Agrária, Instituto Politécnico de Castelo Branco, Quinta da Senhora de Mércules, 6001-909 Castelo Branco, Portugal

(*E-mail: j.p.luz@ipcb.pt)


RESUMO

Stemphylium vesicarium (teleomorfo Pleospora allii), agente causal da estenfiliose da pereira, é atualmente o fungo responsável pelos maiores prejuízos na produção de pera na região Oeste de Portugal. O aparecimento da doença tem sido recorrente nos últimos anos, existindo um risco elevado de desenvolvimento de resistência de S. vesicarium aos fungicidas utilizados. Cinco fungicidas foram testados em ensaios in vitro para S. vesicarium: fluopirame, iprodiona, tebuconazol, tirame e trifloxistrobina. Foram executados três tipos de ensaios: testes preliminares de avaliação da sensibilidade de S. vesicarium a 10 mg.mL-1 de substância ativa fungicida no crescimento micelial do fungo, concentração mínima inibitória (MIC) e eficácia dos fungicidas na germinação de esporos. Nos testes preliminares de avaliação da sensibilidade aos fungicidas foram usados 53 isolados do fungo e na determinação da MIC foram utilizados quatro isolados, todos provenientes da região Oeste de Portugal e obtidos em 2015. Nos testes preliminares, todos os isolados revelaram insensibilidade aos fungicidas fluopirame, tebuconazol e trifloxistrobina, mas só 13% foram insensíveis à iprodiona. A MIC variou entre 100 e 500 mg.L-1 para tebuconazol e entre 4.000 e 20.000 mg.L-1 para trifloxistrobina. A eficácia dos fungicidas na inibição da germinação de esporos de S. vesicarium foi muito reduzida, tendo sido obtida uma mortalidade máxima de 61% com fluopirame, mas somente para um dos isolados. Nenhum dos fungicidas ensaiados revelou simultaneamente eficácia na inibição do crescimento micelial e na germinação de esporos in vitro de S. vesicarium.

Palavras-chave: estenfiliose da pereira, fluopirame, iprodiona, tebuconazol, trifloxistrobina.


ABSTRACT

Stemphylium vesicarium (teleomorph Pleospora allii), causal agent of brown spot of pear, is currently the fungus responsible for the greatest losses in pear production in the western region of Portugal. The onset of the disease has been recurrent in recent years, and there is a high risk of S. vesicarium developing resistance to the fungicides used. Five fungicides were tested in in vitro assays for S. vesicarium: fluopyram, iprodione, tebuconazole, thiram, and trifloxystrobin. Three types of tests were performed: preliminary tests to evaluate the sensitivity of S. vesicarium to 10 mg.mL-1 of active ingredient of each fungicide on mycelial growth, minimum inhibitory concentration (MIC) and fungicide efficacy in the inhibition of spore germination. Fifty-three S. vesicarium isolates were used in the preliminary tests, four isolates in the determination of MIC and six isolates to evaluate spore germination, all obtained in 2015 from the West region of Portugal. In the preliminary tests, all isolates were insensitive to the fungicides fluopyram, tebuconazole, and trifloxystrobin, but only 13% were insensitive to iprodione. MIC ranged from 100-500 mg.L-1 for tebuconazole to 4,000-20,000 mg.L-1 for trifloxystrobin. The efficacy of fungicides on spore germination of S. vesicarium was very low, being obtained a maximum of 61% mortality with fluopyram, but only for one of the isolates. None of the tested fungicides simultaneously showed efficacy in inhibiting mycelial growth and in vitro spore germination of S. vesicarium.

Keywords: brown spot of pear, fluopyram, iprodione, tebuconazole, trifloxystrobin.


INTRODUÇÃO

Stemphylium vesicarium (teleomorfo Pleospora allii) é o agente causal da estenfiliose, a principal doença fúngica da pera em Portugal e também em Itália (Alberoni et al., 2005). Muitos pomares de pera, na região Oeste, da cultivar Rocha, a cultivar principal em Portugal, são afetados por esta doença que pode causar uma grande perda de produção. Os sintomas consistem em lesões necróticas em folhas e frutos que podem apodrecer antes, durante ou após a colheita.

Além de algumas práticas culturais preventivas, a aplicação de fungicidas ditiocarbamatos, estrobilurinas, fungicidas SDHI e tebuconazol, da queda da pétala até à maturação dos frutos, são o principal modo de reduzir a doença.

Em Itália, no início da década de 1990, foram relatados problemas no combate à doença com programas fungicidas baseados em dicarboximidas e posteriormente com estrobilurinas, dando origem a dúvidas quanto à sua eficácia. Um alto nível de resistência foi encontrado in vitro, correspondendo à falta de controlo da estenfiliose em campo (Brunelli et al., 1997; Collina et al., 2002).

Este trabalho foi realizado com o objetivo de melhorar o conhecimento quanto à possível resistência de S. vesicarium aos fungicidas mais utilizados, em Portugal, para combater a doença e tentar evitar a ocorrência de uma situação grave generalizada.

MATERIAL E MÉTODOS

Origem e obtenção dos isolados

Os isolados de Stemphylium vesicarium foram obtidos da região do Oeste, em 2015, provenientes de folhas e frutos com sintomas de estenfiliose em pereiras da cultivar Rocha. Pequenos pedaços de frutos ou folhas com sintomas da doença, depois de mergulhados em hipoclorito de sódio a 1% e lavados em água destilada esterilizada, foram colocados em meio de PDA (Potato Dextrose Agar) com 0,5% KSCN (tiocianato de potássio). As placas incubaram a 25°C na obscuridade. A purificação do fungo, pelo método do esporo único, foi efetuada em PDA e a esporulação em meio de agar V8 contendo 20% de sumo V8 Original (Campbell Soup Company, Camden, NJ, EUA), 0,4% de CaCO3 (Merck) e 1,6% de agar técnico n.º 3 (Oxoid) ou agar-tomate contendo 1,25% de concentrado de tomate (Compal), 0,3% de CaCO3 (Merck) e 1,28% de agar técnico n.º 3 (Oxoid). Para a obtenção de esporos, as placas foram submetidas a um fotoperíodo de 16 horas, a 22,5°C, durante 7 a 10 dias.

Fungicidas

Foram usados cinco fungicidas (formulação comercial), pertencentes a cinco famílias químicas diferentes: benzamida-piridina (SDHI) – Luna Privilege (fluopirame 41,7% SC, Bayer), dicarboximida – Rovral Aquaflow (iprodiona 43,1% SC, Bayer), triazol – Horizon (tebuconazol 25% ME, Bayer), ditiocarbamato – Pomarsol Ultra D (tirame 80% WG, Bayer) e estrobilurina – Flint (trifloxistrobina 50% WG, Bayer).

Teste preliminar de avaliação da sensibilidade

Para avaliação da sensibilidade preliminar dos isolados de Stemphylium vesicarium aos fungicidas, foram cultivados discos de micélio com 5 mm de diâmetro, retirados de culturas com 7 dias de idade, em PDA adicionado da suspensão fungicida a uma concentração final de substância ativa de 10 mg.L-1. As placas foram incubadas a 25°C na escuridão. O crescimento micelial do fungo foi avaliado ao 5.º e 7.ºdias de incubação, através da medição de dois diâmetros perpendiculares. Foram realizados testes para 53 isolados (Quadro 1), em triplicado.

 

 

Os isolados que mostraram crescimento micelial foram considerados insensíveis e os restantes foram considerados sensíveis (Alberoni et al., 2005).

Determinação da concentração mínima inibitória (crescimento micelial)

A avaliação da concentração mínima inibitória (MIC) do crescimento micelial de Stemphylium vesicarium foi efetuada em quatro isolados (A13, A17, A33 e A50) para quatro substâncias ativas. Para o tirame, trifloxistrobina e tebuconazol foram avaliadas as concentrações finais de 50-100 -500-1000-2000-4.000 mg.L-1 e para o fluopirame as concentrações finais de 15-20-50-100-500-1.000 mg.L-1. Posteriormente, porque estas concentrações não foram adequadas para o isolado A50, foram também testadas as seguintes concentrações: 100-1.000-2.000-4.000-8.000-10.000 mg.L-1 de fluopirame e 100-1.000-5.000-10.000-20.000-25.000 mg.L-1 de trifloxistrobina.

As inoculações e avaliações foram realizadas nas mesmas condições que para o teste preliminar.

Eficácia de fungicidas na germinação de esporos

A eficácia fungicida na germinação de esporos foi avaliada em seis isolados de Stemphylium vesicarium (A12, A13, A17, A33, A36 e A50) e para quatro substâncias ativas (fluopirame, tebuconazol, tirame e trifloxistrobina). As suspensões dos fungicidas foram adicionadas ao meio de cultura agar-água esterilizado e arrefecido a 48°C de forma a obter a concentração final de 2 mg.L-1 de substância ativa. O meio de cultura, suplementado com cada um dos fungicidas, foi de imediato distribuído em placas de Petri de 9 cm de diâmetro.

Os esporos, obtidos a partir de culturas em agar-tomate, após 15 dias, a 22,5°C e fotoperíodo de 16 h, foram arrastados para um criotubo com 1 mL de água destilada esterilizada. Utilizando a câmara melhorada de Neubauer, a concentração da suspensão de esporos foi aferida a 3,5 x 104 esporos/mL. Colocaram-se 6 gotas de 10 µL da suspensão de esporos em locais previamente marcados em cada placa de Petri. Foram avaliadas 12 gotas por cada substância ativa e usou-se o meio sem fungicida como testemunha não tratada. As placas foram a incubar a 25°C na obscuridade e a leitura foi realizada, 24 h após incubação, ao microscópio, com uma ampliação de 400x, distinguindo os conídios germinados e os não germinados em cada gota, que continha aproximadamente 100 conídios.

A percentagem de esporos não germinados (% MO) foi determinada do seguinte modo:

Após a obtenção do valor de MO foi utilizada a fórmula de Abbott (Abbott, 1925) para a determinação da percentagem da mortalidade corrigida (MC) para as placas com fungicidas:

onde:

MO – mortalidade observada com fungicida;

MT – mortalidade observada na testemunha sem fungicida.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Origem e obtenção dos isolados

Foram obtidos 53 isolados como se indica no Quadro 1, sendo 35 obtidos a partir de frutos e 18 a partir de folhas.

Teste preliminar de avaliação da sensibilidade

O teste preliminar de avaliação de sensibilidade de Stemphylium vesicarium a fungicidas, definido por Alberoni et al. (2005), revelou que houve crescimento de micélio em todos os 53 isolados, no meio de cultura com junção de 10 mg.L-1 dos fungicidas fluopirame, tebuconazol, tirame ou trifloxistrobina. Nas placas com iprodiona, só houve crescimento de micélio em sete isolados (A17a, A17b, A17c, A18c, A42a, A42b e A49a). O teste preliminar de avaliação revelou que nenhum dos isolados era sensível aos fungicidas fluopirame, tebuconazol, tirame e trifloxistrobina e que 13% dos isolados não eram sensíveis ao fungicida iprodiona (Figura 1).

 

 

As resistências às dicarboximidas são bastante conhecidas em vários fungos, inclusive para S. vesicarium (Brunelli et al., 1997; Collina et al., 2002; Alberoni et al., 2005; Alberoni et al., 2010a). A resistência de S. vesicarium a estrobilurinas também já tinha sido detetada em vários isolados italianos (Collina et al., 2007; Alberoni et al., 2010b).

Determinação da concentração mínima inibitória (crescimento micelial)

Os resultados obtidos para a MIC em crescimento micelial dos fungicidas para quatro isolados de Stemphylium vesicarium (A13, A17, A 33 e A 50) revelou valores muito elevados (Quadro 2), sendo quase todos superiores à concentração máxima testada para cada fungicida, 4.000 mg.L-1 para tirame e trifloxistrobina e 10.000 mg.L-1 para fluopirame no isolado A50. No mesmo isolado, a MIC foi de 20.000 mg.L-1 para trifloxistrobina. Para o tebuconazol a MIC variou entre 100 e 500 mg.L-1.

 

 

Eficácia de fungicidas na germinação de esporos

A eficácia dos quatro fungicidas avaliados (fluopirame, tebuconazol, tirame e trifloxistrobina), através da mortalidade corrigida (inibição da germinação de esporos), apresentou valores muito reduzidos para todos os isolados testados (A12, A13, A17, A33, A36 e A50). Somente um dos isolados (A13) apresentou uma mortalidade corrigida às 24 horas superior a 50% na concentração de 2 mg.L-1 de fluopirame (Figura 2).

 

 

CONCLUSÕES

O teste de avaliação preliminar de sensibilidade com 10 mg.L-1 de concentração fungicida revelou que todos os 53 isolados portugueses de Stemphylium vesicarium testados apresentavam insensibilidade aos fungicidas fluopirame, tebuconazol, trifloxistrobina e tirame. A iprodiona foi o único fungicida para o qual foram detetados isolados sensíveis (87%).

O resultado dos testes preliminares em crescimento micelial foram confirmados, para seis isolados, na germinação de esporos. Todos os esporos dos isolados apresentaram uma mortalidade muito baixa a 2 mg.L-1 de concentração fungicida, sendo portanto a eficácia dos quatro fungicidas testados (fluopirame, tebuconazol, tirame e trifloxistrobina) muito reduzida para a mortalidade dos esporos de S. vesicarium.

Os resultados apontam para uma grande variabilidade dos isolados em relação à sensibilidade aos fungicidas testados, pelo que se deverá aumentar o número de isolados em trabalhos posteriores.

Apesar do crescimento micelial ser reduzido, mas continuar a existir viabilidade dos esporos, podemos inferir que a metodologia para avaliar a sensibilidade de S. vesicarium a fungicidas através do crescimento micelial poderá não ser a mais adequada. Assim, mais trabalhos deverão ser realizados na inibição da germinação de esporos com o objetivo de determinar as concentrações mínimas inibitórias (MIC) para cada um dos fungicidas com vários isolados.

A eficácia in vitro dos fungicidas terá que ser corroborada com ensaios de eficácia em condições de campo.

 

Referências bibliográficas

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Recebido/received: 2018.02.14

Aceite/accepted: 2019.02.01

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