SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.43 número especial 1Contributos da pequena agricultura através da metodologia dos Valores de Produção PadrãoEstudo de mercado de café biológico de São Tomé e Príncipe índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.43 no.spe1 Lisboa dez. 2020  Epub 01-Dez-2020

https://doi.org/10.19084/rca.19029 

Artigo

A dinâmica de comercialização em circuito curto em Lugo, Galiza

Short circuit marketing dynamics in Lugo, Galiza

Rosângela Oliveira Soares1  2 

Paulino Varela Tavares2 

Manuel Luís Tibério1 

Artur Cristóvão1 

Mar Pérez Fra3 

Ana Isabel García Arias3 

1Centro de Estudos de Desenvolvimento Transdisciplinar (CETRAD), Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real, Portugal

2Instituto Federal Farroupilha - Campus Júlio de Castilhos, RGS, Brasil

3Departamento de Economia Aplicada da Universidade de Santiago de Compostela (USC) - Campus Terra de Lugo, Espanha


Resumo

Diversos são os canais de comercialização utilizados para escoar a produção alimentícia. Entretanto, existem iniciativas de produção de alimentos de base ecológica que se utilizam de canais alternativos de comercialização, como cadeias curtas de suprimento, redes alimentares cívicas, feiras e lojas especializadas, grupos de consumo. Neste caso, realizou-se um estudo para caracterizar um tipo específico de abastecimento alimentar em que agricultores e consumidores se aliam de forma colaborativa para o funcionamento dessa dinâmica, como uma forma de consumo responsável. A metodologia utilizada foi o estudo de caso, complementado por revisão de literatura, entrevistas e registo fotográfico. Diferentes corpos de conhecimento foram mobilizados para a análise e interpretação das práticas sociais envolvidas em torno de processos organizacionais, relações interpessoais, construção do conhecimento e ativismo alimentar. Os resultados indicam que essa dinâmica de abastecimento vai além do comércio de alimentos e que, finalmente, procura a materialização de uma sociedade e um sistema alimentar distinto.

Palavras-chave: Alimentos de base ecológica; circuitos curtos de suprimento de alimentos (SFSCs); economia alternativa; Lugo Galiza

Abstract

There are several marketing channels used to distribute food production. However, there are ecological-based food production initiatives that use alternative marketing channels, such as short supply chains, civic food chains, specialized fairs and specialty stores, as well as consumer groups. In this case, a study was carried out to characterize a specific type of food supply in which farmers and consumers work together in a collaborative way for the functioning of this dynamic, as a form of responsible consumption. The methodology used was the case study, complemented by literature review, interviews and photographic records. Different bodies of knowledge were mobilized for the analysis and interpretation of the social practices involved in organizational processes, interpersonal relationships, knowledge construction and food activism. The results indicate that this dynamics of supply goes beyond the food trade and that, finally, it seeks the materialization of a distinct society and food system.

Keywords: eco-based foods; short food supply chains (SFSCs); alternative economy; Lugo Galiza

INTRODUÇÃO

Os circuitos de proximidade, como uma característica de pequena escala, localidade e uma rejeição da lógica industrial do sistema alimentar convencional, têm-se mostrado como uma realidade e uma necessidade frente aos impactos socioculturais, económicos e ambientais da globalização alimentar (Marsden et al., 2000).

Os short food supply chains (SFSCs) ou circuitos curtos de comercialização, para Renting et al. (2003), podem ser caracterizados em três tipos: face-to-face; proximidade espacial; e espacialmente estendidos. Na primeira categoria, os consumidores compram produtos diretamente do produtor ou processador, e a autenticidade e a confiança são mediadas pela interação pessoal. Na segunda categoria, as redes são baseadas principalmente na proximidade espacial, na qual os produtos são vendidos na região (ou local) de produção e os consumidores estão conscientes da natureza “local” do produto no ponto de venda. Na comercialização de proximidade espacial geralmente incluem-se atores intermediários na cadeia agroalimentar, na qual eles assumem o papel de garantir a autenticidade do produto. As cadeias curtas espacialmente estendidas envolvem produtos agroalimentares alvo de sistemas de qualificação e certificação que lhes conferem características qualitativas particulares (Tibério, 2013). Neste caso, os produtos são vendidos a consumidores fora da região de produção que podem não ter experiência pessoal nessa localidade. Na maioria dos casos, os produtos são exportados da região para os mercados nacionais (Marsden et al., 2000). Para Renting et al. (2003), essas redes globais ainda são cadeias de suprimento de alimentos “curtas”, pois não é a distância pela qual um produto é transportado que é crítica, mas o fato de ele estar incorporado com informações carregadas de valor quando chega ao consumidor (2003:400).

Para Soler Montiel e Calle Collado (2010), a pesquisa neste tipo de rede alimentar está relacionada como alternativa para as produções mais vulneráveis que, além de atender às necessidades dos agricultores, também atendem às novas procuras sociais em torno da alimentação, diante dos processos de globalização alimentar.

Nesse sentido, realizou-se um estudo com o objetivo de caracterizar um tipo específico de abastecimento alimentar em que agricultores e consumidores se aliam de forma colaborativa para o funcionamento dessa dinâmica, como uma forma de consumo responsável (Lema-Blanco et al., 2015) a partir de uma economia colaborativa. Os objetivos secundários são: a) caracterizar a oferta das Lojas e do Mercado; b) conhecer as dinâmicas de comercialização que envolvem os grupos analisados; e c) mostrar a relevância social destas atividades no contexto local estudado. Sendo assim, a finalidade deste trabalho foi contribuir para a divulgação de um sistema alimentar mais sustentável no território e o fortalecimento de sinergias e redes entre os atores implicados no processo.

O artigo está estruturado da forma a seguir. Começamos com uma breve revisão de literatura sobre alimentos de base ecológica, circuitos de proximidade e economia alternativa. Em seguida, descrevemos a metodologia qualitativa do estudo e descrevemos os grupos estudados (mercado e varejo). Seguimos com a apresentação e discussão dos resultados e terminamos com conclusões.

REVISÃO DA LITERATURA

Agroecologia e canais de comercialização

Em âmbito mundial, atualmente, a agricultura ecológica passa a ser compreendida como uma alternativa para a produção de alimentos seguros, consciente e, por sua vez, carregada de uma atitude respeitosa para com o meio ambiente. Por isso, no que tange aos aspectos teóricos da agroecologia, Francis et al. (2003), Wezel e Soldat (2009) e Gliessman (2011) consideram a necessidade de reconectar a agricultura, o meio ambiente e o alimento, tornando-a um paradigma.

Por isso, nesse contexto, a Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO, 2018) lançou um projeto denominado “Ampliando a Agroecologia”, com a finalidade de estudar o potencial da agroecologia na agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a partir da evidência de que a forma como os agentes, consumidores-agricultores se relacionam com os alimentos vem sendo alterada e direcionada, paulatinamente, de acordo com os três aspectos destacados por Wezel e Soldat (2009) e Gliessman (2018), ou seja, a agroecologia_ciência, a agroecologia_prática e a agroecologia_movimento social. A exemplo desses movimentos sociais, os movimentos Associations pour le Maintien d’une Agriculture Paysanne (AMAP), Community Supported Agriculture (CSA) e Agricultura de Responsabilidad Compartida - del sindicato agrário COAG (ARCo) defendem a inclusão de questões alimentares e interações consumo/produção em uma visão agroecológica que, reconecta os consumidores aos agricultores e à agricultura. Essa reconexão, na visão de Lamine (2018), envolve o desenvolvimento de compromissos, compartilhamento de riscos e recompensas ao longo do processo.

Circuito de proximidade e economia alternativa

A temática da aproximação entre agricultores e consumidores nos circuitos curtos de proximidade é desencadeada por um vasto conjunto de autores, ocasionando uma diversidade de conceitos. Por exemplo, Galli e Brunori (2013) usaram os critérios da proximidade geográfica e a distância social como referências para definir circuitos curtos de abastecimento alimentar. Deste modo, esse canal proporciona que os agricultores controlem as informações fornecidas aos consumidores finais e recebam o retorno, não apenas sobre a identificação do produtor, as características, a qualidade dos alimentos ou práticas agrícolas, mas também dos valores éticos e sociais do processo (Marsden et al., 2000).

Para Tibério (2013), a comercialização de proximidade envolve diversos atores, tanto rurais quanto urbanos, da produção de itens de origem vegetal e animal (podendo ser ecológica ou não). Nesse sentido, a relação direta entre o produtor e o consumidor pode levar à construção de conhecimento e reforçar valores sobre o produto, sua origem, produção e consumo, além do processo de troca do produto (Marsden et al., 2000; Ilbery & Maye, 2005). Para complementar a percepção dos autores, Renting et al. (2003) destacam os aspectos mais intangíveis de interação, como a confiança, a solidariedade e o compromisso entre consumidor e produtor, sem deixar de lado a necessidade da confirmação formal da qualidade dos produtos (Cristóvão & Tibério, 2009).

A civic food networks (CFNs) surge como uma categoria complementar aos conceitos de short food supply chains e local(ized) food systems, que expressam os processos de mudança nos mecanismos de governança agroalimentar, relevantes para a sociedade civil. Por isso, as CFNs procuram garantir o acesso a alimentos sustentáveis para todas as pessoas e comunidades (Renting et al., 2012; Obach & Tobin, 2014) através da economia alternativa (Diez, 2003), onde agricultores e consumidores são os agentes centrais ativos colocados ao mesmo nível de participação.

Nesta perspectiva social, os envolvidos desenvolvem a confiança e reciprocidade nas relações que surgem dentro das redes de comercialização alternativas (Bos & Owen, 2016), tal como os grupos de compra solidária (Miralles et al., 2017).

MATERIAIS E MÉTODOS

O estudo configurou-se como uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa dos dados, desenvolvido pelo método de estudo de casos múltiplos (Yin, 2015), não probabilístico por acessibilidade e conveniência (Triviños, 2015). Neste trabalho, o processo de recolha de dados ocorreu nos meses de março e abril de 2019, a partir da revisão bibliográfica e fontes secundárias, envolvendo três etapas.

Primeiro, a realização de entrevista com especialista em produção, comercialização e consumo em ecológico. Nesta etapa, foi definido que o grupo de casos estudados seria composto por dois universos e seus sujeitos: i) agricultor, aquele que comercializa o seu produto direto para o consumidor no local chamado Mercado da Terra (Quadro 1); e ii) as Lojas (Quadro 2) que comercializam produtos ecológicos, locais e de proximidade, localizadas na cidade de Lugo, na Galiza. A província de Lugo contava, em 2018, com uma população de 98.025 pessoas e possuía 43% de terras aráveis com certificação ecológica da Galiza.

Quadro 1 Caracterização do Mercado 

Mercado da Terra Unidades produtivas Características
Ecoadellao Iniciou em junho de 2011. Se organiza de maneira conjunta, através de reuniões e grupos de trabalho onde participam consumidores e agricultores. Propõe a valorização de agricultores, artistas e artesões de Lugo e região por meio de espaços de troca de saberes, ações de boas práticas e comércio justo de alimentos de cultivo ecológico e de transição ecológica oriundos de movimentos coletivos, associações e cooperativas.
RIBEIREGAS
As Espigadoras
Eco Mascota
Sen Sucre
Panaderia Paula
ARZA
Millo e Landras
Ledicia da Horta

Posteriormente ocorreram a observação não participante e registo fotográfico com os agricultores do Mercado da Terra . Foram observados as práticas de comercialização e o relacionamento entre os envolvidos. Também foi aplicado um questionário, adaptado de Tibério (2013). Na terceira etapa, com o apoio de questionário estruturado, foi aplicada entrevista in loco aos responsáveis pelas lojas (Quadro 2). Cada entrevista durou aproximadamente uma hora.

Quadro 2 Caracterização das Lojas 

Lojas/Classificação/Início Características
- Bico de Grao* - Cooperativa - Setembro 2014 Todas as lojas comercializam alimentos ecológicos e acreditam na produção de proximidade, através de agricultores que cuidam o cultivo, a origem das sementes, o ser. Oferecem produtos, serviços e atividades complementares, tais como dança, terapias complementares, alimentos ecológicos para pequenos animais, cestas-presente. Também disponibilizam espaço para realização de reuniões, treinamentos e/ou oficinas.
- A Despensa do Avó Francisco - Individual - Março 2013
- A Pipa da Lua - Sociedade - Fevereiro 2016
- Ecoxantar - Individual Junho 2017
- A Cova do Raposo - Individual e Comércio Justo - Abril 2018

* A primeira loja de alimentos orgânicos não perecíveis e a granel aberta em Lugo. Em 2018 recebeu o prêmio para o “melhor projeto cooperativo novo” na Galiza.

Em seguida, as entrevistas foram transcritas, processadas e extraídas as informações relevantes e comparadas com os registos fotográficos. Para a análise dos dados foi adotado o método da análise de conteúdo (Bardin, 1977).

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Antes de passar aos resultados propriamente ditos, cabe destacar a origem das unidades pesquisadas. A escolha das lojas deu-se porque os proprietários participaram do Bandullo Ecológico ou da Cova da Terra , entidades já extintas que tinham uma percepção específica sobre produtos de comércio justo, agricultura ecológica e ecofeminismo , venda de proximidade, respeito pela terra e pelos seres que nela habitam, ou seja, com uma consciência em agrobiodiversidade.

O Mercado da Terra

Quanto à pesquisa realizada no Mercado da Terra, os respondentes tinham idade entre 43 e 50 anos, sendo que, seis são eram do sexo feminino e três, do sexo masculino, e atuavam na atividade rural havia mais de 15 anos. O tempo de produção ecológica variava entre 8 e 25 anos, e um dos respondentes possuía menos de um ano de atividade. A área máxima de produção hortícola era de até um hectare, mas um respondente produzia em uma área de dois hectares. Os produtos eram escoados em até 70% para o mercado e feiras locais.

Os agricultores estavam estrategicamente localizados no espaço do mercado (Figura 1), com ambiente amplo e iluminação natural, boa ventilação e circulação das pessoas, além das estruturas de acessibilidade. Os materiais utilizados para embalagens e armazenamento dos alimentos eram limpos e cuidadosamente organizados. Alguns produtos continham rótulo com a marca do produtor, outros ofereciam embalagem personalizada. Alguns produtores distribuíam cartão de visita para que os clientes pudessem acessar a página virtual da empresa e até mesmo fazer pedidos pela Internet (Renting et al., 2003). Ainda ofereciam serviços de jardinagem, cestarias e fotografia, reforçando a difusão dos valores em agroecologia e comércio justo, em que consumidores e agricultores podem conhecer-se e firmar vínculos para uma forma de consumo mais sustentável.

Figura 1 Imagens do Mercado da Terra em Lugo, Galiza. 

Durante o período de observação, pode-se perceber a interação entre os agricultores, ilustrando, de certa forma, uma estreita convivência entre eles. Mas, quanto ao relacionamento produtor-consumidor, percebeu-se a grande empatia entre os mesmos. Normalmente eram clientes de longa data que desenvolveram afinidades com os agricultores e praticavam uma forma de consumo responsável (Lema-Blanco et al., 2015).

No Mercado da Terra, todos os produtos oferecidos eram cultivados conforme os critérios de agricultura ecológica, sem pesticidas, sem usos de técnicas que envenenassem ou degradassem o solo e o que dele retiravam. Para garantir a qualidade nos processos de produção e transformação dos alimentos, desenvolveram um selo denominado Sistema Participativo de Garantia - SGP, como desenvolvido em outros países como o Brasil e alguns países europeus (Loconto & Hatanaka, 2018). Segundo Chiffoleau et al. (2019), este sistema de rotulagem participativa é promovido pela direção geral do Institut national de la recherche agronomique (INRA) e está em processo de expansão para cerca de trinta territórios em França.

Uma característica marcante dos atores envolvidos no Mercado da Terra é que os mesmos desempenham um papel decisivo na inscrição e mobilização de outros atores na rede a fim de criar e sustentar as suas estruturas e inovar o desenvolvimento de novas interfaces entre agricultores e consumidores (Marsden, 2018). Esse tipo de comercialização direta entre o grupo de agricultores e grupos de consumidores busca a viabilização de um mercado garantido aos agricultores, bem como a ampliação do acesso aos alimentos ecológicos por parte dos consumidores.

As Lojas

As lojas representam efetivamente o momento da interação entre a produção e o consumo de alimentos, o que Forssell e Lankoski (2017) denominam de alternative food retail - retalho alternativo de alimentos - , ilustrando a independência da produção ecológica, local e especial. Este tipo de retalho fornece um canal de entrada para pequenos agricultores e tem um potencial de orientar os consumidores em direção a escolhas alimentares mais sustentáveis (Forssell & Lankoski, 2017).

Os respondentes das lojas tinham entre 34 e 62 anos de idade, com formação muito superior à média da província, e ofereciam uma diversidade de produtos e serviços. Uma das lojas destacava-se pela venda exclusivamente de produtos ecológicos a granel, de temporada e certificados. No quesito certificação, as demais lojas vendiam produtos certificados como ecológicos e também ‘autocertificavam’, isto é, vendiam produtos alimentícios sem certificação oficial, dos quais, no entanto, conheciam a origem, o modo de produção e valorizavam a consciência ecológica do produtor. Além dos produtos ecológicos a granel (grãos, farinhas, pastas, açúcar, azeite, etc.), as demais lojas ofereciam produtos alimentícios (queijos, frutas, produtos de horta, mel, ovos, farinha, pão, etc.), de higiene e cosmética.

Algumas lojas optaram por instalar-se em bairros da cidade de Lugo para valorizar e fomentar as relações e aproximação com os consumidores. Também, três lojas disponibilizavam espaço ecossocial para responder às necessidades e procuras da sociedade, no qual podiam realizar diversas atividades relacionadas com os valores como cooperativismo, economia social, comércio justo, banco do tempo, ativismo feminino, entre outros.

Quanto à percepção sobre agricultura ecológica, o respondente BG mencionou “[...] um tipo de produção menos impactante para o meio ambiente, o tipo de insumos, o tipo de manejo que se realiza [...]”; e R_LL referiu “[...] apoiar a produção local e os pequenos produtores ... seria a ideia de agroecologia [...]”.

R_DAF relatou “[...] agora, após cinco anos na atividade, compreendo os princípios da ecologia, da soberania alimentar, da cooperação, do comércio justo, do feminismo. Não tinha noção de ecologia. Tive que fazer meu caminho na agricultura ecológica. Não era consumidora de produto ecológico [...]”.

E ainda: “[...] os alimentos estão sem energia, já a terra desvitaliza se não há cuidado [...]” (R_ECO).

Observando as afirmações dos respondentes, torna-se evidente que a valorização da produção local, o manejo e a preservação correta do solo, a interação e a cooperação entre os pequenos agricultores para fortalecer um comércio justo, assim como a segurança alimentar, na nossa concepção, passam, necessariamente, por uma compreensão mais atenta sobre a produção agroecológica geradora de emprego e renda para os agricultores.

Em relação ao motivo pelo qual a loja decidiu comercializar mercadorias com a qualidade ecológica,

R_DAF referiu: [...] não queríamos ser uma tenda normal, com produtos industriais ou produtos que comprassem no supermercado [...] não queríamos ser uma tenda cara, uma tenda de gourmet [...] valorizamos isso, o queijo, o pão e os ovos locais”.

E R_PL afirmou: “Durante muitos anos fomos consumidores desse tipo de produto. Por saúde também, mas não é a única razão [...] existe muita razão de consciência, de formar parte de cadeias de compra que são responsáveis pela produção, pelo tratamento com o meio ambiente, pelas condições de trabalho, como tratam os animais [...]”.

Partindo das colocações dos respondentes, fica expressa a preocupação ambiental e social dos agricultores com relação à produção e comercialização agroecológica, reforçando a consciência e os valores cívicos como sendo significativos nesse processo. Por isso, Cucco e Fonte (2015) destacam que estes espaços de comercialização podem ser transformados na direção da sustentabilidade, empoderamento e justiça social, e, efetivamente, constituir a base da aprendizagem e experimentação.

Com relação aos produtos vendidos, constatou-se que cada loja tinha sua característica própria e somente uma das lojas vendia produtos exclusivamente certificados como ecológicos. Todas as demais vendiam produtos locais, adquiridos diretamente do produtor, que, na maioria dos casos, fazia a entrega do produto à loja.

Quanto aos critérios que precisam ser atendidos pelo produtor, intermediário ou indústria para que possam ser fornecedores de mercadorias ecológicas para a loja, os respondentes acrescentaram o seguinte:

“[...] acreditamos que os produtos ecológicos garantem que em todo o processo de produção não tenham tratado com nenhum tóxico, nem pesticidas, nenhum químico que altere suas propriedades naturais [...]” (R_PL).

Produtores têm uma filosofia de vida, um respeito, todos os que vêm aqui já têm um cuidado diferente pelos produtos, uma consciência. Falo dos produtores locais. Agora, os que vêm através da distribuidora não se sabe [...]” (R_ECO).

Partindo destas duas respostas, percebe-se a inexistência de critérios formais para a escolha dos fornecedores. No entanto, estes eram escolhidos de acordo com o grau de interação existente entre os envolvidos. Mas, no caso da existência de mais de um fornecedor para um mesmo produto, os respondentes afirmaram que escolhiam pela qualidade e pelo preço (R_PL) e preferiam adquirir o referido produto dos agricultores organizados socialmente (cooperativa, associação, central de comercialização). Por outro lado, na falta de fornecedores locais, as lojas procuravam outras alternativas. Tal como referiu R_PL: “[...] em Lugo não se produz tudo, então temos que trazer de fora também [...]”, o que corrobora com a afirmação de R_CR “[...] em Galícia a horta ecológica no inverno é muito escassa, nestes momentos temos que comprar fora [...]”.

Quando foi questionado para as lojas sobre o diferencial dos agricultores nesse processo de comercialização, R_PL acrescentou que: [...] gosto mais daquele produtor que faz por convicção, é o melhor para a terra e será o melhor produto para que qualquer pessoa possa consumir”. Por outro lado, o mesmo respondente afirmou que [...] existem pessoas que se introduzem neste setor sem estarem convencidas do ponto de vista da responsabilidade. Estão ingressando na agricultura ecológica pensando que é uma oportunidade de negócio e não pela consciência ecológica”. Por sua vez, R_CR apontou que: “[...] para alinhar o comércio ecológico e o comércio justo deveria haver um trabalho coordenado entre lojas, agricultores, distribuidores e o governo. Para fazer algo que tenha sentido.” E o R_LL reforçou que: “[...] se soubermos encaminhar bem, podemos manter em um equilíbrio, entre o que seria saudável, entre os modos de produção, rentabilidade e conservação do ambiente. Tem que saber diversificar e saber integrar, também. Creio que é o que temos de bom e não é algo mau [...]”.

Portanto, quando se trata do diferencial dos agricultores, os lojistas deste estudo de caso deixaram transparecer o real interesse em incentivar a comercialização de proximidade e que, por vezes, utilizavam certas práticas que desafiavam o sistema alimentar convencional e o consumo insustentável de alimentos.

Por fim, segue-se a representação desta dinâmica de comercialização observada no caso de Lugo/Galiza (Quadro 2).

Quadro 3 Canais de comercialização verificados pelas lojas e o mercado 

Face-to-face Proximidade Estendida
Produtor ou processador vende direto ao consumidor Lojas locais, cooperativas de consumidores, CSA, varejistas especializados (alimentos integrais, a granel, dietéticos) Certificação e códigos de produção
Mercado da Terra Todas as lojas (BG, PL, CR, Eco, DAF) Loja BG Loja PL Loja CR Loja Eco

Fonte: Adaptado de Renting et al. (2003).

O Quadro 3 mostra os canais de comercialização verificados na pesquisa. Para chegar ao consumidor final, os produtos chegavam por diversos canais, mesmo que o circuito de proximidade fosse unânime em todos os pontos de venda (face-to-face), isto é, agricultores que vendiam diretamente ao consumidor ou no máximo com um intermediário (proximidade espacial). Nos demais casos, as lojas que vendiam produtos ecológicos, além de receberem alimentos diretamente do produtor (hortícolas), de fora da região (conservas), também compravam de outros países (espaço estendido) os produtos a granel e produtos de comércio justo, devido à inexistência de géneros agroalimentares locais, ou seja, para satisfazer a procura dos clientes, precisavam de importar. A comercialização nos SFSCs permite que o consumidor faça conexões com o local ou o espaço de produção e, potencialmente, com os valores das pessoas envolvidas e os métodos de produção empregados.

CONCLUSÕES

Este trabalho buscou caracterizar a oferta de um tipo específico de abastecimento alimentar e as dinâmicas de comercialização que envolviam os grupos analisados no contexto económico e social da Galiza. Sendo assim, constitui um contributo para a divulgação de um sistema alimentar que poderá ser mais sustentável e ligado ao território assim como gerador de sinergias e redes entre os atores implicados no processo.

Os dois casos estudados de canais de comercialização são diferentes, não apenas em termos de materialidade do produto, visto que um caso se refere propriamente a todo o processo de cultivo até à comercialização do alimento, realizado diretamente pelo produtor, e o outro caso refere-se à distribuição e comercialização do alimento.

A comercialização de circuito curto realizada pelo Mercado é uma iniciativa que proporciona o acesso a produtos saudáveis e, através do diálogo produtor-consumidor, divulga princípios relacionados com a agroecologia, o fortalecimento da cultura local, os movimentos sociais pertinentes à agricultura familiar, ao feminismo e pode promover uma compreensão de uma alimentação mais natural e menos industrializada. No que se refere â importância do mercado na economia da cidade e na animação da mesma, todos os envolvidos destacaram a sua relevância além de um simples mercado de trocas, mas um evento sociocultural, onde se misturavam diversos públicos, estratos sociais e grupos etários.

Já as lojas caracterizavam-se como empresas/cooperativa familiares que comercializavam produtos em sua maioria ecológicos, de diversas origens, tanto produtos frescos e locais, diretamente do produtor, como complementavam a diversidade e regularidade de itens buscando produtos transformados e ecológicos de distinta procedência, sendo uma parte produtos de comércio justo e alimentos frescos de regiões mais distantes.

Com tais dinâmicas de abastecimento, o Mercado da Terra e as Lojas vão além do comércio de alimentos. Observou-se um ambiente para trocas de experiências, informações e saberes entre os atores que conviviam em distintas realidades, tanto rurais, quanto urbanas, ou seja, outra forma de ver estes canais curtos como elementos de um sistema alimentar territorializado.

Considera-se como uma contribuição importante desta pesquisa o entendimento de como as atividades desenvolvidas em um sistema alimentar alternativo propiciam o desenvolvimento de redes e fortalecem as relações entre os envolvidos.

O caracter limitado do estudo não impossibilita considerá-lo como um precedente para futuras pesquisas. Podem-se citar, como uma oportunidade para nortear estudos futuros, a elaboração de pesquisa similar, baseada em estudos multicasos em outras realidades, ou seja, em ambientes específicos diferentes do que foi estudado nesta pesquisa, e agregar à investigação dados quantitativos que possam mensurar a efetividade das sinergias e redes de atores implicados no processo.

Agradecimentos

A todas e todos os envolvidos no âmbito do Programa IACOBUS, através de parceria com a USC/ES e a UTAD/PT. Também aos agricultores e aos respondentes das lojas pesquisadas.

Referências bibliográficas

Bardin, L. (1977) - Análise de Conteúdo. Edições 70. [ Links ]

Bos, E. & Owen, L. (2016) - Virtual reconnection: The online spaces of alternative food networks in England. Journal of Rural Studies, vol. 45, p. 1-14. https://doi.org/10.1016/j.jrurstud.2016.02.016Links ]

Chiffoleau, Y.; Millet-Amrani, S.; Rossi, A.; Rivera-Ferre, M.G. & Merino, P.L. (2019) - The participatory construction of new economic models in short food supply chains. Journal of Rural Studies, vol. 68, p. 182-190. https://doi.org/10.1016/j.jrurstud.2019.01.019Links ]

Cristóvão, A. & Tibério, M. L. (2009) - “Comprar fresco, comprar local”: Será que temos algo a aprender com a experiência americana? In: Colóquio Ibérico de Estudos Rurais: Cultura, Inovação e Território. Coimbra, 23-25 Outubro 2008. pp. 27-34. [ Links ]

Cucco, I. & Fonte, M. (2015) - Local food and civic food networks as a real utopias project. Socio.Hu, vol. 3, p. 22-36. https://doi.org/10.18030/socio.hu.2015en.22Links ]

Diez, A. (2003) - ¿Qué son las llamadas “ Economías Alternativas ”? Millcayac. Anuario de Ciencias Políticas y Sociales, vol. 1, n. 1, p. 1-73. [ Links ]

FAO (2018) - Scaling up agroecology initiative. Transforming food and agricultural systems in support of the SDGs. A proposal prepared for the international symposium on agroecology 2018. [cit. 2019.08.29] <29] http://bit.ly/32iM4Wx > [ Links ]

Forssell, S. & Lankoski, L. (2017) - Navigating the tensions and agreements in alternative food and sustainability: a convention theoretical perspective on alternative food retail. Agriculture and Human Values, vol. 34, n. 3, p. 513-527. https://doi.org/10.1007/s10460-016-9741-0Links ]

Francis, C.; Lieblein, G.; Gliessman, S.; Breland, T.A.; Creamer, N.; Harwood, R.; Salomonsson, L.; Helenius, J.; Rickerl, D.; Salvador, R.; Wiedenhoeft, M.; Simmons, S.; Allen, P.; Altieri, M.; Flora, C.& Poincelot, R. (2003) - Agroecology: The ecology of food systems. Journal of Sustainable Agriculture, vol. 22, n. 3, p. 99-118. https://doi.org/10.1300/J064v22n03_10Links ]

Galli, F. & Brunori, G. (2013) - Short Food Supply Chains as drivers of sustainable development. Evidence Document. Document developed in the framework of the FP7 project FOODLINKS (GA No. 265287). Laboratorio di studi rurali Sismondi, ISBN 978-88-90896-01-9. [ Links ]

Gliessman, S. (2011) - Agroecology and food system change. Journal of Sustainable Agriculture, vol. 35, n. 4, p. 347-349. https://doi.org/10.1080/10440046.2011.562029Links ]

Gliessman, S. (2018) - Defining Agroecology. Agroecology and Sustainable Food Systems, vol. 42, n. 6, p. 599-600. https://doi.org/10.1080/21683565.2018.1432329Links ]

Herrero, Y. (2013) - Miradas ecofeministas para transitar a un mundo justo y sostenible. Revista de Economía Crítica, vol. 16, p. 278-307. [ Links ]

Ilbery, B. & Maye, D. (2005) - Alternative (shorter) food supply chains and specialist livestock products in the Scottish-English borders. Environment and Planning A: Economy and Space, vol. 37, n. 5, p. 823-844. https://doi.org/10.1068/a3717Links ]

Lamine, C. (2018) - Transdisciplinarity in Research about Agrifood Systems Transitions: A Pragmatist Approach to Processes of Attachment. Sustainability, vol. 10, n. 4, art. 1241. https://doi.org/10.3390/su10041241Links ]

Lema-Blanco, I.; García-Mira, R. & Muñoz-Cantero, J.M. (2015) - Las iniciativas de consumo responsable como espacios de innovación comunitaria y aprendizaje social. Revista de Estudios y Investigación en Psicología y Educación, vol. 14, n. extr., p. 14-33. https://doi.org/10.17979/reipe.2015.0.14.316Links ]

Loconto, A. & Hatanaka, M. (2018) - Participatory guarantee systems: Alternative ways of defining, measuring, and assessing ‘sustainability’. Sociologia Ruralis, vol. 58, n. 2, p. 412-432. https://doi.org/10.1111/soru.12187Links ]

Marsden, T. (2018) - Theorising food quality: Some key issues in understanding its competitive production and regulation. In: Qualities of food (pp. 129-155). Manchester University Press. [ Links ]

Marsden, T.; Banks, J. & Bristow, G. (2000) - Food Supply Chain Approaches: Exploring their Role in Rural Development. Sociologia Ruralis, vol. 40, n. 4, p. 424-438. https://doi.org/10.1111/1467-9523.00158Links ]

Miralles, I.; Dentoni, D. & Pascucci, S. (2017) - Understanding the organization of sharing economy in agri-food systems: Evidence from alternative food networks in Valencia. Agriculture and Human Values, vol. 34, n. 4, p. 833-854. https://doi.org/10.1007/s10460-017-9778-8Links ]

Obach, B.K. & Tobin, K. (2014) - Civic agriculture and community engagement. Agriculture and Human Values, vol. 31, n. 2, p. 307-322. https://doi.org/10.1007/s10460-013-9477-zLinks ]

Raposo, C. (2018) - El regreso de una pionera. [cit. 2019.03.23] <23] http://bit.ly/2kGG4qe > [ Links ]

Renting, H.; Marsden, T.K. & Banks, J. (2003) - Understanding alternative food networks: Exploring the role of short food supply chains in rural development. Environment and Planning A: Economy and Space, vol. 35, n. 3, 393-411. https://doi.org/10.1068/a3510Links ]

Renting, H.; Schermer, M. & Rossi, A. (2012) - Building food democracy: Exploring civic food networks and newly emerging forms of food citizenship. International Journal of Sociology of Agriculture and Food, vol. 19, n. 3, p. 289-307. [ Links ]

Soler Montiel, M. & Calle Collado, Á. (2010) - Rearticulando desde la alimentación: canales cortos de comercialización en Andalucía. Patrimonio Cultural En La Nueva Ruralidad Andaluza. PH Cuadernos, 259-283. [ Links ]

Tibério, M. L. (2013) - Sistemas Agroalimentares Locais e Comercialização de Circuitos Curtos de proximidade. Em Rede, Revista Da Rede Rural Nacional, vol. 3, p. 6-9. [ Links ]

Triviños, A.N.S. (2015) - Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo, Atlas. [ Links ]

Vázquez Castro, M.D. (2017) - Funcionamiento y evolución de una asociación de consumidores/as “O Bandullo Ecolóxico”. AE. Revista Agroecológica de Divulgación, n. 28, p. 28-29. [ Links ]

Wezel, A. & Soldat, V. (2009) - A quantitative and qualitative historical analysis of the scientific discipline of agroecology. International Journal of Agricultural Sustainability, vol. 7, n. 1, p. 3-18. https://doi.org/10.3763/ijas.2009.0400Links ]

Yin, R.K. (2015) - Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Bookman Ed. Vol. 39. [ Links ]

Recebido: 09 de Dezembro de 2019; Aceito: 14 de Fevereiro de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons