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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.44 no.4 Lisboa dez. 2021  Epub 09-Nov-2021

https://doi.org/10.19084/rca.25060 

Artigo

Monitorização quadrienal de nitratos nos recursos hídricos subterrâneos da Zona Vulnerável a Nitratos de Esposende-Vila do Conde

Quadrennial monitoring of nitrates in the Nitrate Vulnerable Zone of Esposende-Vila do Conde

Bruno Leitão1  2 

Abel Nogueira1 

Afonso Silva1 

Alda Brás1 

Ana Vicente1 

André Afonso1 

André Peixoto1 

António Duarte1 

António Matos1 

Fernando Miranda1 

Henrique Santos1 

José Igreja1 

José Maria Lima1 

1 Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte, Mirandela, Portugal

2 Instituto de Ciências da Terra (ICT), Polo de Braga, Braga, Portugal


Resumo

O Conselho das Comunidades Europeias em 1991, através da Diretiva 91/676/CEE de 12 de dezembro de 1991, reconheceu a importância de proteger as áreas de elevada suscetibilidade para a poluição das águas subterrâneas, causada ou induzida por nitratos (NO3 -) de origem agrícola. Uma dessas áreas é a Zona Vulnerável a Nitratos (ZVN) de Esposende -Vila do Conde, criada em 1997 pela Portaria nº 1037/1997 de 1 de outubro, à data designada por Aquífero livre entre Esposende e Vila do Conde e que consta da lista de Zonas Vulneráveis a Nitratos presente na Portaria n.º 164/2010, de 16 de março. Este artigo teve como objetivo difundir os resultados da monitorização das explorações agrícolas inseridas na ZVN de Esposende -Vila do Conde no que respeita à análise da poluição das águas subterrâneas por nitratos, num trabalho realizada ao longo de doze anos (três quadriénios, de 2008 a 2019) e suportada no Sistema de Informação Geográfica. Recorrendo à técnica de interpolação geoestatística IDW (Inverse Distance Weighting), e com base em resultados de 1.517 análises expeditas de água subterrânea realizadas entre 2008 e 2019, foi possível determinar uma diminuição da superfície com elevados níveis de contaminação por nitratos (> 100 mg NO3 -/ L) que diminuiu de 1.261 ha no quadriénio de 2008-2011 para 666 ha no quadriénio de 2016-2019.

Palavras-chave: Diretiva Nitratos; água subterrânea; furo; interpolação geoestatística; poço

Abstract

The Council of the European Communities in 1991, through the Directive 91/676/EEC of 12 December 1991, recognized the importance of protecting areas of high susceptibility to water pollution, caused or induced by nitrates (NO3 -) of agricultural origin. One of these areas is the Nitrate Vulnerable Zone (NVZ) of Esposende-Vila do Conde, created in 1997 by Ordinance No. 1037/1997 of October 1, at the date designated as the free aquifer of Esposende and Vila do Conde, included in the list of Vulnerable Zones present in Ordinance 164/2010, of March 16. This article aims to disseminate the results of the monitoring of farms in the NVZ of Esposende-Vila do Conde, in a work carried out over a period of twelve years (three quarters) and based on Geographic Information Systems for the analysis of groundwater pollution caused by nitrates of agricultural origin. Through the use of the geostatistical interpolation technique IDW (Inverse Distance Weighting), and using the data obtained from 1,517 expeditious analyzes to the groundwater of farms and carried out between 2008 and 2019, it was possible to determine a decrease in the surface with high levels of contamination by nitrates (> 100 mg NO3-/ L) which decreased from 1,261 ha in the 2008-2011 quadrennium to 666 ha in the 2016-2019 quadrennium.

Keywords: Geostatistical interpolation technique; Nitrate Directive; Nitrate Vulnerable Zone; groundwater; hole; pit

INTRODUÇÃO

Em 1991, o Conselho das Comunidades Europeias, da então Comunidade Económica Europeia, publicou a Diretiva 91/676/CEE de 12 de dezembro de 1991 (JO, 1991) habitualmente designada Diretiva Nitratos, com o objetivo de reduzir a poluição das águas subterrâneas, causada ou induzida por nitratos (NO3 -) de origem agrícola (artigo 1º) (JO, 1991).

Este normativo comunitário marca o início da campanha de proteção dos recursos hídricos contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola (poluição difusa). Entre os vários aspetos operacionais estabelecidos no documento, destaque para a obrigatoriedade de os Estados-Membros designarem (até 1993) as Zonas Vulneráveis a Nitratos (ZVNs) (artigo 3º), de elaborarem um Código de Boas Práticas Agrícolas (CBPA) a aplicar voluntariamente pelos agricultores (artigo 4º) e criarem Programas de Ação (PA) e respetivos Programas de Controlo para avaliação da eficácia dos PA estabelecidos (artigo 5º) (JO, 1991).

Os Estados-Membros estão obrigados (JO, 1991) a apresentar à Comissão Europeia, com uma periodicidade quadrienal, um relatório (artigo 10º) contendo: i) as medidas preventivas tomadas ao abrigo do CBPA; ii) um mapa com a localização das ZVNs (estabelecendo alterações de limite em relação a situações anteriores); iii) um resumo dos resultados do controlo efetuado e iv) um resumo dos PA, em particular as medidas e informações exigidas, as medidas suplementares tomadas, resultados dos programas de controlo e a previsão de prazo expetável (fundamentada) para que as águas correspondam às medidas previstas no PA.

A Diretiva Nitratos foi transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-Lei n.º 235/97, de 3 de setembro, sendo alterado pelo Decreto-Lei n.º 68/99, de 11 de março.

A atual ZVN de Esposende-Vila do Conde foi criada em 1997 pela Portaria n.º 1037/1997 de 1 de outubro, à data designada por Aquífero livre entre Esposende e Vila do Conde, sendo os seus limites alterados pela Portaria n.º 833/2005 de 16 de setembro e retificados pela Portaria n.º 1433/2006 de 27 de dezembro, constando da lista de ZVNs (Portaria n.º 164/2010, de 16 de março).

O primeiro PA para a ZVN de Esposende-Vila do Conde foi estabelecido pela Portaria n.º 546/98 de 18 de agosto. Porém, ao constatar-se que as medidas definidas eram insuficientes, e atendendo à necessidade de clarificar alguns aspetos, a Portaria n.º 706/2001 de 11 de junho viria a definir o segundo PA (Agostinho et al., 2009). Mais tarde, em 2003, é aprovado novo PA da então designada Zona Vulnerável a Nitratos n.º 1, área de proteção do Aquífero livre entre Esposende e Vila do Conde, pela Portaria n.º 556/2003 de 12 de julho, sendo revogado em 2010, pela Portaria n.º 83/2010 de 10 de fevereiro. Atualmente encontra-se em vigor na ZVN de Esposende-Vila do Conde a quinta versão do PA, definido na Portaria n.º 259/2012 de 28 de agosto.

Entre 2008 e 2011, o relatório quadrienal do MAMAOT (2012), apontava um decréscimo da concentração do ião nitrato na água subterrânea com o aumento da profundidade do aquífero, havendo a nível nacional uma estabilização da sua concentração nas águas subterrâneas relativamente ao período anterior (2004-2007), com tendência para a diminuição.

No quadriénio seguinte (2012-2015), e com base na rede de monitorização com 148 estações que integravam o programa operacional nas ZVNs através da recolha semestral de amostras (uma em estação de águas altas e outra em águas baixas ), concluiu-se que a maioria dos locais continha concentrações médias de nitrato, inferiores a 25 mg/L, exceção para o nível freático até 5 m (DGADR, 2016).

Sendo a poluição dos recursos hídricos subterrâneos um tema de grande interesse da hidrografia, geografia e geologia, quando se trata de relacionar causas (as práticas agrícolas) e consequências (a poluição das águas com nitratos), o recurso a técnicas de geoestatística suportadas por Sistemas de Informação Geográfica (SIG) torna mais clara a relação entre os fatores causadores deste tipo de poluição, possibilitando comparações espaciotemporais.

Num estudo apresentado na Confederação Hidrográfica de Júncar (Espanha), onde existe uma forte participação agrícola e se verificam problemas de contaminação das águas subterrâneas por nitratos, Ferreira et al. (2015) utilizaram 267 pontos de monitorização, de uma série temporal entre 1969 e 2012, aplicando, entre outras abordagens, a técnica de Krigagem (Kriging simples), com uma janela temporal de 3 anos, e com a realização de 350 simulações, para contornar a variação espaciotemporal, considerando que a simulação sequencial resultante da aplicação desta técnica representou o que se observava no terreno e suprimiu a ausência de dados em locais não amostrados. Quanto à concentração de nitratos, Ferreira et al. (2015) demonstraram irregularidades em alguns pontos das massas de água subterrâneas e noutros, tendências claras de subida ou descida das concentrações. No entanto, a técnica geoestatística utilizada permitiu demonstrar a evolução da concentração de nitratos nas águas subterrâneas ao longo do tempo.

Uyan e Cay (2010) recorreram ao Kriging universal para prever a distribuição espacial e a incerteza da concentração de nitratos nas águas subterrâneas, obtendo um mapa com a sua distribuição na cidade de Konya (Turquia) com recurso a dados de 119 poços. Uyan e Cay (2010) concluíram que as maiores concentrações de nitratos estavam localizadas no centro da cidade de Konya, devido ao excesso do elemento nas águas residuais e resultantes da poluição industrial (poluição pontual), considerando o modelo obtido por Krigagem satisfatório para a representação das concentrações de nitratos observadas.

Num trabalho realizado a partir dos dados de 24 poços da cidade de Yazd (Irão), Fallahzadeh et al. (2016) utilizaram as técnicas de Kriging e IDW (Inverse Distance Weighting) para interpolar as concentrações de nitratos e nitritos. Apesar de considerar apenas uma variação espacial, Fallahzadeh et al. (2016) concluíram que a técnica de Kriging foi mais eficiente. Conclusão diferente foi a de Ostovari et al. (2012) que, com base em dados de 32 poços, analisaram a variabilidade espacial no aquífero de Lordegan (Irão), concluindo que a técnica IDW foi mais eficiente.

OBJETIVOS

Este trabalho teve como objetivo difundir os resultados do acompanhamento e monitorização das explorações agrícolas inseridas na Zona Vulnerável a Nitratos (ZVN) de Esposende-Vila do Conde, obtidos ao longo de doze anos de monitorização (2008 a 2019), e agrupados e comparados em três quadriénios (2008-2011, 2012-2015, 2016-2019).

MATERIAL E MÉTODOS

Desde 2007, tem sido utilizada uma metodologia que complementa a obtenção de dados através de inquérito por questionário, com o registo de informação espacial relevante (parcelas, infraestruturas de armazenamento de efluentes, estufas, poços, furos, minas, nascentes e silos), sendo posteriormente comunicados aos inquiridos os resultados das suas práticas e formas de as melhorar para cumprir o programa de ação da ZVN. Assim desde 2007 que a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAPN) acompanha e monitoriza explorações agrícolas inseridas na ZVN de Esposende-Vila do Conde, recolhendo informação sobre as práticas agrícolas em parcelas homogéneas, em particular sobre as culturas, fertilizações e regas, complementando esses dados com análises expeditas do teor de nitratos nas águas subterrâneas usadas para rega e/ou abastecimento doméstico . A informação recolhida desde 2013 foi integrada num SIG e incluída na plataforma informática - Sistema Integrado de Apoio às Zonas Vulneráveis (SIA-ZV).

A metodologia utilizada na monitorização permite analisar a tendência de evolução de um conjunto de indicadores que caraterizam a atividade agrícola e pecuária na ZVN de Esposende-Vila do Conde, a partir da informação obtida em inquéritos realizados, por questionário, aos agricultores selecionados anualmente.

Área de Estudo

A ZVN de Esposende-Vila do Conde, com uma extensão de 205,72 km2, abrangendo quatro municípios (95,42 km2 em Esposende [46%], 69,75 km2 em Barcelos [34%], 33,75 km2 em Póvoa de Varzim [16%] e 6,8 km2 em Vila do Conde [3%]) da região Norte (NUT II), constituiu a área de estudo para a aplicação da metodologia de monitorização de nitratos nas águas subterrâneas que consiste na recolha de dados geográficos relevantes (pontos de água, parcelas cultivadas, fossas, nitreiras, estufas e estábulos), inquéritos aos agricultores (para recolha de informação sobre as práticas de fertilização das culturas por parcelas e culturas) e registo dos dados de análises de solo e água. Este território caracteriza-se por três sistemas culturais principais (culturas forrageiras, horticultura ao ar livre e horticultura em estufa) e por atividades pecuárias (bovinos de leite e bovinos de carne), sobretudo nas freguesias do concelho de Barcelos.

Na última década do século XX e na primeira do século XXI, são evidentes as alterações na atividade agrícola, designadamente o abrandamento de determinadas atividades agro-pecuárias, a par de uma constante e acentuada diminuição do número de agricultores no território. Assim, para além da redução muito significativa do número de explorações agrícolas, diminuiu também a área de Superfície Agrícola Utilizada (SAU), a área de matos e floresta sem cultura sob coberto, e a superfície irrigável. O território da ZVN de Esposende-Vila do Conde tem menos agricultores, menos animais, menos SAU, menos área de floresta e superfície irrigável, menos área de horticultura ao ar livre e menos área de vinha. Por outro lado, tem mais população residente, mais densidade populacional e aumentou significativamente a área de culturas protegidas.

Nos doze anos compreendidos entre 2008 e 2019, verificou-se uma diminuição muito acentuada do número de explorações com bovinos, menos 770 explorações, representando um decréscimo de 55,4% face ao valor de 2008, com um decréscimo médio anual de 4,6%. Nesse período, a ZVN de Esposende-Vila do Conde teve decréscimos de 44,5% no número de explorações com bovinos, 10,2% do número total de bovinos e cerca de 11,5% no número de Cabeças Normais (CN) de bovinos entre o primeiro e último quadriénios.

Classificada em 1997 como área particularmente sensível à poluição das águas subterrâneas por nitratos, a DRAPN realiza anualmente, desde 2007, a monitorização e o acompanhamento de explorações agrícolas neste território, dispondo de um conjunto de dados alfanuméricos e geográficos, que constituem uma série temporal robusta, bastante detalhada e desagregada quanto às práticas agrícolas e presença do elemento químico nitrato (NO3 -) nas águas subterrâneas.

Amostra

Foram selecionadas para a amostra em estudo, explorações agrícolas que se encontravam totalmente ou parcialmente inseridas na ZVN de Esposende-Vila do Conde, com dimensões físicas mínimas de 2 ha de SAU para as explorações pecuárias (leite ou carne), 1 ha para as explorações de viticultura ou fruticultura, e 0,5 ha para as explorações de horticultura ou floricultura, conforme definido na Portaria n.º 259/2012 de 28 de agosto de 2012.

A amostra anual de monitorização é selecionada aleatoriamente a partir da base de dados do Módulo de Aquisição da Informação Base (MAIB), que está integrada no SIA-ZV. Contudo, é adotado um procedimento que exclui as explorações que tenham sido monitorizadas nos quatro anos anteriores visando a inclusão de um maior número de explorações ainda não visitadas, ou visitadas há mais tempo, promovendo uma maior divulgação do PA da ZVN.

Desde 2008, foi obtida informação técnica através da monitorização de 1.202 explorações (Quadro 1), tendo como atividades principais a horticultura (42,2%), os bovinos de leite (34,4%), as culturas arvenses (11,4%) e os bovinos de carne (7,5%).

Quadro 1 Explorações monitorizadas por tipo de atividade principal 

Atividade principal 1º Quadriénio (2008-2011) 2º Quadriénio (2012-2015) 3º Quadriénio (2016-2019) Histórico 2008-2019
N.º % N.º % N.º % N.º %
Bovinos de carne 28 5,3% 31 8,2% 31 10,2% 90 7,5%
Bovinos de leite 236 45,4% 98 26,0% 79 25,8% 413 34,3%
Ovinos/ caprinos 2 0,4% 1 0,3% - 0,0% 3 0,3%
Culturas arvenses 26 5,0% 79 21,0% 33 10,7% 138 11,4%
Floricultura 7 1,3% 4 1,1% - 0,0% 11 0,9%
Horticultura 208 40,1% 150 39,8% 149 48,7% 507 42,2%
Fruticultura - 0,0% 3 0,8% 2 0,7% 5 0,4%
Viticultura - 0,0% 5 1,3% 3 1,0% 8 0,7%
Kiwi - 0,0% - 0,0% 1 0,3% 1 0,1%
Outras 13 2,5% 6 1,6% 8 2,5% 27 2,2%
Total 520 1 377 1 305 1 1.202 100,0%

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Informação e sensibilização dos agricultores para cumprimento do Programa de Ação

No âmbito do Programa de Ação (PA) da ZVN de Esposende-Vila do Conde, realizaram-se, anualmente no início da campanha de monitorização (julho), reuniões de informação e sensibilização com os agricultores, tendo como objetivos divulgar as obrigações resultantes do referido PA, bem como dar a conhecer a metodologia e os pressupostos do trabalho de acompanhamento das explorações a visitar em cada campanha anual de monitorização.

O número de agricultores que participaram nas reuniões de informação e sensibilização ao longo das doze campanhas dos três quadriénios analisados foi de 727, para um total de 1.416 agricultores previamente selecionados, o que representa 51% de presenças. Ao longo do tempo verificou-se uma menor tendência para participação dos agricultores possivelmente devido à duplicação da monitorização das explorações selecionadas.

Além das sessões de informação e sensibilização dos agricultores realizadas para o cumprimento do PA, foi efetuada, anualmente, uma reunião com entidades (Câmaras Municipais, Cooperativas Agrícolas e outras organizações de produtores, Agência Portuguesa do Ambiente e Direção Geral Agricultura e Desenvolvimento Rural) para apresentação e reflexão sobre os resultados anuais. Entre 2008 e 2019 foram realizadas 12 reuniões onde participaram 19 entidades, presentes 98 vezes, com a presença de 122 técnicos no total.

Regra geral, no final de cada campanha de monitorização foi realizada uma entrevista individual com os agricultores, para divulgação dos indicadores de monitorização encontrados, procurando, eventualmente, ajustar as práticas agrícolas, promover mudanças no sistema de exploração, ou alterações nas instalações pecuárias, que permitam ao agricultor o cumprimento dos indicadores de controlo.

Sistema Integrado de Apoio às Práticas Agrícolas em Zonas Vulneráveis (SIAPA-ZV)

A DRAPN dispõe, desde 2014, do Sistema Integrado de Apoio às Práticas Agrícolas em Zonas Vulneráveis (SIAPA-ZV), uma ferramenta digital gratuita, destinada a facilitar o apoio aos agricultores, designadamente na elaboração do documento obrigatório «Ficha de Registo de Fertilização», bem como auxilia-los na melhoria da gestão dos efluentes pecuários.

No decorrer das campanhas de monitorização foram identificados potenciais interessados na utilização desta ferramenta, entre técnicos e agricultores, posteriormente convidados para participar em sessões específicas de formação. Entre 2014 e 2019 foram realizadas 7 sessões de treino, com um total de 73 participantes, para utilização da plataforma informática SIAPA-ZV, concretizando-se em 2.551 acessos até final de 2019, com 292 utilizadores inscritos e em que 59% possuem explorações agrícolas inseridas nos quatro concelhos da ZVN de Esposende-Vila do Conde.

Concentração de nitratos nas águas subterrâneas das explorações agrícolas

A concentração média de nitratos na água dos poços e furos avaliados nas explorações visitadas, entre 2008 e 2019, foi de 64,3 mg NO3 -/L, sendo demonstrada (pela reta de regressão linear negativa y=-0,9635x+70,603) uma tendência para a redução dos nitratos de origem agrícola nas águas subterrâneas (Figura 1) reduzindo de 82,1 mg NO3 -/L em 2008 para 56,6 mg NO3 -/L em 2019. Contudo, embora estando muito próximo de apresentar um valor médio abaixo do valor máximo admissível (50 mg NO3 -/L) o que será expectável em 2020, e de terem sido encontrados valores médios com oscilações anuais significativas em 2013 e 2015 e na Póvoa de Varzim em 2010 e 2018, os dados recolhidos apontam para uma diminuição da concentração do nitrato nas águas subterrâneas da ZVN Esposende-Vila do Conde.

Em média, entre 2008 e 2019, foram realizadas anualmente 161 recolhas de amostras de águas na ZVN de Esposende-Vila do Conde. Os dados referentes à concentração de nitratos nas águas subterrâneas das explorações monitorizadas (Quadro 2) demostram que no global, apesar da diminuição de 29,8% do número de amostras recolhidas entre o primeiro e último quadriénio, as concentrações mínimas de nitratos (valores mais baixos observados) aumentaram para o dobro, a concentração média decresceu 12,1%, passando de 69 para 61 mg NO3 -/L, e a concentração máxima decresceu 15,5% passando de 308 para 260 mg NO3 -/L.

Figura 1 Evolução da concentração média de nitratos na água por concelho, obtida por análise expedita. 

Em termos territoriais a concentração média de nitratos nas águas subterrâneas foi mais elevada no concelho da Póvoa de Varzim, onde existe maior predominância de arenossolos e sistemas culturais de horticultura (ar livre e estufa), enquanto no concelho de Barcelos, onde predominam os cambissolos e sistemas culturais de culturas forrageiras associados à pecuária de bovinos, essa concentração média foi menor, no entanto, próxima do valor máximo admissível.

A divisão do território do ponto de vista agrícola, com uma zona de horticultura intensiva, em solos de grande permeabilidade, e outra de pecuária leiteira intensiva, com solos e atividades agrícolas diferenciados, conduzirá a resultados médios globais muito dependentes da composição das amostras de explorações selecionadas, atendendo a que as práticas agrícolas, em particular de fertilização dos solos são diferentes (com predominância de azoto de origem mineral na horticultura e de azoto orgânico na pecuária) e sobretudo do tipo de solos utilizados por esses sistemas de produção.

Quadro 2 Nível de nitratos na água (mg NO3 -/L) por concelho e quadriénio 

Média 1Q 2008-2011 Média 2Q 2012-2015 Média 3Q 2016-2019 Média anual 2008-2019
Máximo NO3 - Barcelos 146 125 134 135
Esposende 209 152 180 180
Póvoa de Varzim 308 323 260 297
Vila do Conde 162 63 48 95
ZVN Esposende-Vila do Conde 308 323 260 297
Média NO3 - Barcelos 46 48 47 47
Esposende 64 52 56 57
Póvoa de Varzim 89 85 84 86
Vila do Conde 59 52 36 49
ZVN Esposende-Vila do Conde 69 63 61 64
Mínimo NO3 - Barcelos 2 3 4 3
Esposende 2 3 3 3
Póvoa de Varzim 4 3 4 3
Vila do Conde 13 41 48 33
ZVN Esposende-Vila do Conde 2 3 4 3

1Q - primeiro quadriénio, 2Q - segundo quadriénio, 3Q - terceiro quadriénio, 4Q - quarto quadriénio.

Concentrações de nitratos em pontos de água para rega ou abastecimento doméstico

Em consonância com os relatórios quadrienais (MAMAOT, 2012; DGADR, 2016), os resultados da monitorização na ZVN de Esposende-Vila do Conde, em 1.517 poços (profundidade média de 8,4 m) e 364 furos (profundidade média de 90,7 m) ao longo de doze campanhas (Figura 2), demonstraram valores mais elevados de nitratos nas águas dos poços (média de 70,3 mg NO3 -/L) do que em furos (média de 41,3 mg NO3 -/L), corroborando o facto de que é em pontos de água de menor profundidade que se encontram níveis mais elevados de contaminação por nitratos (Mahvi et al. 2005; MAMAOT, 2012; DGADR, 2016).

No que respeita à concentração de nitratos, os dados agregados das doze campanhas permitem concluir que a qualidade média das águas de abastecimento doméstico do agricultor não é melhor que a qualidade média das águas destinadas exclusivamente à rega. Por outro lado, enquanto nos pontos de água do “poço”, os valores médios encontrados nas águas destinadas à rega e ao consumo doméstico são semelhantes (respetivamente 69,3 e 72,3 mg NO3 -/L), nos pontos de água do “furo” a concentração média em nitratos das águas para rega é muito inferior à dos furos que se destinam ao abastecimento doméstico (respetivamente 34,4 e 50,1 mg NO3 -/L).

Figura 2 Concentrações médias de nitratos (mg NO3 -/L) por tipo de ponto de água. 

Análise espaciotemporal dos nitratos nas águas subterrâneas

A análise individual da concentração de nitratos nas águas subterrâneas não revelou uma tendência espaciotemporal nítida, sendo necessária a utilização de uma técnica que permita a delimitação das áreas afetadas por contaminação em nitratos dentro da ZVN de Esposende-Vila do Conde. Com base na informação de 1.530 pontos de água analisados ao longo de onze campanhas de monitorização, entre 2009 e 2019 , foi efetuada uma análise por quadriénios (2008-2011, 2012-2015, 2016-2019) (Quadro 3) e uma análise para o histórico de monitorização (2009-2019) (Figura 3).

A análise estatística foi efetuada com recurso à técnica de Inverse Distance Weighted (IDW), mais concretamente com o tipo de IDW Universal que interpola a concentração de nitratos encontrados nas águas nos locais de amostragem para toda a ZVN com base na distância média ponderada entre os pontos. Através desta metodologia de interpolação de dados, é possível extrapolar os resultados das análises dos pontos de água para superfícies homogéneas e assim quantificar que na área da ZVN, entre 2008 e 2019 as concentrações em nitratos na água subterrânea abaixo dos 50 mg NO3 -/L representavam 60,1% da área total da ZVN, enquanto 35,7%, se situa entre 50 mg NO3 -/L e 100 mg NO3 -/L, e a restante área (4,2%) se encontra acima dos 100 mg NO3 -/L.

Quadro 3 Superfície por classes de concentração de nitratos nas águas subterrâneas 

Classe Quadriénio 2008-2011 Quadriénio 2012-2015 Quadriénio 2016-2019 Histórico 2009-2019
Área (ha) % Área (ha) % Área (ha) % Área (ha) %
Baixa (0 a 50 mg NO3 -/ L) 8.903 43,3% 12.385 60,2% 13.178 64,1% 12.354 60,1%
Média (> 50 a 100 mg NO3 -/ L) 10.407 50,6% 7.234 35,2% 6.727 32,7% 7.350 35,7%
Alta (> 100 mg NO3 -/ L) 1.261 6,1% 953 4,6% 666 3,2% 868 4,2%

A distribuição dos pontos de água analisados possui uma dispersão por todo o território da ZVN e que representa as origens de água utilizadas pelos agricultores, onde se refletem os fatores biofísicos (declive da parcela, tipo de solo, pluviosidade, características do solo, distância a uma linha de água, etc.) e as práticas agrícolas de cada exploração agrícola (quantidade de azoto mineral/orgânico aplicado, aplicação de chorume em cobertura, etc.) com influência na concentração de nitratos nesses pontos. Esta diversidade de pontos de água permitiu, através da análise geoestatística, gerar zonas com graus de contaminação diferenciados. Assim, no concelho de Esposende, designadamente no interior-norte do concelho (freguesias de Forjães, Vila Chã, Curvos e Palmeira de Faro) pode considerar-se que é menos afetado do que as freguesias junto ao rio Cávado, nomeadamente as da margem esquerda (Fonte Boa, Rio Tinto e Apúlia). No concelho de Barcelos, não obstante a elevada carga pecuária, as freguesias de Paradela, Cristelo, Milhazes e Barqueiros, prevalecem, devido à menor aplicação de azoto de origem mineral, no todo ou em grande parte, dentro da zona de mais baixa concentração em nitratos (≤ 50 mg NO3 -/L), enquanto as freguesias junto ao Cávado (Vila Seca e Fornelos) se localizam já na zona intermédia (50 a 100 mg NO3 -/L).

Na análise espacial do histórico, as freguesias da Póvoa de Varzim, sobretudo Estela, Aguçadoura e Navais integram a mancha mais crítica da ZVN, pois é aí que se localiza a maior mancha contínua com concentração em nitratos acima dos 100 mg NO3 -/L, sendo de realçar a predominância de arenossolos nestas freguesias, o que facilita a lixiviação do nitrato para o aquífero e as adubações excessivas em azoto de origem mineral, sobretudo na horticultura ao ar livre.

Não menos preocupantes são as manchas no concelho de Esposende, nas freguesias de Fonte Boa, Apúlia e Mar e no concelho de Barcelos, a freguesia de Fornelos que constituem focos difusos, possivelmente associados a fatores não agrícolas (ausência de saneamento básico) ou má gestão dos efluentes e/ou fertilizações minerais. Naturalmente que a redução ou eliminação de toda a mancha a cor cinza, acima de 100 mg NO3 -/L, deverá constituir objetivo de médio prazo para a ZVN, meta que não será facilmente atingida, considerando a multiplicidade de fatores (biofísicos ou relativos às práticas agrícolas) que podem interferir na manifestação de fenómeno de contaminação difusa.

Figura 3 Zonagem de distribuição dos nitratos nas águas subterrâneas (2009-2019). 

CONCLUSÃO

Enquadrado no cumprimento das obrigações enquanto Estado-Membro da União Europeia, Portugal encontra-se obrigado a reportar quadrienalmente o estado das zonas classificadas como Zonas Vulneráveis a Nitratos, de acordo com a Diretiva 91/676/CEE de 12 de dezembro de 1991.

Por via da informação e capacitação, formaram-se técnicos e agricultores para a utilização do Sistema Integrado de Apoio às Práticas Agrícolas em Zonas Vulneráveis (SIAPA-ZV), destinado a apoiar os agricultores no cumprimento dos requisitos do Programa de Ação.

O valor médio da concentração em nitratos das amostras de água analisadas entre 2008 e 2019, foi de 64,3 mg NO3 -/L, ou seja, acima do valor máximo admissível (50 mg NO3 -/L), porém apesar de oscilações anuais, a tendência evolutiva entre 2008 (82,1 mg NO3 -/L) e 2019 (56,6 mg NO3 -/L) é para uma redução dos nitratos de origem agrícola em águas subterrâneas (visível numa reta de regressão linear com sentido decrescente y=-0,9635x+70,603), apesar dos valores médios em 2013 e 2015, constituírem os acréscimos significativos da concentração média de nitratos.

Através da interpolação geoestatística dos resultados da análise expedita das águas subterrâneas nos pontos de água das explorações agrícolas da ZVN de Esposende-Vila do Conde foi possível comprovar que, quadrienalmente, tem havido uma redução das áreas de maior contaminação por nitratos (concentrações de nitratos superiores a 100 mg NO3 -/L), passando de 6,1% da área total da ZVN no quadriénio 2008-2011 para 3,2% no quadriénio de 2016-2019, contudo ainda existem alguns focos de preocupação e margem para uma contínua melhoria.

Quanto aos tipos de pontos de água, é de assinalar que os poços apresentam concentrações médias em nitratos superiores aos furos, porém, os furos domésticos têm concentrações em nitratos superiores às dos furos de rega. Alheio a tudo isto coloca-se a hipótese da existência de outras fontes de poluição não agrícola, sobretudo causadas pela ausência de saneamento básico em habitações ou da sua existência e não ligação à rede de saneamento.

Através da metodologia descrita tem sido possível acompanhar e impulsionar os resultados positivos que os agricultores têm conseguido alcançar, tendo sido para tal indispensável o apoio das Organizações de Agricultores, em particular de técnicos da região no aconselhamento técnico e documental à produção. Na vertente da Administração Pública, o reforço de meios humanos e a necessidade de melhoria na colaboração e maior coordenação entre organismos do Ministério da Agricultura, são condições necessárias para a manutenção de técnicos da DRAPN para o acompanhamento das explorações agrícolas inseridas na ZVN, permitindo assim continuar a cumprir com as atribuições definidas.

Agradecimentos

A aplicação da metodologia foi substancialmente facilitada com a implementação em 2012 do projeto da Rede Rural “Boas Práticas Agrícolas para Uso Sustentado dos Efluentes Pecuários”, para o qual foi indispensável o trabalho desenvolvido pelo Instituto Politécnico de Viana do Castelo, designadamente os Professores Pedro Castro e Jorge Ribeiro e o colaborador António Martins da Escola Superior de Tecnologia e Gestão e dos Professores Joaquim Alonso e Cláudio Paredes da Escola Superior Agrária.

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Recebido: 16 de Julho de 2021; Aceito: 09 de Novembro de 2021

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