SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.46 número1Estratégias de comercialização da agricultura familiar durante a pandemia: visão de agricultores e consumidores da feira livre de Dom Pedrito-RSFertilizante potássico aumenta a condutividade elétrica do solo e diminui a produtividade, pigmentos fotossintéticos e níveis de magnésio foliar na cana-de-açúcar índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.46 no.1 Lisboa mar. 2023  Epub 01-Fev-2023

https://doi.org/10.19084/rca.27783 

Artigo

Perceções de produtores de castanha do concelho de Sabugal acerca dos serviços de ecossistema providenciados pelos soutos

Perceptions of chestnut producers on ecosystem services provided by the chestnut groves in the municipality of Sabugal

Filipa Marques1 

Anabela Paula1 

Andreia Cação1 

Paula Castro1 

1Centre for Functional Ecology - Science for People and the Planet, TERRA Associate Laboratory, Departamento de Ciências da Vida, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra, Calçada Martim de Freitas, 3000-456 Coimbra, Portugal


Resumo

Em Portugal, o castanheiro é uma espécie utilizada essencialmente para a produção de castanha. Os soutos são ecossistemas multifuncionais que providenciam, para além de alimento, importantes serviços de ecossistemas (SE). Os produtores, como agentes que gerem estes ecossistemas, assumem um papel essencial na implementação de soluções que valorizem os diversos bens e serviços que os soutos fornecem. O objetivo deste trabalho consistiu em analisar e compreender como estes agentes percecionam os serviços e desserviços associados à atividade de produção de castanha, através de um inquérito por questionário realizado a 14 produtores, no concelho do Sabugal. A amostra inquirida carateriza-se por uma agricultura convencional, com pequenas e médias explorações, de baixos rendimentos. O tipo de agricultura que fazem é percecionada como sendo uma atividade com impacte positivo nos SE. Os principais serviços de aprovisionamento percecionados como fornecidos pelos soutos são a Produção de Plantas para Alimentação Humana e a Produção de Materiais (ex. madeira); nos serviços de regulação e suporte, a maioria considera que todos podem ser fornecidos; nos serviços culturais, destaca-se a Beleza da Paisagem. As perceções dos agricultores são essenciais para garantir uma efetiva promoção dos serviços e multifuncionalidade dos soutos.

Palavras-chave: análise de perceções; castanheiro; inquérito por questionário; produtores; serviços de ecossistema

Abstract

In Portugal, the chestnut tree is a species used essentially for chestnut production. The chestnut groves are multifunctional ecosystems that provide, besides food, essential ecosystem services (ES). As agents managing these ecosystems, farmers assume an essential role in implementing solutions that valorise the several goods and services that the chestnut groves provide. This study aimed to analyse and understand how these agents perceive the services and disservices associated with the chestnut production activity through an inquiry by questionnaire carried out with 14 producers in the municipality of Sabugal. The sample surveyed is characterised by conventional agriculture, with small and medium-sized farms, with low incomes. The agriculture they practice is perceived as an activity with a positive impact on ES. The main provisioning services perceived provided by the chestnut groves are the Production of Plants for Human Food and the Production of Materials (e.g.wood); in the regulating and supporting services, the majority consider that all of them can be provided; in the cultural services, the Beauty of the Landscape stands out. Farmers' perceptions are essential to guarantee an effective promotion of the services and multifunctionality of the chestnut groves.

Keywords: analysis of perceptions; chestnut; inquiry by questionnaire; farmers; ecosystem services

INTRODUÇÃO

O conceito de serviços dos ecossistemas (SE), apesar de alvo de alterações por parte de vários autores nos últimos anos, é apresentado no geral, como o conjunto de benefícios diretos e indiretos dos ecossistemas para o bem-estar humano (MEA, 2005). Estes benefícios são, deste modo, as condições e os processos pelos quais os ecossistemas naturais e as espécies que os fazem, sustentam e suportam a vida humana, incluindo a dimensão económica.

Para a identificação e caracterização de SE, podem utilizar-se vários sistemas, mas tem-se tornado muito comum, a aplicação do sistema CICES (Common International Classification of Ecosystem Services, https://cices.eu/) atualmente na versão 5.1, amplamente utilizado na UE (Haines-Young e Potschin, 2018).

O sistema CICES consiste no princípio de que a classificação de serviços deve descrever como os ecossistemas contribuem para a qualidade de vida e bem-estar humano. Este sistema divide os serviços de ecossistemas em três grandes categorias: Aprovisionamento, que contempla qualquer tipo de benefício que possa ser extraído da natureza pelas pessoas (bens materiais), como a produção de alimento, a provisão de água, madeira, gás natural, óleos, plantas ou outro tipo de produtos que podem ser transformados em vestuário ou benefícios medicinais; Regulação e Manutenção, sendo estes os benefícios proporcionados pelos processos que ocorrem na natureza que regulam os fenómenos naturais e ajudam a manter o ecossistema como a polinização, proteção contra eventos extremos, controlo da erosão do solo ou decomposição de resíduos; e os Culturais que podem ser definidos como os benefícios imateriais que contribuem para o desenvolvimento e avanço cultural das pessoas, incluindo a forma como os ecossistemas desempenham um papel nas culturas locais, nacionais e globais, a construção do conhecimento (científico, tradicional), a criatividade resultante das interações com a natureza (e.g., música, arte, arquitetura), atividades recreativas e de lazer ou a apreciação da beleza da paisagem são igualmente considerados serviços culturais (MEA, 2005; Haines-Young e Potschin, 2018).

Os soutos são ecossistemas multifuncionais que providenciam, para além de alimento, outros serviços como a produção de energia, regulação do clima, proteção contra a erosão do solo, conhecimento tradicional e valor estético e recreativo (Roces-Diaz et al., 2018). Em Portugal, o castanheiro europeu (Castanea sativa Mill.) é uma espécie com considerável valor económico, utilizada essencialmente pelo seu fruto para alimento e pela madeira, para construção e aquecimento. É uma espécie cuja área se tem vindo a reduzir na Europa por diversas razões, mas em particular, devido a duas doenças-como a tinta do castanheiro e o cancro (Gomes-Laranjo et al., 2007; Costa et al., 2011).

Apesar dos stresses bióticos a que está sujeito, continua a ser um importante apoio económico em regiões montanhosas mediterrânicas (Costa et al., 2011; Gomes-Laranjo et al., 2007), nomeadamente em Portugal, pois como a qualidade da castanha portuguesa é reconhecida internacionalmente, leva a que haja uma procura elevada deste produto. É um fruto com qualidades nutricionais que o tornam um recurso interessante do ponto de vista económico e tecnológico, ao ser isento de glúten e de colesterol e conter baixo teor em gordura (Gomes-Laranjo, 2013), apresentando potencial para a produção quer de produtos tradicionais quer de produtos inovadores no mercado (Gomes-Laranjo et al., 2007).

O ecossistema agrícola é tradicionalmente associado aos serviços de aprovisionamento, no entanto, os serviços destes ecossistemas vão muito além da produção de alimento. Um dos desafios atuais da agricultura é conciliar a capacidade produtiva com a sustentabilidade ambiental (Robertson e Swinton, 2005). Os agroecossistemas são das formas de uso da terra mais importantes a nível global, estando sujeitos a inúmeras pressões provocadas pelas alterações do uso do solo (como a deflorestação, urbanização ou intensificação agrícola) e alterações climáticas. Estes fatores levam a uma perda dos serviços de aprovisionamento e de regulação, em adição à perda de biodiversidade (Hooper et al., 2012; Kehoe et al., 2017; Balzan et al., 2020; Hasan et al., 2020; Rocchi et al., 2020).

Os agroecossistemas podem ser vistos como sistemas socioecológicos, cujas práticas de gestão do solo vão ter impactes nos serviços que poderão providenciar. A gestão dos SE é um tema complexo, pois práticas criadas para beneficiar um serviço podem não necessariamente beneficiar outro. Muitas vezes existem trade-offs, em que um serviço é beneficiado, mas tem impacte negativo noutro e tal deve ser tido em conta aquando da adoção das práticas agrícolas mais adequadas. Por exemplo, a utilização de fertilizantes ou herbicidas para aumentar a produtividade, pode afetar negativamente a qualidade dos cursos de água (MEA, 2005; Egoh et al., 2008; Bryan, 2013; Gaba et al., 2015; Bommarco et al., 2018).

Devido ao crescimento da população mundial, espera-se um aumento na procura dos serviços de aprovisionamento e dessa forma é importante existir uma boa gestão dos sistemas agrícolas e dos múltiplos serviços que podem fornecer (MEA, 2005; Bennett et al., 2009). Nesse sentido, estratégias que prevêem a promoção e valorização dos SE agrícolas devem ter em consideração as necessidades, conhecimentos, expetativas e perceções dos produtores (Duru et al., 2015; Bernués et al., 2016; Teixeira et al., 2018).

No sentido de valorizar estes ecossistemas para além do seu potencial de aprovisionamento, foi realizado um inquérito por questionário a produtores de castanha no Sabugal, um concelho rural da Beira Interior, em que o cultivo de castanheiros é uma das culturas permanentes com maior expressão (INE, 2019) e a castanha é reconhecida como muito importante para a região (Cação et al., 2022). O inquérito pretendeu analisar quais os SE que os produtores consideram serem providenciados pelos soutos; como avaliam o efeito da biodiversidade e dos ecossistemas das zonas envolventes das suas explorações; e como percecionam os impactes que a sua atividade agrícola pode ter no ambiente.

MATERIAIS E MÉTODOS

No âmbito do projeto CULTIVAR (Rede de competências para o desenvolvimento sustentável e inovação no setor Agroalimentar - https://icultivar.pt/) foram realizados questionários presenciais a 14 produtores das freguesias de Soito, Foios e Pousafoles (concelho do Sabugal), entre 28 janeiro e 28 fevereiro de 2022. Esta amostra por conveniência (Fraenkel et al., 2012), corresponde a cerca de 5,5% do total de produtores do concelho e a 12,5% do total de produtores identificados nas 3 freguesias selecionadas (INE 2019). O questionário, estruturado em duas secções, pretendeu: a) fazer uma caraterização geral do agricultor/a e das sua(s) exploração(ões) agrícola(s) e b) compreender as perceções dos inquiridos sobre os SE dos soutos. Compreender como estes agricultores veem a agricultura e conhecer as principais práticas agrícolas revela-se importante para uma melhor compreensão da forma como percecionam os serviços (benefícios) e desserviços (efeitos negativos) da agricultura, em particular, dos soutos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização da amostra, tipo de agricultura e práticas agrícolas

Das 14 pessoas que se disponibilizaram a responder ao inquérito, apenas 3 pertencem ao género feminino. A amostra inquirida é relativamente envelhecida, com uma idade média de 66 anos, tendo a maioria completado o ensino básico (86%). Em termos de atividade agrícola (a qual se refere a todas as culturas que o produtor explora e não apenas soutos), aproximadamente metade caracteriza-se por ser uma agricultura convencional (57%), enquanto 6 dos entrevistados, afirmam seguir o modelo de produção integrada e/ou biológica. No total, aproximadamente 79% possuem explorações de dimensão inferior a 50 hectares. Os produtores incluídos nesta amostra referem praticar essencialmente uma agricultura extensiva (62%) e com explorações especializadas (79%) que contribui muito pouco em termos económicos: 70% dos inquiridos refere que o rendimento que retiram da agricultura é inferior a 25% do seu rendimento global.

Mais de metade dos inquiridos (62%) faz mobilização convencional do solo e 93% realiza gestão da cobertura vegetal do solo. O uso de maquinaria é sobretudo para manutenção da cultura (86%) e preparação do solo (71%). A sementeira e a colheita tendem a ser feitas à mão. Os fertilizantes aplicados são maioritariamente de origem orgânica (50%), embora 42% afirmem utilizar tanto orgânicos como químicos. O controlo de pragas e doenças tende a ser feito com o uso de produtos fitofarmacêuticos (83%).

Perceção sobre conceitos-chave relacionados com ambiente e sustentabilidade

Por forma a percebermos o quão à-vontade estes inquiridos se encontravam relativamente à temática do inquérito, foram previamente questionados sobre o que entendiam por “ecossistema”, “serviços de ecossistema” e “agricultura sustentável”. Só após esta análise e depois de serem clarificados os termos e conceitos, se avançou para as questões relacionadas com as perceções sobre SE.

Verifica-se uma clara diferença nas respostas dos inquiridos entre os três conceitos (Figura 1). A maioria afirma conhecer os conceitos de “ecossistema” e “agricultura sustentável”, mas o mesmo não se verifica para “serviços de ecossistema”, em que apenas duas pessoas dizem ter ouvido falar sobre o termo e sentem dificuldade em explicar o que são.

Figura 1 Conhecimento sobre os conceitos de “ecossistema”, “agricultura sustentável” e “serviços de ecossistema”. 

Apesar do desconhecimento que a maioria dos inquiridos parece demonstrar sobre o que são SE, verifica-se nas questões seguintes que os produtores são capazes de reconhecer diversos serviços providenciados pela atividade agrícola, para além do aprovisionamento. Estes resultados vão ao encontro ao demonstrado por Teixeira et al. (2018), que indica que os agricultores são capazes de compreender as relações entre diferentes serviços de ecossistemas e aspetos dos ecossistemas agrícolas, como a sua gestão, apesar de sentirem dificuldade em explicar o conceito.

Serviços e desserviços providenciados pela biodiversidade e ecossistemas envolventes

De modo a compreendermos como os produtores percecionam a importância da biodiversidade e de outros ecossistemas para a sua atividade e produtividade e como estes podem afetar de forma positiva (serviços) ou negativa (desserviços) a sua exploração, foi-lhes solicitado que avaliassem como “Bom”, “Neutro”, “Mau” e “Tanto bom como mau”. os efeitos da biodiversidade e ecossistemas existentes nas zonas envolventes às suas explorações (Figuras 2, 3 e 4).

Verifica-se que os produtores tendem a percecionar como positivo os animais que trazem benefícios à exploração, como os insetos polinizadores ou que controlam pragas; enquanto que os insetos que comem plantas ou espécies cinegéticas, como os javalis e corços, são maioritariamente percecionados como prejudiciais (Figura 2).

Figura 2 Perceção dos produtores sobre a interação com animais selvagens e domésticos na exploração agrícola. 

Os insetos polinizadores são considerados como uma influência positiva por 93% dos inquiridos (Figura 2). A perceção do contributo providenciado pelos insetos para a polinização tem crescido entre os produtores e é um benefício demonstrado em diversos estudos (Gaines-Day e Gratton, 2017; Park et al., 2018; Hevia et al., 2021). Os insetos e a fauna do solo, como as minhocas, tendem igualmente a ser percecionados como positivos, pois estes tipos de organismos têm impacte na produtividade do solo e em outros serviços, como o ciclo de carbono e de nutrientes e na estrutura do solo (Barrios, 2007; Mujtar et al., 2019). Os animais de caça/cinegéticos são o fator percecionado como sendo o mais negativo por 71% dos inquiridos. Os produtores tendem a mencionar, sobretudo os javalis, como animais que têm trazido prejuízos na região através da destruição das culturas, tornando-se um problema económico, social e por vezes ecológico (Torres et al., 2012).

Por sua vez, as espécies vegetais invasoras tendem a ser percecionadas como negativas por quase todos os inquiridos (Figura 3). O próprio castanheiro sofre particularmente com duas doenças provocadas por fungos: a “tinta do castanheiro” causada pelos pseudo-fungos Phytophthora cambivora e Phytophthora cinnamomi e o “cancro”, causado pelo fungo Cryphonectria parasitica, proveniente dos EUA. A isto, acrescenta-se a “vespa-das-galhas-do-castanheiro” (Dryocosmus kuriphilus), que surgiu em 2002, nativa da China, e se tornou uma série ameaça para o castanheiro, afetando o seu crescimento e produtividade (Gomes-Laranjo et al., 2007; Costa et al. 2011; Freitas et al., 2021).

Figura 3 Perceção dos produtores sobre a interação com espécies invasoras na exploração agrícola. 

Relativamente ao impacte de ecossistemas nas zonas envolventes à sua exploração agrícola (Figura 4), verifica-se que zonas com água, independentemente de serem nascentes naturais ou furos, tendem a ser consideradas como boas devido à disponibilidade de água para rega. Floresta e variedades selvagens também tendem a ser percecionadas como positivas. Alguns inquiridos mencionam que a existência de variedades selvagens atraem outros animais, incluindo pragas, afastando-as assim das suas explorações agrícolas.

Figura 4 Perceção dos produtores sobre a existência de outros ecossistemas junto à exploração agrícola. 

Em oposição, a presença de fábricas (áreas industrializadas) e áreas degradadas tendem a ser percecionadas como negativas devido à associação que fazem com a poluição. No caso de existirem outras explorações agrícolas perto das suas, estas tendem a ser percecionadas como neutras por 42% dos inquiridos, ou ainda como “Mau”, isto porque, no caso das pequenas explorações, alguns inquiridos referem como efeito contraproducente o abandono das terras e como acabam por atrair pragas. No caso das grandes explorações, são associadas a uma agricultura intensiva e consequentemente, com poluição. De facto, a agricultura intensiva, em que existe uma dependência de inputs externos como fertilizantes e produtos fitofarmacêuticos, está frequentemente associada a impactes negativos na qualidade do solo e da água (Bommarco et al., 2018; Rocchi et al., 2020).

Serviços providenciados pelo ecossistema soutos

Os produtores foram, de seguida, inquiridos sobre os serviços que os seus soutos são capazes de providenciar à sociedade e ambiente (Figuras 5, 6 e 7). Os serviços de aprovisionamento mais mencionados (Figura 5) são a Produção de plantas (100%) e a Produção de outros materiais como a madeira (57%). Isto reflete uma gestão tradicional dos soutos, focada na produção do fruto para alimentação humana, na produção de madeira para construção e de lenha para aquecimento (Gomes-Laranjo et al., 2007; Costa et al., 2011; Roces-Diaz et al., 2018).

Figura 5 Perceção dos inquiridos sobre os serviços de aprovisionamento providenciados pela sua exploração agrícola. 

Nos serviços de regulação e manutenção (Figura 6), a tendência é para os produtores percecionarem que todos os que lhes foram apresentados, são fornecidos pela sua exploração agrícola.

Figura 6 Perceção dos inquiridos sobre os serviços de regulação e manutenção providenciados pela exploração agrícola. 

Os soutos são ecossistemas multifuncionais (Roces-Díaz et al., 2018) que providenciam diversos serviços como a regulação do clima e a erosão do solo. No entanto, algumas das práticas agrícolas mencionadas pelos produtores como a mobilização convencional do solo, a gestão da cobertura do solo e a aplicação de produtos fitofarmacêuticos, poderão ter impactes nos SE. Por exemplo, a aplicação de pesticidas - pode afetar a biodiversidade e a qualidade das águas superficiais e subterrâneas (Power, 2010; Maxwell et al., 2016; Bommarco et al., 2018). Por sua vez, a cobertura vegetal de culturas permanentes, como é o caso do castanheiro, foi associada à conservação da biodiversidade e controlo da erosão do solo (Balzan et al., 2020; Gómez et al., 2021), demonstrando capacidade em fixar azoto e reduzir a sua lixiviação (Kaye e Quemada, 2017).

Nos serviços culturais (Figura 7), destaca-se a Beleza da paisagem (100%), um serviço igualmente salientado por outros autores em relação aos soutos (Roces-Diaz et al., 2018). O Valor espiritual ou simbólico (sobretudo simbólico) e o Sentido de Pertença/Ligação ao lugar são ambos mencionados por 92% dos inquiridos. Atividades recreativas, científicas e educativas são as menos evidenciadas pelos produtores.

Figura 7 Perceção dos inquiridos sobre os serviços culturais providenciados pela exploração agrícola. 

Impactes da agricultura na biodiversidade e ecossistemas

No geral, a perceção que os produtores possuem do impacte ambiental da sua atividade agrícola é extremamente positiva (Figura 8). O mesmo se verifica quando lhes é solicitado que façam uma apreciação global da sua atividade sobre o impacte nos SE. Neste caso, todos respondem que é “Positiva”. Isto não significa que os produtores não reconhecem que a atividade agrícola possa ter um impacte menos positivo no ambiente, mas no geral, a perceção positiva que possuem da agricultura parece sobrepor-se a qualquer aspeto mais negativo que possa existir.

Figura 8 Perceção dos inquiridos sobre os impactes da sua atividade agrícola na biodiversidade e ecossistemas. 

CONCLUSÕES

A amostra inquirida reflete sobretudo uma gestão tradicional dos soutos: uma cultura extensiva, utilizada sobretudo para produção de alimento e madeira. Apesar dos produtores não estarem muito familiarizados com o termo “serviços de ecossistema”, reconhecem que os soutos fornem outros serviços além da produção de castanha ou madeira. Este estudo espera contribuir para aumentar a consciencialização sobre como a preservação dos SE dos soutos pode ser benéfica para os produtores e para o ambiente indo ao encontro da perceção muito positiva que têm sobre a sua atividade agrícola.

Cada vez mais, em consequência da degradação dos recursos naturais em todo o mundo, a proteção da biodiversidade e dos SE é um tema central nas políticas de sustentabilidade e ambientais (European Commission, 2020; Piñeiro et al., 2020). A transição para práticas agrícolas sustentáveis é já uma realidade, cada vez mais urgente devido à pressão sobre o setor agrícola para alimentar uma população humana em crescimento. Contudo, esta transição deve ter em conta as perceções, necessidades, motivações e expetativas dos produtores. Estes saberes serão decisivos para a elaboração de programas de apoio/incentivos mais adequados ao setor e para a efetiva adoção de práticas agrícolas mais amigas do ambiente.

Agradecimentos

Trabalho realizado no âmbito do projeto CULTIVAR (CENTRO-01-0145-FEDER-000020), cofinanciado pelo Programa Operacional Regional Centro 2020, Portugal 2020 e a União Europeia, através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e Unidade de I&D Centre for Functional Ecology-Science for People and the Planet (CFE), com a referência UIDB/04004/2020, com apoio financeiro da FCT/MCTES através de fundos nacionais (PIDDAC). As autoras agradecem à Câmara Municipal do Sabugal pelo apoio prestado no contacto com os produtores. As autoras agradecem ainda as sugestões e comentários feitos pelos/as revisores/as que muito contribuíram para melhorar a qualidade do manuscrito.

Referências bibliográficas

Balzan, M.; Sadula, R. e Scalvenzi, L. (2020) - Assessing Ecosystem Services Supplied by Agroecosystems in Mediterranean Europe: A Literature Review. Land, vol. 9, art. 245. https://doi.org/10.3390/land9080245Links ]

Barrios, E. (2007) - Soil biota, ecosystem services and land productivity. Ecological Economics, vol. 64, n. 2, p. 269-285. https://doi.org/10.1016/j.ecolecon.2007.03.004 [ Links ]

Bennett, E.; Peterson, G. e Gordon, L. (2009) - Understanding relationships among multiple ecosystem services. Ecology Letters, vol. 12, p. 1394-1404. https://doi.org/10.1111/j.1461-0248.2009.01387.x [ Links ]

Bernués, A.; Tello-García, E.; Rodríguez-Ortega, T.; Ripoll-Bosch, R. e Casasús, I. (2016) - Agricultural practices, ecosystem services and sustainability in High Nature Value farmland: unraveling the perceptions of farmers and nonfarmers. Land Use Policy, vol. 59, p. 130-142. https://doi.org/10.1016/j.landusepol.2016.08.033 [ Links ]

Bommarco, R.; Vico, G. e Hallin, S. (2018) - Exploiting ecosystem services in agriculture for increased food security. Global Food Security, vol. 17, p. 57-63. https://doi.org/10.1016/j.gfs.2018.04.001 [ Links ]

Bryan, B. (2013) - Incentives, land use, and ecosystem services: Synthesizing complex linkages. Environmental Science & Policy, vol. 27, p. 124-134. https://doi.org/10.1016/j.envsci.2012.12.010 [ Links ]

Cação, A.; Paula, A.; Marques, F.; Alves, F. e Castro, P. (2022) - Usos locais associados à castanha, castanheiro e soutos no concelho do Sabugal. Vila Real, IV Simpósio da Castanha, p. 47. [ Links ]

Costa, R.; Bragança, H. e Machado, H. (2011) - Os últimos 75 anos de investigação para o melhoramento do castanheiro em Portugal. In: INRB e INCM (eds) - Agrorrural - Contributos Científicos, p. 907-918. [ Links ]

Duru, M.; Therond, O.; Martin, G.; Martin-Clouaire, R.; Magne, M.; Justes, E.; Journet, E.; Aubertot, J.; Savary, S.; Bergez, J. e Sarthou, J.P. (2015) - How to implement biodiversity-based agriculture to enhance ecosystem services: a review. Agronomy for Sustainable Development, vol. 35, p. 1259-1281. https://doi.org/10.1007/s13593-015-0306-1 [ Links ]

Egoh, B.; Reyers, B.; Rouget, M.; Richardson, D.; Le Maitre, D. e Van Jaarsveld, A.S. (2008). Mapping ecosystem services for planning and management. Agriculture, Ecosystem & Environment, vol. 127, n. 1-2, p. 135-140. https://doi.org/10.1016/j.agee.2008.03.013 [ Links ]

European Commission (2020) - Communication from the Commission to the European Parliament, the Council, the European Economic and Social Committee and the Committee of the Regions. EU Biodiversity Strategy for 2030 Bringing nature back into our lives. COM/2020/380 final, Brussels. [cit. 2022-07-29]. < https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX:52020DC0380 > [ Links ]

Fraenkel, J.R.; Wallen, N.E. e Hyun, H.H. (2012) - How to design and evaluate research in education. 8th edition, London, McGraw-Hill. [ Links ]

Freitas, T.; Santos, J.; Silva, A. e Fraga, H. (2021) - Influence of Climate Change on Chestnut Trees: A Review. Plants, vol. 10, n. 7, art. 1463. https://doi.org/10.3390/plants10071463 [ Links ]

Gaba, S.; Lescourret, F.; Boudsocq, S.; Enjalbert, J.; Hinsinger, P.; Journet, E.; Navas, M.; Wery, J.; Louarn, G.; Malézieux, E.; Pelzer, E.; Prudent, M. e Ozier-Lafontaine, H. (2015) - Multiple cropping systems as drivers for providing multiple ecosystem services: from concepts to design. Agronomy for Sustainable Development, vol. 35, p. 607-623. https://doi.org/10.1007/s13593-014-0272-z [ Links ]

Gaines-Day, H. e Gratton, C. (2017) - Understanding barriers to participation in cost-share programs for pollinator conservation by Wisconsin (USA) Cranberry Growers. Insects, vol. 8, n. 3, p. 79. https://doi.org/10.3390/insects8030079 [ Links ]

Gómez, J.; Llewelyn, C.; Basch, G.; Sutton, P.; Dyson, J. e Jones, C. (2011) - The effects of cover crops and conventional tillage on soil and runoff loss in vineyards and olive groves in several Mediterranean countries. Soil Use and Management, vol. 27, n. 4, p. 502-514. https://doi.org/10.1111/j.1475-2743.2011.00367.x [ Links ]

Gomes-Laranjo, J. (2013) - A fileira da castanha em Portugal: uma fileira de oportunidades. Revista AGROTEC, n. 8, p. 36-38. [ Links ]

Gomes-Laranjo J.; Ferreira-Cardoso, J.; Portela, E. e Abreu, C. (2007) - Castanheiros. Programa Agro, Código 499 - Contributo para a difusão dos conhecimentos das cultivares portuguesas de castanheiro. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. [ Links ]

Haines-Young R. e Potschin M. (2018) - Common International Classification of Ecosystem Services (CICES) V5.1 Guidance on the Application of the Revised Structure. [cit. 2022-07-27]. < https://cices.eu/ > [ Links ]

Hasan, S.; Zhen, L.; Miah, M.; Ahamed, T. e Samie. A. (2020) - Impact of land use change on ecosystem services: A review. Environmental Development, vol. 34, art. 100527. https://doi.org/10.1016/j.envdev.2020.100527 [ Links ]

Hevia, V.; García-Llorente, M.; Martínez-Sastre, R.; Palomo, S.; García, D.; Minarro, M.; Pérez-Marcos, M.; Sanchez, J. e González, J. (2021) - Do farmers care about pollinators? A cross-site comparison of farmers’ perceptions, knowledge, and management practices for pollinator-dependent crops. International Journal of Agricultural Sustainability, vol. 19, n. 1, p. 1-15. https://doi.org/10.1080/14735903.2020.1807892 [ Links ]

Hooper, D.U.; Adair, E.C.; Cardinale, B.J.; Byrnes, J.E.K.; Hungate, B.A.; Matulich, K.L.; Gonzalez, A.; Duffy, J.E.; Gamfeldt, L. e O’Connor, M.I. (2012) - A global synthesis reveals biodiversity loss as a major driver of ecosystem change. Nature, vol. 486, p. 105-108. https://doi.org/10.1038/nature11118 [ Links ]

INE (2019) - Superfície das culturas permanentes (ha) por Localização geográfica (NUTS - 2013) e Tipo (culturas permanentes); Decenal. Instituto Português de Estatística, Portugal. [cit. 2022-07-29]. < https://www.ine.pt/ > [ Links ]

Kaye, J. e Quemada, M. (2017) - Using cover crops to mitigate and adapt to climate change. A review. Agronomy for Sustainable Development, vol. 37, art. 4. https://doi.org/10.1007/s13593-016-0410-x [ Links ]

Kehoe, L.; Romero-Muñoz, A.; Polaina, E.; Estes, L.; Kreft, H. e Kuemmerle, T. (2017) - Biodiversity at risk under future cropland expansion and intensification. Nature Ecology & Evolution, vol. 1, p. 1129-1135. https://doi.org/10.1038/s41559-017-0234-3 [ Links ]

Maxwell, S.L.; Fuller, R.A.; Brooks, T.M. e Watson, J.E. (2016) - The ravages of guns, nets and bulldozers. Nature, vol. 536, p. 143-145. https://doi.org/10.1038/536143a [ Links ]

MEA (Millennium Ecosystem Assessment). (2005) - Ecosystems and Human Well-being: Synthesis. Island Press, Washington, DC. [ Links ]

Mujtar, V.; Munoz, N.; Cormick, B.; Pulleman, M. e Tittonell, P. (2019) - Role and management of soil biodiversity for food security and nutrition; where do we stand? Global Food Security, vol. 20, p. 132-144. https://doi.org/10.1016/j.gfs.2019.01.007 [ Links ]

Park, M.; Joshi, N.; Rajotte, E.; Biddinger, D.; Loscy, J. e Danforth, B. (2018) - Apple grower pollination practices and perceptions of alternative pollinators in New York and Pennsylvania. Renewable Agriculture and Food Systems, vol. 35, n. 1, p. 1-14. https://doi.org/10.1017/S1742170518000145 [ Links ]

Piñeiro, V.; Arias, J.; Durr, J.; Elverdin, P.; Ibanez, A.; Kinengyere, A.; Opazo, C.; Owoo, N.; Page, J.; Prager, S. e Torero, M. (2020) - A scoping review on incentives for adoption of sustainable agricultural practices and their outcomes. Nature Sustainability, vol. 3, p. 809-820. https://doi.org/10.1038/s41893-020-00617-y [ Links ]

Power, A. (2010) - Ecosystem services and agriculture: tradeoffs and synergies. Philosophical Transactions of the Royal Society B, vol. 365, p. 2959-2971. https://doi.org/10.1098/rstb.2010.0143 [ Links ]

Robertson, G.P. e Swinton, S.M. (2005) - Reconciling agricultural productivity and environmental integrity: a grand challenge for agriculture. Frontiers in Ecology and the Environment, vol. 3, n. 1, p. 38-46. https://doi.org/10.1890/1540-9295(2005)003[0038:RAPAEI]2.0.CO;2 [ Links ]

Rocchi, L.; Boggia, A. e Paolotti, L. (2020) - Sustainable Agricultural Systems: A Bibliometrics Analysis of Ecological Modernization Approach. Sustainability, vol. 12, n. 22, art. 9635. https://doi.org/10.3390/su12229635 [ Links ]

Roces-Diaz, J.V.; Díaz-Varela, E.R.; Barrio-Anta, M. & Álvarez-Álvarez, P. (2018) - Sweet chestnut agroforestry systems in North-western Spain: Classification, spatial distribution and an ecosystem services assessment. Forest Systems, vol. 27, n. 1, art. e03S. https://doi.org/10.5424/fs/2018271-11973 [ Links ]

Teixeira, H.; Vermue, A.; Cardoso, I.; Claros, M. e Bianchi, F. (2018) - Farmers show complex and contrasting perceptions on ecosystem services and their management. Ecosystem Services, vol. 33, p. 44-58. https://doi.org/10.1016/j.ecoser.2018.08.006 [ Links ]

Torres, R.; Ambrósio, I.; Lopes, I.; Cancela, J. e Fonseca, C. (2012) - Avaliação dos Estragos Causados pelo Javali (Sus scrofa) na Beira Litoral. Silva Lusitana, vol. 20, p. 105-122. [ Links ]

Recebido: 30 de Julho de 2022; Aceito: 01 de Fevereiro de 2023

(*E-mail: pcastro@ci.uc.pt)

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons