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Arquivos de Medicina

versão On-line ISSN 2183-2447

Arq Med vol.25 no.5-6 Porto dez. 2011

 

COMENTÁRIO

Regulação da Investigação Científica em Embriões de Origem Humana

Susana Silva1, Helena Machado2, Teresa Rodrigues1,3

 

1Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) e Departamento de Epidemiologia Clínica, Medicina Preditiva e Saúde Pública, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

2Departamento de Sociologia e Centro de Investigação em Ciências Sociais da Universidade do Minho

3Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital de S. João, Porto

 

Correspondência

 

A lei portuguesa que regula a Procriação Medicamente Assistida1 permite a investigação científica em embriões de origem humana desde que desta resultem benefícios presentes e futuros para a humanidade e alerta para a necessidade de controlar as suas utilizações. Prevê ainda que a produção de embriões só aconteça com o objetivo de superar a infertilidade ou para evitar a transmissão de doenças graves, proibindo-se o propósito deliberado de utilização na investigação científica. A experimentação com recurso a estes embriões carece de autorização do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida.

A investigação em embriões de origem humana depende de cidadãos que doam os seus embriões para esse efeito, decisão que exige a assinatura de um consentimento expresso, informado e consciente. Nos atuais formulários de consentimento informado, aprovados em Outubro de 2008, o casal deverá escrever “sim” ou “não” num quadrado em branco colocado à frente da seguinte afirmação: Consentimos no uso dos nossos embriões em projectos de investigação científica. No entanto, prevê-se uma alteração neste processo, na sequência da aprovação pelo Conselho de Ministros, em 24 de Fevereiro de 2011, do regime de utilização de células estaminais de origem humana para fins de investigação científica2. Este regime prevê a criação de um sistema de informação para os dadores de embriões idêntico ao atual sistema dos dadores de órgãos biológicos, o que significa que os casais que não quiserem doar os seus embriões para investigação científica terão que o declarar expressamente. Doravante o enquadramento legislativo e ético português abandonará a ideia do primado do projeto parental ao assumir implicitamente que os casais querem doar os seus embriões para investigação científica. Ao mesmo tempo, os embriões de origem humana são equiparados a material idêntico aos órgãos biológicos. Os argumentos apresentados no comunicado do Conselho de Ministros para sustentar este novo regime revelam interpenetrações entre a esfera política, económica e científico tecnológica assentes na ideia da capacitação humana para promover o progresso e eliminar a doença. Concretizando, a investigação científica em células estaminais, adultas e embrionárias, é descrita neste comunicado como uma das vias mais promissoras para a possibilidade de êxito do desenvolvimento de novas terapias. O imaginário cultural das sociedades modernas tem vindo a transformar o embrião de origem humana num mediador do progresso ao disseminar expetativas quanto à tradução do investimento na investigação científica com recurso a embriões em propostas de intervenção clínica inovadoras passíveis de serem aplicadas no transplante de órgãos e no tratamento de diabetes, Parkinson, Alzheimer, artrite, osteoporose, acidentes vasculares cerebrais, doenças cardíacas e até mesmo a paralisia, entre outros problemas de saúde3. Na enunciação dos objetivos que norteiam tal regime, o Conselho de Ministros articula o estímulo da investigação científica -criar melhores condições para o desenvolvimento da actividade de investigação científica em Portugal, atraindo talento, reforçando as instituições de investigação e a produção científica -com o incremento da atividade económica e empresarial -estimular a inovação e o desenvolvimento de novos produtos e processos por parte de empresas, em Portugal. Este regime é ainda apresentado como símbolo de um país liberal e desenvolvido, que investe na produção de ciência e tecnologia de excelência no campo da engenharia genética e de tecidos -esta Proposta de Lei visa remover as desvantagens comparativas que a legislação em vigor impõe actualmente às condições de exercício da actividade de investigação científica com células estaminais em Portugal, face a outros países, designadamente o Reino Unido, a Suécia ou a Bélgica. Em suma, a promoção do investimento financeiro na investigação científica em embriões de origem humana é justificada pela importância cultural conferida à aliança simbólica entre progresso e regeneração. A disseminação da ideia de que as células estaminais, adultas e sobretudo embrionárias, incorporam a capacidade de virtualmente eliminar a doença e de que são uma das vias mais promissoras para o conseguir, afigurase como o principal argumento retórico que sustenta a consolidação de uma nova metáfora no campo da medicina e da tecnologia, designada por Lawrence Burns como the stem cell superhero4. No âmago desta metáfora encontra-se a convergência de elevadas expetativas quanto ao poder regenerador e curativo das células estaminais embrionárias por parte de políticos, de investigadores científicos, do público em geral e dos casais envolvidos em técnicas de procriação medicamente assistida em particular, cujos processos de decisão sobre os destinos a dar aos seus embriões dependem, entre outros, da confiança que depositam na investigação científica.

A concretização destas promessas carece de tradução em instrumentos e ferramentas que possam ser usados nas práticas clínicas e em estratégias de intervenção na saúde comunitária e em evidência científica. Enquanto se (des)espera pela materialização destes sonhos com futuro incerto, dever-se-ia refletir sobre o que estamos exactamente à espera5. Se a esperança é louvável, também o é a necessidade de monitorizar as expetativas, num contexto em que existem soluções clínicas disponíveis e outras se encontram em desenvolvimento, cujas eficácia e confiabilidade foram já demonstradas. A discussão em torno de uma regulação socialmente responsável da investigação em embriões de origem humana é premente em sociedades cujo imaginário cultural precisa de super-heróis que reafirmem a crença na medicina, na ciência e na tecnologia orientadas para o bem-comum e cuja motivação para a acção seja moralizar comportamentos, replicar a ordem social e proteger a sociedade da doença e do sofrimento.

 

Agradecimentos

Este trabalho foi financiado por fundos FEDER através do Programa Operacional Factores de Competitividade – COMPETE e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do projecto“Saúde,governação e responsabilidade na investigação em embriões: as decisões dos casais em torno dos destinos dosembriões”(FCOM-01-0124-FEDER-014453).Agradecemos à Catarina Samorinha a colaboração prestada ao nível da recolha de informação. Um rascunho deste comentário foi apresentado no XI Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil, 7a 10 de Agosto de 2011.

 

Referências

1. Lei n.º 32/2006, de 26 de Julho. Diário da República, 1.ª Série; 143: 5245-50.         [ Links ]

2. Comunicado do Conselho de Ministros de 24 de Fevereiro de 2011 Disponível em: http://www.portugal.gov.pt/pt/GC18/Governo/ConselhoMinistros/ComunicadosCM/Pages/20110224.aspx (acesso em 19 de Agosto de 2011).         [ Links ]

3. Prainsack B, Geesink I, Franklin S. Stem cell technologies 1998-2008: controversies and silence. Sci Cult (Lond) 2008; 17(4):351-62.         [ Links ]

4. Burns L. “You are our only hope”: Trading metaphorical “magic bullets” for stem cell “superheroes”. Theor Med Bioeth 2009; 30: 427-42.         [ Links ]

5. Ehrich K, Williams C, Farsides B, Scott R. Embryo futures and stem cell research: the management of informed uncertainty. Sociol Heallt Illn 2011 Aug 3. Disponível em doi: 10.1111/j.1467-9566.2011.01367.x. [Epub ahead of print]        [ Links ]

 

Correspondência:

Susana Silva

Instituto de Saúde Públicada Universidade do Porto (ISPUP), RuadasTaipas,n.º135, 4050-600Porto. Email: susilva@med.up.pt

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