SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28 issue5Accessibility and use of information sources on cardiovascular health: perceptions of patients and physicians author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Arquivos de Medicina

On-line version ISSN 2183-2447

Arq Med vol.28 no.5 Porto Oct. 2014

 

CASOS CLÍNICOS/SÉRIE DE CASOS

Hemorragia subaracnoideia sulcal como forma de apresentação de oclusão da artéria carótida interna

Internal carotid artery occlusion presenting with sulcal subarachnoid hemorrhage

Rita Figueiredo1, Luísa Sampaio1, Carina Reis1, José Fonseca1

 

1Serviço de Neurorradiologia do Centro Hospitalar S. João, E.P.E.

 

Correspondência

 

RESUMO

A hemorragia subaracnoideia sulcal não traumática é uma entidade rara mas importante pelo desafio da identificação da causa etiológica subjacente, incluindo a doença aterosclerótica carotídea. Descrevemos o caso clínico de um homem admitido no serviço de urgência com um quadro de cefaleia paroxística e disartria, cujos estudos imagiológicos revelaram hemorragia subaracnoideia sulcal e oclusão extracraniana da artéria carótida interna direita.

Palavras-chave: espaço subaracnoideu, hemorragia subaracnoideia intracraniana, hemorragia subaracnoideia espontânea, estenose carotídea

 

ABSTRACT

Atraumatic sulcal subarachnoid hemorrhage is a rare entity. Various aetiologies have been postulated and include carotid atherosclerotic disease among others. We illustrate the case of a man admitted to the emergency department with paroxysmal headache and dysarthria. Imaging studies disclosed sulcal subarachnoid hemorrhage and right extracranial internal carotid artery occlusion. This entity represents an important subtype of subarachnoid hemorrhage and the main challenge relies in the underlying cause diagnosis.

Key-words: subarachnoid space, intracranial subarachnoid hemorrhage, spontaneous subarachnoid hemorrhage, carotid stenosis

 

Introdução

A incidência de hemorragia subaracnoideia espontânea (HSA) é aproximadamente 6-8 casos/100.000 pessoas/ano. A maioria dos casos (85%) resulta da rotura de um aneurisma intracraniano; em 10% destes não se identificam lesão estrutural ou condição subjacentes.1

A HSA espontânea observada na convexidade cerebral é rara, representando aproximadamente 5% do total de casos.2 Define-se pela presença de hemorragia subaracnoideia circunscrita à convexidade cerebral, sem envolvimento do parênquima cerebral ou extensão à cisura inter-hemisférica, cisternas da base ou ventrículos. Na literatura, a hemorragia subaracnoideia sulcal (HSAs) é também designada de HSA cortical.

Descrevemos o caso clínico de um doente admitido no serviço de urgência com cefaleia paroxística e disartria, cujos estudos imagiológicos revelaram hemorragia subaracnoideia sulcal e oclusão extracraniana da artéria carótida interna (ACI) direita. Apresentamos uma breve revisão do tema.

 

Caso clínico

Doente do sexo masculino, 67 anos de idade, com antecedentes pessoais de hipertensão arterial, doença arterial coronária, dislipidemia, episódio anterior de acidente isquémico transitório e insuficiência renal crónica. Atendendo às co-morbilidades estava medicado com anti-hipertensores, estatina e anti-agregante plaquetário, mas terá suspendido o anti-agregante por necessidade de pequena intervenção dentária.

Foi admitido no serviço de urgência por episódios paroxísticos de cefaleias intensas com 3 dias de evolução e disartria. O exame neurológico objetivou paresia facial central esquerda minor e hemihipostesia esquerda (NIHSS:3). A tomografia computorizada crânio-encefálica (TC CE) demonstrou hemorragia subaracnoideia frontoinsular direita e alterações tomodensitométricas decorrentes de doença cerebrovascular crónica.

O estudo adicional por ressonância magnética crânio-encefálica (RM CE), comprovou a presença de hemorragia subaracnoideia sulcal e oclusão extracraniana da artéria carótida interna direita, sem evidência de isquemia aguda no estudo de difusão (Figura 1). Foi re-instituído o anti-agregante (ácido acetilsalicílico 100 mg) com manutenção da restante terapêutica e verificou-se uma evolução clínica favorável. À data de alta, o doente mantinha apenas paresia facial central esquerda minor (NIHSS 1).

 

 

Discussão

Várias etiologias têm sido associadas com a HSAs sendo na maioria dos casos possível a identificação da causa subjacente. Entre estas encontram se causas vasculares e não vasculares, nomeadamente síndrome de vasoconstrição cerebral reversível (SVCR), angiopatia amilóide cerebral, trombose venosa cerebral (TVC), doença aterosclerótica carotídea, malformação vascular, vasculite, doença de moyamoya, síndrome de encefalopatia posterior reversível, neoplasia primária ou secundária e doenças infeciosas (Tabela 1). Na literatura têm sido descritas duas etiologias principais, a SVCR em doentes com menos de 60 anos e a angiopatia amilóide cerebral em doentes com mais de 60 anos4 (20-30% dos casos de HSAs).

 

 

A apresentação clínica desta entidade é distinta dos casos de HSA aneurismática. Esta diferença poderá ser explicada pela ausência de hemorragia nas cisternas da base ou fossa posterior e sua menor quantidade e focalidade.3 A cefaleia explosiva é mais comum em doentes mais jovens e associase frequentemente a SVCR ou TVC. A TVC pode apresentar-se também com défices neurológicos agudos e sinais de hipertensão intracraniana, afetando sobretudo mulheres jovens. A HSAs pode apresentar-se por défices neurológicos focais transitórios, mimetizando um acidente isquémico transitório, enxaqueca com aura ou crises focais, particularmente em doente idosos; nestes casos, a cefaleia não é um sintoma comum. A presença de cefaleia difusa acompanhada de sintomas sistémicos (febre, anorexia, perda de peso) pode sugerir uma etiologia infeciosa.

A HSAs pode ocorrer na estenose aterosclerótica severa das artérias cerebrais intra e extracranianas, estando descritos na literatura 9 casos de HSAs associada a oclusão/estenose significativa da ACI.7,9,11 os mecanismos fisiopatológicos propostos no contexto de oclusão das artérias cerebrais extracranianas são similares ao observado na Doença de moyamoya e envolvem a rotura de vasos piais colaterais dilatados e frágeis com subsequente HSAs.5 A HSAs pode decorrer de uma alteração hemodinâmica aguda que danifica a vascularização colateral pial que já se encontra dilatada no seu máximo calibre9; no presente caso clínico e nos casos referidos7,9,11, a HSAs ocorreu no lado sintomático ou onde a estenose era mais grave e instalou-se de forma aguda.

A investigação clínico-imagiológica de HSAs deve ser exaustiva e metódica com vista à determinação da sua etiologia e consequente tratamento adequado. No serviço de urgência, a TC CE constitui o exame de eleição, mostrando a HSAs como hiperdensidade sulcal. A sensibilidade da TC CE varia em função do tempo e da gravidade da hemorragia, sendo muito elevada na fase aguda (> 90% nas primeiras 24 horas) mas decresce rapidamente com o tempo e não é suficiente para excluir HSA.10 Assim, é recomendada a realização de punção lombar (PL) em doentes com TC negativas.

Deve efetuar-se também um estudo por RM CE incluindo sequências de angio-RM, T2 FLAIR (Fluid-Attenuated Inversion Recovery), T2 eco de gradiente, DWI (Diffusion Weighted Imaging), e T1 antes e após contraste. A RM CE contribui para o diagnóstico e permite a identificação da etiologia subjacente em cerca de 65% dos casos.10 Os estudos ultrassonográficos da circulação cérvico-cefálica, exames não-invasivos, são úteis na confirmação da doença arterial aterosclerótica cervical e intracraniana.11

Quando estes estudos são negativos, deve considerar-se a realização de Angiografia de subtração Digital (AsD) com vista à deteção de alterações vasculares como, por exemplo, em vasos de médio calibre sugestivas de vasculite.

O prognóstico da HSAs é mais favorável que o da HSA aneurismática1,4 dependendo contudo a evolução clínica da causa subjacente à hemorragia. Apesar de rara, a HSAs não traumática é um importante subtipo de hemorragia subaracnoideia não aneurismática. A apresentação clínica, os achados imagiológicos e a etiologia subjacente diferem significativamente da maioria das HSA, pelo que o seu diagnóstico constitui um desafio.

 

Referências

1. Refai D, Botros JA, Strom RG , Derdeyn CP , Sharma A, Zipfel G. Spontaneous isolated convexity subarachnoid hemorrhage: presentation, radiological findings, differential diagnosis, and clinical course. J Neurosurg 2008;109(6):1034–41.         [ Links ]

2. Moschini J, Meli F. Hemorragia subaracnoidea cortical secundária a síndrome de vasoconstricción cerebral reversible. Neurol Arg 2010;2(2):125-6.         [ Links ]

3. Spitzer C, Mull M, Rohde V, Kosinski CM . Non-traumatic cortical subarachnoid haemorrhage: diagnostic work-up and aetiological background. Neuroradiology 2005;47(7):525-31.         [ Links ]

4. Kumar S, Goddeau RP Jr, Selim MH, Thomas A, Schlaug G, Alhazzani A, Searls DE Caplan LR . Atraumatic convexal subarachnoid hemorrhage: clinical presentation, imaging patterns, and etiologies. Neurology 2010;74(11):893-9.         [ Links ]

5. Cuvinciuc V, Viguier A, Calviere L, Raposo N, Larrue V, Cognard C, Bonneville F. Isolated acute nontraumatic cortical subarachnoid hemorrhage. Am J Neuroradiol 2010;31(8):1355-62.         [ Links ]

6. Atlas SW. Magnetic Ressonance Imaging of the Brain and Spine. 4th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2009.         [ Links ]

7. Kleinig TJ, Kimber TE, Thompson PD. Convexity subarachnoid haemorrhage associated with bilateral internal carotid artery stenosis. J Neurol 2009;256(4):669-71.         [ Links ]

8. Geraldes R, Santos C, Canhão P. Atraumatic localized convexity subarachnoid hemorrhage associated with acute carotid artery occlusion. Eur J Neurol 2011;18(2):28-9.         [ Links ]

9. Chandra RV, Leslie-Mazwi TM , D Oh, Yoo AJ. Extracranial internal carotid artery stenosis as a cause of cortical subarachnoid hemorrhage. Am J Neuroradiol 2011;32(3):51-3.         [ Links ]

10. Renou P, Tourdias T, Fleury O, Debruxelles S, Rouanet F, Sibon I. Atraumatic Nonaneurysmal sulcal subarachnoid hemorrhages: a diagnostic workup based on a case series. Cerebrovasc Dis 2012;34(2):147-52.         [ Links ]

11. Geraldes R, Sousa PR , Fonseca AC, Falcão F, Canhão P, Pinho e Melo T. Nontraumatic convexity subarachnoid hemorrhage: different etiologies and outcomes. J Stroke Cerebrovasc Dis 2014;23(1):E23-30        [ Links ]

 

Correspondencia:

Rita Figueiredo

Serviço de Neurorradiologia do Centro Hospitalar S. João, E.P.E. Al. Prof. Hernâni Monteiro, 4200-319 Porto. E-mail: ritafig7@gmail.com

 

Data de recepção / reception date: 29/01/2014

Data de aprovação / approval date: 11/03/2014

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License