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Arquivos de Medicina

On-line version ISSN 2183-2447

Arq Med vol.29 no.2 Porto Apr. 2015

 

COMENTÁRIO

Violência contra as mulheres – tempo de actuar

Pedro Morgado1,2,3

 

1Life and Health Sciences Research Institute (ICVS), School of Health Sciences, University of Minho, Braga

2ICVS-3BS PT Government Associate Laboratory, Braga/Guimarães

3Hospital de Braga, Braga

 

Correspondência

 

A violência contra as mulheres, assente em juízos sociais e culturais disseminados à escala mundial, constituiu-se como um desafio que deve convocar a sociedade na sua globalidade. A Organização Mundial de Saúde estima que 30% das mulheres foram vítimas de violência física ou sexual por parte do companheiro e 7% foram vítimas de abuso sexual por parte dedesconhecidos1. A violência contra as mulheres tem um impacto profundo na saúde mental e física das vítimas, apresentando custos económicos e sociais directos e indirectos muito significativos2,3. Em Portugal, a violência contra as mulheres acompanha a tendência europeia, apresentando consequências fatais4.

O desenvolvimento de políticas públicas dirigidas à redução deste tipo de violência tem produzido resultados muito satisfatórios5. Recentemente, numa edição especial da revista Lancet, foram identificadas 5 recomendações globais para a implementação de políticas de combate mais eficaz contra a violência sobre as mulheres: (i) demonstrar liderança na condenação da violência; (ii) desenvolver e aplicar leis que condenem todas as formas de violência, implementar políticas nacionais contra a discriminação e fortalecer a capacidade de acção das instituições; (iii) investir na prevenção da violência; (iv) aprofundar o envolvimento dos sistemas de saúde no combate à violência; (v) investir na investigação e na recolha de dados6.

Nos países desenvolvidos, a evidência aponta que as medidas melhor sucedidas são os programas de apoio às vítimas (com prestação de informação, gestão do caso e interligação aos serviços judiciais) e as visitas ao domicílio por profissionais de saúde5. Outro aspecto relevante é o trabalho junto crianças, jovens e adultos do sexo masculino com vista a reduzir os estereótipos de género e a competição entre ‘masculinidades’, a combater a homofobia e o uso da violência entre homens e a destacar as similitudes entre homens e mulheres, desafiando a ideia de poder daqueles sobre estas7.

Os sistemas de saúde desempenham um papel fundamental na gestão deste fenómeno social, tanto no que respeita à intervenção primária (aumento da informação e do conhecimento acerca do fenómeno, visitas domiciliárias, redução dos consumos de álcool, recolha de dados) como às intervenções secundária (identificação da violência, e solução dos problemas de saúde agudos e referenciação para serviços judiciais e/ou outros serviços de apoio) e terciária (reabilitação e apoio às vítimas)6.

A Organização Mundial de Saúde elaborou um conjunto de recomendações baseadas na evidência com objectivo de proporcionar aos profissionais de saúde informação sobre as respostas mais adequadas na gestão clínica das situações de violência marital e/ou sexual contra as mulheres8. As linhas orientadoras incluem a necessidade de centrar a prestação de cuidados de saúde na paciente, oferecendo apoio imediato às mulheres que report em situações de violência e/ou abuso (incluindo suporte psicológico e informação acercados recursos sociais e legais). Embora não seja recomendado um rastreio universal, os profissionais de saúde devem avaliar a possibilidade de existir violência e/ou abuso sempre que se deparem com quadros clínicos potencialmente complicados por essas situações8.

Uma vez identificadas situações de violência, as vítimas que sofram de doença psiquiátrica (por exemplo, depressão, problemas relacionados com o álcool ou perturbação de stress pós-traumático) devem ser imediatamente referenciadas para serviços especializados que tenham, preferencialmente, experiência na abordagem terapêutica destas situações8.

Nas situações de abuso sexual, a intervenção precoce (nos primeiros 5 dias após o abuso) deve incluir a implementação de estratégias ativas de apoio clínico e psicológico, o fornecimento de informação útil (incluindo o contacto com serviços de apoio social) e a avaliação clínica (história clínica e exame físico completos, incluindo data e tipo de abuso, estado mental, risco de gravidez e risco de contágio por HIV e por outras doenças sexualmente transmissíveis). Esta avaliação global permite delinear e implementar as estratégias terapêuticas mais adequadas, incluindo contracepção, profilaxia pós exposição para HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis, psicoterapia cognitivo-comportamental e, quando necessário, acompanhamento psiquiátrico8.

Em Portugal, quase 60% das mulheres vítimas de violência doméstica afirmam que os seus médicos não suspeitam dos abusos e quase 20% não revela os abusos aos seus médicos assistentes9. Estes dados convocam as instituições com responsabilidade na formação pré-graduada e pós-graduadados médicos, as estruturas de prestação de cuidados de saúde e os centros de decisão política para o desenvolvimento de estratégias activas de sensibilização, informação e treino dos profissionais de saúde nestas matérias, programas dirigidos à manutenção da sua saúde física e mental, políticas de combate às atitudes estigmatizantes, estratégias de combate à violência experienciada por profissionais de saúde e também aos abusos por estes perpetrados 6,8.

Tendo em conta que as medidas que venham a ser desenvolvidas e implementadas apenas produzirão efeitos abrangentes no decurso de uma década, impõem-se o desenvolvimento e implementação urgente das estratégias identificadas com vista à redução das situações de violência e das suas trágicas consequências materiais e humanas.

 

Referências

1. Devries KM, Mak JY, Garcia-Moreno C, Petzold M, Child JC, Falder G, et al. Global health. The global prevalence of intimate partner violence against women. Science. 2013;340(6140):1527-8.         [ Links ]

2. Devries KM, Mak JY, Bacchus LJ, Child JC, Falder G, Petzold M, et al. Intimate partner violence and incident depressive symptoms and suicide attempts: a systematic review of longitudinal studies. PLoS medicine. 2013;10(5):e1001439.         [ Links ]

3. Ellsberg M, Jansen HA, Heise L, Watts CH, Garcia-Moreno C, Health WHOM-cSoWs, et al. Intimate partner violence and women’s physical and mental health in the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence: an observational study. Lancet. 2008;371(9619):1165-72.         [ Links ]

4. Pereira AR, Vieira DN, Magalhaes T. Fatal intimate partner violence against women in Portugal: a forensic medical national study. Journal of forensic and legal medicine. 2013;20(8):1099-107.         [ Links ]

5. Ellsberg M, Arango DJ, Morton M, Gennari F, Kiplesund S, Contreras M, et al. Prevention of violence against women and girls: what does the evidence say? Lancet. 2014.         [ Links ]

6. Garcia-Moreno C, Zimmerman C, Morris-Gehring A, Heise L, Amin A, Abrahams N, et al. Addressing violence against women: a call to action. Lancet. 2014.         [ Links ]

7. Jewkes R, Flood M, Lang J. From work with men and boys to changes of social norms and reduction of inequities in gender relations: a conceptual shift in prevention of violence against women and girls. Lancet. 2014.         [ Links ]

8. WHO. Responding to intimate partner violence and sexual violence against women: WHO clinical and policy guidelines. Geneva: World Health Organization; 2013.         [ Links ]

9. Martins H, Assunção L, Caldas IM, Magalhães T. Victims of Intimate Partner Violence. The Physician’s Intervention in the Portuguese National Health Service. Journal of Family Violence. 2014;29(3):315-22.         [ Links ]

 

Correspondência:

Pedro Morgado

Life and Health Sciences Research Institute University of Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal. E-mail: pedromorgado@ecsaude.uminho.pt

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