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Revista Portuguesa de Educação

Print version ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação vol.20 no.1 Braga Jan. 2007

 

A cidadania também faz parte da missão da Universidade

Nota de Leitura

Santos Rego, M. A. & Lorenzo Moledo, M. (2006). Universidade e construción da sociedade civil. Vigo: Xerais.

O compromisso da universidade com a sociedade civil, e em particular com a sua construção, é um tema emergente no âmbito das ciências da educação e a obra de Miguel Anxo Santos Rego e de Mar Lorenzo Moledo, contextualizada no sistema universitário galego actual, é um interessante contributo para futuras análises e reflexões. A estrutura da obra estende-se por duas partes. Na primeira sublinha-se o lado cívico da missão da universidade e o seu importante papel na formação de cidadãos através de programas de voluntariado, quer no seu seio, quer sobretudo na sociedade circundante. A intenção, nesta vertente teórica do livro, é demonstrar que a universidade seria extraordinariamente limitada se reduzisse a sua função à estrita formação profissional dos seus alunos. Além de contemplar e de trabalhar para esse objectivo, a universidade deveria pensar seriamente na formação cívica dos estudantes, seja por razões pragmáticas (a formação em competências cívico-sociais é uma mais-valia para a inserção no mundo laboral), quer por razões de relevância social da sua actividade. Afinal, se a universidade existe é em boa parte para servir a comunidade. E servir a comunidade é, entre outras coisas, formar cidadãos comprometidos com a melhoria da qualidade de vida no seio dessa comunidade.

A segunda parte, por sua vez, dedica-se a realizar uma investigação empírica subdividida em dois estudos. No primeiro, o propósito dos autores é examinar a importância que os estudantes universitários das instituições de ensino superior da Galiza atribuem a determindas competências cívico-sociais, ou competências transversais, na sua formação e desenvolvimento profissional. Já no segundo estudo, a intenção é analisar o papel das universidades galegas em acções de voluntariado, com ou sem articulação com as organizações da sociedade civil. A metodologia utilizada privilegia o quantitativo mas não prescinde do qualitativo na análise de certos dados recolhidos pelo inquérito através de questionário.

A parte empírica da obra, na linha dos bons trabalhos em ciências da educação, exibe rigor metodológico, clareza na apresentação dos resultados e uma interessante discussão dos dados carreados pelo questionário, onde não falta a colocação de hipóteses explicativas para as situações mais desconcertantes. A impressão que fica é que a investigação é séria e bem fundamentada, além de ser esclarecedora do protagonismo das universidades galegas na cidadanização dos seus estudantes. Assim, fica-se a saber como se organizam essas instituições para a promoção do voluntariado, tanto no seu seio como no âmbito da sociedade civil, e que programas levam a cabo nas várias áreas privilegiadas: a educação e o lazer, a saúde, a terceira idade, o apoio a pessoas com necessidades especiais, a satisfação de necessidades básicas de populações carenciadas, a promoção de acções solidárias, a cultura e os desportos, o ambiente, a mediação social, os grupos étnicos e a reinserção social. O conjunto da pesquisa, além de revelar precisão cirúrgica no tratamento dos dados, fornece um importante manancial de informações para replicar as experiências galegas em outros cenários sociais, com a vantagem de evitar as debilidades detectadas pelo estudo, a saber: a fraca coordenação dos programas de voluntariado nos campi das várias universidades e as insuficiências ao nível da avaliação das acções empreendidas.

A base teórica que suporta a investigação empírica é actualizada nas referências bibliográficas e inovadora no plano da conceptualização. Não deixa de assumir posições normativas sobre o papel da universidade no reforço da sociedade civil e toma esse protagonismo escrutinando o que se vem defendendo desde há alguns anos a esta parte. Os autores conhecem o terreno em que se movem e isso é determinante para a definição das suas posições.

Vários questionamentos se levantam a partir dessa base teórica. Antes de mais, podemos perguntar se não é contraditório, ou pelo menos problemático, reafirmar o papel cívico da universidade e, portanto, a sua acção em matéria de preparação dos estudantes para uma cidadania activa no âmbito das estruturas da sociedade civil, quando a instituição universitária é pressionada a investir quase exclusivamente na formação académica e profissional dos seus alunos, como se apenas contasse a formação em destrezas técnicas para o mundo do trabalho. O que é que se pede, afinal, às universidades? Não é acima de tudo mão-de-obra qualificada para a batalha da competitividade económica num mundo do "salve-se quem puder"? E que dizer das restrições financeiras impostas cada vez mais às universidades por parte do Estado? Não são essas restrições um artifício e um expediente para tornar as universidades ainda mais dependentes do sector económico e, portanto, das suas invectivas em termos de definição de metas e prioridades? A progressiva generalização das parcerias empresa-universidade é um sinal dos tempos e talvez isso queira dizer alguma coisa sobre a redefinição do papel da instituição universitária, não necessariamente na linha da cidadania e da construção da sociedade civil, como se desejaria.

Por outro lado, e admitindo que a universidade não deve aligeirar as suas responsabilidades sociais, nomeadamente em termos de articulação e reforço da sociedade civil, seria importante esclarecer que sociedade civil deve a universidade ajudar a construir. O menu é alargado e tanto pode ir da ajuda à construção de uma sociedade civil mercantil, fundamentalmente governada pelo referencial do mercado e da actividade económica, como pode consistir na promoção de uma sociedade civil comunitária, baseada na filiação em grupos de parentesco e em ajuntamentos selectivos segundo a raça, a etnia, a classe, a cultura, a religião, ou ainda, como parece ser o caso na presente obra, a construção de uma sociedade civil fortemente democrática, indexada aos valores da democracia e apostada em defender, com acções concretas, os direitos básicos da pessoa humana. O fundo teórico do livro de Miguel Anxo Santos Rego e de Mar Lorenzo Moledo é suficientemente rico e estimulante para induzir este tipo de questionamento. A sua pertinência é inegável.

Manuel Barbosa

Universidade do Minho