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Revista Portuguesa de Educação

versión impresa ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação v.21 n.2 Braga  2008

 

Nota de Leitura

Franco, José Eduardo (1999). Brotar Educação – História da Brotéria e da Evolução do seu Pensamento Pedagógico (1902-1996). Lisboa: Roma Editora, 498 pp.

Esta obra reveste um inegável interesse na história da pedagogia e das ideias pedagógicas em Portugal, uma vez que a Brotéria é uma revista importante do panorama educativo e cultural português, que conta já com mais de cem anos de publicação. Como refere o professor Luís Archer em um dos prefácios nela incluídos no livro em apreço, "Quase cem anos volveram sobre o lançamento da revista Brotéria. Iniciada em 1902, viveu os tempos da Monarquia, da Iª República, do Estado Novo, do Socialismo pós-25 de Abril e da Democracia. Ao longo de épocas tão desencontradas, com pessoas e estratégias tão diferentes, foi sempre um só o anseio da Revista: servir a cultura e a ciência numa perspectiva cristã" (p. 17). Fundada por J. S. Tavares, C. Mendes e C. Zimmermann, em momento algum deixou de ser dirigida por homens consagrados da Companhia de Jesus, cuja influência na educação e na cultura em Portugal e no mundo se reveste de uma extrema importância.

A mentalidade pedagógica e cultural de finais do século XIX e inícios do século XX, essencialmente laica e de ataque cerrado aos interesses das Congregações religiosas, que ganhou uma força nova com o dealbar da República em 1910, um pouco atenuada no Estado Novo e novamente acirrada no período pós-revolucionário de 1974, fazem ainda hoje clamar a muitos intelectuais, como fez Antero de Quental e tantos outros em tempos passados, que o atraso de Portugal é em grande parte devedor da excessiva influência jesuítica, nomeadamente do ensino e instrução pelo qual, em várias fases, foram os máximos responsáveis.

Ao longo dos tempos, a designada sociedade civil tem sido levada a acreditar que, se não fossem os jesuítas, Portugal teria tido uma pedagogia verdadeiramente moderna e, consequentemente, teria caminhado lado a lado, com os outros países europeus, até aos níveis de desenvolvimento que hoje invejamos.

Esta obra que é o resultado da dissertação de mestrado em História da Educação/Educação Comparada, apresentada à Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa em 1997 pelo seu autor, contou com a devida orientação do Professor António Nóvoa e traz para um domínio mais vasto as ideias pedagógicas e a sua evolução, plasmadas na Brotéria, mesmo que, como recorda no prefácio o professor António Nóvoa "os artigos sobre educação, ensino e pedagogia não ultrapassem cerca de 6% do corpus da revista […] são particularmente importantes para o seu estudo e para a compreensão do pensamento pedagógico no século XX" (p. 15).

Esta obra, para além dos dois prefácios já citados, conta com uma introdução onde se explica o objecto da investigação e a metodologia a seguir.

O essencial da investigação ocupa duas partes: a primeira intitulada Ensaio de história da imprensa, onde se conta a génese e a evolução da Brotéria, dando-se a conhecer toda a problemática que envolveu o seu surgimento. O leitor fica assim a saber que o primeiro volume desta revista saiu em 1902 e tinha como título Brotéria — Revista de Sciencias Naturaes do Collegio de S. Fiel, sendo, por isso, a sua primeira fase dominada pelas questões científicas, fase esta que se manteve durante cinco anos (cf. p. 55 ss.). Como o público português de então era esmagadoramente inculto e ignorante, pouco ou nada aderiu às questões científicas e então, os seus directores "ao entrar no sexto ano dividiram as matérias tratadas na Brotéria em três grandes secções ou séries independentes. Duas delas conservaram o carácter de especialização, publicando artigos originais: a "Série Botânica" e a "Série Zoológica" […]. A terceira "Série de Vulgarização Científica" passou a publicar artigos na área da física, química, fisiologia, micrologia, microbiologia, arboricultura, história das ciências naturais em Portugal e outros assuntos ao alcance das pessoas de cultura média" (pp. 61-63).

Estas modificações editoriais mantiveram-se até 1925, altura em que a "Série de Vulgarização Científica" passa a incorporar no seu título a tríade "Fé-Ciência-Letras", 2ª série, cognominada Série Cultural (cf. p. 69 ss.), que desde então e até à actualidade sofreu pequenas alterações no sub-título e que a partir de 1936 começou a imprimir temas diversificados ligados à política, à economia, à arte…

Foi, ainda, a Brotéria que, no ano de 1945, lançou as bases da Revista Portuguesa de Filosofia, sedeada no Instituto de Filosofia a funcionar na cidade de Braga e que ao longo dos seus anos de existência tem inserido em diversos números textos dedicados à problemática do ensino e da educação.

O segundo grande título desta parte designa-se A Função Pedagógica e o lugar da reflexão educativa na Brotéria. Neste ponto ficamos a saber que, pese o facto de a educação e o ensino ocuparem cerca de 6% na totalidade dos artigos inseridos na Série de Vulgarização Científica e na Série Cultural da Brotéria, os mesmos, para além de outros méritos, permitem "aceder a uma compreensão bastante representativa e qualificada de alguns aspectos significativos da evolução da orientação pedagógico-educativa do pensamento católico ao longo do século XX" (p. 116).

Ao longo desta investigação também ficamos a saber que "à medida que as ciências pedagógicas se foram afirmando na sociedade e na cultura portuguesa, a Brotéria começou a conceder um lugar habitual à produção da reflexão pedagógica" (p. 117).

Na segunda parte, então, o autor analisa a Evolução do Pensamento Pedagógico da Brotéria, tratando, num primeiro ponto, da inserção desta revista no quadro do pensamento pedagógico católico e jesuítico, realçando que o interesse da Igreja e dos Jesuítas pelas questões pedagógicas surgiu como uma reacção natural à progressiva laicização do ensino e da educação no mundo moderno e contemporâneo e tinha como objectivo tornar visível a um público cada vez mais vasto os pilares da pedagogia cristã.

A seguir, em nove pontos, são analisadas e esquematizadas as diversas áreas temáticas ligadas à educação e ao ensino que a Brotéria consagrou, a saber: 1. Pensar a escola e a pedagogia escolar (p. 143 ss); 2. História da educação (p. 162 ss); 3. Pedagogia missionária (p. 176 ss.); 4. Teoria da educação/reflexão pedagógica (p. 193 ss.); 5. Ensino particular (p. 212 ss.); 6. Educação de fronteira (p. 226 ss.); 7. Reformas do ensino (p. 243 ss.); 8. Ensino das humanidades clássicas (p. 261 ss.); 9. Ética e educação (p. 273b ss.). Em cada área o autor resume os seus propósitos, fazendo uma análise sistemática dos artigos aí inseridos, dando-nos, também, a conhecer os seus autores. É de destacar que estas áreas vêm contando com a impressão de trabalhos de especialistas não consagrados, mas de reconhecido mérito no panorama pedagógico-educacional português, tais como Miller Guerra, Pedro d’Orey da Cunha, Joaquim Gomes Ferreira, Manuel Ferreira Patrício, Roberto Carneiro, entre outros.

Para lá da conclusão e da extensa bibliografia, esta obra contém, ainda, dois anexos: o Anexo I onde se inserem as biografias pedagógicas (cf. pp. 353-480) dos directores da Brotéria, 11; dos pedagogos jesuítas, 17; dos pedagogos leigos, 11, contendo, ainda, uma série de gráficos que plasmam a análise quantitativa dos articulistas de educação/pedagogia/ensino (cf. pp. 471-480).

No Anexo II (pp. 481-491), dá-se notícia de outras revistas internacionais da Companhia de Jesus.

A História da Pedagogia e das Ideias Pedagógicas em Portugal, não pode ser feita sem um profundo conhecimento, ao longo dos tempos, do ideário pedagógico que se impôs na formação da mentalidade portuguesa. Neste campo, este é um trabalho de um interesse extremo. Com a sua divulgação queremos, também, alertar os investigadores das ciências da educação para a cada vez maior necessidade de conhecer o passado das nossas ideias pedagógicas, guindá-las para a actualidade e com elas reconstruir um ideário pedagógico de interesse nacional, que simultaneamente inclua a tradição e seja capaz de antecipar o futuro. Como Séneca fazia saber há muitos séculos atrás, "A vida é muito curta para aqueles que se esqueceram do passado, negligenciam o presente e receiam o futuro". Da minha parte, não gostaria de contribuir para encurtar a vida colectiva do nosso povo no ostensivo esquecimento da sua história e das bases da sua pedagogia.

Artur Manso

Universidade do Minho