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Revista Portuguesa de Educação

versión impresa ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação v.23 n.2 Braga  2010

 

Os cenários de aprendizagem: espaços de cuidado, conhecimento, poder e cidadania na formação do enfermeiro

 

Carmen Maria dos Santos Lopes Monteiro Dantas Silva* & Neiva Maria Picinini Santos**

*Centro Universitário Serra dos Órgãos, UNIFESO, Brasil

**Escola de Enfermagem Anna Nery, Brasil

 

Resumo

Diariamente encontramos espaços de poder e cidadania, nos quais se desenvolve a assistência, a pesquisa e a formação profissional. Este artigo tem como objeto de estudo o significado dos cenários de aprendizagem para a formação do estudante de enfermagem. São seus objetivos descrever o significado de cenários de aprendizagem para o estudante de enfermagem e analisar o significado dos cenários de aprendizagem na formação profissional. Para o estudo utilizou-se a pesquisa qualitativa, de junho a julho/2008, num Centro Universitário/RJ. Os sujeitos são 41 estudantes do 1º período de Enfermagem, a 3ª turma a integrar o novo currículo de metodologias ativas. Os dados foram agrupados em quatro unidades temáticas: espaço para o conhecimento e o aprender; espaço de reconstrução de vivências para a enfermagem; espaço de escola e cidadania; espaço de vida, idéias, aptidões, informações, dúvidas e experiências. Os estudantes destacaram os cenários de aprendizagem como espaços de cuidado, poder e cidadania para a formação profissional.

Palavras-chave: Cenários de aprendizagem; Formação na graduação; Estudante de enfermagem.

 

Learning scenarios: spaces of care, knowledge, power and citizenship in the formation of the nurse

Abstract

Daily, we face spaces of power and citizenship in which assistance, research and professional formation are developed. The object of this study is the meaning of learning scenarios for the formation of the nursing student. The objectives are to describe the meaning of these learning scenarios for the student as well as to analyze the meaning of the scenarios in the professional formation. For the development of the study, a qualitative research was conducted, from June to July/2008, in a University/RJ Center. The subjects are 41 students of the 1st period of Nursing, the 3rd group to integrate the new curriculum of active methodologies. The data has been grouped around four thematic units: space for knowledge and learning; space of reconstruction of experiences for nursing; space of school and citizenship; space of life, ideas, aptitudes, information, doubts and experiences. The students valued the learning scenarios as spaces of care, power and citizenship for the professional formation.

Keywords: Learning scenarios; Formation in the graduation; Nursing Students

 

Los escenarios de aprendizaje: espacios de precaución, el conocimiento, el poder y la ciudadanía en la formación de los enfermeros

Resumen

Diario encontramos espacios de poder y ciudadanía en que se desarrolla: la asistencia, la investigación, y la formación profesional. Esto artigo tiene como objeto de estudio: la importancia de escenarios de aprendizaje para la formación de los estudiantes de enfermería. Los objetivos son describir la importancia de los escenarios de aprendizaje, para el estudiante de enfermería y analizar la importancia de escenarios de aprendizaje en la formación. Se uso la investigación cualitativa, de junio a julio/2008, en la Universidad Centro / RJ. Los temas son 41 estudiantes del 1er periodo de Enfermería, la 3ª clase para integrar el nuevo plan de estudios de metodologías activas. Los datos se agruparon en cuatro unidades temáticas: el espacio para el conocimiento y el aprendizaje; área de la reconstrucción de las experiencias de la enfermería; zona de la escuela y de la ciudadanía, los aspectos de la vida, ideas, conocimientos, información, preguntas y experiencias. Los estudiantes destacaron los escenarios aprender a cuidar los espacios, el poder y la ciudadanía para la formación profesional.

Palabras clave: Escenarios de aprendizaje; formación en postgrado; Estudiante de enfermería

 

1. Considerações iniciais

No nosso cotidiano profissional encontramos espaços de poder e de cidadania, dentre os quais podemos citar: espaços em que se desenvolvem a assistência; a pesquisa; a formação no âmbito técnico, graduação e pós-graduação; e espaços de discussões (eventos, conferências, reuniões de grupo e núcleo de pesquisa, reuniões institucionais e participações em entidades de classes). Permeando todo esta estrutura, destaca-se o poder que advém para a construção do conhecimento.

Dessa forma, ao refletirmos acerca do ensino de graduação em enfermagem, necessariamente incluímos os estudantes enquanto indivíduos inseridos em uma sociedade globalizada de padrões de comportamento e que é permeada por uma comunicação transnacional e movida pela ideologia. Importa salientar que no emaranhado espaço do aprender a aprender, surgem atividades de aprendizagem com as quais o professor necessita se articular, para que possa, por referência a determinados conteúdos, elencar as devidas estratégias pedagógicas tendo em perspectiva atingir a construção/produção do conhecimento na enfermagem.

Ainda, na midiação de uma cultura moderna entre aparatos institucionais da educação, o professor e o estudante resgatam por conta da interpretação-crítica, modeladoras do conhecimento versus vida social, uma formação problematizada, crítica e reflexiva, carreada de conhecimentos técnicos científicos para a enfermagem do séc.XXI, no que se aproximam os aspectos citados das condições apresentadas por Thompson (2002) sobre a pesquisa sócio-histórica. 

Este autor elenca, no campo de pesquisa sócio-histórica, não somente um amontoar de objetos e acontecimentos, para que sejam observados-explicados, mas na essência o campo subjetivo que se constrói pelos sujeitos, no trâmite de suas rotinas diárias, que se preocupam em entender a si mesmos, aos outros e produzindo ações e expressões significativas ao interpretá-las no sucedâneo da vida em comum. O autor o denomina como um campo pré-interpretado em que as pessoas constituem esse domínio.

Continuando na reflexão deste, é, no entanto, oportuno destacar o que se entende por cenário de aprendizagem e, com Moreira (2002), relembrando Dewey, o entender como o "ambiente", "meio" que denomina alguma coisa mais do que o lugar em que o individuo se encontra. Então, percebe-se como sendo a continuidade entre este último e as suas próprias tendências ativas, que junto às condições daquele, desenvolvem ou embaraçam, estimulam ou inibem, a uma atividade ou atitude mais pró-ativa na construção dos conhecimentos – saberes.

Para conseguir capturar o entendimento dos autores, retornamos ao nosso cotidiano permeado de cenários de aprendizagem no formar dos estudantes ao dirigi-los na construção do conhecimento. Sendo assim, este se dá a partir de situação (real ou simulada) complexa, próxima do que se depara o profissional de saúde em seu dia-a-dia.

Neste contexto, somos convidados a facilitar aos estudantes métodos inovadores de aprendizagem, visando a necessidade de outro sentir, de um ver diferente e um agir reflexivo e crítico em prol de uma formação integral e mais qualificada dos mesmos. A movê-los, em nossa instituição de ensino, estão os professores-tutores que conduzem os alunos sob o condão das metodologias ativas de aprendizagem baseadas na problematização. Estas são modelos que levam ao pensar em ação, medeiam o aprender-a-aprender no interagir relacional em modos criativos, humanos, em que os atores envolvidos, professores e estudantes, são continuamente aprendizes.

Estes últimos passam a ser sujeitos participativos, responsáveis pela busca da sua aprendizagem e crescimento humano desenvolvidos no decurso da sua construção acadêmica, em que o professor-tutor incorpora o papel de agente facilitador do processo educacional.

Há a resgatar no construir do conhecimento, o pensar critíco-reflexivo e criativo nas atividades, de modo que as estratégias que integram os diferentes cenários suscitem, nos espaços de poder e cuidado, oportunidades de aprendizagem para os atores implicados no processo em equipe, se reestruturem a cada momento, quer sejam, estudantes e professores/tutores. Entretanto, há no edificar do conhecimento pela aprendizagem e a compô-la: as sessões tutoriais, o estudo autodirigido (EAD) e as conferências, como também, os espaços de construção de conhecimento que se configuram em instrutorias nos laboratórios das ciências básicas (LCB) e no laboratório de habilidades (LH), além das atividades de integração ensino-trabalho-cidadania (IETC).

Fica assim mais fácil perceber que não há como dissociar na temática a ser explorada neste trabalho o que Thompson (2002) apresenta como sendo o campo pré-interpretado, ao elencar os objetos, acontecimentos e o subjetivo dos indivíduos como integrantes de um domínio, em espaços de cuidado, poder e de cidadania na enfermagem. Assim, conteúdos e concepções indivíduo – grupais dos sujeitos passam a se conectar com o corpo do conhecimento, mediando a produção de sentidos para uma aprendizagem nova repleta de significados, favorecendo o fluxo de um saber cientifico, para os estudantes.

É em resposta às mudanças educativas que os cenários de aprendizagem se apresentam hoje como ambientes onde a teoria-prática e práticas edificam uma enfermagem profissional, atual e comprometida com a realidade humano-social. Para tanto, o presente estudo elenca como objeto: o significado dos cenários de aprendizagem para a formação do estudante de enfermagem; e define como objetivos: descrever o significado de cenários de aprendizagem para o estudante de enfermagem e analisar o significado dos cenários de aprendizagem na formação profissional.

 

2. Descrição metodológica

O presente estudo utiliza a pesquisa qualitativa, porque compreendemos ser a mais apropriada, partindo da premissa que os dados a trabalhar são subjetivos, por resgatarem formas simbólicas e significados na absorção da aprendizagem dos estudantes.       

Para tal, Lüdke e André (1986) reforçam que a pesquisa qualitativa destaca o "significado" que os participantes/sujeitos produzem acerca das questões que estão sendo estudadas, e como são abordadas, objetivando-se entender o assunto de modo profundo, pois só assim, é permitido iluminar o dinamismo interno das situações.

O trabalho foi desenvolvido no período de junho a julho de 2008, num Centro Universitário do Estado do Rio de Janeiro. Os sujeitos da pesquisa foram 41 estudantes do 1º período do Curso de Graduação em Enfermagem, terceira turma a integrar o novo currículo sustentado em metodologias ativas, em que a seleção dos sujeitos se fez de forma espontânea.

Os estudantes foram identificados com nome de localidades de Portugal, para preservar o anonimato. A coleta de dados foi realizada através de questionário com perguntas abertas, e desenhos improvisados pelos sujeitos estudados. A salientar a prévia permissão dos participantes, seguindo as orientações da Resolução nº. 196/96 do Conselho Nacional da Saúde (Brasil), mediante o termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Na interpretação dos dados foi utilizada a análise temática que se desenvolveu em três etapas: 1º – Pré-Análise – leitura flutuante e recorrente dos questionários; 2º – Exploração do Material – operou-se a codificação, agruparam-se os dados por semelhança, surgindo as unidades temáticas; 3º- Tratamento dos resultados obtidos e interpretação – as respostas foram analisadas estabelecendo-se articulações com autores que tratam da temática do estudo como ainda o referencial teórico de Thompson (2002).

 

3. Análise e discussão dos resultados

Para realizarmos esta caminhada na construção do conhecimento perfilada nos cenários de aprendizagem, precisamos (re)interpretar a realidade que nos envolve em espaços de poder e cidadania em termos inovadores de cuidado, para que a enfermagem não relegue nunca, o lado crítico e reflexivo. Na contraluz do conhecimento teremos a análise de situações vividas, já que a integração dos estudantes no trinômio ensino-trabalho-cidadania torna-se referência para estes, nos diversos cenários nos quais participam ativamente numa atuação vincada de poder e cidadania, diante de fenômenos significativos, que perpassam o cuidado na enfermagem.

Nesse sentido, a produção de conhecimento pode, de acordo com Thompson (2002), contemplar as inter-relações dos fenômenos rotineiramente interpretados pelos atores no curso de suas vidas para que busquem compreender as característicasdos contextos sociais; isto porque entendemos que existem necessidades múltiplas quando adentramos no diálogo entre os sujeitos que preenchem estes espaços de relações humanas e nos quais os estudantes são co-participes na edificação de uma sociedade mais justa e solidária na defesa de um poder cidadão.

Assim, questionamos os estudantes que participaram do estudo, acerca do que entendem por cenários de aprendizagem, e como (re)interpretam os significados produzidos de forma a facilitar o processo de construção do conhecimento. A partir daí, organizamos os resultados em quatro unidades: espaço para o conhecimento e a aprendizagem; espaço de reconstrução de vivências para a enfermagem; espaço de escola e cidadania; espaço de vida, idéias, aptidões, informações, dúvidas e experiências.

 

3.1. Espaço para o conhecimento e a aprendizagem

Em relação a este aspecto houve um consenso no que se refere aos cenários de aprendizagem em que estes identificaram o conhecimento descrito por um aprender a aprender; aprender com o outro e o aprender diferente no fluir da teoria e da prática; como presentes nos relatos escritos que se seguem:

Lugar onde se obtém conhecimento, ou seja, aprendizagem (Tomar).

Um local para pôr em prática todo o conhecimento, em prol do beneficio da população que ali será trabalhada. É um local onde encaramos e presenciamos a diferença do didático para o real. Onde os alunos (...), têm a oportunidade de aprender com os outros (Lagos).

Cada momento aprendemos em cada segundo, algo diferente. A vida nos mostraem cada lugar, um aprendizado diferente (Póvoa).

Uma ótima oportunidade que não deve ser desprezada de forma alguma, deinteração com as pessoas e de colocar (...) um pouco da teoria na prática (Olhão).

Frente às falas dos estudantes é importante que façamos uma leitura sobre o que entender acerca das características das diferentes formas simbólicas (ações, gestos, rituais, expressões verbais, textos, programas de televisão, obras de arte), no que concebe Thompson (2002), e que se evidenciam nos cenários de aprendizagem, para posteriormente descrevermos os significados que emergem da interpretação dos participantes relativos aos espaços de poder e de cuidado.

Entre as formas simbólicas encontradas merecem destaque o conhecimento e os meandros da aprendizagem pelo aprender/aprender, consigo mesmo ou com o outro, seja o aprender diferente em que características realçam a interpretação das mesmas, pelos sujeitos que as recebem, o que para o autor acima se caracteriza como aspectos convencionais, por envolverem a aplicação de regras, códigos ou convenções de vários tipos.

No real do cotidiano, os sujeitos as transcendem na ruptura dos depósitos transmitidos e criando expressões significativas de acordo com o que em situações práticas compartilhadas no social com os outros. Não obstante venham a ser reprovadas ou criticadas, o que importa é que, entre o que se codifica e descodifica, neste movimento formas simbólicas fluem e inaugura-se o novo.

Os significados colocados pelos estudantes como o conhecimento e a sabedoria traduzidos através da imagem de um livro ou a memória desenhada pelos olhos, revive-se o emprego das formas simbólicas que traçaram convencionalmente códigos e regras de um texto escrito (codificação) que, ao ser lido e consequentemente interpretado no contexto social por quem o recebe (descodificado), fará na prática surgir o mais puro significado que induz a tantos outros diferentes, se assim são interpretados na visão de Thompson (2002).

Tal como um circuito elétrico, se propaga pela construção do conhecimento que é formado nos cenários nos quais a aprendizagem acontece para os estudantes, preparando o caminho para investigações mais detalhadas e enriquecidas, quando compartilham de outros saberes que nas crenças se originam, mas que as sobrevoam pela força do aprender socializado. Os indivíduos se tornam poderosos porque doaram para a prática a teoria que de convencional se transformou pelos significados postos a serviço do outro, numa utilidade cidadã, frutificando em procedimentos que pelo saber na enfermagem se estruturam em cuidado.

No mesmo prosseguir é interessante associar o que nos descreve Vasconcellos (1995: 76), no que tange à construção do conhecimento, pois tem este a concebê-lo características bem distintas como:

O conhecimento não se dá de uma vez, mas por aproximações sucessivas. A dinâmica do conhecimento exige aproximações reiteradas ao objeto, o ir e voltar. Numa primeira abordagem, de modo geral, o sujeito não consegue captar um conjunto de relações que lhe dê compreensão adequada do objeto. Vai se aproximando aos poucos: ora capta um aspecto, ora outro. Estuda-se um conceito; pode ficar pouco desenvolvido; mas quando se aprofunda o estudo, tenta-se aplicá-lo, são feitas experiências, ele vai se enraizando (fazendo maior número de relações com outros conceitos que o sujeito traz consigo). O processo de elaboração do conhecimento no educando pode ser comparado a uma espiral ascendente, onde há um movimento de ida e volta, de aproximações sucessivas, que se dá num nível cada vez mais profundo e abrangente (complexidade e totalidade cada vez maior). Em cada aproximação vamos captando novas relações.

Além disso, a articulação das diferentes áreas do saber proporcionará aproximações sucessivas a este campo originário de reflexões, incutindo neste cenário a relevância de que o cuidar se inicie aí mesmo, de modo que, desde bem cedo, vá cativando o nosso estudante, pois todo o alento o motivará a retornar mais interessado, instigador para buscar o conhecimento de que precisa no alicerçar de sua futura atividade profissional. Acentua Demo (1971) que o conhecimento não é apenas iluminismo, mas também o percebe como obscurecimento porque este se move no espaço do poder, não só do belo da verdade, já que para aprender é primordial saber sacar significados dos silêncios, dos vazios, das lacunas, das sombras e das entrelinhas, não apenas de símbolos lineares já mecanicamente processados. Por isso, definiríamos espaços de poder como o movimento que acontece no vazio em metamorfose enriquecido pela ação dos sujeitos que buscando o aprendizado o socializam, expandindo-o além de si.

 

3.2. Espaço de reconstrução de vivências para a enfermagem

Outra unidade que revela consideravelmente o quanto significam as possibilidades de vivenciar durante a formação dos estudantes situações problematizadas da realidade profissional, são ilustradas pelas seguintes falas:

Lugar onde através da troca de conhecimento e a vivência, se constrói o conhecimento (Espinho).

São cenários onde podemos vivenciar o dia a dia da profissão queescolhemosnãosó pelo lado cientifico,e sim pelo social e moral (Nazaré).

Um aperfeiçoamento para que possamos aprender a cada dia, mais dentro da realidade (Cascais).

Um local onde podemos desenvolver o nosso conhecimento teórico, de uma forma ativa, contribuindo para o nosso aprendizado profissional (Elvas).

É um local onde podemos ter contato com a realidade do dia-a-dia atuando para fazer a diferença, mesmo que não mude o mundo, mas prestando assistência, para fatos que ocorrem na nossa presença (Mafra).

Nas falas fica evidente a importância que as formas simbólicas são construções que exibem características estruturais articuladas que se relacionam; e ao fazê-lo contrapõem sistemas que corporificam outras formas simbólicas, quer dizer: analisar o sistema corporificado em uma forma simbólica é abstrair essa forma e reconstruí-la como se fosse uma constelação, ou melhor, um geral composto por elementos que na interação produzem especificidade para casos particulares (Thompson, 2002).

Embora pareça simples, torna-se necessário destacar o que é sentido pelos estudantes em suas vivências quando se encontram interagindo nos cenários de aprendizagem que foram preparados para recepcioná-los, conforme as pretensões pautadas para um caminhar profissional. De acordo com o entendimento do autor atrás apresentado, a estrutura, seja ela institucional-organizacional ou mesmo humana, é vivida por estes se constituindo na (re)produção de formas simbólicas que, apesar de significadas e recepcionadas pelos sujeitos, não se corporificam numa identidade própria trabalhada senão quando descrita em seus elementos sistêmicos que independem de qualquer forma simbólica particular, mas que se concretizam em formas simbólicas particulares.

Assim, os estudantes associam o beneficio do cenário em si (estrutura), no que ele oferece em termos de captação de aprendizagem; e quando referem o fazer a "diferença", o social e o moral, estes atendem para outros tantos elementos que são inerentes a estes como sujeitos vivenciando o humano, que mesmo repletos de intenções em seus propósitos têm sentidos e significados, se viermos a considerar os aspectos desenvolvidos nestas relações em termos de espaços de poder e cidadania que são fortes quando a pretensão na atuação dos estudantes se norteia em consonância com o relato de Mafra "(...) atuando para fazer a diferença, mesmo que não mude o mundo, mas prestando assistência, para fatos que ocorrem na nossa presença".

Os paradigmas ideologicamente construídos não devem funcionar como matrizes de comportamentos na formação dos estudantes, para que não se venha cair no erro de reproduzir sistemas arcaicos e ultrapassados de se comunicar o conhecimento. Segundo a nossa percepção, este problema vai sendo diluído pela ação dos cenários de aprendizagem, já introduzidos como espaços de captação do conhecimento que fazem destes atores indivíduos atuantes, não despidos do humano, que ao pontuar Albuquerque et al (2007), acrescentam que a construção é fortalecida pela valorização e re-significação dos conhecimentos prévios que os estudantes trazem a partir das experiências vividas.

Importa realçar os aspectos intencionais das formas simbólicas quando estes são significados como sendo: a interação-ação, nas imagens dos desenhos das mãos entrelaçadas; a harmonia; o todo nos pequenos retalhos desenhados que se costuram pela ação do enfermeiro; o crescimento e a construção.

Aqui é oportuno dizer que os objetos que foram produzidos são aqueles que os sujeitos pretendiam produzir ou que o fizeram intencionalmente, ou tencionou ao produzir a forma simbólica. Na visão de Thompson (2002), em algumas circunstâncias é importante considerar alguns desses fatores, mas não absolutamente, pode ser um erro, pois as intenções do sujeito produtor da forma simbólica não podem disparar toda a interpretação, pois são propósitos, mensagens a ser entendidas numa dialogicidade entre humanos bem intencionados.

Mais fácil é compreender o que aqui se relata se atendermos para o real, em que o significado traduzido das formas simbólicas está em mudança, a ser visualizada quando os estudantes se deslocam entre os cenários e concretizam um procedimento de enfermagem propriamente dito de um manequim (sujeito-objeto) para o cliente (sujeito-objeto), em uma atividade realmente vivida no espaço hospitalar.

Apesar de seus traços estruturais e elementos sistêmicos, a mudança não se esgota, se situa bem além, porque as formas simbólicas são também representações de algo que as referenciam através de uma interpretação criativa advinda dos sujeitos. Necessita ser exposta, no que representa ou pretende dizer, o que corroborando com Thompson (2002), apresentará características contextuais que emergiram dos resultados escritos dos estudantes e que compõem o próximo tópico.

 

3.3. Espaço de escola e cidadania

Embora enfatizada por poucos estudantes, esta unidade precisa ressaltar os aspectos que se seguem:

Deveria ter mais aulas dentro de sala (Valença).

O cenário é onde tem um líder ou responsável, (...) com estruturas físicas apropriadas (Murça).

O espaço é de ensino e cidadania(Mafra).

Introduziroaluno narealidade, paraqueele não pensequea enfermagem é só usar branco (Ovar).

Nesta atividade formativa e inovadora, em que os cenários de aprendizagem têm uma presença constante, ainda assim, estudantes há que preferem o retorno ao tradicional, que se firmava no repetitivo das ações limitadas e instauradas sob o domínio do detentor de um conhecimento fechado e absoluto. Propositadamente as falas dos participantes fazem um contraste de pareceres sendo que isso as torna ricas, o que compreende-se à luz da temática em estudo.

Este desvia a nossa atenção para espaços de cuidado acrescentando que os trabalhadores se colocam em número expressivo, procedendo ao cuidado de enfermagem e dão a este um poder ora para opressão ou para a promoção. Aqui o texto deixa claro, ainda, que as disputas de poderes perpassam assimetricamente os espaços de assistência e de educação, o que coincide com o que os estudantes questionam quando, no saudosismo, retornam ao cerco de sala de aula; em contrapartida alguns o entendem que precisam se infiltrar na realidade, colocando-lhes as mãos como pontua Ovar, "(...) para que ele não pense que a enfermagem é só usar branco".

Então o campo da saúde integra potencialmente o trabalho de enfermagem como parte de um trabalho coletivo no social, tão presente nos atuais cenários de aprendizagem onde se busca a reflexão e a crítica do futuro trabalhador–enfermeiro. Por esta razão Mafra refere "o espaço é de ensino e de cidadania local", significado em formas simbólicas pelos estudantes que apresentam, pelo desenho, a professora que de pé ensina e os estudantes sentados em suas cadeiras aprendem; a imagem que simboliza a escola fechada em suas paredes, não mais do que se pode caracterizar, segundo Thompson (2002), como aspectos contextuais. 

Na visão deste autor, estes aspectos precisam ser discernidos atendendo aos processos, instituições, contextos sociais, dentro dos quais o discurso é pronunciado, transmitido e recebido em suas relações de poder, formas de autoridade e tantas outras características peculiares a esses contextos. Outro aspecto importante ilumina a noção de ideologia ao quebrar o que se concebe em relação a ela como enclausuramento, pois o faz diferente em seu conceito, ao (em)poderar o homem de sua própria especificidade como crítico.

Ao atribuir-se sentidos respondendo às mensagens que recebe e ao partilhá-las com os outros, o faz numa interpretação da ideologia crítica, e assim toca a medula nervosa do poder pela não dominação, fluindo relações assimétricas das quais se conquistam espaços de poder e de cuidado.

 

3.4. Espaço de vida, idéias, aptidões, informações, dúvidas e experiências

Pelo que se depreende após a leitura de outros subsídios importantes apresentados pela maioria de estudantes consoante os trechos abaixo,

Lugar onde podemos expressar na prática tudo aquilo que aprendemos, incluindo a criação de novas idéias que possam ajudar em um determinado trabalho (Lamego).

Nos cenários posso desenvolver as minhas atividades e descobrir outras aptidões (Loulé).

(...) onde podemos retirar as dúvidas (Murça).

É todo o espaço que temos oportunidade de absorver informações passivas (transmitidas por alguém), e ativas (participando de acordo com a realidade que nos é colocada em diferentes espaços (Viçosa).

Um cenário que é feito, ou deveria ser feito par o aprendizado do aluno, para que ele possa estudar tirar dúvidas (...) (Fafe).

Devemos nos esforçar ao máximo para poder alcançar nossos objetivos, sempre com fé e esperança (Vidago).

Cenário de aprendizagem para mim é a forma de ajudar-nos a tornarmo-nos profissionaiscompetentes (Chaves).

é que os estudantes deram uma interpretação rica e ampla ao que compreendem porque sejam os cenários de aprendizagem, e veiculam a estes significados potentes como: a vida e a esperança espelhadas na imagem da lua e do sol; o compromisso; o respeito; a dedicação ao cliente; a humanização desenhada em forma de um coração alado; a fé e o objetivo a alcançar.

Os estudantes têm uma percepção aguçada acerca do que os espaços de aprendizagem possam subsidiar em termos de construção do conhecimento. Do mesmo modo, a reflexão e a crítica está sendo desenvolvida através de fortes comentários, como o faz Fafe quando refere "Um cenário que é feito, ou deveria ser feito para o aprendizado do aluno, (...)", o que demonstra que os cenários são pré-elaborados e de que estes devem possibilitar o aprendizado.

Entretanto, há a exigência demonstrada quando o estudante Chaves particulariza a formação de profissionais competentes, entre tantos outros, o que em termos de análise, é deveras importante porque os cenários acabam por fortalecer nos sujeitos reflexões sobre o Cuidado de Enfermagem ao fazê-los compreender estrutura, relações de poder entre segmentos sociais e grupos profissionais, que desfilam diante de suas ações.

Surgem assim sentidos e significações que Thompson (2002) define como referencial, isto é, em que estas dizem algo sobre alguma coisa, adquirindo uma especificidade referencial de tal forma que afirmam ou declaram, projetam ou retratam havendo a sutileza de representar objeto, individuo ou situação. A título de destaque os excertos dos participantes são ricos nestes aspectos referenciais e não nos cabem interpretações criativas para que não aconteçam tantos outros possíveis significados, desvirtuando-se assim a essência do que pretenderam significar nos contextos em questão.

Os estudantes, à medida que crescem no conhecimento científico, também se apoderam de outras tantas habilidades que estratégias de aprendizagem vão proporcionando, movimentando redes produtivas de poder e que Dantas da Silva (2007: 26) concebe como "forma organizativa que propicia o ensinar e facilita a aprendizagem do estudante, ao buscar a facilidade no processo de aprendizagem na visão do raciocínio cognitivo ao propiciar a criatividade e no descortinar de novas idéias".

Aqui, em seu entender, estas ajudam neste processo, pois lhes conferem poder que fortalece os estudantes, para que possam atingir em outros espaços, seus ideais e objetivos. Aliam segurança permitida pelos significados que medeiam por perceberem o conhecimento simbólico e transformador.  Mais quando relemos em específico um dos eixos de formação contido no COA (2008: 11), ao possibilitar a construção do conhecimento que:

(...) ocorre em todos os cenários e situações vivenciados pelos atores no processo ensino-aprendizagem, com o objetivo de fornecer respostas, propor instrumentos e meios, bem como construir métodos de intervenção capazes de atender às demandas dos serviços, onde os estudantes estão inseridos. Pressupõe a interdisciplinaridade, a diversificação de cenários e as metodologias de aprendizagem centradas nos estudantes, com vistas ao desenvolvimento de autonomia e à incorporação da idéia de educação permanente como uma prática contínua durante a formação (incluindo a vida profissional após a graduação).

Há que destacar que este quadro de aprendizagem já não incute aos estudantes tantos medos e inseguranças como recentemente, em que métodos mais tradicionais de ensino-aprendizagem faziam deste um ser acomodado, que assistia a aulas expositivas das quais nem participavam por vontade própria e determinada. Todavia, entendemos que a educação deverá ser útil ao ponto de se tornar uma ferramenta eficaz para que através da mesma os estudantes indaguem a realidade possibilitando uma formação integradora do ensino – trabalho – comunidade. Portanto, são modelos curriculares diferenciados que introduzem mudanças em resposta à grande complexidade dos desafios contemporâneos que farão a grande revolução do aprender a aprender produzindo profissionais mais críticos e reflexivos.

 

4. Considerações finais

Importa repensar a Enfermagem sob o condão da cidadania, tal como preconiza a temática deste estudo quando a resgata no valor do cuidado em espaços democráticos, justos e solidários em que poder e cidadania não se dissociam. Está-se falando em termos de uma análise de buscas, descobertas e de desafios onde o otimismo tenha uma tonalidade de esperança entre as pessoas, de maneira que estas vivam a relação de estudo-trabalho mais racional e plural. Os estudantes frisaram a importância dos espaços de poder e de cidadania em sua formação para o exercício profissional de tal modo que, gradativamente, a exigência os norteará daqui adiante. Crescer no conhecimento demonstra ser este o lema que os conduzirá nas fileiras de uma enfermagem voltada integralmente para o cuidado.

São relações multifacetadas de social e humano que democraticamente se alicerçam a justiça e a solidariedade, reproduzindo-se uma cidadania digna para todos, reconhecida no respeito e na humanização simbolizadas pelo coração alado que representa a força e a quebra de domínios e limites. É um cuidar assimétrico para todos os atores, por ser desenhado para cada um, em especial fazendo a diferença.

Desde já, nos sentimos revigorar porque as idéias além de clareadas com o estudo nos fortaleceram diante de objetivos comuns, ou seja, "O Cuidar na Enfermagem", pois transparece ações humanizadas no cuidado, o que repercute para o estudante uma perfeita noção de que o cuidador (enfermeiro) também é cuidado. Assim, nos aproxima do que concebemos como espaço de aprendizagem, não a estrutura física fria existente, pincelada de atores, multifacetados em redes humanas, mas um ambiente de apoio e de interação viva.

É a essência, que moverá a formação integral destes estudantes, sem nunca olvidarmos de alimentá-los deste ingrediente, quando se trata de cuidar do outro, seja nos espaços de assistência, ou de gestão, mesmo de educação e ou até concebidos como de pesquisa nos quais a Enfermagem eternamente, atuará.

 

Referências

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THOMPSON, John B. (2002). Ideologia e Cultura Moderna. Rio de Janeiro: Vozes.

VASCONCELLOS, Celso S. (1995). Construção do Conhecimento em Sala de Aula.Caderno Pedagógico da Libertação.

 

Recebido em Janeiro/2009

Aceite para publicação em Agosto/2010