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Revista Portuguesa de Educação

versión impresa ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação vol.28 no.2 Braga jun. 2015

 

LEITURAS

 

Duarte, Isabel & Figueiredo, Olívia (Org.) (2011). Português, língua e ensino. Porto: Universidade do Porto Editorial

António Carvalho da Silva

Instituto de Educação. Universidade do Minho

 

Esta obra, publicada pela Universidade do Porto, surge assim justificada na contracapa: "O ensino do Português enquanto Língua Materna tem estado, nos últimos anos, sob forte escrutínio público, sendo várias as polémicas que atravessam o seu espaço." Ora, no quadro de mudanças programáticas na área do Português, esclarece-se então a finalidade deste trabalho:

Este livro procura fornecer motivos de reflexão e pistas, umas de cariz mais teórico e outras mais práticas, que auxiliem o professor de Português na sua preparação quer científica quer pedagógica, absolutamente imprescindível para que possa ensinar bem Português. (contracapa)

Na medida em que esta discussão do ensino da língua materna se mantém atual e porque os contributos da obra são úteis na formação dos professores de Português, achamos oportuno fazer a sua análise crítica.

No sentido de desvendar a estrutura do livro, constituído por 17 textos de 13 autores, agrupamos os artigos por sete áreas, associadas a domínios do ensino das línguas: 1. Ensino do Português (I e VI); 2. Ensino de Literatura (II, III); 3. Ensino da Escrita (IV, V, XIII); 4. Questões de Gramática (VII, VIII, IX, X, XII, XIV); 5. Ensino da Oralidade (XI); 6. Ensino do Léxico (XV, XVI); 7. TIC e Ensino das Línguas (XVII).

Seguindo a ordem dos capítulos, verificamos que o primeiro assume um estatuto central, discutindo o que será "Ensinar Português" (p. 9). Esta será a lógica interna da publicação: definir como se entende, em teoria, o ensino do Português e apresentar, na prática, propostas didáticas para várias competências: escrita e oral, lexical e gramatical.

 

Ensino do Português

Os artigos que abordam a temática do ensino do Português (língua materna) são os de Carlos Reis (I) e João Costa (VI). Ambos orientam a sua reflexão para uma questão fulcral no ensino do Português: a formação do professor de Português, conseguida quando ele adota uma postura de reflexão permanente acerca da língua a ensinar.

Assim, o texto de Carlos Reis debate o ensino do Português, partindo da sua experiência nos Programas de Português do Ensino Básico (PPEB), os quais servem de substrato ao que dirá sobre "pedagogia do Português" (p. 9) ou sobre a primazia do "conhecimento declarativo" da língua (p. 17).

Fundamental, neste texto, é, ainda, a definição da "identidade do professor de Português", que deve possuir um "conhecimento especializado" da língua, literatura e cultura portuguesas, assim como "formação para o ensino do Português" (p. 18).

Olhando, entretanto, para o artigo VI, descobrem-se novos princípios de ensino da língua materna. Este artigo propõe uma reflexão sobre contributos da investigação "na definição de objetivos de ensino e na seleção de conteúdos a trabalhar" nas aulas (p. 121). Sublinhando o papel do Conhecimento Explícito da Língua, destaca-se o "caráter nuclear do ensino da gramática" (p. 122), confirmado no PPEB.

No sentido de explicitar a pertinência do ensino da gramática, o autor aborda estudos sobre "dependências sintáticas" (p. 123), concluindo que o saber linguístico implícito da criança carece de natural aprofundamento na Escola. E aí estão, precisamente, os fundamentos do "conhecimento explícito" e do "uso de metalinguagem apropriada", a qual será, todavia, "um recurso e não um fim" (pp. 132-133).

Assim se conjugam as perspetivas destes dois autores no que diz respeito ao ensino do Português, os quais concordam na premência de uma (boa) formação do professor, particularmente nas áreas da gramática, da língua e da literatura, cujo ensino será discutido seguidamente.

 

Ensino de Literatura

Dos textos desta compilação, há dois que, através de análises literárias, estão ao serviço do ensino de literatura, pois constituem sugestões de leitura de obras do cânone escolar. O artigo II (de Fátima Marinho) aborda o Memorial do Convento de Saramago, ao passo que o III (de Isabel Duarte) analisa Os Maias de Eça. Mesmo que aquele seja mais teórico e este prático, a verdade é que ambos responderão à premissa de que "O professor ensina tanto melhor [literatura] quanto mais souber sobre aquilo que ensina" (p. 68).

Na verdade, para além de estes textos servirem uma melhoria da (in)formação dos professores de literatura, Isabel Duarte defende uma aliança entre ler textos de Eça e conhecer a língua portuguesa. Assim, ao fechar o artigo, com propostas de trabalho sobre Os Maias, a autora sublinha a importância de se "aproximar o aluno da leitura, como ponto de partida para atividades que permitam aperfeiçoar e aprofundar [outras] competências linguísticas" (p. 68), como a oralidade ou a escrita, discutida a seguir.

 

Ensino da Escrita

Neste tópico, há três contributos para uma didática da escrita: um de José António Carvalho (IV), mais teórico, e dois de Sónia Rodrigues (V e XIII), mais práticos.

O texto IV, que, segundo o autor, não se assume como "um texto de caráter programático" (p. 99), não deixa, todavia, de realizar uma revisão alargada sobre "a questão do ensino da escrita" (p. 78), ainda por resolver. Sendo a escrita um objeto complexo, o autor define-a como "linguagem", "competência de uso", "ferramenta de aprendizagem" e "realidade em mudança" (pp. 79-85), acrescentando três visões sobre a mesma: "texto/produto", "processo", ato "em contexto" (pp. 87-91).

Partindo destes fundamentos, apresenta-se a (nova) pedagogia da escrita, centrada em planos distintos: do sujeito à participação na(s) comunidade(s) de escrita, passando pelas relações da escrita com outros domínios do Português ou com outras disciplinas escolares (p. 94). Assim se compreende as relações que a escrita, enquanto objeto escolar e ferramenta de aprendizagem, pode estabelecer, fora e dentro da aula de Português, particularmente com os domínios da gramática, leitura e oralidade (pp. 95-96).

No fundo, convém nunca esquecer que a escrita é "um importante fator de sucesso académico" e está implicada "em qualquer processo de aquisição, elaboração e expressão de conhecimento" (p. 83), como o texto seguinte demonstra.

Na verdade, Sónia Rodrigues apresenta um projeto interdisciplinar de ensino da escrita, baseado numa "reflexão sobre o funcionamento da língua" (p. 107). Esta experiência concretizou-se em tarefas de leitura de perguntas de Matemática, e de planificação, redação e revisão das respostas. Concluiu-se, então, que "A escrita de textos de natureza lógica pode ser um exercício interdisciplinar da aula de Português" (p. 117).

Noutro artigo (XIII), a autora expõe e discute resultados de nova experiência didática de textos argumentativos refutativos, "articulada com o desenvolvimento da consciência gramatical dos alunos" (p. 311). O processo de escrita surge articulado com o saber gramatical, até porque a intervenção realizada consistiu na ativação de conhecimentos gramaticais sobre textos (contra)argumentativos (p. 320).

Uma ilação a retirar da leitura destes textos é que existe uma articulação estreita entre escrita, leitura, oralidade e gramática, e que esta constitui, também, a base dos complexos processos de organização dos textos e dos discursos, como os artigos que se seguem evidenciam.

 

Questões de Gramática

O conhecimento gramatical é uma área deveras representativa da aula de Português. Os textos até aqui referidos já o comprovam, pois a gramática define a aula de língua, está subjacente à leitura de textos literários e é relevante na produção escrita.

Também o valor dos artigos a discutir nesta alínea será a prova da sua centralidade na discussão linguística e didática, assim como da necessária articulação entre ambas.

O artigo VII sintetiza investigação teórica sobre o tópico da subordinação frásica, tendo em vista a aplicação ao ensino da língua (p. 141). A análise da autora evidencia a complexidade de uma distinção, neste item, entre o que é do domínio da gramática e do discurso, e questiona mesmo tal distinção no âmbito da didática da língua. Neste quadro, recorda que o objetivo da disciplina de Português "é a melhoria da competência linguística, oral e escrita, dos alunos", feita a partir destas reflexões linguísticas (p. 168).

O texto de Olívia Figueiredo (VIII), partindo das inovações que o Dicionário Terminológico introduziu no ensino do Português e referindo que não se podem confundir os fins da "ciência linguística" com os da "educação linguística" (p. 176), defende "o enfoque comunicativo no ensino da língua" (p. 178), que passe do saber gramatical aos mecanismos discursivos (como a coesão), aqui demonstrados na análise de uma crónica de António Lobo Antunes.

Por seu lado, o texto IX constitui um bom exemplo da combinação entre teoria, sobre "macroestruturas e microestruturas textuais", e práticas de "análises de texto" fundadas nesses conceitos (pp. 191-192).

De facto, partindo da teoria (ou gramática) do texto, a autora demonstra as virtualidades de uma aplicação didática, pela análise de três géneros textuais bastante diversos: uma entrada do Dicionário Terminológico (p. 203), dois textos de pacotes de açúcar (p. 206) e, ainda, um poema de Alexandre O’Neill (p. 210). Para além de evidenciar como se concretiza o "trabalho sério de ler um texto" (p. 216), este artigo sublinha a necessidade de analisar discursos diferenciados na aula de Português.

No texto X, questiona-se a pertinência de "trabalhar os atos de fala na aula de Português" (p. 224). Enquadrando esse tópico no PPEB de 2009 e argumentando que, na Escola, se aprendem os "registos formais de língua" (p. 225), a autora sustenta que o conteúdo dos atos de fala "se articula transversalmente com todas [as] outras subcompetências a desenvolver na aula de Português" (p. 227), sejam elas a oralidade, a leitura ou a escrita. Entretanto, para "sublinhar as interfaces permanentes entre gramática e discurso" (p. 228), Cristina Macário Lopes sugere atividades linguísticas com enunciados, textos e discursos, sempre no sentido de, naturalmente, "evidenciar as potencialidades que um trabalho sobre atos de fala encerra na aula de Português" (p. 241).

Mesmo não incluindo abordagem didática, o texto XII, sobre "Argumentação e(m) discursos" (p. 267), constitui um lato contributo para as questões da análise dos discursos (ou da gramática dos textos), também elas relevantes na formação linguística dos professores e numa aprendizagem contextualizada dos alunos.

O último texto (XIV), sobre gramática, questiona: "Para que serve a noção de dialogismo aos professores de Português?" (p. 327). Inicialmente, a autora distingue "dialogismo" linguístico de "polifonia", equivalente à "pluralidade de vozes" dos discursos literários (p. 329). Ora, segundo Isabel Duarte, "as noções de dialogismo e polifonia estão relacionadas, nos novos Programas, com a leitura e a apreciação de textos literários" (pp. 333-334). Assim, exemplificados pela análise de textos de géneros distintos, tais conceitos mostram-se fundamentais no ensino da língua materna.

Em suma, para além de comprovarem uma estreita aliança entre investigação e ensino, estes seis artigos demonstram o longo alcance da reflexão gramatical, tanto ao serviço da análise de textos, quanto na promoção das diferentes competências verbais.

 

Ensino da Oralidade

Em teoria, este artigo (XI) aborda três cenários do ensino do oral - "competência comunicativa; linguística de texto; gramática da comunicação oral" -, sempre com a finalidade de chegar à definição de "competência comunicativa oral" (p. 248). Em simultâneo, Olívia Figueiredo define o ensino do oral partindo da gramática do discurso ou gramática da língua oral (pp. 250-251) que, ao contrário do que tradicionalmente se entendia, demonstra a riqueza das questões orais implicadas nas aulas de língua materna.

Na verdade, alguns exemplos de enunciados (atos de fala) e, sobretudo, a análise de um discurso forense comprovam aqui como se pode organizar o ensino do modo oral. Porém, na visão técnica da autora, há que evitar um "aplicacionismo mecanicista de modelos linguísticos" (p. 261), que não servem o ensino prático nem a comunicação real.

 

Ensino do Léxico

Mesmo não tendo, nos programas atuais, estatuto de domínio autónomo, o léxico é outro tópico fundamental no ensino das línguas, quer no modo escrito quer no oral.

Assim, faz sentido que haja dois capítulos nesta obra (XV e XVI) sobre questões lexicais. Estes artigos incluem de novo dimensões complementares: discussão teórica de conceitos lexicais e apresentação prática de abordagens do léxico nas aulas de Português.

Neste quadro, como explica Olívia Figueiredo, "compreender uma palavra" implica (re)conhecer o(s) seu(s) significado(s), a sua estrutura, mas também o(s) seu(s) uso(s), ou seja, adequar os termos e os conceitos aos contextos (p. 345). Por isso, na competência lexical, não se pode "separar a componente gramatical da componente semântica" (p. 346), tal como a aprendizagem da língua não prescinde da gramática nem do dicionário. É isso que a autora evidencia na exemplificação de atividades associadas a tipologias textuais que, indiretamente, comprovam como, na construção de um texto/discurso, são necessários saberes lexicais apurados.

O outro texto em análise (XVI) inclui "propostas de trabalho sobre o léxico neológico em Vinte e Zinco de Mia Couto" (p. 382). Partindo da constatação de que o léxico é "pouco trabalhado nas aulas de Língua Portuguesa" (p. 366), Eunice Figueiredo sugere atividades sobre palavras (re)criadas por Mia Couto. Observando tais propostas, conclui-se que estudar o vocabulário (inovador) de uma obra desemboca em tópicos gramaticais, confirmados em amálgamas, palavras compostas e derivadas, parassínteses, fraseologias (pp. 373-381). Comprova-se, novamente, como gramática e léxico acabam por se cruzar, até porque as competências linguística e comunicativa deles necessitam para se realizarem eficazmente.

Conviria, porém, estabelecer aqui uma distinção entre léxico e vocabulário, no sentido de diferenciar léxico (da língua) de vocabulário (de um texto ou falante).

 

TIC e Ensino das Línguas

A amplitude da obra Português, Língua e Ensino, já comprovada pela diversidade de artigos relacionados com práticas de ensino da língua, também se evidencia pela inclusão do texto XVII - "As TIC na aula de língua" (p. 387).

Aqui se explana um projeto sobre as potencialidades das TIC nas aulas de Português, salientando que a internet e o computador são ferramentas úteis de aprendizagem da língua para os alunos (p. 393), mas que constituem, também para os professores, uma inesgotável e sempre disponível fonte de (in)formação (p. 397).

Além do mais, sabe-se como as TIC transformaram as formas de entender e praticar hoje a leitura e a escrita, em que o livro é uma tela e a caneta, um teclado.

Concluindo, comprova-se, através desta leitura crítica, como este trabalho é pertinente, profundo e variado.

Pertinente por se tratar de uma obra diversa, bem informada quanto às orientações teóricas e adequada quanto a sugestões didáticas. Convém, pois, que a investigação linguística continue a conjugar-se com propostas didáticas específicas para as aulas de Português, língua materna.

Profunda, porque a leitura atenta dos textos constitui uma formação completa quer para futuros professores de línguas, quer para aqueles que renovam continuamente os seus conhecimentos.

Variada, na medida em que há uma diversidade de textos sobre os domínios do ensino do Português, desde questões gerais às específicas sobre escrita, oralidade, léxico e gramática, sempre numa visão integradora dos conhecimentos linguísticos. Na verdade, não se limita aqui a abordagem à visão mais estreita da gramática (das palavras e da frase), mas avança-se no sentido dos textos e dos discursos.

Por fim, se a gramática, domínio representativo da área do Português, é "omnipresente" em quase todos os artigos, há um outro tema que, pela sua importância, não deveria fazer-se notar pela ausência nesta obra – o da leitura e/ou da(s) literacia(s).

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