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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação vol.30 no.2 Braga dez. 2017

https://doi.org/10.21814/rpe.11960 

EDITORIAL

 

Maria Alfredo Moreira, Maria José Casa-Nova & Lia Raquel Oliveira

 

O segundo número do ano de 2017 da Revista Portuguesa de Educação conta com doze textos de investigadores e investigadoras a desenvolver o seu trabalho em Portugal, Brasil, Espanha, México e Alemanha. Estes textos sinalizam a relevância educacional das temáticas da formação de professores, da diversidade, da inclusão e da participação crítica de docentes e discentes nos processos formativos. Abordam questões relativas à educação de crianças e jovens, à educação linguística, matemática e sexual, discutindo conteúdos curriculares da formação e medidas de inclusão no ensino superior, programas e enquadramentos para a formação inicial e continuada de professores e para a investigação educacional, sem esquecer o papel das famílias e da comunidade alargada na construção de projectos educativos mais democráticos e inclusivos.

O número abre com o texto "Desafios institucionais à inclusão de estudantes com Necessidades Educativas Especiais no Ensino Superior, de Maria Leonor Borges, Maria Helena Martins e Teresa Gonçalves, da Universidade do Algarve (Portugal) e Emilio Villegas, da Universidade de Sevilha (Espanha). Sendo a inclusão de estudantes com deficiência no sistema de ensino uma meta incontornável em sociedades democráticas humanistas, os estudantes do ensino superior não podem ficar de fora. Todavia, a sua presença é minoritária, está marcada por abandono precoce e insucesso académico. O estudo que reportam, desenvolvido na Universidade do Algarve, visou responder às seguintes questões: O que pensam os trabalhadores docentes e não docentes sobre a inclusão destes estudantes? Proporcionam as universidades as condições adequadas a esta minoria estudantil? Os resultados das entrevistas realizadas remetem para o reconhecimento da necessidade de aprofundar as medidas de inclusão dos estudantes com Necessidades Educativas Especiais, nomeadamente no que respeita a políticas e estratégias específicas, recursos e serviços de apoio que respondam às dificuldades experienciadas, infraestruturas e acessibilidades que respeitem a legislação atual e a adoção de medidas pedagógicas e de socialização entre pares que combatam a discriminação e estigmatização, promotoras do sucesso académico e efetiva integração.

Segue-se o artigo "O Estágio Curricular Supervisionado e o Programa Brasileiro de Iniciação à Docência: Convergências, tensões e contributos", da autoria de Rosenilde Nogueira Paniago, do IFECT Goiano (Brasil), Teresa Jacinto Sarmento, da Universidade do Minho (Portugal) e Simone da Rocha Albuquerque, da Universidade Federal de Mato Grosso (Brasil), que aborda a formação inicial dos/as professores/as através da análise do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica à Docência (PIBID) e o Estágio Curricular Supervisionado (ECS). Através do método de estudo de estudo de caso, as autoras realizaram análise documental e entrevistas narrativas a licenciandos bolsistas do PIBID na fase do Estágio Curricular Supervisionado (ECS) e a coordenadores de diferentes áreas científicas. Nos resultados realça-se a importância do PIBID para a realização bem sucedida do ECS, destacando-se os alunos e as alunas que usufruíram daquela bolsa, que lhes permitiu um maior conhecimento do funcionamento da organização escolar e, consequentemente, uma maior familiarização com o processo de ensino-aprendizagem. Realça-se também a importância do usufruto deste tipo de bolsa por todos os licenciandos, igualando oportunidades, contribuindo para a melhoria da formação profissional docente e, assim, para a melhoria da formação dos/as alunos/as.

O artigo "Por entre as brechas dos muros da universidade: o circo como componente curricular na formação inicial em Educação Física", da autoria de Rita de Cassia Miranda, da Universidade Federal da Uberlândia (Brasil) e Eliana Ayoub, da Universidade Estadual de Campinas (Brasil) toma um objeto de estudo muito pouco discutido na educação escolar e na formação de professores/as, como é o caso das atividades circenses. Através de entrevistas a docentes, estudantes e gestore/as de duas instituições de ensino superior brasileiras do Estado de São Paulo, as autoras analisam os processos de implementação curricular deste conteúdo na formação inicial de professores/as de Educação Física. As suas conclusões indicam que, não obstante o interesse elevado na sua presença nos curricula de formação pelos atores institucionais, às dificuldades associadas a questões de segurança e à formação dos docentes universitários e sua profissionalização, acrescentam-se as resistências de ordem política, ideológica e cultural. Estas são explicadas pela deslegitimação de determinados conhecimentos, considerados menores, obstaculizando a criação de um espaço de discussão sobre o modo como estes saberes "podem contribuir para a apropriação crítica da cultura corporal e para a sua ressignificação em busca da transformação social".

O quarto artigo, "Distintas competencias en el proceso de conversión del lenguaje natural al algebraico", de Carlos Soneira Calvo Correio, María José Souto Salorio Correio e Ana Dorotea Tarrío Tobar Correio, da Universidade da Corunha (Espanha), aborda a questão da formação matemática no ensino superior, em particular as competências associadas ao processo de leitura e conversão de registos semióticos distintos (linguagem verbal e linguagem algébrica) perante tarefas matemáticas concretas. Tendo colocado estudantes de 1º ano de Engenharia perante tarefas nas quais se variava a congruência e complexidade sintática dos enunciados, o autor e as autoras concluem que as diferenças de resultados variam em função do chamado carácter congruente ou não da mudança de registo, mas também da complexidade sintática do enunciado. As implicações didáticas indicam que os enunciados com uma elevada complexidade sintática não permitem ao/à docente perceber se a origem do problema na resposta está no conhecimento e mobilização de conteúdo, ou no processamento da linguagem verbal, o que tem implicações para o processo de construção de conhecimento e de avaliação discente.

O artigo "A dimensão afetiva na interação plurilingue: dinâmicas de negociação de imagens e estereótipos na interação romanófona em chat", de Silvia Pfeiffer, da Universidade de Hamburgo (Alemanha) e Maria Helena Sá, da Universidade de Aveiro (Portugal), discute a comunicação que se estabelece em espaços de interação online entre falantes de línguas românicas, entre alunos e docentes de várias instituições de ensino superior europeias. Tendo a sua análise recaído nas representações das línguas e culturas dos falantes, da comunicação plurilingue e da comunicação em chat, as autoras concluem que os estereótipos e as imagens das línguas, podendo ser positivos ou negativos, funcionam como tópicos discursivos que promovem a comunicação e concorrem para a "coconstrução da «felicidade» comunicativa e da intercompreensão" entre falantes de línguas diversas, mas próximas. Assim se desconstroem estereótipos que circulam sobre o valor e uso de determinadas línguas (como é o caso do conceito de língua franca, associado habitualmente à língua inglesa) e se promovem espaços inclusivos de educação em línguas e valorizadores da diversidade.

Paula Grizzo Gobato e Aline Maria de M. R. Reali, da Universidade Federal de São Carlos (Brasil), apresentam em "A base de conhecimentos e a identidade de mentores participantes do Programa de Formação Online de Mentores da UFSCar-Brasil" um estudo de natureza qualitativa, centrado no desenvolvimento profissional de professores/as experientes que irão acompanhar professores/as em período de indução. Considerando o desenvolvimento profissional docente enquanto processo contínuo, ocorrendo durante toda a trajetória pessoal e profissional, procuram responder à questão: quais dos conhecimentos específicos, pedagógicos e sobre a função de mentor, que o auxiliarão a desempenhar a nova função, podem ser apreendidos nos professores experientes, participantes do Programa de Formação Online de Mentores? No quadro de um processo formativo online, as autoras analisam o tipo de conhecimento profissional que emerge da análise descritivo-interpretativa de narrativas de quatro professoras mentoras (conhecimento pedagógico geral, conhecimento de conteúdo específico, conhecimento pedagógico do conteúdo, conhecimento sobre formação e atuação docente e conhecimento sobre a função de gestor e de mentor), concluindo sobre a necessidade e a importância da compreensão do ensino e da educação no exercício da função mentora.

"O valor formativo das Comunidades de Prática na construção da Identidade Profissional", de Margarida Alves, Paula Queirós e Paula Batista, da Universidade do Porto (Portugal) discute o potencial das Comunidades de Prática (CoP) no processo de socialização do/a professor/a em ano de estágio. Sendo a aprendizagem da docência situada, de natureza socioconstrutivista, apoiada por membros da comunidade profissional mais experientes e assente na progressiva indução do indivíduo aprendiz na cultura e saberes profissionais, o conceito de CoP encerra um elevado potencial na compreensão e operacionalização do processo de estágio na formação inicial de professores. A CoP pode ser entendida como grupo de pessoas que partilham interesses, paixões ou problemas comuns e que procuram aprofundar o seu conhecimento e experiência interagindo entre si de um modo sistemático. As CoP podem, assim, constituir espaços importantes de reflexão colaborativa, de produção e reconstrução de saberes profissionais e de transformação pessoal e social, quando devidamente apoiadas e desenvolvidas em ano de estágio. Todavia, as ameaças também existem, sobretudo quando há falta de reciprocidade na relação, ou quando a relação de poder está assente numa hierarquia formal e autoritária.

Gabriela Cruz Vásquez, da Universidade Autónoma de Baja Califórnia (México) e Adriana Arena, da Universidade Federal da Uberlândia (Brasil), apresentam o artigo "Universos do conhecimento. Reflexões sobre a investigação narrativa na educação". Defendendo o argumento de que a narrativa, pela multiplicidade e diálogo que estabelece entre espaço e tempo, pode ser uma metodologia rica e situada de geração de dados para a investigação em educação de natureza qualitativa, as autoras recorrem aos aportes da literatura (O livro de areia, de Jorge Luís Borges) para mostrar de que modo a experiência é o eixo principal da investigação narrativa, ao dialogar entre os espaços e tempos que os indivíduos habitam, bem como com os silêncios e as ausências, tão ignorados na investigação tradicional. Sendo o próprio processo educativo um processo de construção e reconstrução de histórias, o uso da narrativa na investigação em educação desvela a maneira como os sujeitos compreendem e interpretam as relações humanas e a memória social, permitindo "a análise das relações entre o conhecimento e a vida humana, entre educação e cultura, entre espaço e tempo e entre teoria e prática educativas.

O texto de Míriam Stock Palma, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil), com o título "Representações das crianças sobre o brincar na escola", leva o leitor e a leitora a refletir sobre a vida das crianças entre os processos de socialização no espaço doméstico e os processos de socialização numa organização educativa como a escola pública e o tempo que, dentro deste último espaço, é dedicado ao brincar. Ao refletir sobre este "tempo" considerado escasso, a autora, através da voz das crianças, realça a vivência desse tempo até à exaustão física psicologicamente feliz para as crianças e a importância do mesmo "como dimensão fundamental da formação humana". Através de entrevistas semiestruturadas individuais e por turma, foram inquiridas 106 crianças, procurando perceber as suas representações sobre as "culturas lúdicas em espaços escolares". A autora conclui pela preferência das crianças por brincadeiras que possibilitem estar-brincar com os amigos, que impliquem correr e proporcionem o máximo de divertimento, sendo o recreio o tempo e o pátio da escola o espaço preferidos.

O artigo "As tecnologias digitais na aprendizagem das crianças e no envolvimento parental no Jardim de Infância: Estudo exploratório das necessidades das educadoras de infância", de Dionísia Laranjeiro, Maria João Antunes e Paula Santos, da Universidade de Aveiro (Portugal), remete-nos para usos de tecnologias de informação e comunicação digitais no Jardim de Infância. No quadro de um projeto mais vasto que pretende construir uma plataforma online destinada à comunicação entre a escola e a família - a base do envolvimento parental -, entrevistam quatro educadoras de infância relativamente às suas práticas habituais com essas tecnologias e às suas expectativas relativamente às características que tal plataforma deve apresentar. De entre essas características sobressai a necessidade de preservação da privacidade das crianças e da comunicação com os pais, assim como, do ponto de vista técnico, a indicação de possibilidade de utilização no telemóvel.

Cristiana Pereira de Carvalho, Maria do Rosário Moura Pinheiro e José Pinto Gouveia, da Universidade de Coimbra (Portugal) e Duarte Rei Vilar, da Universidade Lusófona de Lisboa (Portugal), no artigo "Conhecimentos sobre sexualidade: Construção e validação de um instrumento de avaliação para adolescentes em contexto escolar", investigam os conhecimentos de 1545 adolescentes sobre a sexualidade. Os autores e as autoras propõem um questionário de diagnóstico de conhecimentos sobre sexualidade com utilidade para as escolas e organizações que tencionem realizar intervenções preventivas de comportamentos sexuais de risco. A versão final deste questionário é constituída por 25 itens, distribuídos por 6 temáticas: (1) Primeira relação sexual e preocupações sexuais; (2) Sexualidade e prazer sexual; (3) Contraceção e práticas sexuais seguras; (4) Prevenção da gravidez; (5) Infeções sexualmente transmissíveis e VIH/SIDA; e (6) Aconselhamento e atendimento em saúde sexual e reprodutiva. Os resultados confirmam que a educação sexual deve responder às necessidades dos jovens e não daquilo que os adultos pensam. Recomendam, para maior eficácia em termos preventivos, que se aumente os canais de comunicação com os adolescentes e se assegure a identificação dessas necessidades de formação, sublinhando que a educação sexual em meio escolar deve começar logo no pré-escolar.

O número encerra com um texto de Pedro Patacho, do Instituto de Ciências Educativas de Odivelas (Portugal) e Jurjo Santomé, da Universidade da Corunha (Espanha), intitulado "’… cada macaco no seu galho’. A participação democrática na escola pública". Os autores apresentam uma reflexão sobre a participação democrática nas escolas públicas, alargando o debate para a justiça escolar e a igualdade de oportunidades. O objetivo do mesmo consistiu em estudar a participação das famílias e da comunidade na escola pública a partir das premissas subjacentes ao regime de autonomia escolar de 2008. Foram inquiridos professores/as, encarregados/as de educação e dirigentes associativos de dois agrupamentos de escolas, cujas famílias dos alunos e das alunas possuem recursos económicos e culturais muito diferenciados, potenciadores ou inibidores da construção de um processo de participação democrático. Partindo de uma perspetiva analítica que defende que "um modelo cívico de relação escola-família-comunidade é um modelo plenamente participativo, típico de uma sociedade integrada por cidadãos e por cidadãs", os autores defendem a importância de passar da participação decretada para uma participação efetiva que tenha como ponto de partida o desejo de envolvimento escolar dos diferentes atores presentes no terreno. Concluem pela existência de um défice de participação na escola por parte dos atores inquiridos, bem como pela existência de uma participação formal, marcada pelos constrangimentos impostos pela legislação, mas também pela resistência a essa participação no que diz respeito aos diferentes atores sociais da comunidade escolar alargada.

Este número demonstra bem a pluralidade de temáticas dos artigos submetidos à RPE e a sensibilidade dos autores e das autoras na escolha dos objetos de investigação, não só academicamente pertinentes, como socialmente relevantes. Desejamos que a leitura dos artigos deste número da Revista Portuguesa de Educação possa ser do maior interesse e que essas leituras possam constituir referência para outros trabalhos em curso ou a iniciar.

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