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Revista Portuguesa de Educação

Print version ISSN 0871-9187

Rev. Port. de Educação vol.31 no.Especial Braga Oct. 2018

https://doi.org/10.21814/rpe.15083 

ENTREVISTA

Entrevista a Rui Vieira de Castro (1998-2003)

 

Rui Vieira de Castro é o atual Reitor da Universidade do Minho. Foi ainda Vice-Reitor e Presidente do Conselho Académico da universidade. Dirigiu, entre 1998 e 2003, a Revista Portuguesa de Educação. Desenvolveu a sua atividade de ensino sobretudo nas áreas das literacias e da educação e linguagem. Os seus interesses científicos concentram-se nas áreas da educação e linguagem, com foco principal nas questões do ensino do português e das literacias, com ênfase nos usos de linguagem em contexto de trabalho. Dirigiu projetos de educação e desenvolvimento em Timor-Leste, com financiamento da UNICEF, do IPAD e do Ministério da Educação de Timor-Leste. Colaborou com o Ministério da Educação de Portugal, no contexto de reformas curriculares, da formação de professores e da avaliação educacional. Neste âmbito, publicou mais de oitenta trabalhos académicos, em contexto nacional e internacional.

 

Anabela Santos (AS): Professor Rui, muito obrigada pela sua disponibilidade e partilha de experiências relativamente a este convite de entrevista que se insere nas comemorações dos 30 anos da Revista Portuguesa de Educação (RPE). Gostaríamos que partilhasse connosco algumas das suas experiências enquanto diretor da Revista, nomeadamente como surgiu o convite para ser diretor da revista, em que período foi diretor, e que nos contasse um pouco a história da designação e o enfoque na Educação.

Rui Vieira de Castro (RVC): Antes de mais quero agradecer o convite para esta conversa, e também felicitar a RPE por ter decidido desta forma, entre outras, comemorar os 30 anos da revista. Esta idade, e esta capacidade que a revista teve de permanecer de uma forma ativa, regular no terreno da edição em Educação é por si só testemunha do significado que a revista tem e de como ela era importante. Esta é uma história longa, que teve muitos atores, que conheceu diferentes enquadramentos institucionais até se chegar ao atual Instituto de Educação e Centro de Investigação em Educação. Nessa medida, foi um projeto que foi conhecendo algumas agulhagens ao longo da sua história, diferentes enfoques, em função daquilo que eram as circunstâncias concretas e em função também de quem eram as pessoas que protagonizavam o projeto: quem era o diretor, quem eram os diretores adjuntos, a comissão de redação, que naturalmente imprimiram um rumo próprio a este projeto.

De facto, aquilo que importaria mais destacar é que a sua permanência é o melhor exemplo da sua necessidade e relevância. Regressando aos primórdios da história, estamos a falar de um tempo em que a publicação em Educação em Portugal, sob a forma de periódicos era bastante escassa, aparecendo, sobretudo centrada na Universidade de Coimbra, por razões que também são históricas. Depois teve também desenvolvimentos semelhantes na Universidade de Lisboa; estamos a falar do momento em que o Instituto de Educação ou os seus antecessores se iam constituindo como uma estrutura muito significativa no espaço da formação e investigação em Educação em Portugal. A determinado momento percebe-se que seria absolutamente necessário que parte do trabalho que ia sendo produzido, não só no país, mas também fora do país, em Educação, tivesse um espaço de acolhimento próprio numa unidade como era o Instituto, e que contribuísse também para a sua própria afirmação. O projeto da Revista Portuguesa de Educação corresponde a um momento de alguma maturidade da própria unidade orgânica em que é desenvolvido.

Como é que eu cheguei à posição de diretor? Naturalmente porque me fui envolvendo de forma cada vez mais ativa na revista, e quando o Professor José Ribeiro Dias cessou funções como diretor, naturalmente colocou-se a questão de quem lhe iria suceder. Na altura, de entre as pessoas que estavam mais diretamente ligadas ao projeto, e certamente porque as pessoas acreditavam que eu tinha alguma capacidade de o coordenar, acabei por ser escolhido para dirigir a revista. Quais eram na altura as minhas preocupações principais? O que é que eu achava que a revista devia ser? De alguma forma, este seu convite obrigou-me a recuar a esse tempo, a ler alguns editoriais que escrevi para a revista e dessa forma recuperar essas memórias.

Havia três objetivos principais que eu procurei que fossem orientadores desse período da vida da revista. Por um lado, uma revista desta natureza é iminentemente uma revista científica, tem que ser capaz de acolher produção científica de qualidade, e para mim foi sempre claro que não podia ser a revista para publicação dos artigos dos investigadores do nosso Centro de Investigação. Ela tinha que ser capaz de, obviamente não recusando esse papel, acolher contributos oriundos de vários contextos nacionais e de outros centros de investigação em Portugal, e que o devia fazer, sobretudo, de acordo com um princípio fundamental de qualidade do que envolvia o escrutínio por pares das propostas apresentadas, nesta medida seguindo as práticas que são comuns nas comunidades científicas. Esse era claramente um primeiro objetivo. Havia depois um segundo objetivo, que era o de que um espaço desta natureza tem que ser capaz de acolher debates sobre a Educação em Portugal, e estamos a falar de décadas que foram particularmente ricas desse ponto de vista. Finalmente, porque de certa forma a revista estava sediada no Centro de Investigação, devia ser capaz de dar expressão àquilo que era a atividade do Centro, noticiando coisas que iam acontecendo. Portanto procurava-se aqui conjugar estes três objetivos: o primeiro é claramente aquilo que é referido como uma revista científica, os outros depois não deixam de reconhecer a inserção desta revista no contexto nacional próprio que é o nosso e, por outro lado, a própria vinculação institucional; a revista devia também servir a divulgação daquilo que eram atividades que o próprio Centro de Investigação ia desenvolvendo.

AS: Portanto, o Professor foi diretor no período de 1998-2003. É possível fazer um balanço ou uma avaliação das temáticas que foram publicadas nesse período? Existiam temas maioritariamente publicados? Que tipo de investigadores submetiam artigos nessa altura?

RVC: Julgo que, a partir de um determinado momento, a revista assumiu-se claramente como revista atuante no campo das Ciências da Educação. Não era portanto uma revista que exprimisse uma abordagem disciplinar específica ao campo da Educação; foi sempre uma revista claramente aberta, desse ponto de vista. Nessa medida, ela não deixou de refletir aquilo que era a capacidade de produção dos investigadores portugueses nesta área, e também a capacidade de atração da publicação de autores estrangeiros. Portanto diria que, desde temáticas relacionadas com as grandes opções de política educativa, a sua interrogação, o seu questionamento, passando pelas abordagens mais situadas ao nível da escola, até àquilo que são contextos mais especializados de aprendizagem ao nível da sala de aula, etc., acho que estes vários níveis tiveram sistematicamente expressão dentro da revista. Acho que esse foi um dos segredos do seu “sucesso” e que é também uma das razões do seu impacto; ela nunca se cerrou, nunca se fechou em torno de temáticas específicas, nunca se cerrou em termos de abordagens até teórico-conceptuais, elas próprias também marcadas; foi sempre um espaço plural. Agora, naturalmente que ela não é insensível àquilo que vão sendo as evoluções no interior de cada um dos campos que podemos identificar nas Ciências da Educação, vão conhecendo aquilo que são temáticas que vão aparecendo e desaparecendo.

Aliás, até era capaz de devolver a sua pergunta como uma espécie de desafio. Nesta perspetiva, acho que a revista reflete bem aquilo que foram as evoluções que cada um dos campos que podemos encontrar nas Ciências da Educação foram conhecendo ao longo do tempo. Acho que a revista espelha muito bem isso. Seria muito interessante um exercício de leitura das próprias transformações no campo das Ciências da Educação a partir dos artigos que a revista admitiu. A preocupação essencial nossa, que se foi vincando ao longo do tempo, foi introduzir critérios absolutamente rigorosos de qualidade, fazendo intervir a comunidade, fazendo intervir os pares, que é a forma como as comunidades científicas se podem desenvolver. Portanto há evidentemente flutuações: quando a determinado momento se opta pela organização de núcleos temáticos, naturalmente que esses núcleos correspondem àquilo que se pressentia serem problemáticas ou temáticas mais em evidência em cada momento. Seria então interessantíssimo esse exercício de diagnóstico, de revisão da própria revista, para a partir daí se poder avaliar a própria evolução de um campo que é compósito e heterogéneo que é o das Ciências da Educação.

AS: À época já havia a preocupação da internacionalização. Como divulgavam a revista nessa altura?

RVC: A revista nasce e desenvolve-se num tempo muito diferente do nosso. Recordo-me muito bem do que significava receber os artigos, fazer as primeiras triagens, enviar para os revisores, receber os textos revistos, incorporar tudo isso nos documentos que eram enviados aos autores. Isto era um processo absolutamente moroso, muito diferente daquilo que é hoje, e que era tanto mais desafiante quanto a revista não tinha nenhuma estrutura profissional por trás. Curiosamente, e eu sei que muitas direções se debateram com este facto: este é um projeto que assentou quase exclusivamente nos ombros de professores e investigadores que assumiram uma tarefa que era, de facto, muito exigente em termos de tempo, muito consumidora. Isto que nós encontrávamos, que estou a relatar, e que se reporta ao processo de produção da própria revista, tinha depois expressão na própria divulgação.

Essa divulgação, que não era eletrónica, era física, tinha requisitos muito próprios, isto é, obrigava ao recurso a distribuidoras, visto que a distribuição, e particularmente a distribuição científica em Portugal, foi sempre um problema sério. Nós tivemos, a determinado momento da nossa história, uma situação particularmente difícil que foi quando uma distribuidora, que era uma das principais distribuidoras do país, entrou em processo de falência, e nós ficamos, para lá de uma dívida acumulada, com um outro tipo de problema, que era como divulgar a revista. Foi um trabalho lento necessariamente, e que passava sobretudo pela convocação dos próprios autores, mas também dos nossos estudantes de pós-graduação. Desde os meados dos anos 80 que o Instituto dispunha de estudantes de pós-graduação, que foram um importante fator de divulgação da revista; por outro lado, o Instituto de Educação e Psicologia, e depois Instituto de Educação, decidiu adotar práticas de internacionalização relevantes, que passaram por muitas deslocações de professores e investigadores nossos para fora, mas para o acolhimento também, seja em períodos de estudos cá do investigador, seja no quadro de congressos.

A nossa unidade orgânica moveu-se sempre bem no quadro das relações internacionais, e isso permitiu alicerçar uma posição relevante para a revista, que depois se traduziu numa procura cada vez maior de autores estrangeiros; provavelmente não tão diversificados quanto gostaríamos, mas ainda assim, exprimindo uma capacidade de internacionalização claramente diferenciada relativamente às publicações que existiam em Portugal. Foi um trabalho que se fez de um modo bastante mais lento que os nossos tempos de grande velocidade de hoje, mas que foi essencial para a afirmação da revista, seja no contexto interno nacional ou no contexto internacional.

AS: Como a revista está a fazer os 30 anos de publicação, queria que me fizesse um balanço da evolução da revista em torno da disseminação do conhecimento na área das Ciências de Educação, percebendo que a revista passou do formato de papel para o digital.

RVC: Uma das primeiras imagens que eu tenho da revista era do Professor José Cruz andar a transportar debaixo do braço uma montanha de artigos da revista. Recordo-me até de alguma polémica em torno da designação da própria revista, porque havia dúvida se uma revista se podia chamar Portuguesa ou se deveria ser só de Educação…

AS: Nós não conhecíamos essa história, foi uma surpresa para todos, e não associamos, principalmente por ser de Educação… Eu associo sempre o José Cruz à Psicologia e então não consegui fazer a ligação.

RVC: De facto, a preocupação com a criação de uma revista científica emerge com maior vigor na área da Psicologia, que na altura era parte da unidade científico-pedagógica de Ciências da Educação, do que propriamente nas áreas da Educação. E o José Cruz foi o grande motor de tudo isto. Depois o processo conheceu aquelas lógicas de institucionalização e naturalmente outras pessoas apareceram depois na liderança do projeto. Eu acho que é uma boa aventura a Revista Portuguesa de Educação, e o facto de ela ainda hoje permanecer mostra que há um espaço que a justifica.

Eu acho que nós nos defrontamos, como aconteceu muitas vezes na história da revista, com situações dilemáticas, que são desafiantes, mas sempre foram, de uma forma ou outra. Este projeto editorial tem uma história difícil, mas a sua capacidade de resistir e de encontrar novos modos testemunha a qualidade das pessoas que estão associadas ao projeto e a relevância do próprio projeto. A revista confronta-se com um novo quadro que é simultaneamente de ameaças e oportunidades. De oportunidades, porque há hoje claramente, e aí temos uma diferença significativa relativamente àquilo que se passava há 20 anos, a pressão para a produção científica. Cada vez mais nos é exigida a obtenção de níveis de publicação relevantes, que é sinal da maturidade das próprias comunidades, e isso abre novos espaços à própria revista. A procura, hoje, pela publicação é claramente maior do que era há 20 anos. Estamos aí do lado das oportunidades. Estamos também do lado das oportunidades quando percebemos que temos ao nosso dispor dispositivos, ferramentas que garantem uma muito mais fácil circulação da revista à escala global. Esta passagem do formato de papel, para o eletrónico e para o digital, certamente que alguns de nós a encaram com um sentimento de nostalgia; na verdade é que a capacidade que a revista hoje tem de alcançar outros públicos, outras comunidades, aumentou exponencialmente. Pelo lado das ameaças, a revista continua a ser fundamentalmente produzida por investigadores nossos, e há exigências que se vão colocando à revista que tornam mais difícil a inexistência de uma estrutura mais profissional ou mais profissionalizada. É um desafio grande, porque a partir do momento em que a revista passa a integrar determinado tipo de plataformas, mais obrigações tem a nível da periodicidade da publicação, da disponibilização atempada, até do ritmo de publicação, e isso constitui de facto um desafio.

O que eu quero é relativizar a amplitude do desafio, porque em momentos anteriores houve desafios tão grandes quanto este, e a revista foi capaz de resistir e continuar a afirmar-se. Não tenho dúvidas nenhumas que a revista tenha uma maior qualidade agora do que tinha no meu tempo; as práticas tornaram-se mais rigorosas, mais exigentes, porque a exigência emana da própria comunidade. Portanto, acho que há razões para a preocupação, mas também há razões para ser otimista.

AS: Como perspetiva o futuro da revista?

RVC: Eu diria que me custa pensar um Instituto de Educação e um Centro de Investigação em Educação sem a Revista Portuguesa de Educação. Acho que ao longo dos anos se foi construindo uma simbiose entre estas três instâncias que dificilmente dispensa o projeto Revista Portuguesa de Educação. Não quero senão pensar que o caminho que se coloca à revista é o de ser um projeto de cada vez maior qualidade científica, cada vez maior relevância social e educacional. Acho que esse é o caminho que tem que ser perseguido e estou absolutamente convicto que os atuais responsáveis da revista, e eventuais futuros responsáveis da revista, saberão encontrar esse mesmo caminho.

Há um problema, que não é de todo de agora, que é de que por vezes não há uma total consciência dentro da nossa própria comunidade Centro de Investigação/Instituto de Educação, do valor que este projeto tem. Há um problema na perceção de toda a comunidade que este é um projeto relevante para toda a comunidade, não porque é mais fácil publicar os nossos artigos, mas porque é um projeto que é fundamental para a afirmação na cena nacional e internacional, da educação e da investigação, do Instituto de Educação e do Centro de Investigação em Educação. Espero que essa espécie de frente interna possa ser encarada da melhor forma pela criação da revista.

AS: Muito obrigada, Professor Rui, foi um momento fabuloso ouvi-lo apresentar a história da Revista Portuguesa de Educação com tanto positivismo, e muito obrigada pela colaboração.

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