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Revista Portuguesa de Educação

versión impresa ISSN 0871-9187versión On-line ISSN 2183-0452

Rev. Port. de Educação vol.34 no.1 Braga jun. 2021  Epub 20-Abr-2022

https://doi.org/10.21814/rpe.18365 

ARTIGOS

O cerco à autonomia das escolas: as plataformas eletrónicas na administração da educação

The siege to the schools' autonomy: the electronic platforms in the administration of education

L'encerclement à l'autonomie des écoles: les plateformes électroniques dans l'administration de l'éducation

Manuel Vale Fernandes Meirai 
http://orcid.org/0000-0002-5969-409X

iAgrupamento de Escolas António Correia de Oliveira, Esposende, Portugal


Resumo

O artigo analisa o impacto das plataformas eletrónicas da administração educativa no tópico descentralização/centralização e reforço/limitação da autonomia das escolas e dos atores escolares. Os resultados apresentados baseiam-se num estudo de caso centrado numa organização escolar e mostram-nos que as medidas de reforço da autonomia das escolas e da descentralização têm sido esvaziadas na prática pela ação das plataformas eletrónicas. A rigidez dos algoritmos das plataformas eletrónicas facilita o cumprimento das diretivas da administração central e a sua aceitação na medida em que são percebidas como meras operações técnicas destinadas a conseguir a maneira mais correta de funcionar com o mecanismo eletrónico. Por outro lado, a intensificação da especialização tecnológica e a sua concentração no centro aumenta o sentimento de descapacitação das organizações escolares que, muitas vezes, preferem a centralização como forma de resposta à atribuição de competências sem as correspondentes condições para o seu exercício. Esta circunstância vem reforçar o controlo burocrático centralizado e limitar ainda mais a autonomia das escolas.

Palavras-chave: Administração eletrónica da educação; autonomia das escolas; plataformas eletrónicas

Abstract

The article analyses the educational administration’s electronic platforms’ impact on the topic of schools and school actors’ decentralization/centralization and reinforcement/limitation of their autonomy. The results presented are based on a case study centred on a school organization and show us that measures to strengthen the schools’ autonomy and decentralization have in fact been emptied through electronic platforms’ actions. The electronic platforms’ algorithm rigidity favours compliance with central administration decisions and their acceptance, in such a way that they are perceived as mere technical operations aimed at achieving the most correct way of operating the electronic mechanism. On the other hand, the intensification of technological specialization and its concentration in the centre increase the school organizations’ sense of deprivation, which often prefer centralization as a form of response to the attribution of competences without the corresponding conditions for their exercise. This circumstance reinforces centralized bureaucratic control and further limits the autonomy of schools.

Keywords: Education’s electronic administration; schools’ autonomy; electronic platforms

Résumé

Cet article analyse l’impact des plateformes électroniques de l’administration de l’éducation sur le thème de la décentralisation/centralisation et du renforcement/limitation de l’autonomie des écoles et de leurs acteurs. Les résultats présentés se basent sur une étude de cas centrée sur une organisation scolaire et nous montrent que les mesures visant à renforcer l'autonomie des écoles et la décentralisation ont été vidées par l'action des plateformes électroniques. La rigidité des algorithmes des plateformes électroniques facilite la conformité aux politiques de l’administration centrale et leur acceptation dans la mesure où elles sont perçues comme de simples opérations techniques pour obtenir le mode de fonctionnement le plus correct avec le système électronique. D'autre part, l'intensification de la spécialisation technologique et sa concentration au centre accroissent le sentiment de décapacitation des organisations scolaires qui préfèrent souvent la centralisation comme réponse à l'attribution de compétences sans les conditions correspondantes pour leur exercice. Cette circonstance renforce le contrôle bureaucratique centralisé et limite davantage l'autonomie des écoles.

Mots-clés: Administration électronique de l'éducation; autonomie des écoles; plateformes électroniques

1. Introdução

O movimento em favor da descentralização e da autonomia das escolas não é tão evidente como parece. Ele tem desempenhado uma função simbólica de mobilização para as mudanças a introduzir pela administração central e útil para legitimar práticas de sentido contrário (Barroso, 2004, p. 67; Lima, 2011a; Weiler, 1999, p. 112). Paralelamente, o discurso emancipatório das novas tecnologias, associando-as frequentemente à descentralização e à desburocratização das organizações (Bellamy & Taylor, 1992; Muid, 1992; Taylor & Williams, 1991, p. 173; Nye Jr., 2002, p. 9; Reingold, 1994), tem ajudado a construir uma nova fachada de reforma e modernização que encobre formas de controlo remoto do centro em relação às escolas (Lima, 2015, p. 11-12; Meira, 2017).

De facto, várias pesquisas apontam no sentido de que os novos meios eletrónicos, longe de revolucionar a estrutura organizacional e o processo de tomada de decisões, simplesmente reproduzem e reforçam padrões e mecanismos estruturais institucionalizados (Fountain, 2005, p. 152; Janssen & Rotthier, 2005; Norris, 2001). Nesse sentido, entre as várias possibilidades de utilização no campo organizacional, eles acabam por ser usados para aumentar a centralização, a hierarquia e o controlo de cima para baixo, conferindo certas vantagens aos que estão na cúpula das organizações, nomeadamente, em termos de controlo da administração da informação (Morgan, 2006, p. 112-113; Tragtenberg, 1980, p. 217). Assim, o utilizador dos meios eletrónicos encontra-se frequentemente dependente de uma arquitetura de funcionalidades externa, onde o acesso assimétrico ao conhecimento especializado o poderá colocar numa posição mais vulnerável (Castells, 2007, p. 204-207). Segundo Bovens & Zouridis (2002) a utilização das aplicações eletrónicas aumenta a pressão para centralizar a organização, formalizar o sistema organizativo e padronizar o trabalho, pois os sistemas de gestão do conhecimento e as árvores de decisão digital acabam por limitar fortemente a discricionariedade administrativa dos atores da periferia, transferindo o poder decisório mais relevante para os níveis mais elevados da estrutura organizacional e para os especialistas informáticos que convertem os quadros legais em algoritmos concretos e programam os processos decisórios digitais.

Os poucos estudos no campo da administração da educação destacam o impacto que a utilização das novas tecnologias tem na relação entre centro e periferia (Silva, 2017, p. 153; Godinho, 2020). Particularmente os estudos realizados sobre a utilização das plataformas eletrónicas realçam a sua aplicação como instrumento de modernização gerador de assimetrias de poder e controlo (Catalão & Pires, 2020), proporcionando às autoridades centrais a possibilidade do exercício de novas formas de controlo e padronização sobre as organizações educativas da periferia (Catalão & Pires, 2020; Godinho, 2020; Piattoeva, 2014, p. 8; Silva, 2017, p. 149; Tatnall & Pitman, 2003, p. 73). Através das plataformas eletrónicas a administração torna-se mais anónima e impessoal pois, na medida em que a responsabilidade é atribuída à plataforma e não a quem definiu as regras, a sua autoridade torna-se incontestada, manifestação de um poder central sem rosto, sustentado por uma plataforma informática (Catalão & Pires, 2020, p. 105; Meira, 2017). Os estudos empíricos realizados sobre a utilização das plataformas eletrónicas no contexto da administração da educação em Portugal destacam como principais efeitos o reforço do centralismo, a redução da autonomia da escola e o condicionamento do trabalho das escolas pelas regras, imposições e constrangimentos das plataformas informáticas (Catalão, 2019; Catalão & Pires, 2020, p. 107; Godinho, 2020; Meira, 2017; Silva, 2017). Por seu lado, João Barroso (2018, p. 1086-1088) destaca o papel das plataformas eletrónicas na regulação nacional exercida pelo Estado e sua administração, permitindo essa “regulação pelos instrumentos” um controlo indireto e, muitas vezes, à distância das políticas educativas, sendo responsável pelo fortalecimento de tendências burocráticas ou neoburocráticas na administração e acentuação da dependência administrativa das escolas. Segundo Licínio Lima (2012, p. 142) a administração da educação é agora servida pela potência das tecnologias de informação e comunicação que aumenta exponencialmente as possibilidades de controlo e coordenação centralizados, através de instrumentos virtuais e à distância, de natureza ubíqua, capazes de registar os mais simples atos administrativos e, também, a sua ausência, aumentando, assim, o controlo hierárquico e centralizado, agora de tipo automático, mesmo no interior de “redes” que não são necessariamente policêntricas nem menos hierarquizadas.

Este artigo analisa a relação das plataformas eletrónicas com o tópico descentralização/centralização ou reforço/compressão da autonomia das escolas e dos atores escolares. Ele apresenta os resultados de uma investigação que mostra como as plataformas eletrónicas utilizadas pela administração educativa constituem na prática um mecanismo que introduz elementos centralizadores que contrariam fortemente os discursos de reforço da autonomia das escolas e da descentralização.

Embora no uso corrente o conceito de autonomia surja como permutável com o de descentralização e antinómico com o de centralização, em rigor pertencem a campos epistemológicos diferentes. A autonomia insere-se num movimento inverso ao da descentralização, pois enquanto esta opera “uma transferência ou devolução de poderes do centro para a periferia”, a autonomia “pressupõe a existência, fora do centro político e administrativo, de capacidades para movimentar ações políticas, desenvolver processos administrativos e aplicar competências científicas e técnicas” (Fernandes, 2005, p. 59), ou seja, a “faculdade que os indivíduos (ou as organizações) têm de se regerem por regras próprias” (Barroso, 1997, p. 17). No entanto, existe uma forte inter-relação entre os dois conceitos, pois se, por um lado, a descentralização vai criar condições para a construção da autonomia, sendo uma sua componente visível, por outro, é a dinâmica imposta pela autonomia que faz com que a descentralização não passe de uma mera retórica. Assim, tendo em conta esta realidade e a frequência com que estes dois conceitos são usados indistintamente quer no campo empírico, quer nos discursos políticos e nos textos legais, utilizaremos para efeitos deste artigo os dois conceitos como equivalentes.

As “plataformas eletrónicas” (também designadas em alguns estudos como “plataformas digitais” ou “plataformas informáticas”) aqui consideradas referem-se aos dispositivos eletrónicos com diferentes valências interligadas, alimentando-se mutuamente num ecossistema de aplicações eletrónicas, permanentes ou efémeras (na ótica do utilizador), com vários componentes, vários utilizadores e pontos de acesso próprios, apoiadas na internet, facilmente acessíveis de qualquer dispositivo eletrónico, hora ou lugar. Para efeitos deste artigo são tidas em conta apenas as plataformas eletrónicas geridas pela administração central ou empresas especializadas e utilizadas pelas escolas portuguesas e seus atores para a recolha e tratamento de dados e/ou realização de procedimentos administrativos1. As suas potencialidades técnicas e a centralidade das funções que exercem na ação da administração da educação em Portugal fazem delas muito mais do que um recurso ou um instrumento.

Os resultados e conclusões aqui apresentados decorrem de uma investigação que recorreu ao estudo de caso, centrado numa organização escolar, cujo processo de colheita de dados foi conseguido através da observação direta e da realização de entrevistas com diferentes atores escolares mais diretamente relacionados com o trabalho nas plataformas eletrónicas (docentes, membros das equipas de gestão das escolas, representantes de associações de dirigentes escolares, estruturas sindicais…), bem como através de uma análise seletiva das plataformas em funcionamento e de documentação diversa. Procedeu-se, durante quatro anos, a mais de uma centena de presenças nos distintos espaços do contexto empírico de acordo com as circunstâncias e oportunidades de observação. Foi privilegiado o ponto de vista do utilizador de forma a perceber melhor as consequências que as plataformas eletrónicas podem gerar nos atores escolares que se servem delas, designadamente a repercussão nos seus comportamentos e na configuração das relações de poder. O órgão de gestão escolar foi o espaço onde decorreu a maioria das observações na medida em que o trabalho com as plataformas é, no âmbito da organização escolar, uma função relativamente reservada. O estudo das plataformas eletrónicas, enquanto “documentos navegáveis” e interativos em que o utilizador vai tomando decisões em tempo real à medida que explora a multiplicidade de atalhos e cursos de ação, implicou a necessidade de as captar na sua quase instantaneidade, porque além da sua permanente metamorfose, algumas delas constituem autênticos “documentos efémeros” que só podem ser estudados enquanto duram para o utilizador.

Na secção seguinte abordaremos a forma como os algoritmos inseridos nas plataformas eletrónicas favorece a lógica centralista na medida em que, obrigando ao cumprimento e execução rígida das diretivas da administração central, limitam a margem de ação dos atores escolares para se organizarem de modo diferente. Por seu lado, na secção 3 são apresentados dados mais concretos da relação difícil e cheia de contradições entre, por um lado, o discurso da descentralização e da autonomia das escolas e, por outro, a utilização das plataformas eletrónicas no âmbito da administração educacional.

2. As plataformas eletrónicas e as novas variações na relação entre o centro e a periferia

Existe uma coincidência temporal entre o processo de agregação de escolas2, a eliminação das direções regionais de educação3 e a intensificação do processo de desmaterialização da administração da educação a par do discurso da descentralização e de “reforço da autonomia das escolas”. De facto, a desmaterialização da administração da educação, como expressão dos imperativos da modernização e das necessidades de racionalização da administração, tem integrado movimentos contraditórios entre discursos e práticas, decisões legais e medidas administrativas ou até decisões legais entre si, compensando processos efetivos de centralização com a retórica da autonomia e da descentralização4. A verificação em simultâneo destes movimentos aparentemente contraditórios têm tido o efeito de suavizar a crescente intromissão da administração central na gestão das escolas através de novas formas de apresentar “um discurso inovador inspirado nas propostas de modernização da gestão pública e de territorialização das políticas educativas, com uma prática conservadora baseada numa administração burocrática e centralizadora” (Barroso, 2004, p. 67; ver também Catalão & Pires, 2020, p. 108). Neste sentido, as plataformas eletrónicas têm sido aproveitadas pelo poder central para aumentar o envolvimento, a responsabilização e compromisso dos órgãos de gestão das organizações escolares para o cumprimento dos programas estabelecidos, o seu controlo e prestação de contas através de indicadores administrativos cada vez mais detalhados e dentro de prazos exigentes.

A formatação da vida escolar (sobretudo na sua dimensão administrativa) constitui um dos efeitos mais frequentes da utilização das plataformas eletrónicas no âmbito da administração escolar, onde as diferentes realidades escolares são enquadradas em esquemas algorítmicos uniformes e em categorizações pré-definidas5. Deste modo, as normas incorporadas nas funcionalidades das plataformas (ou criadas através delas) formam uma moldura oficial onde são estabelecidas as premissas decisórias que condicionam a possibilidade de os atores escolares se organizarem de modo diferente e segundo regras próprias. Assim, um programa inscrito numa dada plataforma constitui sempre uma série de ordens codificadas transpostas para o sistema eletrónico e que este impõe ao utilizador como condição do seu funcionamento. Essas regras integradas nas plataformas eletrónicas assumem o carácter de imposições abstratas e impessoais dotadas de um poder impositivo mais forte do que uma ordem pessoal emanada por um superior hierárquico. Essa soberania funcional adquirida pelas plataformas eletrónicas proporciona à administração central transfigurar as suas diretivas em imposições indiscutíveis justificadas pela inefabilidade técnica que leva os atores escolares a aceitar o modo de operar das plataformas eletrónicas como a forma certa de agir mesmo que, por vezes, incompreensível (Meira, 2017).

Nesse sentido, os atores educativos da periferia são remetidos para o quadro de uma ação heterónoma, subordinada e regulada por outrem, de algum modo estranha e capaz de lhes diminuir a possibilidade de tomar decisões autónomas. Esta circunstância é acentuada pela insegurança que experimentam quando efetuam operações com consequências irreversíveis ou quando não dominam suficientemente determinadas funcionalidades das plataformas6, levando-os nessas situações a sujeitarem-se ao mecanismo do qual dependem e que exerce sobre eles um domínio soberano.

Este facto, reforça a convicção dos gestores escolares de que as plataformas eletrónicas, além de permitir à administração educativa “esvaziar as escolas da pouca autonomia que têm” (Conselho das Escolas, 2015, p.12), proporcionam-lhe a “vantagem acrescida de poder passar a assacar responsabilidades às periferias pelos erros e limitações inerentes às decisões políticas e administrativas centrais” (Lima, 2015, p. 13), produzindo uma dinâmica centralizadora em que o centro obtém amplos poderes de comando sem os incómodos da responsabilização. As plataformas eletrónicas contribuem para este “aumento da eficácia de execução periférica das decisões políticas e normativas centrais” (Lima, 2011b, p. 179) na medida em que permitem que a execução dos objetivos e interesses centralmente definidos seja controlada eletronicamente à distância, dando origem a uma centralização com aparência de descentralização. A estratégia de mobilização enviesada do poder central, relegando para os atores da periferia questões operacionais passíveis de ser percebidas por estes como tomada de decisões próprias, torna-se eficaz na medida em que os processos de descentralização operacional vêm acompanhados de uma retórica emancipatória explícita que estimula os atores da periferia a confundir desconcentração com libertação do controlo burocrático, tornando o locus real da tomada de decisão cada vez mais invisível. O retrato que emerge é de uma organização descentralizada operacionalmente com um centro forte e distante, comprometido em monitorizar o desempenho e moldar a atividade, concentrando-se em alguns indicadores-chave que constituem parte dos limites dentro dos quais as liberdades operacionais são realizadas (Hoggett, 1996, pp. 19; 21).

3. As plataformas eletrónicas e a possibilidade da gestão das escolas à distância

A diminuição da autonomia das escolas tem sido apontada nos discursos dos atores escolares como um dos efeitos mais salientes na utilização das plataformas eletrónicas na administração da educação7. Por isso, este fenómeno aparece frequentemente relacionado com o tópico da autonomia (e da centralização). No entanto, o cenário das plataformas eletrónicas introduz novos elementos neste tópico, pois os atores escolares, convencionalmente interessados em possuir mais atribuições ou competências ou em manter ou reforçar capacidade de se auto-organizarem com independência, por vezes, adotam surpreendentemente comportamentos favoráveis à centralização. Estas atitudes sucedem designadamente em áreas de funcionamento organizacional onde a distribuição de competências e a partilha de poderes não implicam uma correspondente criação das condições para o seu exercício, mas antes a transferência de responsabilidades e aumento de trabalho, não encontrando os atores escolares nenhuns benefícios nessas “concessões”.

De facto, as plataformas eletrónicas em articulação com movimentos mais amplos de reforma do Estado e com as novas narrativas e estratégias organizacionais de cariz gestionário constituem instrumentos que se prestam a ser usados como tecnologias de “controlo à distância” (subdiretora), pressionando as organizações escolares no sentido da racionalização, da uniformidade e da subordinação aos padrões superiormente impostos. Neste sentido, a utilização das plataformas eletrónicas pela administração educativa tem aproximado o controlo centralizado do interior das escolas, acentuando a sua importância mediadora como mecanismo de “reforço do centralismo e distanciamento das decisões tomadas que surgem às escolas como ordens a cumprir” (docente, autor de blogue). Dessa forma, a equidade e a autonomia dos atores e das organizações escolares deixaram de ser a prioridade em benefício da operacionalidade dos procedimentos eletrónicos estabelecidos como legítimos. Consequentemente, as soluções mais adequadas podem tornar-se, por vezes, inviáveis por não se ajustarem operacionalmente às situações tipificadas e programadas nas plataformas eletrónicas, delimitando-lhes, desta forma, as margens de autonomia na medida em que nelas “já está tudo previsto e não existe liberdade de escolha” (diretor).

Neste sentido, as plataformas eletrónicas constituem um instrumento que favorece a capacidade do poder central de condicionar, à distância e de uma forma impessoal e uniforme, a expressão das singularidades e identidades dos contextos onde os atores escolares da periferia atuam e tomam as suas decisões. Elas ajudam a confinar o espaço de ação das organizações escolares a determinados limites em que para transpô-los (ou mesmo agir dentro do seu âmbito) se torna necessário aprovação superior. A homologação de turmas por organismos do poder central constitui um exemplo em que a conformidade legal da formação de turmas pode não ser suficiente para a sua homologação na medida em que na prática, segundo os atores escolares, as instâncias superiores da administração educativa à distância não as aprovam baseando-se em dados brutos que dispõem das escolas, desconhecendo a sua realidade concreta (subdiretora). O representante da associação de dirigentes escolares A queixa-se do mesmo problema:

“[…] a introdução dos dados das turmas para validação é um dos casos em que a cegueira é total. Há questões que são objetivas, são de lei […], mas há outras questões que são mais complexas e, não estando previstas na lei, podem ser sempre atendidas pela tutela e isso perde-se completamente com a utilização das plataformas e mesmo que tentemos ultrapassar a plataforma e fazer um contacto pessoal para explicar a situação […], mesmo essas tentativas de complementar a informação que está na plataforma para que a decisão seja diferente da que os números só por si permitem, não surte efeito”.

Segundo os atores escolares, a administração central utiliza as plataformas eletrónicas como mecanismo para os fazer “carregar dados para as plataformas” (representante da associação de dirigentes escolares B), reduzindo as organizações escolares a mero “prolongamento dos braços da tutela” (representante da associação de dirigentes escolares B). Assim, os líderes escolares acabam por geri-las mais formalmente do que materialmente, porque “quem gere a escola são de facto eles, é a tal pessoa que eu desconheço quem é, mas é Lisboa que gere as escolas com os dados que nós carregamos” (representante da associação de dirigentes escolares B)8. Nesse caso, as plataformas eletrónicas constituem mais um instrumento facilitador do exercício do poder central que assim “sufoca” (diretor) e “abafa pura e simplesmente a autonomia” (representante de estrutura sindical)9, do que a expressão da capacidade dos atores de se organizarem segundo regras próprias e participarem ativamente nos processos de decisão10. Por outro lado, as plataformas eletrónicas requerem o domínio de novos conhecimentos técnicos e possibilitam a realização mais célere e formalizada de atos administrativos, conferindo esse facto maior vantagem ao poder central, porque por essa via não só controla os recursos, mas também define e controla a informação sobre esses recursos (Morgan, 2006, p. 173). Os atores escolares confirmam esta realidade, constatando que o poder central “tem técnicos capazes de fazer a leitura e o tratamento dessa informação, sistematizá-la e lê-la da forma que a própria escola, os próprios atores que a leem, os próprios órgãos de gestão […] das escolas não conseguem fazer” (representante de estrutura sindical). Tendo uma informação detalhada “sempre disponível” (adjunto do diretor), em “qualquer momento que queiram” (representante de empresa de fornecimento de serviços) sobre a vida das escolas, acaba por ter mais poder sobre cada uma delas “para poder tomar decisões e […] retirar mais autonomia às escolas, porque a informação que a escola tem, o poder central também tem” (adjunto do diretor).

Este movimento em direção à centralização é, curiosamente, em determinadas plataformas e circunstâncias, favorecido e desejado pelos próprios atores escolares que, ao mesmo tempo que se queixam da excessiva centralização, também a procuram. Este facto verifica-se com maior evidência em plataformas mais amigáveis e funcionais onde os utilizadores ao usá-las de uma forma mais rotineira e menos reflexiva, acabam por remeter para segundo plano a necessidade da reivindicação de uma certa margem de participação. Este comportamento no caso dos órgãos de gestão encontra justificação na combinação de um conjunto de fatores como a escassez de recursos e o aumento da complexidade das tarefas a realizar, de tal forma que a opção pela centralização acaba por ser sentida como um alívio. Mais do que uma capitulação ou desinteresse, constitui uma opção dotada de racionalidade perante os constrangimentos do contexto e como expressão de uma estratégia mais vasta de sobrevivência.

Assim, os constrangimentos do contexto imediato da ação, combinados com a atribuição formal de competências e poderes sem a correspondente criação das condições para o seu exercício11, cria um espaço desguarnecido que favorece as opções em favor da centralização. “Para quê a autonomia se só nos vem complicar a vida?”, desabafava um elemento do órgão de gestão em fevereiro de 2014 enquanto se desdobrava em contactos com os candidatos ordenados pela plataforma no âmbito da Contratação de Escola, por e-mail e via telefone, para os convocar para a entrevista por tranches de cinco e atendia simultaneamente encarregados de educação e resolvia pequenos problemas disciplinares de alunos. Desse modo, a existência de uma plataforma amigável dotada de funcionalidades capazes de proporcionar soluções para as suas preocupações vem causar um desequilíbrio em favor da centralização o que que não acontecia, por exemplo, quando as candidaturas ao concurso de docentes eram efetuadas em formato papel12 ou no caso de uma plataforma funcionalmente adversa, onde a opção pela centralização não seria atrativa. Deste modo, uma plataforma amigável e funcional pode tornar-se um fator mobilizador (mesmo que pela passividade) em favor da centralização facilitando ao nível operacional a vida aos protagonistas escolares e decidindo por eles, mas também lhes retirando competências e poderes.

Assim, o aperfeiçoamento do funcionamento das plataformas acaba por sobrepor a operacionalidade à autonomia. Paradoxalmente, “quanto mais amigas as plataformas se tornarem mais aperta o torniquete da autonomia das escolas” (representante de estrutura sindical), na medida em que a perfeição das plataformas ao aumentar a satisfação operativa por parte dos atores escolares sem a correspondente criação de condições para o desenvolvimento da ação autónoma (ainda que relativa) também os torna mais recetivos à lógica do seu funcionamento e menos reflexivos quanto às suas capacidades de se organizarem de forma diferente. O representante de estrutura sindical confirma esta realidade:

“[…] quanto mais amiga é uma plataforma mais subliminar ela se torna, isto é, cada vez mais o utilizador a usa rotineiramente e menos reflexivamente. É como se o utilizador abdicasse de refletir e de fazer valer os seus direitos. Quanto mais amiga é a plataforma menos o utilizador questiona os seus objetivos e os seus alcances. Nesta perspetiva a autonomia do utilizador fica cada vez mais, digamos, anestesiada e deixa de ter a perspetiva da sua autonomia e daquilo que eu considero que deve ser sempre o protocolo das relações entre o poder central e as escolas”.

Assim, no campo empírico o grau de aperfeiçoamento técnico conjugado com a adequação funcional das plataformas eletrónicas constitui um importante recurso desequilibrador no quadro de relações de forças entre o centro e a periferia do contexto da administração da educação em Portugal. Embora não excluindo “zonas de incerteza” aproveitadas pelos atores da periferia para daí extrair vantagens para a manutenção ou alargamento de porções de autonomia13, é previsível que a maioria das plataformas utilizadas no âmbito da administração educacional continue a favorecer a centralização, tendo em conta a tendência verificada no plano empírico para as plataformas se tornarem cada vez mais amigáveis e funcionais e, consequentemente, desequilibrando as forças em favor da centralização (diretor; adjunto do diretor; representante de estrutura sindical; representante de empresa de fornecimento de serviços). Pois, uma administração da educação que manteve “praticamente inalterada uma tradição centralista de poder e controlo político e administrativo, [… cuja] regularidade tem atravessado momentos históricos e fases políticas muito distintos” (Lima, 2011b, p. 183), encontrará condições propícias para a manutenção do mesmo paradigma de atuação na mediação de plataformas eletrónicas mais funcionais, tornando a administração educativa “não apenas mais centralizada, mas também mais inquisitiva e mais detalhada” (Tocqueville, 2004, p. 378).

4. Considerações finais

Os discursos políticos e legislativos de reforço da autonomia das escolas e da descentralização têm sido sistematicamente desmentidos na prática pela utilização das plataformas eletrónicas da administração central. É curioso como a retórica da descentralização e da autonomia das escolas convive tão pacificamente com os processos uniformizadores e centralizadores das omnipresentes plataformas eletrónicas da administração central. De facto, a maioria das plataformas eletrónicas enfraquece as resistências dos atores escolares, pois as prescrições da administração central incorporadas nas funcionalidades das plataformas eletrónicas são percebidas não em termos de obediência pessoal a um mandato, mas como operações técnicas destinadas a conseguir a maneira mais correta de funcionar com o mecanismo eletrónico. Assim, o “poder sugestivo da máquina” ajuda a criar nos utilizadores escolares um sentido invisível de obrigação que torna possível uma consciência menor de uma submissão maior, favorecendo a ideia que as escolas, com as medidas de descentralização e reforço da autonomia, aumentam a capacidade de tomada de decisões próprias. Por outro lado, a especialização tecnológica, cada vez mais intensa e concentrada nos atores que operam no perímetro do poder central, aumenta o sentimento de descapacitação das organizações escolares que, muitas vezes, preferem a centralização como forma de resposta à atribuição de competências sem as correspondentes condições para o seu exercício.

Nesse sentido, no cenário das plataformas acentua-se ainda mais a antinomia entre os discursos políticos e legislativos da autonomia e modernização e as práticas de reforço do controlo burocrático centralizado sobre as organizações escolares. Assim, constata-se uma vez mais que a “autonomia decretada” por si só é incapaz de produzir a autonomia efetiva das escolas e dos atores escolares, mas também de a destruir no seu todo (Barroso, 2004, p. 71). De facto, existem sempre determinadas margens de autonomia que permanecem na prática das escolas, pois nunca se consegue no plano da ação destruir totalmente a capacidade de os atores escolares se organizarem e tomarem decisões próprias, mesmo que formalmente vedadas. No entanto, o cenário das plataformas eletrónicas vem limitar severamente essas possibilidades de ação autónoma, pois o controlo burocrático centralizado exercido por elas à distância, baseado sobretudo no registo dos mais simples movimentos organizacionais, permitem à cúpula da administração educativa aproximar o controlo centralizado do interior das escolas, condicionando esferas cada vez mais necessárias do seu funcionamento quotidiano.

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1Entre as várias plataformas eletrónicas estudadas destacam-se pela sua importância e frequência de utilização as seguintes: DGAE (Direção-Geral da Administração Escolar); DGEstE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares); MISI (Gabinete Coordenador do Sistema de Informação do Ministério da Educação); GATEWIT (Plataforma de Operacionalização dos Procedimentos de Compras Eletrónicas); DGAEP (Direção-Geral da Administração e Emprego Público); VORTAL (Plataforma de Operacionalização dos Procedimentos de Compras Eletrónicas); RBE (Rede de Bibliotecas Escolares); BASE (Portal dos Contratos Públicos); SIGO (Sistema de Informação e Gestão da Oferta Educativa e Formativa); SIIFSE (Sistema Integrado de Informação do Fundo Social Europeu); DGEEC (Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência).

2Despacho n.º 5634-F/2012, de 26 de abril.

3Decreto-Lei n.º 266-G/2012, de 31 de dezembro, que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 125/2011, de 29 de dezembro, que aprova a Lei Orgânica do Ministério da Educação e Ciência.

4Nos diplomas legais a modernização da administração anda frequentemente associada à desmaterialização e esta à racionalização e centralização, ao mesmo tempo que são tomadas medidas políticas compensatórias e simbólicas de “reforço da autonomia das escolas”. Veja-se, por exemplo, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 12/2012, de 7 de fevereiro ou o “Plano Global Estratégico de Racionalização e Redução de Custos com as TIC na Administração Pública” (Grupo de Projeto para as Tecnologias de Informação e Comunicação, 2011) relativos ao papel desempenhado pelas denominadas TIC na racionalização e centralização da Administração Pública. Praticamente em simultâneo são tomadas medidas que invocam o “reforço da autonomia das escolas” (Cfr. Por exemplo, o Decreto-Lei n.º 137/2012, de 2 de julho e a Portaria n.º 265/2012, de 30 de agosto). Veja-se outros exemplos da coincidência temporal dos diplomas legais relativos à desmaterialização, centralização e autonomia: a legislação relevante relativa a processos de desmaterialização na Administração Pública (Art.º 62.º, n.º 1 e 4 do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29, de janeiro e Decreto-Lei n.º 143-A/2008, de 25 de julho; Portaria 701-G/2008, de 25 de julho) coincide temporalmente e apela à necessidade de centralização (n.º 1, 4 e 6, Art.º 5, Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de fevereiro e n.º 1, Art.º 4.º Portaria 772/2008, de 6 de agosto), mas também à autonomia e descentralização (Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril; Decreto-Lei n.º 144/2008, de 28 de julho).

5O diretor da unidade escolar onde decorreu a investigação refere que “temos de alterar a nossa realidade para ajustar à realidade que eles [agentes que gerem as plataformas] querem”.

6A realização de procedimentos administrativos ou outros atos através das plataformas eletrónicas da administração educativa cria nos utilizadores muitas dúvidas e comportamentos de insegurança. Para perceber melhor os problemas de interpretação, as ambiguidades, as dúvidas e as inseguranças sentidos pelos utilizadores das plataformas eletrónicas, cf. Meira (2017).

7Para o representante da associação de dirigentes escolares B as “plataformas retiram autonomia às escolas. Dar não dão, seguramente. Até acho que retiram e que é uma contradição quando se fala, nos documentos oficiais, em ‘autonomia’ para aqui e ‘autonomia’ para acolá. […] Achamos que a ‘autonomia’, de alguma forma, é incompatível com a existência das plataformas, sobretudo quando o objetivo é centralizar, neste caso, em Lisboa. Isso é incompatível. Portanto, acho que as aplicações eletrónicas e as plataformas não contribuem, nem para o desenvolvimento, muito menos para o aprofundamento da autonomia das escolas, pelo contrário, até corta a pouca autonomia que possa existir nas escolas”.

8No mesmo sentido constata o Conselho das Escolas (2015) quando afirma que “a decisão sobre tudo o que é essencial para o funcionamento das Escolas é tomada fora das mesmas, com base num aparelho burocrático de normativos e aplicações informáticas. Longe, afastada das pessoas concretas que se encontram nas Escolas e dos problemas reais com que estas diariamente lidam, é esta ‘ciber-administração’ que verdadeiramente toma decisões importantes para as Escolas” (p. 3).

9Um docente, autor de blogue, refere que a “autonomia não exige tanta plataforma, tanta aplicação. Todas as escolas, tenham autonomia ou não, têm que, quase todas elas, preencher as mesmas plataformas e as mesmas aplicações. Isto não desenvolve em nada a autonomia porque as escolas, a maior parte delas, hoje em dia passam o tempo a preencher aplicações e a dar dados para o Ministério. Isso em nada aprofunda a autonomia de uma escola”.

10Segundo João Barroso (2005, p. 109-110) o próprio conceito de autonomia remete para “a capacidade dos atores, numa organização, de desenvolverem estratégias próprias, na defesa dos seus interesses individuais e de grupo, conquistando poder de decisão sobre as finalidades, organização e funcionamento da escola, bem como a gestão dos seus próprios recursos”.

11João Barroso (2005, p. 110) refere que uma “política destinada a ‘reforçar a autonomia das escolas’ não pode limitar-se à produção de um quadro legal que defina normas e regras formais para a partilha de poderes e a distribuição de competências, entre os diferentes níveis da Administração, incluindo o estabelecimento de ensino. Ela tem de assentar sobretudo na criação de condições e na montagem de dispositivos que permitam, simultaneamente, ‘libertar’ as autonomias individuais e dar-lhes um sentido coletivo na prossecução dos objetivos organizadores do serviço público de educação nacional”. Por isso, para o autor, “mais do que ‘regulamentar’ o seu exercício, deve criar condições para que ela seja ‘construída’” (p. 109).

12O diretor recorda que “quando havia uma contratação de escola, chegávamos a ter uma pilha de trezentas/quatrocentas candidaturas amontoadas contra a parede; tínhamos de as abrir todas - eram em formato de papel -, tínhamos de fazer contas e quantas vezes os dados não eram suficientes. Agora, eletronicamente, esse trabalho está muito facilitado”.

13Contudo, por mais sofisticada que seja a vigilância ou por mais apertada que seja a “camisa-de-forças” das plataformas eletrónicas o controlo sobre os atores da periferia nunca será total. Eles encontrarão sempre formas criativas de exercer, ainda que de forma muito relativa, margens de autonomia.

Recebido: 27 de Julho de 2019; Aceito: 09 de Outubro de 2020

Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Manuel Meira, Avenida Alcaides Faria, Edifício Santo António, 402H, Fração AU - 4750-106 Barcelos. E-mail: acoliveiram@gmail.com

Sobre o autor Manuel Meira é doutor em Ciências da Educação, especialidade em Organização e Administração Escolar, pelo Instituto de Educação da Universidade do Minho.

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