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Revista Portuguesa de Educação

Print version ISSN 0871-9187On-line version ISSN 2183-0452

Rev. Port. de Educação vol.34 no.2 Braga Dec. 2021  Epub Aug 04, 2022

https://doi.org/10.21814/rpe.23841 

Recensão

CHUMAK-HORBATSCH, R. (2019). Using Linguistically Appropriate Practice: A Guide for Teaching in Multilingual Classrooms. Multilingual Matters.

Mayara Priscila Reis da Costai  ii 
http://orcid.org/0000-0003-1561-0269

i Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá, Brasil

iiInstituto de Educação da Universidade do Minho, Braga, Portugal


Roma Chumak-Horbatsch é uma professora da Universidade de Ryerson (Toronto, Canadá) que pesquisa questões centrais sobre a interessante área da pedagogia multilíngue de crianças inseridas no contexto de uma educação globalizada. No ano de 2012, ela desenvolveu o Linguiscally Appropriate Practice - LAP (University of Toronto Press, 2012), hoje mencionado como LAP12. Mais tarde, após cinco anos de efetivação internacional desse livro, publicou o Using Linguistically Appropriate Practice (Multilingual Matters, 2019), atualmente conhecido como LAP19, e que apresento neste texto.

Antes de tudo, é relevante destacar que o método LAP, na sua amplitude, está para além de um simples livro acadêmico. Na verdade, ele configura-se como um guia pedagógico inclusivo e inovador que orienta e convida professores da educação infantil a desenvolver uma pedagogia linguisticamente apropriada com crianças imigrantes que não falam a língua da sala de aula. É no contexto dessa problemática educacional que a visão de Roma Chumak-Horbatsch tem procurado dar respostas práticas a esses profissionais, e que também vem ajudando-me a desenvolver estudos de doutorado com professores de crianças indígenas, potencialmente bilíngues, de escolas urbanas na Amazônia brasileira (Reis da Costa, Pereira & Macedo, 2020).

Durante muito tempo e por distintas razões sócio-históricas, famílias migram para países e contextos que diferem das suas próprias culturas e línguas maternas, estas entendidas como a primeira língua que o falante adquire na interação com os outros (Chomsky, 1965). Quando instaladas e acolhidas, uma das suas principais preocupações é a matrícula das crianças nas instituições escolares. Estas, quando chegam às escolas, descobrem que a língua usada na escola é diferente do idioma de casa, considerado uma língua de herança que é partilhada apenas em situações específicas e etnoculturais, com um número restrito de falantes (Cummins, 1983). Por outro lado, o idioma usado na escola é a língua de escolarização, aquela responsável pelo processo comunicativo da educação escolar, que, desejavelmente, torna-se a segunda língua, a língua não materna dessas crianças.

É nessa dualidade de linguagem que o então LAP12 se desenha como uma abordagem educacional na realidade multicultural do Canadá, uma vez que conecta os dois cenários linguísticos das crianças imigrantes (casa e escola), explorando a vivência e a proficiência no idioma de casa ao mesmo tempo que amplia a pouca ou a nenhuma fluência na língua da sala de aula. Segundo Roma Chumak-Horbatsch (2012), o método mergulha nas principais teorias da pedagogia multilíngue para fornecer sugestões e atividades pedagógicas sem a necessidade de o professor saber ou ser falante nas línguas das crianças. Mais ainda, esse método também potencializa o bilinguismo das crianças, que ainda está em formação (García, 2009), para ajudá-las, culturalmente, na construção, definição e manutenção da sua identidade e diferença (Silva, 2000; Hall, 2006).

Agora, a publicação do LAP19 apresenta-nos os resultados da implementação do método em diferentes cenários multilíngues, fazendo jus à sua legitimação educacional. Contendo apenas 166 páginas, é recomendado a professores, estudantes, pesquisadores, especialistas, e também famílias e demais interessados, que desejam conhecer o mundo fascinante da educação para o multilinguismo infantil.

Nas suas primeiras páginas, o leitor encontrará as secções Acknowledgements e Contributors, que apresentam um agradecimento especial de Roma Chumak-Horbatsch a todos os que contribuíram para o desfecho desta obra. Depois disso, em torno da sua estrutura composicional, o livro contém prefácio, introdução, cinco capítulos, conclusão, apêndice e índex.

No prefácio, Kellen Toohey releva-nos uma síntese histórica e teórica das principais abordagens escolares que iluminam práticas linguísticas e culturais para alunos minoritários, reforçando que o ensino apropriado é aquele que articula o uso da língua materna desses estudantes.

A seguir, na parte introdutória, Roma Chumak-Horbatsch dedica-se a explorar curiosamente o número cinco (repetido, várias vezes, no livro), comentando a expressão gimme five1, gíria do inglês americano onde duas pessoas batem as palmas das mãos abertas em ato de comemoração, contacto, interação e aceitação, muito popular entre crianças.

No primeiro capítulo, intitulado LAP Basics, é discutida a defini ção de três termos essenciais: recém-chegados, considerado um termo “simples, inclusivo e temporário” (p. 6, tradução nossa), integrando crianças novatas num idioma que elas ainda não dominam; monolingues é usado para crianças fluentes apenas no idioma da escola; e bilíngues designa a capacidade linguística das crianças em navegar em dois idiomas, hoje sendo considerado a norma na sociedade pós-moderna (García, 2014). Posteriormente, é apresentada uma sistematização do LAP12 para os leitores que ainda não o conhecem e que serve de síntese para os que já o leram. O fato inovador aqui é a imagem The LAP tree para simbolizar as confluências e as implicações teóricas e práticas de uma sala de aula multilíngue a partir do uso desse método (cf. Figura 1).

Figura 1: The LAP Tree. 

Na figura, observa-se uma linha que divide a árvore do LAP em duas partes: uma visível, mostrando o seu tronco, galhos e folhas; outra oculta, com as suas raízes no solo. A primeira é identificada como prática, visualizada a partir da coexistência das línguas (casa e escola) e das atividades/ações do LAP no ambiente escolar (que são comentadas no capítulo três). A segunda, denominada teoria, exibe a fundamentação científica que sustenta/problematiza o cenário de uma pedagogia multilíngue.

Nessa parte conceitual, tem-se a noção de justiça social para promover a tolerância, a liberdade e a igualdade de oportunidades a todas as crianças, devendo ser desenvolvida ainda na formação de professores (Zeichner, 2014). Além disso, encontra-se o construtivismo social (Vygotsky, 1978) para afirmar que as crianças são ativas na construção da sua aprendizagem pessoal e social através de experiências e interações com os outros (Bruner, 1983). Também se contempla a orientação com base nos pontos fortes das crianças, para que elas possam compartilhar, juntamente com as famílias, os seus conhecimentos linguísticos e culturais (Moll et al., 1992) a fim de vincular vivências pessoais e educacionais. Acolhe, de igual maneira, a pedagogia dos multiletramentos2 (New London Group, 1996), onde as crianças fazem uso potencial da multimodalidade na aprendizagem da alfabetização (Kress, 1997) com suporte das mídias digitais. Fundamenta-se fortemente no conceito de bilinguismo dinâmico, entendido como as práticas linguísticas múltiplas e ajustáveis ao ato comunicativo dos falantes face às mudanças constantes dos cenários multilíngues e multimodais (García, 2014). Reconhece, do mesmo modo, a concepção de translinguagens, caracterizada pelo desenvolvimento de práticas linguísticas em mais de uma língua, que possibilitam o uso ampliado do repertório linguístico e multimodal do falante, para incluir as suas experiências cognitivas, sociais e culturais (García & Wei, 2014). E, por último e não menos importante, abrange a pedagogia das translinguagens, sendo o modo particular de entender os princípios de translinguagens e adaptá-los aos contextos educacionais, uma vez que as escolas acolhem crianças de diferentes origens linguísticas e, por esse motivo, é importante dar-lhes a opção de escolher o idioma para demostrar o seu conhecimento e compreensão (Yip & García, 2018).

Após a discussão, tem-se o segundo capítulo: LAP Teachers. Aqui são exploradas as características dos professores do LAP, como sejam: atuam como ativistas e advogados de idiomas, já que tentam incluir o maior número possível de línguas no currículo; possuem salas de aula como ecossistemas linguisticamente complexos, em razão de conectarem a interação entre diferentes línguas maternas e de herança juntamente com a língua de escolarização; respeitam o período silencioso das crianças, pois entendem que isso é um estágio inicial e natural no aprendizado de um novo idioma por elas e, por conta disso, encorajam-nas a experimentar a língua da escola em diferentes atividades; compreendem as demandas de aprendizagem de todas as crianças, respeitando as suas necessidades (bilíngues ou não) de linguagem e alfabetização; e, finalmente, confiam nas tecnologias, tendo em vista que, na maioria dos casos, os professores não entendem, nem falam a(s) língua(s) dessas crianças e acabam por incluir dispositivos tecnológicos e digitais para envolvê-las na sala de aula e no currículo da escola.

Em sequência, o capítulo três, LAP Profiles: Journeys, Actions, Projects and More..., é o mais aguardado pelos leitores. Nele, Roma Chumak-Horbatsch propõe-se documentar as narrativas e as experiências pedagógicas de colaboradores que, de certa forma, vivenciaram o LAP nos seus contextos educativos multilíngues, as quais foram organizadas em três perfis. O primeiro deles (LAP journeys) inclui as percepções de estagiários de graduação de diversas origens linguísticas e os relatos de professoras fluentes em inglês como primeira ou segunda língua, todos em suas próprias trajetórias no LAP. O segundo perfil (LAP in Schools) descreve inúmeras ações didático-pedagógicas, baseadas no método, as quais foram desenvolvidas em escolas no Canadá, Alemanha, Luxemburgo, Islândia e Suécia. E o terceiro perfil (LAP in Specialized Programmes) aborda a adoção e a adaptação do LAP nos programas canadenses Westcoast Programme - WP, Early Language Intervention - ELI e English as a Second Language - ESL, todos destinados a preparar crianças, antes ou durante a educação infantil, em diferentes estágios de ensino-aprendizagem de língua (não) materna. De maneira geral, as iniciativas relatadas nesta parte, sem dúvida, ajudaram os profissionais da educação a entender a vida e as particularidades de linguagem dos grupos minoritários, bem como a refletirem sobre a sua própria prática educacional.

Apesar de o ensino multilíngue ser atraente e convidativo, é comum haver resistência à implementação de atividades inovadoras na sala de aula, e isso é examinado no capítulo quatro, LAP Challenges. Durante a sua implementação, os professores do LAP alegaram entraves como pouco envolvimento das crianças monolíngues e bilíngues durante a atenção dada aos recém-chegados; falta de interesse das crianças no uso dos idiomas de herança; presença de únicos alunos que são falantes de idiomas pouco conhecidos pela maioria das crianças; e, em alguns casos, baixo comprometimento das famílias nas atividades inclusivas. E, para contornar essas situações preocupantes, Roma Chumak-Horbatsch oferece excelentes estratégias pedagógicas para o engajamento de todas as crianças e suas famílias nesse processo extraordinário da pedagogia multilíngue.

Segue-se, posteriormente, para o LAP Resources, seu quinto e último capítulo. Nele, o leitor depara-se com uma lista variada de recursos multilíngues, que foi elaborada por Roma Chumak-Horbatsch. Uma das suas sugestões é a de organizar um clube de leitura entre professores e demais interessados da escola, para exploração e discussão das recomendações bibliográficas fornecidas pela autora.

Na parte In Closing, Roma Chumak-Horbatsch partilha informa ções sobre a dimensão pedagógica da obra. De entre elas, têm-se: que é muito importante compreender as teorias que fundamentam a prática de uma pedagogia multilíngue; que as suas atividades são destinadas a todas as crianças (bilíngues ou não); e que a sua adoção é uma trajetória pessoal e profissional, facilmente ajustável a diferentes contextos de ensino-aprendizagem. Após isso, ela releva-nos o seu pensamento final: a criação de uma comunidade online que, futuramente, será vinculada ao site https://www.ryerson.ca/mylanguage/. Aqui, certamente, a proposta da autora é a de reunir o maior número de pessoas do mundo inteiro interessadas no ensino multilíngue a partir do método LAP, oferecendo-lhes a oportunidade de compartilharem as suas próprias histórias e experiências pedagógicas no multilinguismo.

As páginas do livro encerram com o apêndice, que contempla muitas referências (livros, sites, blogs e vídeos) para conhecimento e leitura aprofundada dessa admirável atmosfera da educação para o multilinguismo infantil, e com o índex, que foi cuidadosamente organizado para inventariar os principais termos empregados neste exemplar.

À guisa de conclusão, neste livro, são evidentes a devoção e o apreço de Roma Chumak-Horbatsch ao tecer teorias, narrativas, experiências e atividades pedagógicas multilíngues, cujo resultado final foi a composição de um manual fidedigno, integrado por vozes e práticas educacionais desenvolvidas por distintos profissionais da educação. A meu ver, a ampla leitura do LAP enaltece e justifica uma reflexão para além da prática docente, uma vez que edifica os direitos fundamentais de todas as crianças em professorar em suas próprias línguas maternas (UNICEF, 1989) ao mesmo tempo que promove experiências bem-sucedidas de uma sala de aula multilíngue, multicultural e multimodal vibrante.

Sem dúvidas, acolher o LAP na Amazônia brasileira (re)afirma a presença global da diversidade sociolinguística de muitas crianças (indígenas ou não) nas escolas urbanas. E, neste caso especial, oferecer uma formação continuada aos professores delas, para uma pedagogia multilíngue, cultural e linguisticamente apropriada, é investir, com lucidez, na relevância desse método. E que assim seja. Viva o LAP!

Referências

Bruner, J. (1983). Child’s talk: Learning to use language. W. W. Norton & Company. [ Links ]

Chomsky, N. (1965). Aspects of the theory of syntax. MIT Press. [ Links ]

Chumak-Horbatsch, R. (2012). Linguistically appropriate practice: A guide for working with young immigrant children. University of Toronto Press. [ Links ]

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1Em português brasileiro, é equivalente a “toca aqui” ou “bate aqui”. [N. do T.: Em Portugal, uma expressão equivalente poderia ser “dá cá mais cinco”.]

2Esse termo, originalmente escrito como multiliteracies (inglês), é uma ampliação da palavra literacy. Em português, traduz-se como letramento (Brasil) e literacia (Portugal), ambos com o intuito de designar os fenômenos distintos da alfabetização (Soares, 2004).

Recebido: 03 de Março de 2021; Aceito: 16 de Maio de 2021

Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Mayara Priscila Reis da Costa, Avenida Patauá, n.º 300, Bairro Universidade, 68980-000, Oiapoque, Amapá, Brasil. E-mail: mayara.reis@ifap.edu.br

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