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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187versão On-line ISSN 2183-0452

Rev. Port. de Educação vol.35 no.1 Braga jun. 2022  Epub 25-Jul-2022

https://doi.org/10.21814/rpe.21952 

Artigos Originais

Gestão curricular inclusiva e formação de professores do 2.º Ciclo do Ensino Básico em Portugal: Perceções de coordenadores de cursos de formação inicial

Inclusive curriculum management and teacher training in the 2nd Cycle of Basic Education in Portugal: Perceptions of coordinators of initial training courses

Gestión curricular inclusiva y formación de profesores del 2.° Ciclo de Educación Básica en Portugal: Percepciones de los coordinadores de los cursos de formación inicial

i Laboratório de Educação a Distância e e-Learning, Universidade Aberta, Portugal.

ii Agrupamento de Escolas 4 de Outubro, Portugal.

iii Centro de Investigação em Educação, Universidade do Minho, Portugal.

iv Membro do Conselho Consultivo da Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura, Portugal.


RESUMO

O presente artigo incide num estudo sobre perceções dos coordenadores de cursos de formação inicial de professores do 2.º Ciclo do Ensino Básico (CEB), em particular sobre a forma como os cursos que coordenam preparam os futuros professores para o trabalho com alunos que evidenciam dificuldades de aprendizagem e necessitam de medidas de educação inclusiva. A questão formulada - De que modo coordenadores de cursos de formação inicial de professores do 2.º CEB percecionam a diferenciação curricular e pedagógica em função do trabalho com alunos que necessitam de um apoio pedagógico específico? - faz parte de um projeto de investigação mais amplo, sendo apresentados, neste texto, os resultados de um estudo empírico de natureza qualitativa. Os dados foram recolhidos através de inquérito por entrevista, realizado a coordenadores (n=5) de cursos de ensino superior português público (quatro universidades e um instituto politécnico). Os resultados evidenciam que os coordenadores em estudo identificam um processo de melhoria na formação inicial de professores e na área específica da gestão curricular baseada na diversidade, que envolve alunos com dificuldades de aprendizagem ou incapacidades, pelo que as suas conceções se revelam favoráveis à relevância da inclusão, ancorada numa revisão mais abrangente da formação inicial de professores.

Palavras-chave: Diversidade; Formação de professores; Gestão curricular; Inclusão.

ABSTRACT

This article focuses on a study on the perceptions of the coordinators of initial training courses for teachers of the 2nd Cycle of Basic Education (CEB), particularly on the way that the courses they coordinate prepare future teachers to work with students who show learning difficulties and need inclusive education measures. The question formulated - How do coordinators of initial training courses for 2nd CEB teachers perceive curricular and pedagogical differentiation in terms of working with students who need specific pedagogical support? - is part of a broader research project. In this text, the results of a qualitative empirical study are presented. The data were collected through an interview survey, carried out with coordinators (n=5) of Portuguese public higher education courses (four universities and a polytechnic institute). The results show that the coordinators identify a process of improvement in the initial training of teachers and in the specific area of curriculum management based on diversity, which involves students with learning difficulties or disabilities, so their conceptions are favourable to the relevance of the inclusion, anchored in a more comprehensive review of initial teacher education.

Keywords: Diversity; Teacher training; Curricular management; Inclusion.

RESUMEN

Este artículo se centra en un estudio sobre las percepciones de los coordinadores de los cursos de formación inicial para docentes del 2.° Ciclo de Educación Básica (CEB), particularmente sobre la forma en que los cursos que coordinan preparan a los futuros docentes para trabajar con alumnos que presentan dificultades de aprendizaje y necesitan medidas de educación inclusiva. La pregunta formulada - ¿Cómo perciben los coordinadores de los cursos de formación inicial para profesores de 2.º CEB la diferenciación curricular y pedagógica con respecto al trabajo con alumnos que necesitan un apoyo pedagógico específico? - forma parte de un proyecto de investigación más amplio. En este texto, se presentan los resultados de un estudio empírico de carácter cualitativo. Los datos fueron recolectados a través de entrevista, realizada con coordinadores (n=5) de cursos de educación superior pública portuguesa (cuatro universidades y un instituto politécnico). Los resultados muestran que los coordinadores identifican un proceso de mejora en la formación inicial de los docentes y en el área específica de la gestión curricular basada en la diversidad, que involucra a estudiantes con dificultades de aprendizaje o discapacidades, por lo que sus concepciones son favorables a la relevancia de la inclusión, anclada en una revisión más completa de la formación inicial del profesorado.

Palabras clave: Diversidad; Formación de profesores; Gestión curricular; Inclusión.

1. Introdução

A composição dos cursos de formação inicial revela-se particularmente pertinente, na medida em que se verifica uma significativa relação entre a formação recebida e o desenvolvimento de práticas docentes mais inclusivas (Marcos et al., 2019). Pegalajar e Colmenero (2017) sublinham que “o sucesso do trabalho com alunos com necessidades educativas depende de uma formação inicial adequada, bem como da oferta de recursos suficientes e apropriados” (p.84)1.

Neste sentido, o estudo das perceções de coordenadores de formação inicial de professores torna-se não só pertinente para um melhor conhecimento da gestão curricular baseada na diversidade pedagógica, que ocorre em meio escolar, mas também para repensar a formação dos professores do 2.º Ciclo do Ensino Básico (CEB). De salientar que este estudo faz parte de uma investigação mais ampla (Inês, 2021), cuja apresentação e discussão proporciona reflexões que se impõem no contexto das práticas curriculares ao nível das escolas.

Da nossa investigação, emergem resultados alusivos a perceções de coordenadores de cursos do ensino superior responsáveis pela formação inicial de professores do 2.º CEB direcionadas para o modo como coordenam os cursos e preparam os formandos para dar resposta a todos os alunos, e particularmente aos que revelam dificuldades de aprendizagem ou incapacidades, de acordo com a linguagem que era utilizada no momento da sua realização, já que com orientações normativas de 2018 (Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho) passa a ser usada a expressão ‘medidas de educação inclusiva’ (OECD, 2018a; Pacheco, 2019; UNESCO, 2018).

Num primeiro momento, refletimos sobre os planos de estudos de formação inicial de professores do 2.º CEB, em Portugal, problematizando a sua adequação a um cenário educativo marcado pela diversidade. De seguida, justificamos as opções metodológicas tomadas, fazemos a caracterização dos respondentes, descrevemos as técnicas de recolha e análise de dados e analisamos os resultados, tendo em atenção o quadro teórico-conceptual e a questão de investigação formulada.

2. Gestão Curricular Inclusiva e Formação Docente

A massificação do ensino, decorrente do reconhecimento do direito à educação de todos, originou a heterogeneidade de públicos escolares que caracteriza as atuais escolas públicas. Tal diversidade conduz a uma inquietação real: como realizar uma gestão curricular e pedagógica que seja ao mesmo tempo adequada a todos os alunos e potenciadora da equidade e do sucesso de cada aluno através de medidas de educação inclusiva? (OECD, 2018a; Seabra, 2017; UNESCO, 2018, 2017). Esta questão torna-se ainda mais pertinente com a pandemia de COVID-19 e consequente suspensão do ensino presencial, por períodos de tempo significativos, em que a desigualdade se revela como um dos fatores mais realçados (Sahlberg, 2021; UNESCO, 2020).

A questão da gestão curricular baseada na diversidade tem sido analisada por vários autores (Fernandes, 2011; Pacheco, 2005; Roldão, 2003), a partir de perspetivas que confrontam o modo mais autónomo de adequar o currículo aos contextos dos alunos, aliás bem presente no enunciado das políticas curriculares, em Portugal (Pacheco & Sousa, 2018). Aceitar a diversidade como orientação básica de gestão do currículo significa rejeitar um currículo comum, uniforme e homogéneo, já que este não poderá dar respostas adequadas a todos os alunos, particularmente aos que apresentam dificuldades de aprendizagem ou incapacidades. Para isso, fala-se de um currículo centrado na diversificação (ao nível das formas de educação e formação) e na diferenciação (ao nível das formas de aprender e de ensinar) que seja congruente com um ensino diferenciado e personalizado, de matriz humanista, ao nível quer das políticas educativas (Lessard & Carpentier, 2016), quer da filosofia educacional (Nussbaum, 2019), quer ainda das práticas curriculares (Pacheco et al., 2018), e incluindo a formação de professores (Pacheco, 2013; Zeichner, 2018).

A gestão curricular baseada na diversidade, ou seja, baseada na diversificação e na diferenciação, contribuirá para evitar a exclusão, correlacionando-se com uma formação de professores adequada, na qual sejam devidamente destacados aspetos como, por exemplo, reflexão, pesquisa (Alarcão, 2013; Quitembo, 2018; Zabala, 1998), trabalho colaborativo entre pares (Hernández & Ventura, 2017; Pinto-Llorente et al., 2019) e imersão precoce em contextos reais de ensino (Abdalla, 2004).

Em Portugal, é a obtenção, numa instituição de ensino superior, de uma Licenciatura em Educação Básica que inicia o processo de habilitação para a lecionação no 2.º CEB2. Os planos de estudos deste ciclo de escolaridade básica tendem a incluir conteúdos curriculares sobre dificuldades de aprendizagem, incapacidades e educação especial. De facto, das 20 Licenciaturas em Educação Básica (LEB) identificadas e em vigor à data da publicação deste artigo, verifica-se que 17 desses planos oferecem, no total, 21 unidades curriculares (UC) ou conteúdos curriculares (CC) com designações ou temáticas na área da Inclusão/ NEE/ Educação Especial/ Problemáticas Específicas/Gestão da Diversidade (Inês, 2021; Inês & Seabra, 2017), ou seja, 85% dos planos das LEB incorporam UC ou CC nessas temáticas.

Por imposição legal, para efeitos de lecionação, um mestrado em ensino complementa, obrigatoriamente, a LEB (Decreto-Lei n.º 43/2007, de 22 de fevereiro). Este segundo ciclo de estudos deve apostar no espírito investigativo e crítico, como sinalizam Rodrigues e Mogarro (2019):

estes mestrados deverão proporcionar formação nos domínios científico e pedagógico e dar particular enfoque à articulação entre a teoria-prática, devendo o currículo ser estruturado de forma a estimular a inovação e a investigação relacionadas com a atividade educativa, a reflexividade acerca da prática letiva e a aprendizagem ao longo da vida. (p. 78)

A partir da análise dos 60 cursos de mestrados profissionalizantes nacionais em vigor à data de redação deste artigo, destinados à formação de professores para o 2.º CEB, observa-se que 36 planos de estudos oferecem 47 UC ou CC nas referidas áreas, ou seja, as UC ou CC nas áreas em apreço atingem uma percentagem moderada (60%), em termos de representatividade (Inês, 2021; Inês & Seabra, 2017).

O investimento na revisão da formação de professores deve ser fortemente priorizado, sobretudo porque o corpo docente envelhecido (OECD, 2019a), em exercício de funções nas escolas portuguesas, não teve acesso a, ou então teve um contacto residual, na sua formação inicial e contínua, com conteúdos curriculares no âmbito das dificuldades de aprendizagem ou incapacidades (Inês & Seabra, 2017). Em paralelo, verifica-se que a formação de professores tem falhado ao nível da formação de profissionais capazes de responder à heterogeneidade, particularmente no atendimento a estudantes com dificuldades de aprendizagem ou incapacidades (Formosinho & Niza, 2010).

Vários investigadores (Leite & Leal, 2017; Pacheco, 2019; Tardif, 2018) consideram que a formação de professores deve ser questionada, face aos papéis esperados do professor, defendendo a sua revisão e qualidade, de modo a contribuir para a sua adaptação às necessidades e exigências sociais contemporâneas, bem como à reconstrução da identidade docente, cada vez mais referenciada pela gestão curricular baseada na diversidade de alunos e contextos de educação, tendo em conta que a questão da desigualdade é um dos principais problemas atuais dos sistema educativos a nível mundial (UNESCO, 2020).

Corporizando o núcleo da ação curricular e pedagógica, a diversidade deve ser efetivamente valorizada (Morgado, 2018), no sentido de possibilitar a construção de uma escola mais inclusiva. Esta nova escola conjuga-se tanto com uma formação docente adequada, quanto com a reorganização indispensável da escola e da sala de aula (OECD, 2018b), na qual o acesso a um ensino de qualidade para todos os alunos deve estar garantido (Cantorani et al., 2020).

Procurando dar resposta à diversidade, a educação inclusiva representa uma estratégia para potenciar uma educação de qualidade para todos, cada vez mais entendida como parte da transformação social e educacional (Dreyer, 2017). Esta educação dá voz não só a crianças com deficiência (Oliveira & Leite, 2007), mas também a grupos minoritários e em risco de exclusão (Hehir et al., 2016).

Como setor estratégico (Lima & Dorziat, 2015), a educação tem sido considerada um mecanismo indispensável de promoção da equidade e da inclusão, de acordo com o 4.º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 (United Nations, 2015), embora tal desafio global só possa ser concretizado através da qualificação dos professores, mediante uma formação exigente e diversificada, em áreas que exigem uma compreensão do mundo social, por um lado, e do mundo pedagógico das escolas, por outro. Para isso, é fundamental estudar as perceções dos coordenadores de formação de professores de um nível de ensino, neste caso do 2.º CEB, onde as medidas de educação inclusivas são prioritárias.

3. Metodologia

A constatação da existência de uma relação próxima entre a formação docente, a construção de uma escola mais inclusiva e a gestão curricular da diversidade da sala de aula levou à definição da questão de investigação: de que modo coordenadores de cursos de formação inicial de professores do 2.º CEB percecionam a diferenciação curricular e pedagógica em função do trabalho com alunos que necessitam de um apoio pedagógico específico? Pareceu-nos adequado recuar a montante e recolher as perspetivas de coordenadores de cursos de formação de professores, já que estes delineiam o currículo dos cursos através dos quais são formados os professores do 2.º CEB. O estudo das perceções de coordenadores de formação inicial quanto à formação de professores, no sentido de dar resposta a todos os alunos, e nomeadamente aos que revelam dificuldades de aprendizagem ou incapacidades, revela-se, em consequência, oportuno e pertinente, uma vez que é nos cursos de formação inicial de professores que pode estar a base de uma gestão curricular inclusiva.

Inserido num projeto mais amplo de investigação (Inês, 2021), o estudo empírico realizado, de natureza qualitativa (Bogdan & Biklen, 1994; Flick, 2015), consistiu na realização de cinco entrevistas individuais semiestruturadas, com uma duração média de 15 minutos cada, aplicadas entre 21 de setembro e 24 de novembro de 2017, a coordenadores (n=5) de cinco instituições de ensino superior diferentes, que responderam favoravelmente ao nosso pedido de colaboração. Foram critérios de constituição do grupo de participantes a representação do território nacional (Norte, Centro, Sul e Regiões Autónomas), a inclusão de participantes de diversos cursos de formação inicial de professores e de tipologias de instituição superior. A resposta favorável ao pedido de colaboração permitiu chegar aos participantes auscultados. A manutenção do anonimato dos participantes justifica o facto de não se identificar a região em que se integra cada uma das instituições, nem se apresentarem dados de caracterização extensivos.

Uma vez transcritas as entrevistas, foi realizada a respetiva análise de conteúdo, entendida por Karl Henkel (2017) como uma “análise interpretativa de textos por meio de decomposição do discurso e reconstrução racional de uma ideia central com a aplicação de regras lógicas a respeito da origem dessas mensagens com a finalidade de criar categorias” (p. 787). Hermano Carmo e Manuela Ferreira (2008) consideraram que a realização deste procedimento exige a identificação de categorias que reúnam as características de exaustividade (todo o conteúdo que se classifica deve ser integralmente incluído), exclusividade (os elementos só devem pertencer a uma categoria), objetividade (as categorias devem ser claras, sem ambiguidades) e pertinência (uma estreita relação deve ser mantida com os objetivos e com o conteúdo que está a ser classificado).

A análise de conteúdo foi realizada, com efeito, a partir de uma primeira leitura exploratória das cinco entrevistas e depois mediante a identificação de categorias emergentes, em função das unidades de contexto.

Dos cinco respondentes, três pertencem ao género masculino e dois ao género feminino, representando cinco instituições de ensino superior público português (quatro universidades e um instituto politécnico). Assim, foram entrevistados:

  • - um coordenador de Licenciatura em Educação Básica (universidade) - CoordLEB;

  • - um coordenador de curso de Mestrado em Ensino de Educação Física nos Ensinos Básico

  • e Secundário (universidade) - CoordMEEF;

  • - uma coordenadora de curso de Mestrado em Ensino do 1.º CEB e de Português e História e Geografia de Portugal no 2.º CEB (instituto politécnico) - CoordM1º2ºPHGP;

  • - uma coordenadora de curso de Mestrado em Ensino do 1.º CEB e de Português e História e Geografia de Portugal no 2.º CEB (universidade) - Coord2M1º2ºPHGP;

  • - um coordenador de curso de Mestrado em Ensino do 1.º Ciclo e de Matemática e Ciências da Natureza no 2.º Ciclo do Ensino Básico (universidade) - CoordM1º2ºMCN.

Todas as entrevistas foram precedidas de consentimento informado, e o anonimato dos participantes foi assegurado pela expurgação, nas transcrições realizadas, de elementos que permitissem uma identificação secundária. Os princípios éticos de investigação em Ciências da Educação (American Educational Research Association, 2011; Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, 2014) foram, assim, tidos em conta em todas as fases do estudo realizado.

4. Perceções de Coordenadores de Cursos de Formação Inicial: Apresentação de Resultados

Da análise de conteúdo às entrevistas, resultaram duas categorias, que espelham características comuns sentidas nos seus elementos constituintes (Landry, 2003):

  • A - Experiências relativas à definição de planos de estudos de formação inicial;

  • B - Perceções dos coordenadores quanto à formação inicial de professores de 2.º CEB.

Foram identificadas, a partir das unidades de registo, subcategorias e indicadores (Quadro 1):

Os resultados apresentados sumariam, de forma ilustrativa, as perceções expressas em relação a cada uma das categorias e respetivas subcategorias, baseadas na transcrição direta das unidades de registo.

A. Experiências relativas à definição de planos de estudos de formação inicial

A1. Práticas conducentes à definição de cursos de formação inicial

A maioria dos cursos de formação inicial já incorporava, aquando da realização do estudo, UC ou CC no âmbito das dificuldades de aprendizagem ou incapacidades:

existe uma disciplina ou unidade curricular obrigatória no segundo ano que é sobre Necessidades Educativas Especiais. (CoordM1º2ºMCN)

Temos uma cadeira no primeiro ano do Mestrado que se chama ‘Inclusão em Educação Física e Desporto’, com 6 ECTS. (CoordMEEF)

A inclusão e a intervenção pedagógicas de alunos com NEE, com diferenciação de estratégias pedagógicas. (Coord2M1º2ºPHGP)

A criação e atualização dos planos de estudos eram recentes, em 2017. As revisões conduziram à definição ou à consolidação de UC ou de CC, e nunca à sua eliminação:

Está desde sempre. O curso é um curso recente. (…) mas desde a sua criação que a unidade curricular faz parte do plano de estudos. (CoordM1º2ºMCN)

Não, não. Isso está fora de questão [retirar a unidade curricular]. (CoordMEEF)

A continuidade da estrutura curricular, ou a necessidade da sua alteração ao nível dos planos curriculares, existente em planos de estudos anteriores foi conduzindo à definição de UC ou CC nestas áreas. Esta inserção resultava da iniciativa de docentes do curso ou do/a coordenador/a do mesmo. Contudo, a continuidade ou revisão recente de um plano de estudos anterior não garantia, obrigatoriamente, a inclusão de UC ou de CC na temática em apreço.

Fui eu. [quem teve a ideia de incluir uma UC no quadro das dificuldades de aprendizagem ou incapacidades]. (...) Porque sentimos essa necessidade, quer dizer, os miúdos chegam à escola e têm alunos com Necessidades Educativas… portanto, especiais… incluídos no currículo normal, e portanto eles [futuros professores] sentiam essa necessidade. (CoordMEEF)

essa unidade curricular das Necessidades Educativas Especiais já existia no plano de estudos do curso anterior e foi transferida para este. Eu penso que essa foi a razão para se manter. (CoordM1º2ºMCN)

A opção por incluir uma UC ou um CC no mestrado, em detrimento da licenciatura, foi justificada com a alteração da estrutura curricular imposta pela legislação que define o quadro jurídico da formação de professores:

quando tínhamos a licenciatura de cinco anos, tínhamos cadeiras… tínhamos esta cadeira. Quando passou para a licenciatura de três anos e para mestrado em ensino, deixámos de ter porque o Decreto-Lei obrigava a que fossem 30 ECTS de Ciências da Educação, x de intervenção em Desporto, etc., etc., e, portanto, não houve espaço para colocar esta cadeira, no nosso entendimento, e depois, quando se criou espaço, assim que a lei o permitiu, nós introduzimos. (CoordMEEF)

Foi também referida a complementaridade entre a Licenciatura em Educação Básica e os mestrados em ensino, que tendia a corrigir uma eventual ausência de UC ou de CC num ou noutro destes ciclos de estudos:

Eu acho que tem de haver uma grande articulação entre os dois ciclos de formação (...) no segundo ciclo, têm outras unidades curriculares, que vão para além das unidades curriculares ligadas à área da docência e têm, portanto, também unidades, neste caso, ligadas às Necessidades Educativas Especiais. (CoordLEB)

A periodicidade de revisão dos planos de estudos era variável, submetendo-se sobretudo às orientações da A3ES3:

A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) acreditou o ciclo de estudos em 2013, por um período de validade de seis anos. No próximo processo de acreditação, que decorrerá durante o ano de 2018, as UC e os respetivos programas poderão sofrer alterações, mas obedecendo sempre à estrutura curricular definida pelo anterior Decreto-Lei, atualmente em vigor. (CoordLEB)

Tem sido revisto à medida das autoavaliações que fazemos para a A3ES, portanto, num período de três em três anos ou de cinco em cinco anos. (CoordMEEF)

A2- Constrangimentos

Nesta resposta, dois dos coordenadores focaram aspetos que consideram relevantes para a melhoria da formação de professores em geral, não destacando apenas o contributo para a sua preparação no domínio da educação inclusiva. No entanto, ao impactar na qualidade global da preparação dos futuros professores, poderão também afetar essa dimensão. Concretamente, um dos coordenadores defendeu a passagem dos docentes pelos diversos níveis e graus de ensino na prática de ensino supervisionada, de modo a diversificarem as suas experiências com alunos com e sem dificuldades de aprendizagem:

a formação que está a ser dada neste tipo de mestrado é ao mesmo tempo para 2.º Ciclo, 3.º Ciclo e secundário e os alunos, quando fazem estágio pedagógico, normalmente fazem só num destes ciclos, (…) portanto, têm os conhecimentos teóricos, mas não têm os conhecimentos práticos de intervenção. Portanto, o que poderia ser melhorado a nível do estágio pedagógico é tentar-se que os alunos passassem pelos diferentes ciclos de estudo. (CoordMEEF)

Também foram sublinhados os condicionalismos legais e a falta de recursos humanos, como constrangimentos sentidos na definição do plano curricular:

As limitações impostas pelos normativos legais que determinam um conjunto de créditos máximo para cada área (…). Outro dos constrangimentos foram os recursos humanos disponíveis para assegurar as diferentes UC que se propunham. Precisamente a área da Educação Especial foi uma das áreas afetadas, com poucos docentes disponíveis, a que se juntava a não autorização superior para a contratação de novos docentes, devido a constrangimentos financeiros da instituição. (Coord2M1º2ºPHGP)

B- Perceções e opiniões dos coordenadores quanto à formação inicial de professores de 2.º CEB

B1- Perceção e opinião do entrevistado acerca da necessidade de revisão da formação

Quatro coordenadores entrevistados consideraram que a formação inicial devia ser revista e, consequentemente, melhorada:

poderão existir alguns aspetos que carecem ainda de melhoria. (CoordLEB)

Julgo que [a formação inicial] tem de ser completamente revista. (CoordMEEF)

Na minha opinião, eu acho que deve ser revista, sim. (CoordM1º2ºPHGP)

Considero que sim [a formação inicial deve ser revista]. (Coord2M1º2ºPHGP)

Porém, as perceções incidiram em pontos diferentes, em relação aos quais a revisão deveria ocorrer. De facto, até foram apontados constrangimentos não exclusivos do domínio da educação inclusiva que, apesar disso, consideramos pertinentes por potenciarem a reflexão em torno da questão da revisão da formação docente. Assim, o coordenador da Licenciatura em Educação Básica considerou que o reforço da estrutura curricular poderia incidir na área da docência e, posteriormente, no mestrado em ensino, nas áreas da didática e da prática de ensino supervisionada:

O plano de formação contempla determinadas áreas de formação, por exemplo, uma componente de formação ligada à área da docência, ligada depois à docência geral, ligada também depois às didáticas específicas, e ligada também à prática ou iniciação à prática pedagógica. Algumas dessas componentes, do meu ponto de vista, deveriam ainda ser mais reforçadas, ou seja, possuírem uma maior carga letiva. Estou-me a referir em concreto à área da docência, ou seja, às disciplinas mais vocacionadas para as áreas que eles, como futuros professores, irão lecionar, no Português, na Matemática, nas Ciências, nas Expressões (...). Eu acho que, nesta fase inicial, poderia ser ter uma maior preocupação com a formação destes alunos em termos das áreas da Docência e, num 2.º Ciclo, nomeadamente nos mestrados, aí uma maior insistência na área da Didática Específica e da Educação em Geral e da Prática Profissional. (CoordLEB)

Também o coordenador do Mestrado em Ensino de Educação Física destacou a dimensão didático-pedagógica, sublinhando a passagem dos estudantes pelos diversos ciclos de ensino:

Está demasiado… a formação está demasiado centrada em aspetos técnicos e pouco relacionais. A parte didática e a parte pedagógica não são uma parte nobre da formação; pelo menos é a minha perspetiva. (CoordMEEF)

Já o coordenador do Mestrado em Ensino do 1.º Ciclo e Matemática e Ciências da Natureza do 2.º Ciclo considerou que a existência de uma componente de preparação para a investigação seria benéfica:

Aquilo que eu acho é que este curso tem uma lacuna que é o facto de os alunos não terem uma componente de… uma unidade curricular de investigação, porque eles têm de fazer relatórios de estágio e aí eles sentem muita dificuldade, depois, ao nível da investigação, ao nível dos procedimentos, ao nível quer da recolha, quer da análise de dados, e isso é uma lacuna que o curso tem. (CoordM1º2ºMCN)

Por outro lado, a coordenadora do Mestrado em Ensino do 1.º Ciclo e de Português e História e Geografia de Portugal do 2.º Ciclo não considerou que a formação inicial teórica fosse suficiente, ainda que tivesse existido, no plano curricular, uma UC no âmbito das dificuldades de aprendizagem ou incapacidades.

Olhe, teoricamente será isso [os futuros professores estarão preparados para gerir o trabalho dos alunos com dificuldades de aprendizagem ou incapacidades]. Teoricamente será isso. Bom, vamos lá ver, uma pessoa quando acaba um curso tem um mínimo para começar a trabalhar, portanto, o preparado para... Agora, eu digo-lhe teoricamente é isso porque eu também, como estou ligada à unidade curricular da prática supervisionada, conforme lhe disse há pouco, depois eu vejo em sala de aula como é que eles atuam. E aquilo que verifico é que eles não têm sustentabilidade para atuar com esses alunos. (CoordM1º2ºPHGP)

Também esta coordenadora de curso entendeu o trabalho realizado com os alunos com dificuldades de aprendizagem ou incapacidades pouco personalizado e diversificado, revestindo mais uma função ocupacional do que pedagógica;

o trabalho que vejo que se faz com esses alunos, mesmo quando é o professor a trabalhar com eles, é de fichas… Portanto, fazem-se umas fichas e dá-me ideia, um pouco, que o que é importante é que eles estejam ocupados. (CoordM1º2ºPHGP)

Ainda a mesma coordenadora questionou o conceito de inclusão e os seus impactos no aluno com dificuldades de aprendizagem ou incapacidades, assim como nos demais colegas de turma.

Às vezes, a desestabilização era de tal forma que nós, nas outras salas de aula, nós ouvíamos o que se passava. E, então, a questão é: o que é que o professor faz com o resto da turma, ou seja, que inclusão é que há aqui? E, nesse aspeto, eu penso que… E quando eu vou, agora, aos locais de estágio, também verifico exatamente a mesma coisa… desde alunos que andam… Olhe, eu já vi uma situação de um aluno que está dentro da sala de aula, mas está à parte. Está no fundo da sala e está no fundo da sala, mas aquele aluno, a meu ver, nem devia estar ali pelo seguinte: porque eu penso que as fragilidades dele, ou as necessidades, melhor dizendo, são de tal forma grandes e específicas que só tendo permanentemente uma pessoa dentro da sala de aula é que eu acho que realmente se poderia… poderia - porque não sei, porque não vi e não se testou - fazer algo desse género. (CoordM1º2ºPHGP)

Por outro lado, a mesma coordenadora apontou a revisão em termos de política educativa como claramente necessária, bem como a coadjuvação/colaboração entre docentes.

Portanto, em termos de política educativa, passando agora para outro patamar, eu sinceramente penso que deveria haver alterações no sentido de “Ok, então, Portugal é um país que defende a escola inclusiva, então vamos ver quem é que nós vamos incluir nas turmas ditas normais, regulares”. E depois disso ver que necessidades é que esses alunos precisam, e é evidente que o professor que está em sala de aula tem de ter um apoio; e aquilo que, muitas vezes, acontece é que há um professor de apoio, do ensino especial, que vai fazer umas horas por dia a diferentes salas daquela escola. isto é o que eu observo. (CoordM1º2ºPHGP)

Uma das inquiridas indicou ainda estratégias de remediação para colmatar a necessidade de abordar conteúdos curriculares no domínio da educação inclusiva:

Muitas vezes tenta-se ultrapassar o problema sugerindo leituras ou organizando, no âmbito das UC de “Seminário Interdisciplinar no 1.º Ciclo” e “Seminário Interdisciplinar no 2.º Ciclo”, que permitem maior liberdade na abordagem e inclusão de conteúdos que surjam das necessidades imediatas dos alunos/estagiários, uma aula ou mais com um professor convidado da área da Educação Especial, muitas vezes professor com experiência nestes dois ciclos de ensino, para que se discuta e reflita sobre a temática da intervenção educativa em alunos com NEE, nomeadamente daqueles existentes nas turmas de estágio. (Coord2M1º2ºPHGP)

B2- Necessidades sentidas pelos estudantes no âmbito da temática da educação inclusiva

Dois coordenadores entrevistados defendem que, na formação dos futuros professores, a abordagem de conteúdos curriculares ligados às dificuldades de aprendizagem ou incapacidades é fundamental, sendo claramente sentida, pelos estudantes, como uma necessidade formativa.

Tem relevo [a inserção de conteúdos curriculares]. E os alunos reconhecem esse relevo e isso é… e isto é constatado não só no terreno, quando estamos em situação de estágio, mas quando eles fazem o relatório de final de estágio, que tem uma discussão pública; portanto, em termos de mestrado, eles relevam esse aspeto. Eles relevam o contributo de cada uma das disciplinas, e claro está que isto é mais relevado por aqueles que têm alunos com Necessidades Educativas Especiais, mas também aqueles que não têm reconhecem que os conteúdos que são aqui lecionados ajudam a personalizar o processo pedagógico, ou seja, que todos os alunos são diferentes e estes… que têm Necessidades Educativas Especiais são um pouquinho mais diferentes do que os outros e então os conteúdos que são abordados na cadeira ajudam também ao nível dos alunos ditos normais. (CoordMEEF)

5. Discussão dos Resultados

De acordo com os resultados das entrevistas a coordenadores de cursos de formação de professores do 2.º CEB, os planos de estudos dos cursos analisados já incorporavam, no momento da realização deste estudo, UC ou CC relacionadas com a temática das dificuldades de aprendizagem ou incapacidades, no cumprimento, aliás, de recomendações internacionais (OECD, 2019a; UNESCO, 2020), o que foi corroborado pela análise de planos de estudo de 20 LEB e 60 mestrados em ensino (Inês, 2021). Aquando da realização do estudo, em 2017, a mudança introduzida pelo Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio, já estava materializada nos planos curriculares dos cursos de formação, no seguimento de alterações mais profundas introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 43/2007, de 22 de fevereiro, no âmbito do Processo de Bolonha. As dinâmicas de alteração da formação inicial de professores, em Portugal, estão alinhadas com processos de regulação transnacional e supranacional (Mota & Ferreira, 2017), bem como com agendas de inclusão (United Nations, 2015), de diferenciação pedagógica (UNESCO, 2020) e de políticas de inovação e flexibilização curriculares (Pacheco & Sousa, 2018). As perceções dos coordenadores estão, assim, em sintonia com a consolidação de temáticas ligadas à gestão curricular baseada na diversidade, na medida em que revelam que são favoráveis à consolidação de tais temáticas e jamais à sua eliminação dos planos curriculares.

Uma outra questão que revelam os dados das entrevistas é que a abrangência da formação inicial se faz aos níveis da licenciatura e do mestrado e que as alterações introduzidas, por iniciativa de docentes ou do/a coordenador/a do curso, espelham uma forma centralizada de regulação quer das componentes de formação, quer dos créditos necessários. Constando o tema em discussão neste artigo - dificuldades de aprendizagem e incapacidades - da formação na área educacional geral4, e conhecendo-se o seu diminuto peso curricular5 na formação do futuro professor, alguns dos coordenadores apontam, sobretudo em cursos de mestrado de ensino, para a mudança prioritária focada no reforço da didática e da prática de ensino supervisionada, onde a gestão curricular baseada na diversidade se coloca também com elevada acuidade (Roldão, 2003).

Sobre as alterações introduzidas ou recomendadas, nomeadamente nas LEB e nos mestrados em ensino de Educação Física ou ensino do 1.º CEB e em Português e História e Geografia de Portugal no 2.º CEB, os entrevistados deste estudo apontam justificações para validar a inserção de UC ou de CC nos planos curriculares dos cursos, ou seja, o contacto prévio com as diversidades existentes nas salas de aula contemporâneas, a necessidade de personalizar o ensino, a articulação e a complementaridade necessárias entre a Licenciatura em Educação Básica e os mestrados em ensino.

Apesar do reconhecimento da autonomia curricular das instituições de ensino superior, as perceções dos coordenadores do estudo realizado estão condizentes com uma perspetiva uniforme e centralizada de formação de professores (Pacheco, 2013), em que prevalece uma autonomia limitada na definição das componentes de formação e na sua adequação curricular ao perfil de professor em formação. A regulação normativa existe não só por parte do Ministério da Educação, mas também por intermédio da avaliação para efeitos de acreditação dos cursos que é realizada pela A3ES, com efeitos na organização curricular dos cursos de licenciatura e de mestrado em ensino. Face à pertinência de temáticas ligadas à inclusão, exclusão, igualdade, diversidade, diferenciação (OECD, 2019a, 2019b; UNESCO, 2018, 2020; United Nations, 2015), nos planos curriculares da formação inicial de professores, e face aos resultados deste estudo, é possível questionar, como faz Leite (2013), que existe um deficit de formação curricular tanto na contextualização do currículo, quanto na abordagem de uma gestão curricular baseada na diversidade que seja suficientemente abrangente nas respostas que os professores necessitam de dar em contexto escolar. Tal alteração pode ser considerada, em função das perceções dos coordenadores, pela passagem dos docentes pelos diversos níveis e graus de ensino, de modo a obterem uma formação eclética, e pelo aumento de recursos humanos.

Tais resultados estão, por sua vez, alinhados com as orientações tecidas nos diplomas alusivos à educação inclusiva (Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho), bem como à gestão flexível do currículo (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho), que definem políticas educativas e curriculares no contexto de recomendações de organismos transnacionais, sobretudo da OECD (Pacheco, 2019). Desse modo, de acordo com as conceções dos coordenadores entrevistados neste estudo, os futuros professores consideram como essencial a abordagem de conteúdos curriculares ligados às dificuldades de aprendizagem ou incapacidades, sendo claramente sentida como uma necessidade formativa premente, tal como é referido a nível nacional e internacional (OECD, 2019a; Rodrigues & Mogarro, 2019).

A dimensão investigativa e de colaboração entre professores foi sublinhada pelos coordenadores, aproximando-se as suas perceções das recomendações de vários investigadores (Alarcão, 2013; Pacheco, 2019; Seabra, 2017). Por outro lado, a formação inicial teórica não foi considerada suficiente ou eficaz, ainda que não por todos os coordenadores, argumentando-se que, na organização curricular de alguns cursos, não existe uma abordagem essencial da problemática ligada às dificuldades de aprendizagem ou incapacidades. Tal realidade, e porque a formação docente constitui uma estratégia de promoção da inclusão e da equidade (Seabra, 2017), faz com que não possa ser ignorada a necessidade de formação no quadro da gestão curricular baseada na diversidade, reconhecendo-se que a mesma representa, atualmente, uma tendência crescente nos sistemas educativos (OECD, 2019b; Pacheco, 2019.).

A formação docente deve, portanto, ser repensada e melhorada na ótica da inclusão, reforçando a relação entre teoria e prática, incorporando tecnologias educativas e estimulando a diversidade de métodos pedagógicos (Conseil National d’Évaluation du Système Scolaire [CNESCO], 2016), para além de incluir novos modos de ensinar, de aprender e de organização da escola (Comissão Europeia, 2018).

As perceções dos inquiridos realçam a articulação profunda entre formação docente e gestão curricular baseada na diversidade, entendidas como pilares que, cuidadosamente, deveriam ser acautelados na formação docente de professores, mais ainda quando a desigualdade é um dos desafios mais difíceis que os sistemas educativos enfrentam em tempos de crise pandémica, em que a utilização das tecnologias digitais acentua ainda mais essas diferenças (Pacheco, 2020; Sahlberg, 2021).

6. Em Conclusão

O estudo sobre as perceções de coordenadores de cursos de formação inicial de professores do 2.º Ciclo do Ensino Básico revela que, ao nível da organização curricular, há uma clara evidência de orientações, quer das UC quer dos CC, relativamente a uma gestão curricular baseada na diversidade, incluindo temas bastante variados dos quais sobressaem a inclusão, a equidade e a igualdade, conforme é proclamado pelas Nações Unidas em termos de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (United Nations, 2015). Todavia, os participantes deste estudo referem também que tal problemática está não apenas na organização curricular dos cursos, mas também ao nível das práticas curriculares e pedagógicas. Por isso, os mesmos sustentam que a formação inicial deve ser revista e melhorada, de modo a serem ultrapassadas as lacunas que consideram existir, sobretudo no reforço da gestão curricular baseada na diversidade ao nível da organização curricular dos cursos e também ao nível da docência. Quer dizer, assim, e no quadro das orientações que definem, em Portugal, as atuais políticas educativas e curriculares, tanto para a melhoria da educação inclusiva (Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho), quanto para a autonomia e flexibilização curriculares (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho), que é necessário repensar normativa e pedagogicamente a formação inicial de professores, apostando-se, por um lado, na inserção ou consolidação, em todos os planos de estudos, de unidades ou conteúdos curriculares no quadro das dificuldades de aprendizagem ou incapacidades e, por outro, na imersão precoce dos futuros professores em salas de aula com alunos com dificuldades de aprendizagem ou incapacidades. A diversidade das salas de aula deve, pois, representar o ponto de partida dessa alteração, devendo significar a existência de uma questão a enfrentar, e não a eliminar ou a ignorar.

Agradecimento

A investigação realizada no âmbito do doutoramento referido (Inês, 2021) foi financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) (referência: SFRH/BD/136655/2018).

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1 Tradução dos autores do artigo (original em espanhol).

2Alunos entre 10 e 12 anos, sensivelmente.

3A Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), instituída pelo Estado através do Decreto-Lei n.º 369/2007, de 5 de novembro, é independente no exercício das suas competências, com a incubência de acreditar os cursos de formação em todos os ciclos (graduação e pós-graduação). Visa “proporcionar a melhoria da qualidade do desempenho das instituições de ensino superior e dos seus ciclos de estudos e garantir o cumprimento dos requisitos básicos do seu reconhecimento oficial” (https://www.a3es.pt/pt/o-que-e-a3es/objetivos).

4Ponto 2, art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio: “A formação na área educacional geral integra, em particular, as áreas da psicologia do desenvolvimento, dos processos cognitivos, designadamente os envolvidos na aprendizagem da leitura e da matemática elementar, do currículo e da avaliação, da escola como organização educativa, das necessidades educativas especiais, e da organização e gestão da sala de aula”.

5Este peso curricular na Licenciatura em Educação Básica é de 8,8% em termos de créditos mínimos, de acordo com o ponto 1, art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de maio.

Recebido: 28 de Dezembro de 2020; Aceito: 20 de Outubro de 2021

Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Helena Inês Av. Principal, nº63, 2665-305 Casais da Serra, Milharado helenaines@sapo.pt

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