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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.22 no.1 Lisboa mar. 2014

 

CASO CLÍNICO

 

Hipersensibilidade selectiva a cefazolina – Revisão de casos

Selective hypersensitivity to cefazolin – Case séries

 

José Pedro Almeida, Joana Soares, Anabela Lopes, Manuel Pereira Barbosa

Serviço de Imunoalergologia, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte

 

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RESUMO

Introdução: A hipersensibilidade selectiva à cefazolina parece ser a forma de apresentação mais frequente e, pela sua administração parentérica, as reacções são habitualmente imediatas e graves. Os autores apresentam um estudo retrospectivo dos casos de hipersensibilidade selectiva à cefazolina nos últimos 2 anos. Caso 1: Mulher de 49 anos com história de aparecimento de urticária generalizada 3 horas após procedimento cirúrgico para colocação de banda gástrica em 2008. Recolocação de banda em 2009 sem reacção. Em 2012, cerca de 15 minutos após indução anestésica para efectuar sleeve g ástrico teve quadro de anafilaxia com necessidade de ventilação mecânica. Os fármacos comuns nas duas cirurgias com reacção foram rocurónio, propofol e cefazolina. Caso 2: Grávida de 36 anos submetida a bloqueio epidural com ropivacaína e sufentanil para cesariana. Após administração de cefazolina, ocitocina e efedrina, iniciou quadro de eritema facial, com angioedema da face e lábios, e hipotensão. Caso 3: Mulher de 66 anos, com antecedentes de gonartrose bilateral com indicação cirúrgica (prótese). Após epidural com bupivacaína e profilaxia antibiótica com cefazolina endovenosa, teve choque anafiláctico com necessidade de ventilação invasiva. Conclusão: A investigação imunoalergológica dos três casos foi negativa para todos os fármacos envolvidos, excepto a cefazolina. O teste intradérmico foi positivo imediato para a cefazolina e negativo para outras cefalosporinas. Este padrão de reactividade clínica está provavelmente associado à cadeia lateral em R1, que na cefazolina é diferente de todas as outras cefalosporinas.

Palavras-chave: Beta-lactamicos, cadeia R1, cefazolina, hipersensibilidade selectiva.

 

ABSTRACT

Background: In the particular case of cefazolin, the selective hypersensitivity seems to be the preferential presentation and, for its parenteral use, reactions are often immediate and severe. The authors present a retrospective study of all cases of cefazolin hypersensitivity in the last 2 years. Case 1: 49 year-old woman with a past history of a generalized urticaria 3 hours following gastric banding surgery in 2008. Revisional band surgery was performed in 2009 with no adverse reaction. In 2012, anaphylaxis needing mechanical ventilation support was documented 15 minutes after anesthesia induction for gastric sleeve surgery. Common drugs used were rocuronium, propophol and cefazolin. Case 2: 36 year- old pregnant woman, who was submitted to epidural block with ropivacain and sufentanil; immediately after administration of cefazolin, oxytocin and ephedrine, a clinical picture of facial erythema, lips angioedema and hypotension was reported. Case 3: 66 year-old woman diagnosed with bilateral gonarthrosis with indication for surgical treatment; after epidural block with bupivacain and antibiotic prophylaxis with cefazolin, she suffered an anaphylactic shock with mechanical ventilation support need. Conclusion: The allergological investigation in three cases showed all the tests for culprit drugs were negative except for the intradermal test for cefalozin which was positive (immediate). Challenge tests performed were negative for the other culprit drugs. This selective hypersensitivity clinical reactivity pattern may be associated with the R1 side chain, which is known to be different in cefazolin when compared to other cephalosporins.

Keywords: Betalactam antibiotics, cefazolin, R1 side chain, selective hypersensitivity.

 

INTRODUÇÃO

A prevalência de hipersensibilidade a cefalosporinas tem vindo a aumentar devido ao número crescente de prescrições desta classe de antibióticos para quadros infecciosos rotineiros1,2.

Os doentes podem desenvolver anticorpos IgE contra determinantes antigénicos específicos das cefalosporinas ou determinantes partilhados com outros beta-lactamicos.

A estrutura central das penicilinas e cefalosporinas é formada pelo anel beta-lactamico, sendo que a sensibilização pode ocorrer a produtos resultantes do metabolismo deste anel, ou a uma das duas cadeias laterais antigénicas (R1 e R2) que são diferentes nas cefalosporinas. Em relação às cefalosporinas em particular, a sensibilização mais comum parece ser da cadeia lateral R1, sendo as restantes menos frequentes.

No entanto, a estrutura química dos determinantes antigénicos das cefalosporinas não está completamente esclarecida. A cadeia lateral R1 parece desempenhar o papel mais importante, o que explica a reactividade cruzada mais frequente entre cefalosporinas de primeira geração e penicilina, uma vez que algumas cefalosporinas de primeira geração apresentam cadeias R1 semelhantes às da penicilina. No caso particular da cefalozina, esta semelhança química não se constata, pelo que a reactividade cruzada é mais rara.

Está documentado nos estudos de grandes séries que até cerca de 40% dos doentes com hipersensibilidade a uma cefalosporina vão reagir a outra cefalosporina. De acordo com a literatura, sabe -se também que a maioria dos doentes com reacções imediatas às cefalosporinas é alérgica apenas a cefalosporinas e não a penicilinas3,4.

Aproximadamente 40% das reacções de anafilaxia perioperatória relacionadas com fármacos são atribuídas à antibioterapia com cefalosporinas, sendo igualmente responsáveis por 30% das reacções graves a beta-lactamicos5. Vários protocolos cirúrgicos incluem como profilaxia antibiótica uma cefalosporina de primeira geração, a cefazolina e, nesse sentido, torna-se importante diagnosticar e notificar possíveis hipersensibilidades e explorar eventuais reactividades cruzadas.

No caso da cefazolina a hipersensibilidade selectiva parece ser a forma de apresentação mais frequente e, pela sua administração parentérica, as reacções são habitualmente imediatas e graves6-9.

Os autores apresentam um estudo retrospectivo dos casos de hipersensibilidade à cefazolina diagnosticados no serviço nos últimos 2 anos.

Caso 1: Mulher de 49 anos, com antecedentes de obesidade mórbida e vários internamentos por cirurgia neste contexto. Trata-se de uma mulher que, em 2008, após colocação de banda gástrica, cerca de 3 horas após o procedimento desenvolveu um quadro de urticária generalizada. Em 2009, foi submetida a recolocação de banda, não estando descrita qualquer intercorrência neste procedimento. Em 2012, cerca de 15 minutos após indução anestésica para ser submetida a sleeve gástrico, desenvolveu um quadro de anafilaxia grau IV com necessidade de terapêutica endovenosa com soros, adrenalina, hidrocortisona e também ventilação mecânica em unidade de cuidados intensivos durante 8 dias. Os fármacos comuns nas duas cirurgias com reacção alérgica foram: rocurónio, propofol e cefazolina. Da investigação, os testes cutâneos em picada e intradérmicos foram negativos para todos os fármacos administrados, excepto o intradérmico, que foi positivo imediato para a cefazolina na concentração 0,1 mg/mL. Os restantes testes a beta-lactamicos foram negativos. Foram efectuadas provas de provocação com penicilina, amoxicilina, cefuroxima e ceftriaxona, que foram negativas.

Caso 2: Mulher de 36 anos, grávida de 38 semanas, foi submetida a bloqueio epidural com ropivacaína e sufentanil para cesariana. Após administração quase simultânea de cefazolina, ocitocina e efedrina, iniciou quadro de eritema facial, com angioedema da face e lábios, e hipotensão marcada. Efectuou medicação endovenosa com soros, hidrocortisona e clemastina. Da investigação alergológica, os testes cutâneos em picada e intradérmicos foram negativos para todos os fármacos usados durante a reacção, excepto o intradérmico, que foi positivo imediato para a cefazolina na concentração 10 mg/mL. Os restantes testes foram negativos. Foram efectuadas provas de provocação com amoxicilina, penicilina, cefuroxima e ceftriaxona, que foram negativas. Posteriormente já tolerou múltiplos tratamentos com cefuroxime.

Caso 3: Mulher de 66 anos, com antecedentes de gonartrose bilateral com indicação cirúrgica para colocação de prótese. Após bloqueio epidural com bupivacaína e profilaxia antibiótica com cefazolina endovenosa, constatou-se choque anafiláctico com necessidade de suporte hemodinâmico com aminas vasoactivas e ventilação invasiva. A investigação foi positiva para a cefazolina no teste intradérmico imediato na concentração de 1 mg/mL. Os restantes testes foram negativos para os outros beta-lactamicos. A doente foi submetida a provas de provocação com bupivacaína e outros beta-lactâmicos (amoxicilina, penicilina, cefuroxima e ceftriaxona), que tolerou sem reacção.

DISCUSSÃO

A investigação alergológica efectuada nestes três casos de alergia à cefazolina revelou uma alergia selectiva para esta cefalosporina, com tolerância aos outros antibióticos beta-lactamicos.

Este padrão de reactividade clínica está provavelmente associado à cadeia lateral em R1, que na cefazolina é diferente de todas as outras cefalosporinas.

Um estudo de Bousquet et al.10 pretendeu avaliar doentes com suspeita de hipersensibilidade à cefazolina no período perioperatório, tendo sido estes selecionados a partir de uma base de dados de hipersensibilidade a fármacos (Drug Allergy and Hypersensitivity Database, DAHD). Neste trabalho, de 4200 notificações, a cefazolina foi o fármaco suspeito em 25 dos casos. Em 10 doentes houve confirmação de alergia e as relações foram classificadas como graves e imediatas: choque anafiláctico em 6 doentes, anafilaxia em 2 e urticária com angioedema nos 2 restantes. Apenas um doente com hipersensibilidade à cefazolina teve testes cutâneos positivos para outros beta-lactamicos.

Nesta série a prevalência de alergia encontrada foi aproximadamente 0,2%, ligeiramente inferior à encontrada em outros estudos7,11. As reacções são geralmente descritas como imediatas e graves, o que se deve à sua administração em bólus, e os testes cutâneos parecem ter valor preditivo elevado, embora possam existir falsos negativos. O estudo canadiano de Weber11 documenta, todavia, que a hipersensibilidade selectiva à cefazolina é muito rara, uma vez que a maioria dos doentes estudados apresentava hipersensibilidade a outros beta-lactamicos.

Pode concluir-se que a hipersensibilidade a este beta-lactamico é rara. Apesar de os determinantes hapténicos das cefalosporinas não serem bem conhecidos, presume-se que a cadeia lateral R1 seja a principal e esteja na base da reactividade cruzada. Na cefazolina, esta cadeia consiste num heterociclo ligado a uma função amida através de um grupo metileno (CH2). Apesar de os casos notificados serem escassos e insuficientes para extrair conclusões ou predizer a existência de reactividade cruzada, é possível definir três perfis de sensibilização distintos por ordem decrescente de prevalência:

– doentes com alergia selectiva à cefazolina;

– doentes com alergia a outras cefalosporinas mas que toleram amoxicilina;

– doentes que reagem a vários beta-lactamicos, em provável relação com o anel beta-lactamico.

No entanto, nem todos os estudos são concordantes, provavelmente porque o padrão de sensibilização varia de acordo com a população estudada e com a altura em que os dados são recolhidos. É importante o alerta para possíveis casos não notificados e, igualmente, a necessidade do estudo completo dos beta-lactamicos, tendo em conta o predomínio relativo da hiperensibilidade selectiva, uma vez que a maioria dos doentes poderá tolerar outros beta-lactamicos.

 

REFERÊNCIAS

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3. Apter AJ, Kinman JL, Bilker WB, Herlim M, Margolis DJ, Lautenbach E, Hennessy S, Strom BL: Is there cross-reactivity between penicillins and cephalosporins? Am J Med 2006; 119: 354 e11 -9.         [ Links ]

4. Romano A, Gaeta F, Valluzzi RL, Caruso C, Rumi G, Bousquet PJ: IgE-mediated hypersensitivity to cephalosporins: cross-reactivity and tolerability of penicillins, monobactams, and carbapenems. J Allergy Clin Immunol; 126: 994-9.         [ Links ]

5. Renaudin JM, Beaudouin E, Ponvert C, Demoly P, Moneret-Vautrin DA: Severe drug-induced anaphylaxis: analysis of 333 cases recorded by the Allergy Vigilance Network from 2002 to 2010. Allergy; 68: 929-37.         [ Links ]

6. Pichichero ME: Use of selected cephalosporins in penicillin-allergic patients: a paradigm shift. Diagn Microbiol Infect Dis 2007; 57:13S-8S.         [ Links ]

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10. Pipet A, Veyrac G, Wessel F, Jolliet P, Magnan A, Demoly P, Bousquet PJ: A statement on cefazolin immediate hypersensitivity: data from a large database, and focus on the cross-reactivities. Clin Exp Allergy; 41: 1602-8.         [ Links ]

11. Weber EA: Cefazolin specific side chain hypersensitivity. J AllergyClin Immunol 1996; 98: 849-50.         [ Links ]

 

Contacto

José Pedro Almeida

Serviço de Imunoalergologia do Hospital de Santa Maria

Centro Hospitalar Lisboa Norte

Avenida Professor Egas Moniz

1649-035 Lisboa

E-mail: jpedro.gla@gmail.com

 

Financiamento: Nenhum.

Declaração de conflitos de interesse: Nenhum.

 

Data de recepção / Received in: 21/01/2014

Data de aceitação / Accepted for publication in: 02/02/2014

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