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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.24 no.2 Lisboa jun. 2016

 

ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO

 

Hipersensibilidade a fármacos – A contribuição do laboratório: Há novidades?

Drug hypersensitivity – In vitro diagnosis: An update

 

Maria Conceição Pereira dos Santos

Unidade de Imunologia de Clínica, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

 

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RESUMO

Nos últimos anos tem‑se assistido a um aumento significativo das reações de hipersensibilidade (RH) a fármacos, constituindo atualmente um problema de saúde pública. Estas reações podem assentar quer em mecanismos imunológicos (reação alérgica), quer não imunológicos. Em ambos os tipos de reação torna‑se difícil um diagnóstico conclusivo, podendo ser de grande utilidade os testes in vitro, na tentativa de evitar a prova de provocação (gold standard do diagnóstico), demorada e potencialmente perigosa. Neste contexto são apresentados testes celulares que podem ter um papel relevante no diagnóstico ao identificar o fármaco responsável pela reação.

Palavraschave: Alergia, hipersensibilidade a fármacos, testes celulares.

 

ABSTRACT

Adverse drug reactions (ADR) represent a frequent problem in medical routine. Drug hypersensitivity relies on different pathomecanisms: immune‑mediated (drug allergy) and nonimmune‑mediated.

In both types of reaction in vitro tests are of great interest, due to possible reduction of drug provocation tests that are timing consuming and potentially hazardous. Here we focus in the cellular in vitro tests that can play an important role in the identification of the causative drug.

Keywords: Allergy, cellular tests, drug hypersensitivity.

 

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos tem‑se assistido a um aumento significativo das reações de hipersensibilidade (RH) a fármacos, com manifestações clínicas muito diversificadas, podendo atingir qualquer órgão, constituindo atualmente um problema de saúde pública.

Embora a maioria possa ser explicada por efeito de toxicidade do fármaco, dosedependente, existe um grupo, cerca de 25 %, que apresenta efeitos secundários imprevisíveis, que podem assentar quer em mecanismos imunológicos (reação alérgica), quer não imunológicos1,2.

O diagnóstico das reações imediatas é baseado numa história clinica detalhada, testes cutâneos e/ou quantificação de anticorpos IgE específicos (sIgE), comercialmente disponíveis para um número muito limitado de fármacos.

Na maioria dos casos estes testes são insuficientes e pouco sensíveis para um diagnóstico correto, tendo em conta que diferentes fármacos podem originar tipos de reação diversos e a administração simultânea de vários fármacos pode constituir um problema adicional. Além disso, novos fármacos como os agentes biológicos, cada vez mais utilizados na prática clínica, parece estarem associados a outros mecanismos fisiopatológicos responsáveis por outros padrões de reação1,3,4.

O gold standard do diagnóstico é a prova de provocação que nem sempre é possível de realizar, por razões éticas ou práticas, por ser demorada e potencialmente perigosa.

Neste contexto existem diferentes testes celulares in vitro, que se baseiam em estudos funcionais com células do sangue periférico, como basófilos e linfócitos T e que podem ter um papel relevante no diagnóstico ao identificar o fármaco responsável pela reação.

BASÓFILOS

Os basófilos são uma pequena população de glóbulos brancos do sangue periférico (0,5 % a 15 %) que expressam na membrana celular recetores de alta afinidade para a IgE. A ligação do alergénio às IgE e consequente cross‑linking dos seus recetores leva a uma ativação celular seguida de uma rápida desgranulação com libertação de mediadores sintetizados de novo. Esta pode ocorrer por duas vias, designadas piecemeal e anafilática, sendo que na primeira os basófilos secretam o conteúdo dos grânulos mas sem exocitose57.

O teste para avaliar esta ativação é designado por teste de ativação de basófilos (TAB). Não existe uma técnica standard para avaliar estes mecanismos e os avanços para melhorar o seu desempenho prendem‑se com identificação de novos marcadores específicos de basófilos e a sua associação com a expressão de diferentes marcadores de ativação.

No que diz respeito à identificação desta população, a estratégia mais comum baseia‑se na expressão de IgE à sua superfície. No entanto, os níveis de IgE variam consideravelmente de individuo para individuo, sendo ainda demonstrado que mais de 50 % dos leucócitos que expressam IgE à sua superfície são monócitos4. Foram então propostos outros marcadores: CCR3‑CD193 (basófilos, mastócitos, linfócitos TH2), CRTH2‑CD294 (basófilos, eosinófilos, linfócitos TH2), CD203c (basófilos), CD123/HLA‑DR (basófilos, células dendríticas plasmacitoides).

De todos eles, o CCR3 e o CD203c foram considerados os mais adequados, tendo em conta a grande variabilidade de expressão dos outros marcadores49.

Em relação aos marcadores de ativação, a maioria dos TAB utilizam o CD63 e/ou CD203c. Estudos recentes avaliaram a diferente expressão destes dois marcadores com diferentes fármacos, apresentando grande variabilidade na sensibilidade5,8,10.

O TAB tem sido cada vez mais utilizado de modo eficaz no diagnóstico de RH a fármacos: alergia a NMBAs, antibióticos, beta-lactâmicos e quinolonas, ácido acetilsalicílico e outros AINEs e meios de contraste. De um modo geral, este teste apresenta elevada especificidade, superior a 80 %, e sensibilidade a variar entre 30‑70%2,4,5,8,1113.

Métodos alternativos de avaliação da ativação de basófilos podem implicar a quantificação de marcadores de ativação intracelulares, p38 e STAT5 e MAPK e inibidores de recetores de superfície, como o CD300a14.

Do mesmo modo, estas células ativadas libertam mediadores, quer pre‑formados histamina, triptase, quer neoformados, leucotrienos, prostaglandinas e citocinas.

Tradicionalmente a histamina era quantificada através da utilização de técnicas fluorométricas que mediam o conteúdo extracelular após desgranulação. Recentemente surgiu um método denominado HistaFlow, que permite identificar e quantificar a histamina intracelular e a libertada, por basófilos ativados, utilizando uma metodologia que associa afinidade enzimática e citometria de fluxo.

Esta técnica permite a associação de análise multiparamétrica e quantificação simultânea de vários marcadores de ativação. Vários estudos sugerem que a libertação de histamina pode ser o somatório dos dois tipos de desgranulação, referindo uma relação entre upregulation de CD203c e pequena libertação de histamina pelas células ativadaspiecemeal desgranulação, enquanto o aumento da expressão de CD63 (marcador indirecto de libertação de histamina) reflete grande quantidade de libertação de histamina‑desgranulacao anafilática1517.

Como alternativa ao TAB, CASTELISA é um método imunoenzimático para avaliação do leucotrieno C4 (LTC4), após estimulação. Vários estudos demonstraram que a sua sensibilidade é muito baixa para a maioria dos fármacos, mesmo em associação com a história clinica e testes cutâneos, não se verificando claras vantagens quando comparado com o TAB2,3.

LINFÓCITOS T

O envolvimento das células T nas RH retardada a fármacos é bem conhecido como tendo um papel principal na resposta adaptativa específica para o antigénio. Quando são estimuladas pelas células apresentadoras de antigénio diferenciam‑se em subpopulações T de memória, de acordo com este e com as diferentes citocinas produzidas. Após contactos repetidos com o antigénio, estas células de memória são reativadas, levando a aumento da proliferação, à expressão de marcadores de ativação e a libertação de citocinas específicas pelas subpopulações em causa.

O diagnóstico in vitro consiste na avaliação destes efeitos através de diferentes metodologias.

O teste de transformação linfoblástica – TTL é atualmente o teste mais utilizado no diagnóstico de hipersensibilidade a fármacos mediada por células T. Baseia‑se na análise e quantificação da proliferação de clones de células T ativadas específicas do fármaco após a estimulação in vitro, com o fármaco responsável pela reação.

Vários estudos documentam a sua utilização no diagnóstico de diferentes reações cutâneas, como erupção maculopapular, exantema generalizado, urticária com fármacos como a carbamazepina, e antibióticos beta‑lactamicos2,18.

A utilidade deste teste no diagnóstico em reações não imediatas tem sido debatida, verificando‑se que está dependente do fármaco envolvido na reação. Vários estudos, em que têm sido caracterizadas pequenas séries de doentes com vários fármacos, mostram que a sua sensibilidade é muito variável (60 % a 70 %) com uma especificidade (85 %). O seu valor diagnóstico varia com o tipo de fármaco, o tipo de reação envolvida e o timing de realização do teste2,4,18.

Assim, apresentando algumas dificuldades de ordem técnica na sua realização, a Quantificação de expressão de marcadores de ativação em células T após incubação com o fármaco, por citometria de fluxo, parece ser uma alternativa promissora. É um método mais rápido e não necessita da incorporação de timidina.

Diferentes marcadores de ativação são expressos ou/e upregulate nas células T, CD4+ CD8+, após estimulação com o fármaco, como: CD25, CD69, CD71 e HLA‑DR.

Embora o CD69 seja considerado o mais adequado, pois faz uma rápida “upregulation”, após a estimulação, devem ser avaliados vários marcadores de ativação uma vez que esta pode estar dependente do fármaco responsável pela reação2,4,18,21.

Devido ao seu importante papel na fase efetora da resposta imune, as citocinas e outras moléculas sinalizadoras são também consideradas fatores relevantes no diagnóstico, in vitro, de hipersensibilidade a fármacos, podendo a sua avaliação ser realizada por técnicas intracelulares (citometria de fluxo), sobrenadante de cultura (Enzyme‑Linked ImmunoAssay – ELISA e/ou Enzyme‑Linked ImmunoSpot – ELISPOT) e PCR.

O aumento de produção de padrão de citocinas de tipo Th1 (IL‑2, IFN‑γ e TNF‑α) tem sido relatada em doentes com reações do tipo retardado, enquanto que tipo Th2 com preferencial produção de IL‑4 em doentes com reações imediatas.

Como o IFN‑γ é considerado uma citocina predominante em exantemas induzidos por fármacos, poderá ser considerado um adequado marcador de diagnóstico in vitro. O seu aumento foi documentado em vários estudos que incluíam doentes com quadros clínicos diversos18.

Também a IL‑5 e eotaxina produzidas por clones de células T específicas de fármacos, são consideradas relevantes.

Assim, a quantificação de IL‑5 como um marcador muito específico em combinação com IFN‑γ, IL‑13, e/ou IL‑2 como marcadores mais sensíveis, foram sugeridos como sendo um contributo importante para o diagnóstico da maioria das reações a fármacos1921.

Comparando com os testes epicutâneos, com uma sensibilidade aproximada de 30‑40%, testes como TTL ou o ELISPOT parecem ter uma maior sensibilidade. Será ainda precoce tirar conclusões da mais‑valia de novas metodologias, como o ELISPOT, embora vários estudos apontem para uma maior fiabilidade, comparado com o TTL1921.

Em resumo, estão disponíveis um sem-número de testes celulares para a deteção de sensibilização de células T mediada por fármacos que podem contribuir no diagnóstico de RH a fármacos.

CONCLUSÃO

Podemos concluir que os testes celulares in vitro são importantes na avaliação de RH a fármacos, podendo constituir uma mais‑valia em conjunto com os testes in vivo, particularmente no diagnóstico de reações graves. No entanto, será de realçar que algumas questões se mantêm em aberto.

Nenhum destes testes de diagnóstico tem um valor preditivo absoluto. Como regra geral, têm especificidade aceitável, mas a sensibilidade pode ser altamente variável.

Resultados, quer falsos positivos, quer falsos negativos (não respondedores), constituem um grande inconveniente.

Diferentes fármacos podem originar diferentes tipos de reação. Além disso, tem sido repetidamente demonstrado que o resultado do teste de diagnóstico pode ser altamente dependente do intervalo de tempo decorrido entre a reação e a realização do teste (preconizado 6‑12 meses).

A possibilidade de não ser viável realizar a prova de provocação constitui uma limitação para a validação dos testes. No entanto, a precisão do diagnóstico poderá ser melhorada com a optimização dos testes e definidos cutoff específicos para os vários fármacos.

 

REFERÊNCIAS

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Contacto:

Maria Conceição Pereira dos Santos

Unidade de Imunologia de Clinica

Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Av. Prof. Egas Moniz

1649‑028 Lisboa

 

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