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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.24 no.3 Lisboa set. 2016

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Hipersensibilidade a anti-inflamatórios não esteroides revisitada – Aspetos clinicolaboratoriais à luz da nova classificação da EAACI

Hypersensitivity to nonsteroidal anti-inflammatory drugs revisited – Clinical and laboratory data considering the new EAACI Classification

 

Bárbara Kong Cardoso, Elza Tomaz, Sara Correia, Filipe Inácio

Serviço de Imunoalergologia – Centro Hospitalar de Setúbal

Prémio SPAIC – Diater 2015

 

Contacto

 

RESUMO

Introdução: Os anti‑inflamatorios não esteroides (AINE) são a segunda causa de reações de hipersensibilidade medicamentosa. O largo espetro de sintomas observados, os diferentes mecanismos fisiopatológicos envolvidos e a exiguidade de métodos de diagnóstico eficazes tornam complexa a sua investigação. Objetivo: Classificar um grupo de doentes com hipersensibilidade a AINE de acordo com o novo sistema proposto pela EAACI Task Force on NSAIDs Hypersensitivity, caracterizar os grupos resultantes e avaliar os meios de diagnóstico clinicolaboratoriais de acordo com esta perspetiva. Material e métodos: Foram analisados os processos clínicos de 64 doentes estudados no período de 2010 a 2015 por hipersensibilidade a AINE em que o estudo tivesse incluído a realização do teste de ativação de basófilos (TAB) e foi aplicada ao grupo a classificação referida: Grupo 1 – Doença respiratória exacerbada por AINE; Grupo 2 – Doença cutânea exacerbada por AINE; Grupo 3 – urticária/angioedema induzido por AINE; Grupo 4 – Urticária/angioedema ou anafilaxia induzida por um AINE único. Foram registados e analisados dados demográficos, clínicos e resultados de testes cutâneos, provas de provocação e TAB. Resultados: Foi possível classificar 59 dos 64 doentes. A diferença da prevalência de atopia foi significativa entre os grupos 3 e 4, respetivamente de 50% e de 5% (p=0,027). Houve no total três provas de provocação positiva ao nimesulide e uma com o celecoxib. O metamizol foi responsável por 54% das reações do grupo 4 e por 56% das reações anafiláticas nos doentes estudados. A positividade dos testes cutâneos e do TAB, tomadas em conjunto, identificaram 11 (79%) dos doentes com hipersensibilidade isolada a este fármaco. Conclusões: A classificação usada foi aplicável à maioria dos doentes estudados.Salientamos a importância das provas de provocação para encontrar alternativas seguras e também a importância dos testes cutâneos e do TAB no diagnóstico da hipersensibilidade isolada ao metamizol.

Palavraschave: Anti‑inflamatorios não esteroides, hipersensibilidade, classificação, teste de ativação dos basófilos.

 

ABSTRACT

Background: Nonsteroidal anti‑inflammatory drugs (NSAIDs) represent the second most common cause of drug hypersensivity (0.6‑5.7% of general population). The wide spectrum of symptoms, the various mechanisms involved and the lack of efficient diagnosing methods turn it into a challenge to the allergist. Objective: The aim of this study was to classify a group of patients with a history of NSAID hypersensitivity according to the system proposed by the EAACI Task Force on NSAIDs Hypersensitivity, to characterize the resulting groups and to evaluate clinical and laboratory data accordingly. Material and methods: Medical records of 64 patients referred to our Centre between 2010 and 2015 and investigated for NSAID hypersensitivity with a basophil activation test (BAT) performed were investigated and classified: group 1‑ NSAIDs‑exacerbated respiratory disease; group 2 – NSAIDs‑exacerbated cutaneous disease NSAIDs; group 3 ‑ induced urticaria/angioedema; group 4 – Single‑NSAID‑induced urticaria/angioedema or anaphylaxis. Demographic and clinical data as well as skin tests, challenge tests and BAT results were analysed. Results: We were able to classify 59 out of 64 patients. Atopy prevalence was significantly higher in group 3 (50%) than in group 4 (5%), p=0,027. The records showed 3 positive provocation tests to nimesulide and 1 to celecoxib. Metamizol was the culprit drug of 54% group 4 reactions and 56% of overall anaphylactic reactions. Skin tests and BAT positivity taken together could identify 11 (79%) of patients reacting to metamizol in group 4. Conclusions: Most of our study patients fitted into the proposed classification. We underline the role of provocation tests to find a safe alternative NSAID and also the efficiency of skin tests and BAT in the diagnosis of metamizol hypersensitivity as single NSAID offender.

Keywords: Nonsteroidal anti‑inflammatory drugs, basophil activation test, classification, hypersensitivity.

 

INTRODUÇÃO

Os anti‑inflamatórios não esteroides (AINE) estão entre os fármacos mais frequentemente prescritos na prática clínica. A hipersensibilidade a este grupo de fármacos, classicamente descrita como a segunda causa mais comum de hipersensibilidade medicamentosa1, ocupou o primeiro lugar na lista de causas num estudo recente que envolveu 4460 doentes em Espanha2. Apesar de variar com a população estudada, os métodos de diagnóstico e o tipo de reação, a prevalência das reações de hipersensibilidade a AINE foi estimada em 0,6 a 5,7% da população em geral3.

As reações de hipersensibilidade a AINE correspondem a reações adversas tipo B, reações imprevisíveis, que ocorrem em pequenos grupos de indivíduos suscetíveis e que devem ser bem diferenciadas das reações tipo A, estas previsíveis, baseadas em mecanismos farmacológicos e possíveis em todos os indivíduos se uma dose suficiente for administrada3.

Na sua maioria, os doentes com reações de hipersensibilidade a AINE têm manifestações sintomáticas associadas à toma de vários AINE quimicamente não relacionados mas que partilham o mesmo mecanismo de ação: inibição da via das cicloxigenases, enzimas responsáveis pela formação de prostaglandinas e tromboxanos a partir do ácido araquidónico das membranas celulares. Esta inibição leva a um aumento da expressão dos leucotrienos produzidos pela via da 5‑lipoxigenase e indutores do processo inflamatório, bem como de histamina, mediadores capazes de induzir uma reacção de hipersensibilidade em indivíduos suscetíveis. Este tipo de reações depende de um mecanismo não imunológico, sendo por isso reações não alérgicas, referidas como cruzadas por se manifestarem com vários fármacos com o modo de ação descrito. Noutros doentes as manifestações ocorrem apenas após a administração de um AINE em particular ou de vários pertencentes ao mesmo grupo químico, dependendo provavelmente de mecanismos imunológicos, tratando‑se neste caso de reacções alérgicas3,4,5.

Os AINE surgem, assim, como um numeroso grupo de fármacos responsáveis por uma ampla variedade de reações de hipersensibilidade, que variam em relação ao tempo de início (reação imediata ou não imediata), ao órgão envolvido (pele, aparelho respiratório, outros), à gravidade (da dispneia ligeira, rinorreia, exantema ou urticária até à anafilaxia e morte) e ao mecanismo envolvido (alérgico ou não alérgico)3,6.

A extensa variedade de AINE indutores destas reações, o largo espetro de sintomas observados, os diferentes mecanismos fisiopatológicos envolvidos e a falta de métodos de diagnóstico disponíveis contribuem para que o diagnóstico destas reações constitua muitas vezes um desafio na prática clínica e, por outro lado, têm originado uma informação científica baseada em conceitos e nomenclaturas diferentes, difícil de interpretar e comparar.

No sentido de responder a estas dificuldades, estabelecer definições e sistematizar a abordagem clínica destas reações, o European Network for Drug Allergy (ENDA) /European Academy of Allergy and Clinical Immunology (EAACI) Interest Group of Drug Hypersensitivity, em conjunto com o European Network on Hypersensitivity to Aspirin and NonSteroidal Anti‑Inflammatory Drugs (HANNA), propuseram, em 2011, um novo sistema de classificação das reacções de hipersensibilidades a AINE7. Em 2013 um painel de peritos da EAACI Task Force on NSAIDs Hypersensitivity fez a revisão da anterior classificação com uma maior uniformização de conceitos, revisão da nomenclatura e proposta de algoritmos de diagnóstico dos diferentes tipos de reação3.

O sistema de classificação das reações de hipersensibilidade a AINE proposto foi baseado nas manifestações clínicas, no tempo de início da reação, na existência de patologia de base (patologia respiratória ou cutânea) e no mecanismo provável (imunológico ou farmacológico):

1. Reações de hipersensibilidade a AINE não imunologicamente mediadas (reatividade cruzada)

1.1. Doença respiratória exacerbada por AINE: reacções de hipersensibilidade induzidas por ácido acetilsalicílico (AAS) ou outro AINE, manifestando‑se primariamente com obstrução brônquica, dispneia e congestão nasal/rinorreia, ocorrendo em doentes com doença respiratória de base (asma, rinossinusite ou pólipos nasais).

1.2. Doença cutânea exacerbada por AINE: reacções de hipersensibilidade induzidas por AAS ou outro AINE, manifestando‑se primariamente com maculopápulas e/ou angioedema, ocorrendo em doentes com história de urticária crónica espontânea.

1.3. Urticária/angioedema induzido por AINE: Reações de hipersensibilidade induzidas por AAS ou outro, AINE manifestando‑se com maculopápulas e/ou angioedema ocorrendo em doentes sem doença cutânea (sem história de urticária crónica espontânea). Os sintomas são provocados por pelo menos dois AINE pertencendo a grupos químicos diferentes.

2. Reações de hipersensibilidade a AINE imunologicamente mediadas

2.1. Urticária/angioedema ou anafilaxia induzida por um AINE único: reação de hipersensibilidade imediata apenas a um ou vários AINE pertencentes ao mesmo grupo químico, manifestando‑se por urticária, angioedema ou anafilaxia. Estes indivíduos toleram os AINE de outros grupos químicos e normalmente não têm história de asma ou urticária crónica espontânea.

2.2. Reação de hipersensibilidade tardia induzida por um único AINE: reação de hipersensibilidade a apenas um AINE que surge entre 24‑48 horas depois da administração do fármaco. Esta reacção manifesta‑se tanto por sintomas cutâneos (exantema, eritema fixo), lesões de órgão (renal, pulmonar) como por reações cutâneas adversas graves3.

O diagnóstico das reações de hipersensibilidade a AINE continua a basear‑se na colheita de uma história clínica detalhada, na realização de testes cutâneos quando indicados e disponíveis e em provas de provocação que, para além de morosas, podem representar um risco considerável para o doente e são, por isso, contraindicadas em algumas situações. O desenvolvimento de um meio de diagnóstico in vitro tem, por isso, sido objectivo de muitos trabalhos de investigação. O teste de activação dos basófilos (TAB), olhado por muitos como hipótese promissora, tem sido ensaiado na avaliação de reacções de hipersensibilidade a fármacos, nomeadamente a AINE nos últimos anos 8,9,10,11. As expetativas do seu potencial nesta área baseavam‑se na sua possibilidade de detecção da ativação dos basófilos independentemente dos mecanismos responsáveis (IgE ou outros)10,11. O resultado positivo do TAB é considerado por alguns autores significativo, praticamente confirmando o diagnóstico quando a história clínica é compatível9. Para otimizar a sua eficácia deverá ser realizado nos primeiros 6‑12 meses após a reação ao fármaco12,13.

OBJETIVOS

Avaliar a aplicabilidade da classificação de um grupo de doentes com hipersensibilidade a AINE de acordo com o novo sistema de classificação proposto pela EAACI Task Force on NSAIDs Hypersensitivity, caracterizar os grupos resultantes e avaliar os meios de diagnóstico clinico‑laboratorial, nomeadamente o TAB, de acordo com esta perspetiva.

MATERIAL E MÉTODOS

População

Foram analisados os processos clínicos de 64 doentes estudados em consulta de Imunoalergologia no período de 2010 a 2015 por hipersensibilidade a AINE, em que o estudo tivesse incluído a realização de TAB a pelo menos um AINE. A classificação da EAACI foi aplicada ao grupo em estudo, de acordo com os seguintes critérios:

• Grupo 1 – Doença respiratória exacerbada por AINE – história clínica de pelo menos dois episódios de exacerbação de asma e/ou rinite associados à toma de um AINE ou prova de provocação oral positiva para AAS;

• Grupo 2 – Doença cutânea exacerbada por AINE – história clínica de pelo menos dois episódios de exacerbação de urticária crónica espontânea associados à toma de um AINE ou prova de provocação oral com AAS positiva em doente com o diagnóstico de urticária crónica espontânea;

• Grupo 3 – Urticária/angioedema induzido por AINE – história clínica de pelo menos dois episódios de urticária/angioedema associados à toma de AINE de grupos químicos diferentes, ou história clínica de pelo menos um episódio induzido por um AINE com prova de provocação oral positiva com AAS em doente sem patologia cutânea subjacente (sem clínica de urticária crónica espontânea).

• Grupo 4 – Urticária/angioedema ou anafilaxia induzida por um AINE único  – história clínica de um episódio de anafilaxia ou pelo menos dois de urticária/angioedema associados à toma de um AINE, ou de mais do que um do mesmo grupo químico, com tolerância de AAS posterior ao episódio verificada por história clínica ou por prova de provocação.

• Grupo 5 – Reação de hipersensibilidade tardia induzida por um AINE único – exantema, eritema fixo, reação cutânea grave ou reação específica de outro órgão com início mais do que 24 horas após a toma do fármaco.

Testes cutâneos

Os testes cutâneos e as provas de provocação com fármacos foram realizados de acordo com o Manual de Boas Práticas em Imunoalergologia14.

Nos testes cutâneos foram utilizadas concentrações comprovadamente não irritativas 15. Os testes cutâneos em prick foram considerados positivos se a correspondente pápula atingia um diâmetro médio superior em 3 mm ao do controlo negativo e tinha eritema circundante 20 minutos após a execução. Para os testes intradérmicos, realizados só quando existia formulação parenteral do fármaco, o critério de positividade consistiu no aumento em 3 mm do diâmetro médio da pápula de inoculação, com eritema circundante 20 minutos após a execução.

Provas de provocação

As provas de provocação foram realizadas em períodos de doença estabilizada utilizando um protocolo aberto, e só consideradas positivas se levaram ao desencadear de sinais e sintomas objetiváveis, reproduzindo a clínica anterior. Foi administrado o fármaco a testar, iniciando com uma dose entre 1/10 000 e 1/10 da dose terapêutica, prosseguindo‑se com doses entre duplas e triplas da dose anterior, com intervalos ajustados ao tempo previsto de reação, mas nunca inferiores a 20 minutos. A prova era interrompida no caso de se verificar uma reação, ou quando a dose cumulativa atingia o valor da dose média de toma do fármaco em questão para o doente. Os doentes, em geral, foram instruídos para não tomar anti‑histaminicos ou antidepressivos nos 5 dias, nem corticosteroides nos 7 dias anteriores à prova 16. Em exceção a esta regra, nos doentes com urticária crónica o anti‑histaminico de controlo da doença não foi suspenso. Nenhum doente sujeito a prova de provocação fazia corticoterapia prolongada ou fármacos betabloqueantes. Para todas as provas foi obtido o consentimento informado do doente ou do seu representante.

Testes in vitro

O TAB foi efetuado pela técnica Flow Cast®– Bühlmannem sangue total, utilizando o CCR3 (recetor de quimiocina) como marcador de basófilo e o CD63 (gp53) como marcador da sua ativação (citómetro de fluxo FACSCANTO – BD BioSciences). Foram usados o anticorpo anti‑FcεRI e fMLP (N‑formil‑metionil‑leucil‑fenilalanina) como controlos positivos e tampão de estimulação (contendo Ca, heparina e IL‑3) como controlo negativo. Os resultados foram expressos em percentagem de ativação de basófilos e índice de estimulação, calculado pela razão entre a percentagem de basófilos ativados com o fármaco em estudo e a percentagem de basófilos ativados com o controlo negativo.

Foram considerados positivos se a ativação celular e o índice de estimulação dos basófilos eram iguais ou superiores a 5% e a 2, respetivamente. Foram considerados não validáveisos TAB em que se verificou uma baixa reatividade a qualquer um dos controlos positivos (<10% de células CD63+) ou uma ativação basal elevada. O TAB foi realizado com um conjunto de AINE composto por AAS, paracetamol, metamizol e diclofenac (Painel 1) em 8 doentes e com os mesmos fármacos acrescentando o ibuprofeno (Painel 2) em 39 doentes. Nos restantes 17 foram testados um número inferior de fármacos, em todos os casos incluindo o ou os fármacos suspeitos.

Análise estatística

Foram registados o sexo, a idade, a reação, os fármacos suspeitos e os tolerados, a coexistência de atopia, os resultados dos testes cutâneos com fármacos e das provas de provocação realizadas, os resultados do TAB e o tempo mediado entre a última reação e a realização do mesmo.

Nas comparações intergrupos o ANOVA foi utilizado para comparar as idades e o teste Quiquadrado para comparar diferenças do ratio masculino/feminino e prevalências de atopia. O programa utilizado foi o SPSS Statistics, versão 21.

Os doentes foram considerados atópicos se tinham pelo menos um teste cutâneo por picada positivo para inalantes comuns, isto é, com diâmetro médio da pápula superior em pelo menos 3mm ao do controlo negativo.

RESULTADOS

Dos 64 doentes estudados seis foram incluídos no Grupo 1, nove no Grupo 2, dezoito no Grupo 3 e vinte e seis no Grupo 4. Nenhum doente apresentava critérios para classificação no Grupo 5. Não foi possível enquadrar 5 doentes em qualquer dos grupos definidos.

No Grupo 1 (Quadro 1) quatro doentes eram do sexo feminino, dois do masculino, com idades entre os 15 e os 70 anos, mediana 43. Todos tinham asma como doença subjacente, acompanhada por rinite em dois casos, por polipose nasal em outros dois, havendo um que apresentava também urticária crónica. Metade eram atópicos. Quatro doentes associavam pelo menos duas tomas de AINE de diferentes estruturas químicas à ocorrência de exacerbação da sua asma, tendo num deles também ocorrido angioedema. Um doente referia exacerbação da asma e da rinite com o AAS e outro associava o metamizol à exacerbação de asma, tendo tido um teste cutâneo positivo para o metamizol e uma prova de provocação positiva ao AAS. Todos eles toleravam o paracetamol e/ou o nimesulide. Num deles o nimesulide desencadeou broncospasmo em prova de provocação. Não houve qualquer fármaco positivo no TAB neste grupo.

No Grupo 2 (Quadro 2) cinco doentes eram do sexo feminino e quatro do masculino, com 16 a 57 anos de idade, mediana 45. A exacerbação da urticária, associada ou não a angioedema, era a reação que apresentavam, de acordo com a definição. Também de acordo com a definição todos tinham o diagnóstico de urticária crónica espontânea, que em dois casos se manifestou só depois do início das reações aos AINE. Apenas dois não referiam na história reação associada a AINE de vários grupos químicos, referindo um deles três episódios com AAS e outro um episódio com ibuprofeno, tendo este último uma prova de provocação positiva com AAS. As restantes sete provas de provocação foram efetuadas para encontrar um fármaco alternativo e identificaram tolerância ao nimesulide em dois casos, ao celecoxib em três e ao paracetamol em um caso. Houve uma prova positiva ao celecoxib num doente que tolerou nimesulide. Três outros doentes referiram tolerância ao nimesulide. Apenas um doente era atópico. Neste grupo dois doentes apresentaram positividade no TAB: um ao ibuprofeno e o outro ao AAS e ao metamizol.

No Grupo 3 (Quadro 3) oito doentes eram do sexo masculino e dez do feminino, as idades variavam entre os 17 e os 59 anos, com mediana de 47,5. Quinze dos dezoito doentes apresentavam história clínica de reações de urticária e/ou angioedema associados à toma de AINE de diferentes grupos. Onze destes referiam tolerância a pelo menos um de três AINE, paracetamol, nimesulide ou etoricoxib: em nove doentes foram feitas dez provas de provocação para garantir um fármaco alternativo seguro, nimesulide, celecoxib ou etoricoxib. Uma prova ao nimesulide foi positiva, tendo esse doente uma prova negativa com o etoricoxib. A outra prova positiva para o nimesulide aconteceu no doente que referia reação ao diclofenac.

Neste doente o etoricoxib revelou‑se seguro, em prova de provocação. O doente que referia reação com o metamizol tinha teste cutâneo negativo para o fármaco e respondeu positivamente à prova de provocação com AAS, tendo tolerado o nimesulide, também em prova de provocação. Identificaram‑se quatro doentes com TAB positivos, dois ao AAS e metamizol, um ao diclofenac e outro ao metamizol.

No Grupo 4 (Quadro 4) nove dos vinte e seis doentes são do sexo masculino e dezassete do feminino, com idades entre os 16 os 65 anos, mediana 54,5. Catorze tinham história clínica de reação ao metamizol, anafilaxia em nove e urticária e/ou angioedema (pelo menos dois episódios) nos cinco restantes. Dos dez testes cutâneos ao metamizol executados nestes doentes sete foram positivos e os TAB revelaram positividade para o metamizol em nove dos catorze doentes; seis referiam claramente tolerar o AAS, sete tiveram uma prova de provocação negativa para este fármaco e o 14.º doente não realizou prova de provocação por ter patologia isquémica cardíaca grave e estar medicado com beta‑bloqueante.

Foi no entanto incluído, dado nunca ter tido reações a AINE até ao episódio de anafilaxia ocorrido segundos após administração de metamizol endovenoso num serviço hospitalar, que motivou a sua referenciação à consulta de Imunoalergologia.

Dos restantes doentes do Grupo 4 seis apresentavam reações associadas ao diclofenac, quatro com anafilaxia e dois com urticária/angioedema; o teste cutâneo foi positivo em apenas um dos três doentes em que foi realizado, tendo o TAB sido positivo em um dos seis. Três doentes referiram reações ao ibuprofeno, dois com urticária e/ou angioedema e um com anafilaxia, tendo o TAB sido positivo num doente. Dois doentes referiram urticária associada ao paracetamol, um deles com rinoconjuntivite associada; em ambos, quer os testes cutâneos, quer os TAB foram negativos. O 26.º doente teve uma anafilaxia associada ao celecoxib, tendo o teste cutâneo e o TAB sido negativos. Verificou‑se que neste doente o teste intradérmico com trimetoprim‑sulfametoxazole foi positivo, sem que houvesse história de hipersensibilidade a este fármaco. Todos estes doentes referiram tolerância ao AAS ou toleraram‑no em provas de provocação. No Grupo 4 apenas um em vinte e um doentes era atópico.

Finalmente, não foi possível classificar cinco doentes (Quadro 5): duas crianças, em que a limitação no uso de AINE não permitiu obter os elementos necessários para a classificação, dois doentes com urticária crónica colinérgica, uma situação que os critérios da classificação não preveem claramente e uma situação de anafilaxia de esforço associada ao AAS, em que a tolerância a outros AINE é difícil de comprovar ou excluir, pela dificuldade de avaliar o esforço necessário para obter uma prova fiável.

Quando comparámos as características dos grupos quanto à idade, ratio masculino/feminino e prevalência de atopia, a única diferença detetada foi a prevalência de atopia entre os grupos 3 e 4, respetivamente de 50% e de 5% (p=0,027).

Nos doentes do Grupo 4 com hipersensibilidade ao metamizol e TAB positivo os tempos decorridos entre a última reação e a execução do método foram de 2 a 24 meses. Os doentes com TAB negativo incluíram dois em que o intervalo referido era superior a 10 anos.

DISCUSSÃO

A classificação da EAACI tem a vantagem de organizar os conceitos sobre a complexa realidade da hipersensibilidade aos AINE, permitindo uma abordagem mais coerente e sistematizada da condição. No nosso estudo foi possível classificar 59 dos 64 doentes com hipersensibilidade a AINE. Alguns doentes não couberam nas definições propostas, constituindo exceções previstas pelos proponentes da classificação3, e não será expectável que qualquer definição possa abranger toda a realidade em questão. Parece‑nos, no entanto, que uma clarificação das definições poderia permitir classificar alguns doentes, como é o caso de doentes com urticária crónica, que não a espontânea, que surgiram neste estudo. Também o estudo levanta a questão da necessidade de uma classificação adaptada à idade pediátrica, dadas as limitações da utilização de AINE nesta idade levarem à impossibilidade de obter dados que permitam utilizar a classificação proposta.

Ainda no que respeita à classificação, queremos referir alguma sobreposição entre os grupos, que aliás já foi referida por Christoffer V Nissen, et al6. Assim, verificámos uma reação cutânea acompanhando a reacção de exacerbação da doença respiratória num doente do Grupo 1 (doente 1), bem como rinoconjuntivite acompanhando uma reação de urticária num doente do Grupo 4 (doente 58). Também no grupo 2 há dois doentes em que reações de hipersensibilidade a AINE precedem o aparecimento de urticária crónica espontânea, o que poderia levar a uma classificação diferente, no Grupo 2 ou no Grupo 3, dependendo do momento em que fosse feita.

Este estudo vem também corroborar a necessidade de definir claramente a situação de cada doente com hipersensibilidade aos AINE, nomeadamente em termos de reações cruzadas e de terapêuticas alternativas a propor.

Em relação a este último ponto, referimos as três provas de provocação positivas para o nimesulide e os dois doentes com reação ao celecoxib, fármacos geralmente bem tolerados, para salientar o papel das provas de provocação para encontrar alternativas seguras.

Interessante foi também a positividade do teste cutâneo com o trimetoprim‑sulfametoxazol do doente 59.

Na causa poderá estar a estrutura sulfamídica dos coxibs e, se bem que vários estudos tenham demonstrado não haver reatividade cruzada em termos clínicos17, uma eventual reatividade cruzada a nível dos testes cutâneos poderia ser explorada para fins de diagnóstico.

Na comparação entre os grupos, a diferença significativa entre a prevalência de atopia entre os Grupos 3 e 4 chama a atenção, dado que parece contraditória uma mais baixa incidência de atopia no grupo de doentes cujas reações se pensa serem predominantemente mediadas por IgE.

De notar a alta prevalência de hipersensibilidade ao metamizol, responsável por 54% das reações do Grupo 4 e por 56% das reações anafiláticas nos doentes estudados.

Esta prevalência contrasta com a verificada em outros países, nomeadamente da Europa do Norte, em que a hipersensibilidade a pirazolonas deixou praticamente de existir, tendo sido substituída por uma mais elevada prevalência das reações ao ibuprofeno e ao diclofenac, reflectindo provavelmente a alteração de hábitos medicamentosos nesses países6.

Finalmente, e ainda relacionado com a hipersensibilidade ao metamizol, queremos destacar os resultados positivos para este fármaco do teste cutâneo e do TAB, positivos respetivamente em 70% e 64%, havendo doentes em que apenas um deles é positivo. Estes resultados, semelhantes aos publicados por E. Gómez et al em 200918, vêm apoiar a o papel dos dois métodos no estudo da hipersensibilidade a AINE, usados de uma forma complementar, dado que, em conjunto, identificaram 11 (79%) dos doentes com hipersensibilidade isolada ao metamizol.

A positividade do TAB com o metamizol surge principalmente no Grupo 4, enquanto no Grupo 3, com o qual se põe o principal problema de diagnóstico diferencial, o TAB foi positivo em apenas 3 casos (17%). Esta eficácia diagnóstica do TAB ao metamizol tem sido já defendida por alguns autores19, 20,21. Os TAB negativos ao metamizol em doentes do Grupo 4 com hipersensibilidade ao fármaco poderão ser devidos, em parte, ao intervalo de tempo entre a última reação do doente e a execução do método, que foi, em 2 casos, superior a 10 anos. Até ao momento não há evidência de bons resultados para outros fármacos que não o metamizol3 e a dimensão da amostra também não permite tirar conclusões sobre o assunto.

CONCLUSÕES

A classificação das reações de hipersensibilidade a AINE proposta pela EAACI Task Force on NSAIDs Hypersensitivity foi aplicada com um grau de sucesso de 92% numa população de doentes estudados numa consulta de Imunoalergologia. De acordo com o nosso conhecimento, trata‑se do primeiro estudo do género realizado em Portugal. A classificação utilizada revelou‑se adequada para a grande maioria dos casos, o que revela a sua potencialidade como fator de sistematização na abordagem deste tema, tanto numa perspetiva clínica como no âmbito da investigação. No diagnóstico da hipersensibilidade a AINE as provas de provocação continuam a desempenhar um papel central, nomeadamente para garantir uma alternativa terapêutica segura. No caso particular da hipersensibilidade isolada ao metamizol, os testes cutâneos e o TAB provaram constituir boas ferramentas de diagnóstico.

 

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Contacto:

Bárbara Kong Cardoso

Serviço de Imunoalergologia, Hospital de São Bernardo

Rua Camilo Castelo Branco

2910‑446 Setúbal

 

Financiamento: Nenhum.

Declaração de conflitos de interesse: Nenhum.

 

Data de receção / Received in: 03/02/2016

Data de aceitação / Accepted for publication in: 07/04/2016

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