SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.26 issue1Allergy to galactose-α-1,3-galactoseIntensity of pain associated with subcutaneous administration of allergen immunotherapy author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista Portuguesa de Imunoalergologia

Print version ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.26 no.1 Lisboa Mar. 2018

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Aeromicologia de Lisboa e a sua relação com os fatores meteorológicos

Aeromycology of Lisboa and its relation with meteorological factors

 

Raquel Ferro1,2, Carlos Nunes3, Elsa Caeiro1,2, Irene Camacho4, Miguel Paiva5, Mário Morais-Almeida6

1 Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) - Grupo de Interesse de Aerobiologia, Lisboa

2 Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM), Universidade de Évora

3 Centro de Imunoalergologia do Algarve, Portimão

4 Centro de Competência das Ciências da Vida, Universidade da Madeira, Funchal

5 Serviço de Imunoalergologia do Hospital de Dona Estefânia, Centro Hospitalar Lisboa Central

6 Centro de Alergia, Hospitais CUF-Descobertas e CUF Infante Santo, Lisboa

 

Correspondence to:

 

RESUMO

Introdução: Os esporos de fungos como o Cladosporium e a Alternaria presentes em ambientes outdoor são responsáveis pelo desencadeamento de reações alérgicas. Assim sendo, o estudo aeromicológico de uma zona geográfica é importante. Objetivos: Identificar e quantificar os tipos de esporos de fungos presentes na atmosfera de Lisboa e analisar a influência dos fatores meteorológicos nas suas concentrações, de modo a conhecer a sua variação sazonal. Metodologia: Analisaram‑se os dados das monitorizações da estação de Lisboa da Rede Portuguesa de Aerobiologia (RPA) de esporos de fungos, de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2013. Usou‑se um captador Burkard Seven Day Volumetric Spore‑trap® e um sistema de leitura ao microscópio ótico com uma ampliação de 400x. A influência dos fatores meteorológicos sobre as concentrações dos esporos foi avaliada pela análise da correlação de Spearman. Resultados: Coletaram‑se 657922 esporos de fungos com uma concentração média diária de 1803 esporos de fungos/m3. Os tipos de esporos de fungos mais abundantes foram: Cladosporium cladosporoide (53,6 %), Amanita (8,8 %), Ustilago (4,3 %), Leptosphaeria (4,2 %), Coprinus (4,0 %) Cladosporium herbarum (3,7 %), Mycospharella (3,4 %), Boletus (2,1 %), Aspergillus‑Penicillium (1,8 %), Agaricus (1,4 %) e Alternaria (1,1 %). As concentrações mais elevadas de esporos de fungos registaram‑se entre o final da primavera e o outono. Em outubro obteve‑se o índice mais elevado, 172 507 de esporos de fungos/m3. A temperatura média apresenta uma correlação positiva com as concentrações de conídios, com os esporos totais e uma correlação negativa com os níveis de ascósporos. A humidade relativa e a precipitação apresentaram um efeito positivo com os ascósporos, mas negativo com os fungos anamórficos, mixomicetos e esporos totais. Os basidiósporos apresentaram correlação positiva apenas com a precipitação. A velocidade média do vento foi estatisticamente negativa com os fungos anamórficos e basidiósporos e com os esporos totais. Conclusões: O estudo permitiu caracterizar a distribuição intra‑anual dos esporos fúngicos em Lisboa, facilitando o planeamento de estudos para avaliação de sensibilização alérgica e seu eventual impacto clínico.

Palavraschave: Aerobiologia, esporos de fungos, fatores meteorológicos, Lisboa.

 

ABSTRACT

Introduction: Fungal spores present in outdoor environments are responsible for triggering of allergic reactions, and therefore it is important to characterize the aeromycological data in a region. Objectives: To identify and quantify the types of fungal spores present in Lisbon atmosphere and to analyze the influence of meteorological factors. Methodology: Monitoring data from the Lisbon station of the Portuguese Aerobiology Network of fungal spores from 1 January to 31 December 2013 were analyzed. A Burkard Seven Day Volumetric Spore‑trap® collector and optical microscope reading system based on the analysis of a longitudinal line at the center of the slide with a magnification of 400x were used. The influence of the meteorological factors on the concentrations of fungal spores was evaluated through the Spearman correlation analysis. Results: A total of 657,922 fungal spores were collected at a mean daily concentration of 1,803 fungi / m3 spores. The most frequent types of fungi spores were Cladosporium cladosporoide (53.6%), Amanita (8.8%), Ustilago (4.3%), Leptosphaeria (4.2%) Coprinus (4.0%) Cladosporium herbarum (3.7%), Mycospharella (3.4%), Boletus (2.1%), Aspergillus‑Penicillium (1.8%), Agaricus (1.4%) and Alternaria (1.1%). The highest concentrations of fungal spores occurred between late spring and autumn. October was the month with the highest fungal spore (172,507/m3) and with maximum daily (13,561 fungi/m3). Mean temperature presented a positive correlation with conidia concentrations with total spores and a negative correlation with ascospore levels. Relative humidity and precipitation had a positive effect with ascospores but negative with conidia, myxomycetes and total spores. Basidiospore showed a positive correlation with precipitation alone. The average wind speed had a negative effect on conidia, basidiospore and total spores. Conclusions: This study allowed to characterize the yearly distribution of fungal spores in Lisbon, as well as its relationship with the meteorological variables, allowing to plan studies for evaluation of allergic sensitization and its eventual clinical impact.

Keywords: Aerobiology, climate parameters, fungal spores, Lisbon.

 

INTRODUÇÃO

O ar atmosférico contém uma grande variedade de componentes, como gases inorgânicos, partículas poluentes e biológicas1. De entre as partículas biológicas destacam‑se os esporos de fungos, que representam a maior componente biológica do ar atmosférico exterior, sendo habitualmente detetados em concentrações superiores a 1000 esporos/m3. Estes níveis ascendem várias vezes aos de outras partículas, nomeadamente aos de grãos de pólen2,3,4.

Os esporos de fungos podem ter efeitos adversos na prática agrícola e/ou na saúde humana5. Nos países industrializados, tem‑se verificado, consoante os estudos, uma variação de 6 % a 20 % de sensibilidade aos esporos de fungos na população geral6,7,8. Mais de 80 géneros de fungos estão descritos como responsáveis pelo desencadeamento de manifestações alérgicas, como rinite, conjuntivite, asma, eczema atópico, micose broncopulmonar alérgica, sinusite alérgica fúngica e pneumonite de hipersensibilidade6,8,9.

Os esporos anamórficos representam a maior fração de esporos presentes no ar atmosférico10,11 e é este grupo que inclui a Alternaria e o Cladosporium, esporos de fungos que comportam vários aeroalergénios conhecidos13. Aproximadamente 3 % dos portugueses manifesta reações alérgicas a Alternaria ou Cladosporium11.

Contudo, as alergias aos esporos de fungos não estão bem definidas em termos temporais e apresentam um elevado grau de complexidade e variabilidade face a alergias induzidas por outras partículas, como os grãos de pólen12.

A diversidade e concentração de esporos de fungos no ar atmosférico dependem de uma complexa interacção entre fatores biológicos e ambientais, como os parâmetros meteorológicos, a variação climática sazonal, a topográfica, o período do dia, o tipo de vegetação, a poluição atmosférica e a atividade humana3,6,13. A variação dos parâmetros meteorológicos tem sido descrita como a principal responsável pela esporulação e dispersão dos esporos de fungos no ar atmosférico14,15,16.

Desta forma, torna‑se de grande interesse monitorizar os vários tipos de esporos de fungos presentes na atmosfera de uma determinada região e conhecer a sua frequência e variação ao longo de um período de tempo, assim como a influência dos parâmetros meteorológicos nos seus níveis atmosféricos.

Em Portugal, particularmente na região de Lisboa, são escassos os estudos publicados sobre a carga aeromicológica4.

Assim, os objetivos deste trabalho foram identificar e quantificar os diferentes tipos de esporos de fungos presentes na atmosfera de Lisboa e analisar a influência dos fatores meteorológicos sobre as suas concentrações.

MATERIAL E MÉTODOS

Para a monitorização dos esporos de fungos utilizaram‑se os dados médios diários das monitorizações de esporos de fungos da estação de Lisboa da Rede Portuguesa de Aerobiologia (RPA) efetuadas entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2013.

Na amostragem utilizou‑se um captador volumétrico do tipo “Hirst” (Burkard Seven Day Volumetric Spore‑trape®) que permitiu a aspiração contínua das partículas (10 litros de ar por minuto) presentes no ar atmosférico.

No interior do captador encontrava‑se um sistema circular (tambor) munido de uma fita de melinex impregnada de solução adesiva, solução de silicone, onde os esporos de fungos, por impacto, ficaram retidos17,18. O tambor encontrava‑se ligado a um sistema de relojoaria que permitiu que este girasse 2 mm/hora ininterruptamente durante 7 dias consecutivos. A fita contendo a amostra foi substituída semanalmente e, em laboratório, foi seccionada em 7 segmentos que representam, cada um, os dias de amostragem. Posteriormente, cada segmento foi fixado a uma lâmina de microscopia e corado com solução de glicero‑gelatina com fucsina básica.

Para a identificação e quantificação dos esporos de fungos recorreu‑se à leitura, ao microscópio ótico, de uma linha longitudinal ao centro da lâmina com uma ampliação de 400x. A identificação dos diversos tipos de esporos fúngicos assentou numa classificação com base na aparência e nas características morfológicas, como cor, dimensão e forma dos esporos, e foi efetuada com apoio de bibliografia da especialidade19,20,21,22. Na categoria “outros” incluiu‑se os esporos de fungos que não foram identificados.

A formação de conídios da‑se através da reprodução assexual nos ascomicetes, cuja análise da morfologia dos conidióforos é utilizada para identificar espécies de fungos11.

Os resultados foram expressos em número médio de esporos de fungos por metro cúbico de ar.

Localização do captador

O captador volumétrico encontrava‑se instalado no Hospital D. Estefânia, em Lisboa, a 20 metros do solo (38º 43’N; 9º 08’W, altitude média de 55 metros acima do nível do mar).

Caracterização da área em estudo

A cidade de Lisboa localiza‑se na região da Estremadura, na margem direita do rio Tejo, perto da sua foz, e com cerca de 550 000 habitantes corresponde à maior área urbana de Portugal. Devido à influência marítima, o clima de Lisboa é ameno e caracteriza‑se pela presença de fraca amplitude térmica, por um período seco bem definido (verão) e por uma grande irregularidade pluviométrica anual e interanual23.

Do coberto vegetal da região de Lisboa fazem parte plantações de eucalipto (Eucalyptus globulus), de oliveira, bem como de pinheiro bravo (Pinus pinater). Nos espaços verdes localizados nas zonas densamente urbanizadas predominam espécies arbóreas, como a acácia‑do‑japão (Sophora japonica), o jacarandá (Jacaranda mimosifolia), o ulmeiro (Ulmus spp.), o choupo (Populus spp.), a tília (Tilia ssp.) e a pimenteira‑bastarda (Schinus molle), entre outro tipo de vegetação arbustiva e herbácea23.

Obtenção e análise dos dados meteorológicos

Os valores médios diários de temperatura do ar, humidade relativa, precipitação e velocidade do vento foram obtidos pela estação meteorológica do Instituto Superior

Técnico (38º 44’ 9’’N; 9º 08’18’’W, altitude média de 100 metros acima do nível do mar), localizada próxima da estação de monitorização de bioaerossóis de Lisboa24.

A influência dos fatores meteorológicos sobre as concentrações dos esporos de fungos foi analisada através da correlação de Spearman, utilizando‑se o programa IBM SPSS Statistics 22.0 (Armonk, NY, EUA).

RESULTADOS

Durante o ano de 2013, na atmosfera de Lisboa coletaram‑se 657922 esporos de fungos pertencentes a 105 tipos de esporos de fungos morfologicamente diferentes (36 tipos de conídios, 32 de ascósporos, 23 de basidiósporos, 3 de mixomicetos, 2 de líquenes de ascósporos e 1 de oomicetos). Registou‑se uma concentração média diária de 1803 esporos/m3 e a máxima concentração absoluta diária de 13561 esporos de fungos/m3 no dia 6 de outubro. Em termos gerais, verificou‑se a presença de esporos de fungos na atmosfera da região de Lisboa durante todo o período em análise (Figura 1). As concentrações de esporos de fungos mais elevadas ocorreram entre o final da primavera e o outono. O outono foi a estação do ano com maior concentração de esporos de fungos, 308 192 esporos de fungos/m3, destacando‑se o mês de outubro com um índice mensal de 172 507 esporos de fungos. O verão, com 188 715 esporos de fungos, foi a segunda estação do ano com maior índice, seguindo‑se a primavera com 99 995 esporos de fungos, em que só no mês de junho se coletaram 69 598 esporos.

O inverno foi a época em que se registou o índice mais baixo, 47 243 esporos de fungos.

A análise da concentração anual do total dos diferentes tipos de esporos de fungos (Figura 2) mostrou que os conídios (fungos anamórficos) foram os esporos mais abundantes no ar atmosférico da cidade de Lisboa, seguidos pelos basidiósporos, os ascósporos, os mixomicetos, os líquenes de ascósporos e, por fim, os esporos de oomicetos.

Os períodos de pico de concentração para cada tipo fúngico foram variáveis (Figura 3). Os fungos anamórficos, de que fazem parte os Cladosporium cladosporoide, Cladosporium herbarum, Aspergillus e Alternaria, apresentaram as suas concentrações mais elevadas entre maio e outubro; os basidiósporos no outono (outubro e novembro); os Ascósporos também, nos meses de outono, mas em particular em setembro e outubro, e os restantes tipos de esporos de fungos na primavera e no outono.

Os esporos de fungos predominantes no ar atmosférico da região de Lisboa pertenceram aos tipos Cladosporium cladosporoide, Amanita, Ustilago, Leptosphaeria, Coprinus. Cladosporium herbarum, Mycospharella, Boletus, Aspergillus‑Penicillium, Agaricus e Alternaria, representando cada um mais de 1 % do total coletado (Quadro 1).

Os dias em que as concentrações de Alternaria e Cladosporium são superiores às concentrações reportadas por Rapiejko25, acima das quais podem ocorrer sintomas alérgicos, estão apresentados no Quadro 2.

 

 

O Quadro 3 mostra os coeficientes da correlação de Spearman entre os parâmetros meteorológicos diários e as concentrações médias diárias dos diversos grupos de esporos fúngicos. A temperatura média apresentou uma correlação positiva estatisticamente significativa com as concentrações atmosféricas de fungos anamórficos, mixomicetos e com os esporos totais e uma correlação negativa estatisticamente significativa com os níveis de ascósporos e basidiósporos. Os parâmetros humidade relativa e precipitação apresentaram uma correlação positiva estatisticamente significativa com os ascósporos, mas negativa com os fungos anamórficos, mixomicetos e esporos totais. Os esporos de basidiósporos apresentaram correlação positiva estatisticamente significativa apenas com aprecipitação, tal como os oomicetos. A velocidade média do vento apresentou correlação negativa estatisticamente significativa com os fungos anamórficos, basidiósporos e com a concentração de esporos total.

DISCUSSÃO

Este estudo revela o espetro de fungos da cidade de Lisboa e analisa os fatores meteorológicos que influenciam a sua ocorrência na atmosfera. Num estudo anterior, realizado na região de Lisboa, sobre a carga aeromicológica4, descreveram‑se valores de índice anual de esporos de fungos e de concentração média diária inferiores aos obtidos neste estudo. Esta diferença pode estar associada a variação dos parâmetros meteorológicos em anos diferentes, podendo refletir alterações nos níveis e na variedade dos esporos de fungos presentes no ar atmosférico8,13,26,27.

De acordo com os boletins climatológicos do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA)28,29,30, os anos 2005 e 2013 apresentam diferenças meteorológicas notáveis. O ano de 2005 foi classificado como um ano extremamente seco, com níveis de precipitação bastante inferiores ao valor de referência (1961‑90), enquanto o ano de 2013 foi caracterizado como um ano normal, em que os níveis médios de precipitação e temperatura anuais foram superiores aos valores médios de referência (1971‑2000).

A temperatura, precipitação e humidade relativa têm sido descritas como os parâmetros meteorológicos que mais contribuem para o amadurecimento e dispersão dos esporos de fungos5. Possivelmente, os níveis de precipitação e de temperatura registados em 2013 promoveram o aumento da humidade relativa no ar5,31 e, consequentemente, a ocorrência de condições favoráveis à esporulação e libertação dos esporos, o que pode justificar as elevadas concentrações de esporos de fungos obtidas no ar atmosférico de Lisboa neste mesmo ano.

Outros estudos efetuados na região norte de Portugal6, em Espanha (Santiago de Compostela32 e Madrid33) e na Polónia, Cracóvia34, mencionam valores de concentrações de esporos de fungos inferiores aos obtidos em Lisboa.

Os níveis de esporos de fungos podem variar entre regiões devido à ação de fatores biológicos, ambientais, geográficos e/ou à combinação da ação destes fatores13. A concentração máxima diária absoluta foi registada em Outubro como em estudos realizados na região norte de Portugal em 200715, ou em Badajoz em 201135 e o género Cladosporium também foi o mais encontrado nas amostras aerobiológicas, como descrito na Bibliografia3,15,33,36,37,38.

Vários autores descrevem a existência de um padrão de prevalência sazonal caracterizado por 2 picos de concentração de esporos de fungos distintos, um ocorrido no final da primavera e outro no outono12,33,39. Neste estudo, esta tendência também é notória, tendo‑se registado o primeiro pico, mais pequeno, no final da primavera (junho) e o segundo pico, bastante maior, no outono (outubro). A presença acentuada dos esporos de fungos no ar atmosférico de Lisboa, nas épocas do ano descritas, pode estar relacionada com o facto de se tratar de uma região predominantemente urbana composta de jardins constituídos por árvores ornamentais, cujo ciclo vegetativo, durante a primavera, pode proporcionar o desenvolvimento dos esporos, assim como a posterior queda das suas folhas, no outono, que ao entrarem em decomposição constituem o substrato onde os esporos de fungos crescem6.

As elevadas concentrações de esporos de fungos registadasem junho e em outubro devem‑se, também, ao equilíbrio dos vários fatores meteorológicos atingido nestes meses, pois o comportamento dos esporos de fungos na atmosfera de uma região é dinâmico e complexo e não pode ser associado apenas à ação de um único parâmetro meteorológico13.

Relativamente aos principais grupos de fungos observados na atmosfera de Lisboa, verificou‑se um predomínio de fungos anamórficos, seguidos por esporos de basidiomicetes e ascomicetes. Esta tendência foi igualmente reportada em estudos aerobiológicos anteriores realizados em vários locais de Portugal continental3,4.

Dos fungos anamórficos observados nas amostras de ar atmosférico de Lisboa destacam‑se a Alternária e o Cladosporium, devido à sua elevada relevância aeroalergénica. Os valores de limiar de esporos capazes de desencadear sintomas alérgicos em doentes suscetíveis já foram determinados. De acordo com Rapiejk25, tais valores variam entre 80 e 2800 esporos /m3 de ar para o caso de Alternaria e Cladosporium, respetivamente.

No presente estudo, registaram‑se 13 dias cujas concentrações para a Alternaria foram superiores ao limiar de concentração referido. Foram registados 5 dias em junho, 2 dias em julho, 1 dia em agosto e 5 dias em outubro, com concentrações superiores a 80 esporos/m3 de ar. No caso do Cladosporium registaram‑se 26 dias com concentrações superiores a 2800 esporos/m3, 4 dias em junho, 4 dias em julho, 1 dia em agosto, 3 dias em setembro, 13 dias em outubro e 1 dia em dezembro.

O aumento da frequência de ocorrência e a sobreposição de tais picos de concentração dos dois esporos de fungos poderá constituir um risco acrescido para os doentes sensibilizados a estes alergénios em particular11.

No referente aos basiósporos detetados neste estudo, são caracterizados pela elevada capacidade de dispersão pelo vento, sendo conhecidas várias espécies saprófitas e/ou fitopatogénicas (Coprinus, Ustilago) e com capacidade alergológica (Boletus, oprinus), estando inclusive implicados em sintomas de asma e de rinite alérgica.

Por seu turno, os ascósporos identificados na atmosfera de Lisboa pertencem a espécies de fungos que tendem a ocorrer em vegetação arbustiva e herbácea, preferindo colonizar substratos junto ao solo.

Da análise da correlação de Spearman constatou‑se um claro efeito dos parâmetros meteorológicos sobre as concentrações médias diárias dos esporos de fungos.

Muitos autores procuram uma correlação negativa estatisticamente significativa entre as concentrações fúngicas e a temperatura, pois sabe‑se que o desenvolvimento dos esporos de fungos ocorre a uma temperatura ótima que varia entre 18 e 32ºC, dependendo da espécie, e que quando as temperaturas máximas e mínima são atingidas o crescimento, libertação e dispersão dos esporos são inibidos6,8. Lisboa caracteriza‑se por apresentar temperaturas amenas durante todo o ano, justificando‑se assim a correlação positiva estatisticamente significativa entre a temperatura média e a concentração média diária total. Contudo, verifica‑se que, em agosto, janeiro e fevereiro, quando as temperaturas máximas e mínimas são atingidas, os níveis de esporos de fungos no ar atmosférico diminuem como previamente descrito6,33. A temperatura média tem um efeito positivo estatisticamente significativo com a concentração de conídios, cuja presença no ar atmosférico está associada a elevadas temperaturas e a tempo seco, mas apresenta um efeito negativo estatisticamente significativo sobre os níveis de ascósporos, como previamente descrito14,33,40.

A humidade relativa apresentou uma correlação negativa estatisticamente significativa com a concentração total de esporos de fungos, todavia outros autores6,33 associam elevados níveis de humidade ao aumento da concentração de esporos no ar atmosférico. O resultado obtido pode ser explicado pelo facto dos fungos anamórficos poderem influenciar, notavelmente, a correlação entre a humidade relativa e a concentração de esporos total, uma vez que são os esporos mais abundantes na atmosfera de Lisboa e o efeito da humidade relativa na sua concentração pode ser negativo14. Obteve‑se uma correlação positiva estatisticamente significativa entre os níveis atmosféricos dos esporos de ascósporos, oomicetos e líquenes de ascósporos. Os níveis de ascósporos são favorecidos por este parâmetro meteorológico pois a elevada humidade promove a sua produção e libertação na atmosfera13,33.

Verificou‑se uma correlação negativa da precipitação com a concentração total de esporos6. A precipitação pode bloquear a libertação dos esporos de fungos ou reduzir a sua concentração no ar atmosférico por promover a sua sedimentação, tal como acontece com os grãos de pólen. Porém, a precipitação apresenta uma correlação positiva estatisticamente significativa com os basidiósporos, os ascósporos, os oomicetos e com os líquenes de ascósporos. Outros autores13,41 referem que os ascósporos são abundantes no ar atmosférico durante ou após períodos de chuva, quando a humidade relativa é suficientemente elevada, e explicam que a libertação dos basidiósporos é promovida pelo movimento rápido das gotas de água13,41.

O efeito negativo estatisticamente significativo da velocidade média do vento nas concentrações de esporos total de conídios e basidiósporos está relacionado com a variação da eficiência do coletor na recolha de partículas presentes no ar atmosférico, uma vez que a elevada velocidade do vento pode acelerar as partículas, afastando‑as da trajetória do fluxo do colector6.

CONCLUSÃO

Os esporos de fungos constituem uma fração significativa das biopartículas presentes na atmosfera da cidade de Lisboa, tendo‑se verificado uma prevalência muito elevada de esporos de fungos durante o ano de 2013.

Identificaram‑se mais de uma centena de tipos de esporos de fungos morfologicamente diferentes, sendo os mais predominantes os tipos Cladosporium cladosporoide, Amanita, Ustilago, Leptosphaeria, Coprinus, Cladosporium herbarum, Mycospharella, Boletus, Aspergillus‑Penicillium, Agaricus e Alternaria. O cladosporium esteve presente no ar atmosférico de Lisboa em concentrações superiores a 2800 esporos/m3 em 26 dias, enquanto os níveis de alternaria superiores a 80 esporos/m3 verificaram‑se em 13 dias. A densidade de esporos fúngicos foi em média de 1803 esporos/m3 de ar/dia. Observou‑se uma distribuição do tipo sazonal, registando‑se os valores mais elevados de esporos entre o final da primavera e o outono e as mais baixas no inverno.

Constatou‑se um claro efeito dos parâmetros meteorológicos sobre as concentrações de esporos de fungos presentes no ar. O tipo de influência variou consoante o tipo de esporo de fungo. De entre os fatores meteorológicos, a temperatura média e a humidade relativa foram os fatores que exerceram maior influência nos níveis de esporos de fungos no ar atmosférico de Lisboa.

Embora preliminar, este estudo veio dar a conhecer o comportamento dos vários tipos de esporos de fungos na atmosfera de Lisboa e sublinha a necessidade da sua monitorização. No futuro, a monitorização destas partículas no ar atmosférico trará certamente benefícios, quer a nível agrícola, permitindo a prevenção de fitopatologias, quer a nível clínico no que se refere a uma melhor identificação e controlo dos sintomas alérgicos causados pelos esporos de fungos.

 

REFERÊNCIAS

1. Oliveira M, Ribeiro H, Delgado L, Fonseca J, Castel‑Branco MG, Abreu I. Outdoor allergenic fungal spores: Comparion between nan urban and rural área in northern Portugal. J Investig Allergol Clin Immunol 2010;20:117‑28.         [ Links ]

2. Burch M, Levetin E. Effects of meteorological conditions on spore plumes. Int J Biometeorol 2002;46:107‑17.         [ Links ]

3. Oliveira M, Abreu I, Ribeiro H, Delgado L. Esporos fúngicos na atmosfera da cidade do Porto e suas implicações alergológicas. Rev Port Imunoalergologia 2007;15:61‑85.         [ Links ]

4. Nunes C, Câmara I, Ferreira MB, et al. Fungos na atmosfera de Portugal. Rev Port Imunoalergologia 2008;16:377‑94.         [ Links ]

5. Rodriguez‑Rajo FJ, Iglesias I, Jato V. Variation assessment of airborne Alternaria and Cladosporium spores at different bioclimatical conditions. Mycol Res 2005;109: 497-507.         [ Links ]

6. Oliveira M, Ribeiro H, Abreu I. Annual variation of fungal spores in atmosphere of Porto: 2003. Ann Agric Environ Med 2005; 12:309‑15.         [ Links ]

7. Kurup VP, Shen H, Banerjee B. Respiratory fungal allergy. Microbes and Infection 2000;2:1101‑10.         [ Links ]

8. Simon‑Nobbe B, Denk U, Pöll V, Rid R, Breitenbach M. The spectrum of fungal allergy. Int Arch Allergy Immunol 2008;145:58‑86.         [ Links ]

9. Santos A, Carrapatoso I, Rodrigues F, Geraldes L, Loureiro C, Chieira C. Padrão clínico e laboratorial de sensibilização a fungos. Rev Port Imunoalergologia 2009;17:225‑41.         [ Links ]

10. Sabariego S, Díez A, Gutiérrez M. Monitoring of airborne fungi in Madrid (Spain). Acta Bot Croat 2007;66:117-26.

11. Sousa L, Camacho IC, Grinn‑Gofron A, Camacho R. Monitoring of anamorphic fungal spores in Madeira region (Portugal), 2003‑2008. Aerobiologia (2016) 32: 303-15.         [ Links ]

12. Santos H. Espectro de esporos de fungos alergisantes na atmosfera de Lisboa. Tese de Doutoramento. Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa. Lisboa, Portugal. 2011.         [ Links ]

13. Grinn‑Gofron A, Bosiacka B. Effects of meteorological factors on the composition of selected fungal spores in the air. Aerobiologia 2015;31:63-72.         [ Links ]

14. Zoppas BCA, Valencia‑Barrera RM, Duso SMV, Fernandez‑Gonzalez D. Fungal spores prevalent in the aerosol of the city of Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brazil, over a 2‑year period (2001-2002). Aerobiologia 2006;22:119-26.         [ Links ]

15. Oliveira M, Ribeiro H, Delgado JL, Abreu I. The effects of meteorological factors on airborne fungal spore concentration in two areas differing in urbanisation level. Int J Biometeorol 2009b; 53:61‑73.

16. Hameed AAA, Khoder MI, Ibrahim YH, Saeed Y, Osman ME, Ghanem S. Study on some factors affecting survivability of airbone fungi. Science of the Total Environment 2012;414:696‑700.         [ Links ]

17. Caeiro E, Camacho IC, Lopes L, Gaspar A, Todo‑Bom A, Ferraz de Oliveira et al. Rede Portuguesa de Aerobiologia: Resultados da monitorização de pólen atmosférico (2002‑2006). Rev Port Imunoalergologia 2007;17:235‑50.         [ Links ]

18. Caeiro E, Brandão R, Carmo S, Lopes L, Morais de Almeida M, Gaspar  et al. Análise das concentrações de pólen de gramíneas na atmosfera de Portugal Continental. Rev Port Imunolaergologia 2014;22:125-38.         [ Links ]

19. Smith EG. Sampling and identifying allergenic pollens and molds. An illustrated manual for physicians and lab. Technicians. Blewstone Press (1st Edition) San Antonio, Texas, 92pp. 1984.         [ Links ]

20. Smith EG. Sampling and identifying allergenic pollens and molds. An illustrated manual for physicians and lab. Technicians. Blewstone Press (1st Edition). San Antonio, Texas, Vol II, 92pp. 1986.         [ Links ]

21. Ramos IES, Santana MD. Pólenes y esporas aerovagantes en Canarias: incidência en alergias. Colección Materiais Didácticos Universitarios. Série Botânica/1 (1.ª Edición). Universidad de la Laguna, Tenerife, 248pp. 2003.         [ Links ]

22. Aira MJ, Jato V, Iglesias I, et al. Calidad del Aire. Polen y esporas en la Comunidade Gallega. Colección Técnica Medio Ambiente. Xunta de Galicia, Espanha, 237pp.         [ Links ]

23. Caeiro E. Aerobiologia do pólen de Poaceae, Olea europaea L. e Platanus hybrida Brot. e potenciais repercussões na doença alérgica respiratória no Sul de Portugal. Tese de Doutoramento. Instituto de Investigação e Formação Avançada, Universidade de Évora. Portugal. 2013.         [ Links ]

24. Boletim anual do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, I, P. (IPMA, IP), acedido de http://meteo.ist.utl.pt/index.php, em 28/07/2014.         [ Links ]

25. Rapiejko P, Lipiec A, Wojdas A, Jurkiewicz D. Threshold pollen concentration necessary to evoke allergic symptoms. International Review of Allergology and Clinical Immunology 2004;10: 91‑4.         [ Links ]

26. Hasnain SM. Influence of meteorological factors on the air spora. Grana 1993;32:184‑8.         [ Links ]

27. Sousa ACA, Almeida JRSL, Pereira CC, Pastorinho MR, Pereira ÂMC, Nogueira AJA, et al. Characterization of fungal communities in house dust samples collected from Central Portugal – A preliminary survey. Journal of Toxicology and Environmental Health, Part A: Current Issues 2014;77:972-82.         [ Links ]

28. Caracterização Climática do ano 2005. Instituto de Meteorologia, IP. Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. http://www.meteo.pt.         [ Links ]

29. Boletim Climatológico Anual – 2013, Portugal Continental. Instituto Português do Mar e da Atmosfera, IP. http://www.ipma.pt.         [ Links ]

30. Boletim anual do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, IP (IPMA, IP), acedido de http://meteo.ist.utl.pt/index.php, em 28/07/2014.         [ Links ]

31. Hjelmroos M. Relationship between airborne fungal spore presence and weather variables: Cladosporium and Alternaria. Grana 1993; 32:40‑7.         [ Links ]

32. Aira MJ, La‑Serna I, Dopazo, A. Identification of fungal spores in the atmosphere os Santiago de Compostela (NW Spain) in the winter period. Polen 2003;12:65‑76.         [ Links ]

33. Herrero AD, Ruiz SS, Bustillo MG, Morales PC. Study of airborne fungal spores in Madrid, Spain. Aerobiologia 2006;22:135‑42.         [ Links ]

34. Stepalska D, Wolek J. Variations in fungal spore concentrations of selected taxa associated to weather condition in Cracow, Poland, in 1997. Aerobiologia 2005;21:43‑52.         [ Links ]

35. Fernandez‑Rodríguez S, Tormo‑Molina R, Maya‑Manzano JM, Silva‑Palacios I, Conzalo‑Garijo A. Outdoor airbone fungi captured by viable and non‑viable methods. Fungal Ecology 2014;7:16‑26.         [ Links ]

36. Henríquez VI, Villegas GR, Nolla JMR. Airborne fungi monitoring in Santiago, Chile. Aerobiologia 2001;17:137‑42.         [ Links ]

37. Almaguer M, Rojas‑Flores TI, Rodriguez‑Rajo FJ, Aira MJ. Airborne basidiospores of Coprinus and Ganoderma in a Caribbean region. Aerobiologia 2014;30:197‑204.         [ Links ]

38. O’Connor DJ, Sadys M, Skjøth CA, Healy DA., Kennedy R., Sodeau JR. Atmospheric concentrations of Alternaria, Cladosporium, Ganoderma and Didymella spores monitored in Cork (Ireland) and Worcester (England) during the summer of 2010. Aerobiologia 2014;30:397‑411.         [ Links ]

39. Levetin E. Studies on airborne basidiospores. Aerobiologia 1990; 6:177‑80.         [ Links ]

40. Trejo FH, Rodríguez AFM, Molina RT, Palacios IS. Airborne ascospores in Mérida (SW Spain) and the effect of rain and other meteorological parameters on their concentration. Aerobiologia 2012;28:13‑26.         [ Links ]

41. Maya‑Manzano JM, Fernandez‑Rodriguez S, Hernandez‑Trejo F, Diaz‑Perez G, Gonzalo‑Garijo A, Silva‑Palacios I, et al. Seasonal Mediterranean pattern for airborne spores of Alternaria. Aerobiologia 2012;28:515-25.         [ Links ]

 

Correspondence to:

Raquel Ferro

Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC)

Rua Manuel Rodrigues da Silva, 7C – Escritório 1

1600‑503 Lisboa, Portugal

Fax: +351 217152428

E‑mail: rferro@uevora.pt

 

Agradecimentos: Os autores agradecem ao Professor Doutor Rafael Tormo‑Molina e ao Doutor Santiago Fernández Rodríguez (Universidade da Extremadura – Faculdade de Ciências, Badajoz) pelo ensino, colaboração e disponibilidade permanente durante a formação da primeira autora sobre a identificação e quantificação de esporos de fungos.

Os autores agradecem à Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica a disponibilidade na cedência dos dados ao Grupo de Interesse em Aerobiologia da SPAIC.

 

Financiamento: Nenhum.

 

Declaração de conflito de interesses: Nenhum.

 

Data de receção / Received in: 21/07/2017

Data de aceitação / Accepted for publication in: 18/10/2017

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License