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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.26 no.1 Lisboa mar. 2018

 

CASO CLÍNICO

 

Hipersensibilidade alérgica a componentes de silicone de pacemaker: Uma nova causa de dermatite de contacto?

Allergy to pacemaker silicone compounds: A new cause of contact dermatitis?

 

Letícia Pestana1, Ana Mendes1, Pedro Marques2, Manuel Pereira Barbosa1

1Serviço de Imunoalergologia

2Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Maria, CHLN, EPE

 

Correspondence to:

 

RESUMO

Estão descritas, ainda que raras, situações de dermatite de contacto alérgica (DCA) a diversos componentes de dispositivos de cardioversão elétrica. O silicone é um composto descrito em casos de DCA, tais como pacemakers, implantes mamários ou implantes cocleares. A localização das lesões normalmente auxilia a identificação do agente. Contudo, é fundamental o diagnóstico atempado e diferencial com processos infeciosos. A referenciação à Imunoalergologia permite uma investigação adequada, com testes epicutâneos de contacto, podendo identificar a causa e oferecer alternativas seguras. Os autores descrevem um caso clínico de suspeita de alergia de contacto a componentes de cardioversor‑desfibrilhador (CRT‑D) implantado.

Palavras‑chave: Dermatite de contacto alérgica, silicone, pacemaker.

 

ABSTRACT

Although rare, allergic contact dermatitis (ACD) is well described to various components of electrical cardioversion devices. Silicone is a compound described in cases of ACD, such as pacemakers, breast implants or cochlear implants. The location of the lesions usually assists the identification of the agent. However, differential diagnosis with infectious processes is required. The referral to Immunoallergology’s Department allows an adequate investigation, with epicutaneous contact tests, being able to identify the cause and offer safe alternatives. The authors describe a clinical case of suspected contact allergy to implanted cardioverter‑defibrillator (CRT‑D) components.

Keywords: Allergic contact dermatitis, silicone, pacemaker.

 

INTRODUÇÃO

Embora se presumisse o silicone como um material inerte, sendo amplamente utilizado, desde o início da utilização deste material em implantes que têm sido descritas reações imunomediadas em tecidos humanos e animais1–3. A dermatite de contacto alérgica aos componentes de pacemakers é uma complicação rara desta terapêutica de caráter permanente (sendo a sua incidência ainda desconhecida) e que pode cursar com erupção cutânea, prurido, dor e edema flutuante na área do gerador várias semanas ou meses após a sua colocação4.

Estão documentados múltiplos casos de reações alérgicas a componentes como epóxi5, compostos de metal, poliuretano ou policloroparaxileno (parileno)5. A dermatite de contacto alérgica a componentes de silicone tem sido pouco descrita6,7. O diagnóstico requer testes de contacto com componentes do gerador e elétrodos, e a resolução do quadro pode exigir a substituição do sistema de pacing. No entanto, é sempre necessária a exclusão de processos infeciosos45.

O objetivo deste artigo é detalhar o curso clínico e o diagnóstico de um doente com alergia a componentes de silicone do cardioversor‑desfibrilhador (CRT‑D) implantado.

CASO CLÍNICO.

Doente do sexo masculino, 48 anos, antecedentes pessoais de insuficiência cardíaca congestiva (NYHA classe III) e cardiomiopatia dilatada idiopática (FEVE <30 %), orientado de acordo com as guidelines para terapêutica de ressincronização cardíaca com cardioversor‑desfibrilhador (CRT‑D) implantado. A implantação inicial do sistema de ressincronização cardíaca (atrio‑biventricular) foi feita com o dispositivo CRT‑D (D234TRK Inquiry, 3.2mm, Medtronic), a nível peitoral esquerdo, subcutâneo. A implantação foi bem‑sucedida, observando‑se melhoria clínica significativa durante o primeiro ano de follow‑up.

Treze meses após o procedimento, o doente recorre ao hospital com quadro de eritema, edema e prurido locais, com cerca de um mês de evolução, sem exsudado e sem sintomas sistémicos acompanhantes (sem dor local e sem febre). O doente desconhecia história de alergia a metais como níquel ou cobalto ou qualquer outra reação de contacto. O quadro infecioso foi excluído (exame bacteriológico de amostra colhida na área de implantação do dispositivo e controlo analíticos foram negativos; a radiografia de tórax não mostrou alterações de relevo). Foi então submetido a uma primeira explantação completa do sistema e à implantação, alguns dias depois, de novo sistema CRT‑D (Protecta XT CRT‑D; Medtronic), a nível peitoral direito, subcutâneo. Quatro meses após, recorre novamente ao hospital, sendo internado com quadro clínico sobreponível ao anterior. Foi igualmente excluído quadro infecioso, sendo o doente submetido a uma segunda explantação e reposicionamento submuscular direito. Oito meses após o procedimento, o doente refere reinício de novo quadro caraterizado por eritema doloroso, prurido, edema flutuante e exsudado confinados ao local do implante. Foi solicitado o apoio do

Serviço de Imunoalergologia por suspeita de quadro alérgico. Realizaram‑se testes epicutâneos com a série standard europeia para dermatite de contacto, incluindo alergénios como cobalto, níquel, e epóxi e os resultados foram negativos (Figura 1). Foi contactado o fabricante da marca do CRT‑D e solicitado kit com materiais presentes no gerador e elétrodos para realização de testes epicutâneos, incluindo titânio revestido com parileno, borracha de silicone, “polissulfone” e poliuretano.

 

 

Os testes de contacto foram realizados duas semanas após os testes iniciais (não foi realizada sessão de testes com a série de metais por indisponibilidade do material na altura). Após 96 horas, verificou‑se positividade (+) para componentes contendo silicone: silicone MDX 70, 50 ETR silicone e silicone Med 4719 (Figuras 2 e 3). Foi considerada como provável uma reação de hipersensibilidade de tipo IV e realizado novo implante de CRT‑D sem silicone (CRT‑D Medtronic Protecta XT CRT‑DD354TRM (4.0). A terapêutica local com corticosteroide tópico e descontinuação progressiva permitiu a resolução completa das lesões cutâneas após três meses.

 

 

 

 

Após dois anos de seguimento, o doente permanece assintomático, não se observando recorrência do quadro de eritema, edema nem prurido.

COMENTÁRIO

Têm sido descritas diversas reações de hipersensibilidade alérgica a componentes de pacemakers, porém o silicone tem sido um composto menos envolvido7. O silicone é um produto derivado do silício que no seu estado natural se combina com o oxigénio para formar o dióxido de silício ou sílica, sendo estes compostos quimicamente inertes, inodoros, insípidos e incolores. Tem sido usado frequentemente para cobrir dispositivos que contenham materiais provados como de maior potencial alergénico, como o titânio, policloroparaxileno (parileno) ou poliuretanos8. Os dispositivos médicos de silicone têm potencial para induzir reações inflamatórias de corpo estranho e reações inflamatórias não alérgicas locais e sistémicas910.

No entanto, têm surgido evidências de reações de hipersensibilidade alérgica a este composto. Na maioria dos casos de alergia ao silicone presente em dispositivos de cardioversão elétrica, como neste caso, a hipersensibilidade tardia parece desempenhar um papel importante. Atualmente, apenas foram relatados dois casos de hipersensibilidade do tipo imediato a um tubo traqueal de silicone por Rubio et al.7 e Stuck et al.10 O caso apresentado demonstra que é importante considerar a dermatite de contato alérgica como causa, ainda que pouco frequente, de complicações repetidas no local de colocação de pacemakers. Ainda que os processos infeciosos sejam a causa mais habitual perante quadros clínicos de dor e eritema locais, a hipótese diagnóstica de alergia a materiais do gerador e elétrodos deve ser descartada. Além disso, os testes epicutâneos com materiais fornecidos pela marca do dispositivo podem ser necessários para verificar reação a um componente específico; os testes com a série básica podem não ser suficientes. Salienta‑se a importância de testar materiais como o óxido de titânio, cada vez mais frequente em relatos da literatura, e no caso descrito apenas aplicado revestido com parileno. No entanto, os resultados dos testes e a posterior evolução clínica excluem esta sensibilização.

Uma vez que a alergia tenha sido demonstrada, é imperativo que o componente seja eliminado ou completamente revestido de materiais com menor potencial alergénico10.

Finalmente, e ainda que raras, sabe‑se que existem alergias a múltiplos componentes do pacemaker. O diagnóstico só pode ser realizado se a alergia for considerada no diagnóstico diferencial.

 

REFERÊNCIAS

1. Hunsaker DH, Martin PJ. Allergic reaction to solid silicone implant in medial thyroplasty. Otolaryngol Head Neck Surg 1995;113:782-4.         [ Links ]

2. Smalley DL, Shanklin DR. T‑cell‑specific response to silicone gel. Plast Reconstr Surg 1996;98:915-6.         [ Links ]

3. Heggers JP, Kossovsky N, Parsons RW, Robson MC, Pelley RP, Raine TJ. Biocompatibility of silicone implants. Ann Plast Surg 1983;11:38-45.         [ Links ]

4. Mihaela L. Oprea, MD, Heike Schnöring, MD, et al. Allergy to pacemaker silicone compounds: recognition and surgical management. Ann Thorac Surg 2009;87:1275-7.         [ Links ]

5. Citerne O, Gomes S, Scanu P, et al. Painful eczema mimicking pocket infection in a patient with an ICD: A rare cause of skin allergy to nickel/cobalt alloy. American Heart Association 2011;123:1241‑2.         [ Links ]

6. Maushagen E, Reichle B, Simon H. Circumscriptive erythema after implantation of a cardiac pacemaker. Z Kardiol 1994;83:340-2.         [ Links ]

7. Rubio A, Ponvert C, Goulet O, Scheinmann P, et al. Allergic and non‑allergic hypersensitivity reactions to silicone: a report of one case Allergy 2009:64:1554-61.         [ Links ]

8. Abdallah HI, Balsara RK, O’Riordan AC. Pacemaker contact sensitivity: clinical recognition and management. Ann Thorac Surg 1994;57:1017-8.         [ Links ]

9. Andersen KE. Cutaneous reaction to an epoxy‑coated pacemaker. Arch Dermatol 1979;115:97-8.         [ Links ]

10. Stuck BA, Hecksteden K, Klimek L, Hormann K. Type I hypersensitivity to a silicone tube after laryngectomy. HNO 2004; 52:255-7.         [ Links ]

 

Correspondence to:

Letícia Pestana

Email: marialeticiapestana@gmail.com

 

Financiamento: Nenhum.

 

Declaração de conflito de interesses: Nenhum.

 

Data de receção / Received in: 15/09/2017

Data de aceitação / Accepted for publication in: 21/09/2017

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