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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

Print version ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.27 no.1 Lisboa Mar. 2019

https://doi.org/10.32932/rpia.2019.03.004 

ARTIGO ORIGINAL

 

Monitorização de esporos de fungos em Lisboa, 2014‑2016

Monitorization of fungal spores in Lisbon, 2014-2016

 

Raquel Ferro1,2, Carlos Nunes3, Irene Camacho4, Miguel Paiva5, Mário MoraisAlmeida6

1 Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) – Grupo de Interesse de Aerobiologia, Lisboa

2 Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais Mediterrânicas (ICAAM), Universidade de Évora

3 Centro de Imunoalergologia do Algarve, Portimão

4 Centro de Competência das Ciências da Vida, Universidade da Madeira, Funchal

5 Serviço de Imunoalergologia do Hospital de Dona Estefânia, Centro Hospitalar Lisboa Central, Lisboa

6 Centro de Alergia, Hospitais CUF‑Descobertas e CUF Infante Santo, Lisboa

 

Correspondência para:

 

RESUMO

Objetivo: Avaliar a distribuição dos esporos de fungos potencialmente alergizantes em Lisboa no triénio 2014‑2016, caracterizar a sua prevalência na atmosfera e estudar a influência dos fatores meteorológicos nas suas concentrações. Métodos: Monitorizaram‑se os esporos de fungos presentes no ar atmosférico de Lisboa entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2016. A amostragem foi efetuada através um captador Burkard Seven Day Volumetric Spore‑trap®. Para identificação e quantificação de esporos de fungos recorreu‑se a um sistema de leitura ao microscópio ótico baseado na análise de uma linha longitudinal ao centro da lâmina com uma ampliação de 600x. A influência dos factores meteorológicos sobre as concentrações dos esporos foi realizada pela análise da correlação de Spearman. Resultados: Neste estudo obteve‑se uma concentração média diária de 3118 esporos/m3 de ar. A concentração anual total de esporos de fungos de 2014 foi a mais elevada (1 258 580 esporos/m3 de ar). Os tipos de esporos com maior prevalência na atmosfera de Lisboa foram Cladosporium cladosporoides (48,2%), Coprinus(4,5%), Leptosphaeria (2,5%), Agaricus (2,0%), Cladosporium herbarum (1,9%), Ustilago(1,5%) e Alternaria (1,2%). As concentrações mais elevadas registaram‑se nos meses de verão e outono. Constatou‑se um claro efeito dos parâmetros meteorológicos sobre as concentrações dos esporos de fungos. A temperatura média apresentou uma correlação positiva com a concentração total de esporos Cladosporium, Alternaria e Ustilagoe negativa com Coprinus, Agaricuse Leptosphaeria. A humidade relativa e a precipitação, relacionadas com a concentração total de esporos fúngicos, tiveram um efeito positivo significativo sobre os níveis de Coprinus, Agaricuse Leptosphaeria, apresentando uma correlação negativa com os níveis de Cladosporium, Alternaria e Ustilago. Conclusão: Este estudo permitiu conhecer o tipo e a distribuição dos esporos de fungos presentes na atmosfera de Lisboa. Verificou‑se uma tendência sazonal semelhante nos três anos estudados. Os níveis de esporos de fungos mais elevados foram registados no verão e no outono. O género Cladosporiumrepresentou 50% do total dos esporos coletados. A variação dos parâmetros meteorológicos influencia, claramente, as concentrações dos esporos de fungos. A temperatura média foi o fator que exerceu maior influência nos níveis de esporos.

Palavras‑chave: Aerobiologia, esporos de fungos, fatores meteorológicos, Lisboa.

 

ABSTRACT

Objectives: To evaluate the distribution of potentially allergenic spores in the city of Lisbon in the triennium 2014‑2016, to charactere its prevalence in the outdoor atmosphere and to study the influence of the meteorological factors on the concentrations. Methodology: Monitoring data from the Lisbon station of the Portuguese Aerobiology Network of fungal spores from 1 January 2014 to 31 December 2016 were analyzed. A Burkard Seven Day Volumetric Spore‑trap® collector and optical microscope reading system based on the analysis of a longitudinal line at the center of the slide with a magnification of 600x were used. The influence of the meteorological factors on the concentrations of fungal spores was examined with the Spearman correlation analysis. Results: In this study, a mean daily concentration of 3.118 spore fungal/m3 spores was obtained. The highest annual concentration observed was in 2014 (1.258.580 spore fungal/m3). The most abundant types of fungi spores were Cladosporium cladosporoides (48,2%), Coprinus (4,5%), Leptosphaeria (2,5%), Agaricus (2,0%), Cladosporium herbarum (1,9%), Ustilago (1,5%) and Alternaria (1,2%). The highest concentrations of fungal spores occurred in the summer and autumn months, being particularly highest in the autumn. A clear effect of meteorological factors on the fungal spores concentrations was observed. The mean temperature presented a positive correlation with total spores, Cladosporium, Alternaria and Ustilago concentrations and a negative correlation with Coprinus, Agaricus and Leptosphaeria levels. Relative humidity and precipitation had a positive effect with Coprinus, Agaricus and Leptosphaeria concentrations but negative with total spores, Cladosporium, Alternaria and Ustilago concentrations. Conclusions: This study allowed to know the type and the distribution of fungal spores present in the atmosphere of Lisbon. There was a similar seasonal trend in the three years studied. The highest levels of fungal spores were recorded in summer and autumn. The genus Cladosporium represented 50% of the total spores collected. The variation of the meteorological parameters clearly influences the concentrations of fungal spores. The mean temperature was the factor that exerted the greatest influence on the spore levels.

Keywords: Aerobiology, climate parameters, fungal spores, Lisbon

 

INTRODUÇÃO

Os esporos de fungos são organismos microscópicos que, sendo de natureza ubíqua, possuem uma grande capacidade para colonizar vários tipos de substrato1. Caracterizam‑se por representarem uma importante fração do material bioaerossol1,2 e, estando presentes na atmosfera durante todo o ano3,4, têm sido largamente associados ao desenvolvimento de manifestações alérgicas2.

Os alergénios fúngicos mais comuns pertencem à classe dos fungos imperfeitos, ou anamórficos (Deuteromicetos), como Alternaria, Cladosporium e Aspergillus/Penicillium, e são capazes de estimular a produção de IgE específica em indivíduos atópicos, desencadeando ou agravando sintomas de rinossinusite ou asma brônquica5.

Os esporos de fungos podem, também, causar reacções alérgicas independentes de IgE através da produção de IgG e deposição local de complexos antigenio‑anticorpo ou, ainda, estimulando mecanismos de hipersensibilidade de tipo celular5. A gravidade das manifestações alérgicas a esporos de fungos depende da sua concentração na atmosfera1.

Contudo, as alergias aos esporos de fungos não estão bem definidas em termos temporais e apresentam um elevado grau de complexidade e variabilidade4,6. Este facto reflete a importância dos estudos aeromicológicos que visam determinar o conteúdo de esporos de fungos no ar atmosférico, uma vez que poderão ser bastante úteis na prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças alérgicas7.

Através da monitorização dos esporos de fungos num determinado local é possível determinar o comportamento sazonal destas partículas alergénicas, possibilitando aos clínicos uma melhor compreensão de agudizações respiratórias em doentes alérgicos sensibilizados3,5,7,8,9. Apesar da sua relevância, o número de estudos que envolvem a identificação e quantificação de esporos de fungos é reduzido5,7 e, no que se refere à determinação da carga aeromicológica da região de Lisboa, foram apenas realizados dois estudos que demonstram que os esporos de fungos mais abundantes no ar atmosférico são os deuteromicetos4,10.

O objetivo do trabalho consistiu em avaliar a distribuição dos esporos de fungos potencialmente alergizantes em Lisboa no triénio 2014‑2016, caracterizar a sua prevalência na atmosfera e estudar a influência dos factores meteorológicos nas suas concentrações.

MATERIAL E MÉTODOS

Para a monitorização dos esporos de fungos utilizaram‑se os dados médios diários das monitorizações de esporos de fungos da estação de monitorização de Lisboa da Rede Portuguesa de Aerobiologia (RPA) efetuadas entre 1 de janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2016.

Na amostragem utilizou‑se um captador volumétrico do tipo Hirst (Burkard Seven Day Volumetric Spore‑trape®) e a metodologia de processamento das amostras a associada a esse tipo de coletor e padronizada pela RPA‑SPAIC4,11,12.

Para a identificação e quantificação dos esporos de fungos recorreu‑se à leitura, ao microscópio ótico, de uma linha longitudinal ao centro da lâmina com uma ampliação de 600x. A identificação dos diversos tipos de esporos fúngicos assentou numa classificação com base na aparência e nas características morfológicas, como cor, dimensão e forma dos esporos, e foi efetuada com apoio de bibliografia da especialidade13,14,15,16.

Os resultados foram expressos em número médio de esporos de fungos por metro cúbico de ar.

Localização do captador

O captador volumétrico encontrou‑se instalado no Hospital D. Estefânia, em Lisboa, a 20 metros do solo (38º 43’N; 9º 08’O, altitude média de 55 metros acima do nível do mar).

Caracterização da área em estudo

A cidade de Lisboa localiza‑se na região da Estremadura, na margem direita do rio Tejo perto da sua foz, e com cerca de 550 000 habitantes corresponde à maior área urbana de Portugal. Devido à influência marítima, o clima de Lisboa é ameno e caracteriza‑se pela presença de fracas amplitudes térmicas, por um período seco bem definido (verão) e por uma grande irregularidade pluviométrica anual e inter‑anual.

Do coberto vegetal da região de Lisboa fazem parte plantações de eucalipto (Eucalyptus globulus), de oliveira, bem como de pinheiro-bravo (Pinus pinater). Nos espaços verdes localizados nas zonas densamente urbanizadas predominam espécies arbóreas, como a acacia‑do‑japao (Sophora japonica), o jacarandá ( Jacaranda mimosifolia), o ulmeiro (Ulmus spp.), o choupo (Populus spp.), a tília (Tilia ssp.) e a pimenteira‑bastarda (Schinus molle), entre outro tipo de vegetação arbustiva e herbácea.

Obtenção e análise dos dados meteorológicos

Os valores médios diários de temperatura média do ar, humidade relativa e precipitação foram obtidos pela estação meteorológica do Instituto Superior Técnico (38.º 44’ 9’’N; 9.º 08’18’’O, altitude média de 100 metros acima do nível do mar), localizada próxima da estação de monitorização de bioaerossóis de Lisboa (http://meteo.ist.utl.pt/index.php)17.

Devido à não linearidade e não normalidade das variáveis analisadas utilizou‑se a correlação de Spearman para avaliar a relação entre as concentrações médias diárias dos esporos de fungos e os parâmetros meteorológicos.

A análise estatística foi realizada através do programa IBM SPSS Statistics 22.0 (Armonk, NY, USA).

RESULTADOS

Durante o período de estudo verificou‑se uma concentração média diária de 3118 esporos/m3 de ar. O ano com maior concentração média diária foi 2014, com 3430 esporos/m3 de ar, enquanto 2015 foi o ano em que se registou a concentração média diária mais baixa, 2807 esporos/m3 de ar (Quadro 1).

 

 

Verificou‑se a presença de esporos de fungos na atmosfera de Lisboa durante todo o triénio estudado. A distribuição dos esporos de fungos foi semelhante nos três anos (Figura 1). Contudo, o valor diário de concentração de esporos de fungos mais elevado foi de 23 628 esporos/m3 de ar, registado a 13 de novembro de 2014. Os meses de inverno foram os que apresentaram concentrações de esporos de fungos mais baixas (Quadro 1).

 

 

Os tipos de esporos de fungos com maior prevalência no ar atmosférico da cidade de Lisboa foram Cladosporium cladosporoides, Coprinus, Leptosphaeria, Agaricus, Cladosporium herbarum, Ustilagoe Alternaria, representando cada um mais de 1% do total coletado (Quadro 2). Cladosporium é o género fúngico com maior prevalência, representando 50,1% do total de esporos observados no período estudado (Quadro 2).

 

 

A distribuição sazonal dos esporos de fungos representados no espetro fúngico está apresentada na Figura 2.

Rapiejko (2004)18 determinou que os limiares de concentração acima do qual poderá ocorrer manifestação de sintomas alérgicos a Alternaria e Cladosporiumsão, respetivamente, 80 e 2800 esporos de fungos/m3 (Quadro 3).

O número de dias registado durante o triénio em análise com concentrações superiores aos níveis referidos e as suas concentrações médias anuais estão representados no Quadro 3. Em Lisboa, as temperaturas mais baixas foram registadas nos primeiros meses do ano e a temperatura máxima em agosto. Durante o período estudado, a temperatura média anual, máxima e mínima foram 16,1ºC, 20,1ºC e 13,3ºC, respetivamente (Quadro 4). Em oposição, os valores máximos de humidade relativa foram determinados nos primeiros meses do ano, janeiro e fevereiro e a humidade relativa mínima foi registada nos meses de verão. Em Lisboa, a humidade relativa média anual foi de 62,1%, sendo a média máxima 77,3% e a média mínima de 44,1% (Quadro 4). Relativamente à precipitação, verificou‑se uma maior concentração de chuva nos meses de outono e inverno. O nível médio anual foi de 632 mm, tendo sido o volume máximo de precipitação registado em 2014 915 mm (Quadro 4).

Os resultados da análise de correlação entre as concentrações médias diárias dos esporos de fungos e os parâmetros meteorológicos estão apresentados no Quadro 5.

No parâmetro temperatura média verificou‑se uma correlação positiva, estatisticamente significativa, com as concentrações atmosféricas de esporos totais de Cladosporium cladosporoides, Cladosporium Herbarum, Ustilagoe Alternaria e uma correlação negativa com os esporos de Coprinus, Leptosphaeriae Agaricus.

No parâmetro humidade relativa verificou‑se uma correlação estatisticamente positiva com os esporos Coprinus, Leptosphaeriae Agaricus, sendo estatisticamente negativa com o Cladosporium cladosporoides, Cladosporium herbarum, Ustilago e Alternaria, não existindo correlação estatisticamente significativa com a contagem total de esporos.

No parâmetro precipitação verificou‑se uma correlação estatisticamente positiva com os esporos Coprinus, Leptosphaeriae Agaricus, sendo estatisticamente negativa com Cladosporium cladosporoides, Cladosporium herbarum, Ustilagoe Alternaria, não existindo novamente correlação estatisticamente significativa com a contagem total de esporos.

DISCUSSÃO

Este estudo carateriza a variação e a distribuição dos esporos de fungos presentes no ar atmosférico da cidade de Lisboa durante três anos e analisa a influência dos fatores meteorológicos na sua dinâmica sazonal.

Observou‑se a presença de esporos de fungos na atmosfera de Lisboa durante todo o período em análise, como mostram outros estudos realizados nesta região4,10.

De um modo geral, e embora as concentrações médias diárias tenham apresentado variações consideráveis, verificou‑se uma clara prevalência sazonal durante o triénio.

As concentrações dos esporos de fungos aumentaram progressivamente a partir do mês de maio, sendo as concentrações mais elevadas registadas entre os meses de julho a outubro, como ocorreu no Noroeste da Península Ibérica19 ou no Porto, uma cidade portuguesa com características semelhantes por se tratar de uma estação urbana e litoral20.

Os níveis de esporos aqui descritos revelaram‑se superiores aos já obtidos nas amostras de ar atmosférico da região de Lisboa4,10 e, também, do Porto3,5,10. Porém, em Amares, na região do Minho, uma cidade rural do interior português, os índices de esporos de fungos obtidos foram bastante semelhantes aos obtidos em Lisboa nos três anos estudados3. As variações quantitativas dos esporos de fungos no ar atmosférico são determinadas, principalmente, pelas extensões das áreas com substrato disponível para o desenvolvimento destes bioaerossóis e pelas diferenças climáticas19. Locais com temperaturas mais elevadas durante o período de esporulação principal apresentam maiores concentrações fúngicas19. Os elevados níveis de esporos de fungos obtidos em Lisboa podem estar associados ao facto de esta cidade ser de uma região urbana composta por inúmeros jardins que suportam o substrato necessário ao desenvolvimento dos esporos4,20 mas, sobretudo, às temperaturas amenas e à fraca amplitude térmica que se regista na região.

A variação anual pouco significativa dos parâmetros meteorológicos nos três anos estudados em equilíbrio com fatores internos responsáveis pelo amadurecimento, libertação e dispersão dos esporos pode ser o motivo pelo qual se obtiveram perfis de distribuição sazonal dos esporos de fungos semelhantes de 2014 a 201621. Também o espetro fúngico obtido revelou‑se semelhante aos espetros fúngicos de Lisboa já descritos4,10.

O Cladosporiumfoi o género com maior prevalência nas amostras de ar atmosférico de Lisboa. A dominância deste tipo de esporo de fungo relativamente a outros esporos também analisados tem sido apontada por diversos autores1,4,7,9,10,2124.

A presença de esporos de Cladosporium está associada a áreas urbanas, uma vez que não necessita de vastas extensões de substrato para se desenvolver, justificando‑se as elevadas concentrações obtidas no presente estudo7. Assim sendo, o padrão geral de esporos presentes na atmosfera é condicionado pelas concentrações de Cladosporium4,7 e, consequentemente, o grupo dos esporos anamórficos é o mais abundante em ambientes oudoor7.

Os esporos anamórficos contêm os principais aeroalergénios fúngicos1, o que torna o conhecimento sobre a sua variação sazonal muito importante e útil do ponto de vista clínico1,4,19,25,26. O Cladosporium, uma vez que foi o esporo de fungo mais encontrado na atmosfera de Lisboa, pode ser considerado a principal fonte de alergénio fúngico nesta região5. Estudos revelam que apesar de a sensibilização ao Cladosporium ser baixa em Portugal (1,8‑6,9%), está associada à gravidade da asma e com o seu aparecimento na idade adulta5. Também a Alternaria tem sido considerada um dos principais alergénios presentes no ar atmosférico, e a crescente sensibilização aos seus esporos tem sido reconhecida como um factor de risco para o desenvolvimento, persistência e gravidade da asma5. Neste estudo, verificou‑se a presença dos esporos de Cladosporiume Alternaria na atmosfera de Lisboa durante todo o ano, contudo os seus níveis aumentaram entre maio a outubro, atingindo‑se as concentrações máximas em outubro. Esta tendência foi igualmente observada por outros autores20,26. Verificou‑se ainda que as concentrações destes esporos registadas neste estudo foram bastante superiores às já obtidas em Lisboa4 ou em outras áreas nacionais, como a região do Porto3,5 e Amares3.

Relativamente aos basidiósporos com representação no espetro fúngico, Coprinus, Agaricuse Ustilago, estão associados ao desenvolvimento de doenças respiratórias alérgicas, como a asma e a rinite alérgica, uma vez que as suas pequenas dimensões facilitam uma melhor penetração nas vias aéreas superiores24,27. Estes esporos de fungos apresentaram uma distribuição anual semelhante à descrita na bibliografia24,27. As concentrações mais elevadas de Coprinuse Agaricusforam registadas no outono e inverno, enquanto os níveis de Ustilagoforam mais elevados desde o início da primavera até ao final do verão.

A Leptosphaeriaé o único ascósporo com uma prevalência superior a 1% do total dos esporos coletados, é descrita como um potencial aeroalergénio26,28, uma vez que existem estudos que descrevem uma pequena percentagem de doentes com resposta positiva a testes cutâneos26. Encontra‑se presente na atmosfera de Lisboa durante todo o ano, mas as concentrações mais elevadas foram obtidas em maio e nos meses de outono e inverno, resultado que corrobora os obtidos por Trejo e colaboradores28.

As elevadas concentrações de esporos de fungos de Cladosporiume Altenariana atmosfera de Lisboa, o aumento da frequência de dias com concentrações capazes de causar sintomas e a sobreposição de picos de concentração destes esporos com os basidiósporos e os ascósporos com representação no espectro fúngico da região de Lisboa do triénio 2014‑2016 e a possibilidade de reatividade cruzada entre as diferentes espécies de fungos aumentam o nível de exposição, dos indivíduos suscetíveis de desenvolver doença alérgica respiratória1,4,5,19.

De acordo com os resultados obtidos, 2014 foi o ano estudado com maior potencial de desenvolvimento de manifestações alérgicas a esporos de fungos, uma vez que para além de apresentar uma maior concentração média anual apresenta, também, o maior número de dias com concentração superior a 80 esporos de Alternaria/m3 e a 2800 esporos de Cladosporium/m3.

Da análise da correlação de Spearman constatou‑se um claro efeito dos parâmetros meteorológicos sobre as concentrações médias diárias dos esporos de fungos. A temperatura foi a variável meteorológica mais importante e determinante no aumento das concentrações dos esporos de fungos no ar atmosférico26,29.

Como no estudo realizado em Lisboa em 20134, obteve‑se uma correlação positiva estatisticamente significativa entre as concentrações médias diárias totais e a temperatura média, pois Lisboa caracteriza‑se por apresentar temperaturas amenas durante todo o ano.

Também os esporos anamórficos Cladosporium e Alternaria apresentaram uma correlação positiva estatisticamentesignificativa com a temperatura média e umacorrelação negativa estatisticamente significativa com ahumidade relativa e com a precipitação. A presença atmosféricadeste tipo de esporos está associada a tempo seco e quente9,28,30. Reyes e colaboradores7 referem que os esporos de Cladosporiume de Alternaria têm maior representação nas horas centrais do dia, altura em que as temperaturas são mais elevadas. Os níveis de Cladosporium aumentam quando as temperaturas mínimas sãosuperiores a 13ºC, enquanto os esporos de Alternaria precisam de temperaturas entre os 22º‑28ºC para umcrescimento ótimo7.

Os basidiósporos Coprinuse Agaricuse o ascósporo Leptosphaeriaapresentaram uma correlação negativa estatisticamente significativa com a temperatura média, mas positiva com a humidade relativa e com a precipitação, resultado que apoia a bibliografia28. As concentrações elevadas de basidiósporos são resultado da libertação de esporos promovida pelo movimento rápido das gotas de água, e os ascósporos são abundantes no ar atmosférico durante ou após períodos de chuva quando a humidade relativa é suficientemente elevada26,31.

A humidade relativa e a precipitação estão, também, associadas à disponibilidade de água no substrato o que influencia de forma positiva os níveis destes esporos no ar atmosférico24.

Os esporos de Ustilago, apesar de pertencerem aos basidiósporos, apresentaram uma correlação positiva estatisticamente significativa com a temperatura média e uma correlação negativa estatisticamente significativa com humidade relativa e a precipitação. Os basidiósporos de Ustilagosão considerados esporos de tempo seco, sendo que níveis baixos de humidade relativa potenciam os mecanismos de dispersão destes fungos27.

CONCLUSÃO

Este estudo permitiu conhecer o tipo e a distribuição dos esporos de fungos presentes no ar atmosférico de Lisboa. Verificou‑se uma tendência sazonal semelhante nos três anos estudados, sendo as concentrações mais elevadas registadas nos meses de verão e outono, tendo os meses de inverno apresentado os índices mais baixos.

A concentração média diária obtida foi de 3118 esporos/m3 de ar e 2014 foi o ano com maior índice de esporos de fungos. Os tipos de esporos de fungos com maior prevalência na atmosfera de Lisboa foram Cladosporium cladosporoides, Coprinus, Leptosphaeria, Agaricus, Cladosporium herbarum, Ustilagoe Alternaria, sendo que o género Cladosporium representou 50% do total dos esporos colectados no triénio considerado.

Constatou‑se um claro efeito dos parâmetros meteorológicos sobre as concentrações de esporos de fungos presentes no ar. O tipo de influência variou consoante o tipo de esporo de fungo. De entre os factores meteorológicos, a temperatura média foi o que exerceu maior influência nos níveis de esporos no ar atmosférico de Lisboa.

Este estudo veio dar a conhecer o comportamento dos vários tipos de esporos de fungos na atmosfera de Lisboa e sublinha a necessidade da sua monitorização. A monitorização destas partículas no ar atmosférico trará benefícios a nível clínico no que se refere a uma melhor prevenção, diagnóstico e tratamento dos sintomas causados pelos esporos de fungos.

Podemos concluir que será muito útil uma investigação futura que permita avaliar a relação entre a concentração de esporos fúngicos na atmosfera e as manifestações clínicas de doença alérgica respiratória em indivíduos sensibilizados a fungos.

 

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Contacto:

Raquel Ferro

Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC)

Rua Manuel Rodrigues da Silva, 7C – Escritório 1

1600- 503 Lisboa, Portugal

E-mail: rferro@uevora.pt

 

Agradecimentos

Os autores agradecem à Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica a disponibilidade na cedência dos dados ao Grupo de Interesse em Aerobiologia da SPAIC.

 

Conflito de interesses

Os autores declaram que não existem conflitos de interesse.

 

Data de receção / Received in: 14/02/2018

Data de aceitação / Accepted for publication in: 21/03/2018

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